Sétima Câmara Cível reconhece a obrigação de os Vereadores do Recife devolverem ao Erário valor atualizado, pago indevidamente no início de 1993

08-04-2010 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTROS
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação cível (696-707), interposta por Sérgio José Leite de Melo e outros, em face de sentença de fls. 685-688, da lavra da Excelentíssima Juíza de Direito Clara Maria de Lima Callado. O referido decisum condenou os réus, ora apelantes, a ressarcir aos cofres públicos numerário referente à atualização monetária de valores percebidos a maior, a título de subsídios.

Consta dos autos que os recorrentes foram eleitos para o exercício da vereança municipal entre 1993 e 1997, e que, no início do mandato dos referidos Edis, suas remunerações foram pagas de forma equivocada. É que, a despeito do que dispunha a Constituição Federal de 1988 à época do ocorrido, a Administração da Câmara Municipal tomou como parâmetro para o pagamento dos subsídios de seus membros a importância percebida pelos Deputados Federais, na contramão do que dispunha o art. 29, VI, da Carta Magna.

O valor nominal das parcelas pagas em excesso foi devolvido pelos Vereadores. A despeito disso, o assunto que alimenta a presente contenda vai além, pois a ação popular originalmente ajuizada por Mônica Maria de Amorim Pereira tem por objetivo obter o ressarcimento dos valores referentes à atualização monetária, desconsiderados pelos apelantes.

Argumentou a cidadã, em sua peça vestibular, que, o lapso temporal transcorrido entre a percepção indevida daquele dinheiro e a sua devolução teve o condão de corroer demasiadamente o seu poder aquisitivo, importando, por via oblíqua, em prejuízo ao Erário e enriquecimento sem causa por parte dos Agentes Políticos. Agravaria a lesão, segundo a proponente, a circunstância de que os índices de inflação, à época dos fatos, teriam atingido altos percentuais.

Inconformados com a sentença proferida em seu desfavor, os ex-vereadores interpuseram recurso de apelação, fundado, basicamente, nos seguintes argumentos:

1. A remuneração, ainda que adimplida a maior, foi percebida de boa fé e, em virtude disso, eventuais devoluções não deveriam fazer-se acompanhar por atualização monetária, e;

2. Os valores não compuseram a remuneração dos Vereadores. Diversamente, eram verba de gabinete, passíveis de fazerem frente a despesas relacionadas à manutenção da atividade parlamentar.

Contrarrazões do parquet às fls. 740-753. Faço consignar, por oportuno, que o Ministério Público assumiu o pólo ativo da lide em virtude do óbito da proponente, informado às fls. 666/667, tudo conforme a Lei 4.717/65.

É o que há de importante a relatar.

Em tempo, tendo em vista a suspeição do Exmo. Presidente desta Sétima Câmara, o Des. João Bosco Gouveia de Melo, argüida por ele próprio às fls. 653 quando ainda era Juiz no primeiro grau de jurisdição, penso que o referido magistrado deve ser substituído, por ocasião da sessão em que serão proferidos os votos neste recurso.

Sugiro ao Ilmo. Revisor que, por ocasião da inserção na pauta de julgamento, faça constar a circunstância, a fim de possibilitar à Secretaria Judiciária a convocação do representante do ilustre Juiz.

À Douta Revisão.

Recife, 08 de fevereiro de 2010.

___________________________________
Des. Luiz Carlos Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTRO
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
V O T O

Egrégia Câmara,

Entendo que a Sentença prolatada pela Ilma. Juíza de primeiro grau não é passível de qualquer retoque. Ademais, as alegações trazidas à baila pelos nobres Edis, por ocasião da interposição deste apelo, não me persuadiram, pelas razões que passarei a expor de modo fundamentado.

Como relatei, os Vereadores lastreiam seu recurso em dois alicerces por eles considerados fundamentais. Inicialmente, argüiram que o dinheiro recebido a maior foi percebido de boa-fé. Depois, sustentaram que aquela parcela, paga em excesso, não integrou a remuneração dos membros da Câmara. Diversamente, segundo eles, era verba de gabinete, destinada ao custeio das despesas de cada unidade legislativa.

A presente contenda, a despeito de ter sido instruída com considerável acervo probatório e relevante fundamentação teórica, pode ser elidida sem grandes elucubrações. Ao meu ver, a própria natureza jurídica daqueles valores é irrelevante, pois, independentemente de serem remuneração ou verba de gabinete, foram recebidos de forma indevida e, por algum período, chegaram a guarnecer o patrimônio dos apelantes.

Superadas essas considerações iniciais, tenho que é necessário e suficiente ao deslinde desta lide a fixação de uma importante premissa: a atualização monetária de débitos não tem caráter punitivo, a reprimir, pedagogicamente, os atos ilícitos dos gestores do Erário (sobre o tema, vide EREsp 584183/PB, dentre outros).

Do próprio conceito de atualização monetária extrai-se que o instituto serve para tornar real, efetivo, o poder aquisitivo referente a dinheiro tomado outrora, eventualmente corroído pelo fenômeno inflacionário.

Trocando em miúdos, atualiza-se o valor do dinheiro para minorar as perdas decorrentes da inflação, evitando que situações bizarras tenham lugar, como as evidenciadas pela Revista VEJA de 12 de março de 2008, edição em que um dos temas de relevo era a inflação no Zimbábue, país situado no sudeste da África.

Consta, no referido periódico, que, ano houve naquele país em que a inflação superou o percentual de 150.000% (cento e cinqüenta mil por cento).

Naquele contexto, um dia e meio era tempo suficiente para fazer com que alimentos de primeira necessidade dobrassem de preço. Surpreendentemente, um ano e sete meses era o bastante para fazer com que o dinheiro referente à venda de uma casa de luxo passasse a comprar tão só um litro de óleo para cozinhar (vide, a respeito, sítio eletrônico da Revista, em http://veja.abril.com.br/120308/p_072.shtml).

O exemplo do que ocorreu naquele país chega a ser pitoresco, mas nossa Economia, em tempos não muito distantes, chegou a experimentar absurdos padrões de inflação, com índices acima dos 80%, como o constatado pela Fundação Getúlio Vargas em fevereiro e março de 1990.

A propósito, ainda a título exemplificativo, a inflação acumulada no ano de 1993, época em que se deu o equívoco vastamente trabalhado no âmbito deste processo, superou o patamar dos 2.000%, um dos mais altos da série histórica do IGP-M (Sobre o assunto, as tabelas do Índice Gerais de Preços do Mercado, IGP-M, encontram-se disponíveis para consulta em http://www.portalbrasil.net/igpm.htm).

Neste diapasão, a desconsideração do fenômeno inflacionário teria o inegável condão de possibilitar aos respeitáveis Edis enriquecer sem causa, em razão da simples disponibilidade do dinheiro, pois, não seria absurdo presumir que tão vultosa quantia esteve guardada em contas remuneradas, blindadas pelos efeitos nefastos da inflação observada àquela época.

Eis o mínimo que se poderia esperar dos gestores de patrimônio cuja titularidade não se sabia ao certo a quem atribuir. Outrossim, aumentava a responsabilidade dos mandatários do povo a circunstância de que aquele dinheiro poderia pertencer à coletividade que os elegeu, como de fato pertencia.

Assim, é de se reconhecer ter havido, de fato, a tão mencionada lesão ao Erário – com o correspondente enriquecimento sem causa –, decorrente da devolução somente do valor nominal, em julho de 1993, de valores percebidos entre janeiro e março. A argumentação ganha força se levados em consideração os índices de inflação constatados na época, que superavam os 20% ao mês.

Vendo por esse lado, ousaria afirmar que a dita restituição constituiu-se em fraude perante a coletividade, representando mero ato simbólico, potencialmente apto a acalmar os ânimos da sociedade, estimulada pela grande repercussão que o caso tomou.

Não quero, com a defesa deste entendimento, desautorizar juízo que já foi adotado pelo e. STJ, em lide que resolvia discussão análoga à presente. De fato, como fizeram constar os apelantes, o referido Tribunal Superior, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 10.332/DF, definiu posicionamento consubstanciado na ementa do julgado que peço vênia para transcrever:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. ALEGADO IMPEDIMENTO DO DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA CORTE DE ORIGEM. NÃO-OCORRÊNCIA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. BOA-FÉ DOS IMPETRANTES. NÃO-CABIMENTO DA RESTITUIÇÃO.
1. Afasta-se a alegação de nulidade do acórdão objurgado na hipótese em que a autoridade apontada como coatora não participou do julgamento do mandamus.
2. Consoante a jurisprudência pacificada desta Corte, se, com base em interpretação errônea, má aplicação da lei, ou equívoco da Administração, são pagos indevidamente determinados valores ao servidor de boa-fé, é incabível sua restituição. Na espécie, portanto, não deve ser pago ao erário o valor referente à atualização monetária daqueles valores, pois evidenciada a boa-fé dos magistrados no recebimento da ajuda de custo. Precedentes.
3. Recurso ordinário provido.
(STJ, RMS 10.332/DF. Sexta Turma, Julgamento unânime em 26/06/2007, DJU 03/09/2007 – grifei)

Penso, contudo, que o julgamento retrata um posicionamento isolado daquela Corte, pois, como dito e reiterado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, apenas, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação, independe de culpa das partes (vide REsp 956258/SP, REsp 942759/SP, EREsp 316675/SP, AgRg no REsp 905862/SP, REsp 921039/SP, REsp 916403/SP, dentre muitos outros). É certo que a maioria das lides em que a premissa é assentada se contextualiza em discussões tributárias, contudo, tenho que o pressuposto é geral, devendo-se aplicar indistintamente.

Em face de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelos ex-vereadores da Câmara Municipal do Recife, para manter in totum, a sentença exarada pelo Juízo de primeiro grau. Eventuais controvérsias acerca dos cálculos e índices a serem aplicados devem ser resolvidas na fase da liquidação.

É como voto.

Recife, 16 de março de 2010.

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Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTRO
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

– EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. VEREADORES. PERCEPÇÃO DE VALORES EM EXCESSO. DEVOLUÇÃO SEM CORREÇÃO MONETÁRIA. INDIFERENÇA QUANTO À EXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. JULGAMENTO UNÂNIME.
– Membros da Câmara dos Vereadores do Município do Recife, no período compreendido entre janeiro e março de 1993, perceberam valores a maior, referentes, segundo eles, a verba de gabinete;
– Reconhecida a incorreção, os Edis restituíram o Erário sem, contudo, considerar a depreciação da moeda ocorrida entre a época do recebimento e a efetiva devolução (julho/1993);
– Alegaram, em seu prol, que, por inexistir má-fé, não têm obrigação de adimplir valores referentes à atualização monetária, cabendo-lhes, tão só a restituição do valor nominal;
– Não assiste razão aos apelantes, pois, como bem define o e. STJ, a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, apenas, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação, independe de culpa das partes;
– A adoção de entendimento diverso terá o inegável condão de possibilitar aos réus, ora recorrentes, enriquecimento sem causa, em detrimento de toda a coletividade, pois, no interregno compreendido entre a percepção e a restituição, tiveram aqueles Edis plena disponibilidade do numerário;
– É razoável presumir que, na condição de tutores do patrimônio público, cuidaram de evitar que o numerário – potencialmente público – se depreciasse pelos efeitos nefastos da inflação vigente à época, blindando-os em contas remuneradas;
– Apelação a que se nega provimento, para manter, à totalidade, a sentença impugnada pelos recorrentes.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 178477-6, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Recife, em que figuram como Apelante Sérgio José Leite de Melo e OUTROS e como Apelado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, negar provimento ao Recurso de Apelação Cível interposto pelos particulares, nos termos dos votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar esse julgado.

Recife, 16 de março de 2010.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sentença sobre repasse de 1% do orçamento, para o Fundo Municipal da Criança é mantida pelo TJPE

06-04-2010 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Voto e acórdão da 8ª Câmera Cível do TJPE, confirmando sentença de minha lavra, sobre a obrigatoriedade do repasse de 1% do orçamento do Município do Recife para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A decisão de primeira instância encontra-se publicada neste blog: http://luizcarlosfigueiredo.com.br/?p=230

Eis o teor do julgado de segundo grau (voto e acórdão):

Reexame Necessário nº 43360-5 – Comarca do Recife
Autor: Ministério Público
Réu: Município do Recife

VOTO

Conforme relatado, o autor requereu a condenação do Município do Recife a fim de promover o repasse de subvenções ou recursos previstos na Lei Orçamentária para o exercício de 1997, a Lei nº 16.202/96, em prol do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A demanda foi julgada parcialmente procedente, havendo transcorrido o prazo recursal sem o oferecimento de recurso voluntário, conforme certidão de fl. 566. Acontece que o município réu interpôs apelo intempestivamente, sendo o mesmo confirmado através do julgamento, por unanimidade, do agravo correspondente.

Compulsando os autos em reexame necessário, tenho que o parquet logrou êxito na instrução da ação, pois a documentação acostada é suficiente e necessária à comprovação de lesão perpetrada contra interesse difuso.

Discute-se aqui, a meu ver, a obrigatoriedade ou não no cumprimento de lei orçamentária municipal e, em caso afirmativo, qual seria a norma cogente aplicável.

Em primeiro lugar, a discussão acerca da obrigatoriedade no cumprimento de lei orçamentária, há muito, vem causando polêmica no meio jurídico. De um lado, temos uma lei que não comporta força cogente, tratando-se de mera autorização e previsão de despesas. Diga-se, de passagem, que esse é o entendimento atualmente dominante acerca da matéria.

Entretanto, essa regra comporta exceções e, acredito, é o caso dos autos. Senão vejamos.

Como cediço, nosso ordenamento jurídico obedece ao critério hierárquico de normas, no qual a Constituição Federal tem primazia sobre as demais leis, e estas, quando em desacordo com aquela, são passíveis de nulidade.

Pois bem, para que um ente federado cumpra as diretrizes estabelecidas em uma lei orçamentária, ou este o faz de livre e espontânea vontade, ou é obrigado por uma norma de hierarquia superior, por exemplo, uma lei complementar, a constituição estadual ou a própria constituição federal.

Ora, o artigo 227, da Carta Magna, traz em seu bojo o princípio da prioridade absoluta, o qual coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente uma vida digna e completa, devendo, inclusive, este princípio ser tido como norteador de qualquer situação de interesse do menor.

Reza o artigo 227 e seu §1º, da CF, a seguir transcritos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

De qualquer sorte, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), lei federal de caráter geral – ou seja, tanto no critério hierárquico como no de especialidade, a lei orçamentária municipal nº 16.202/96 a ela se submete – a qual dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, determinando o artigo 260, §5º, in verbis:

Art. 260. Os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declaração do Imposto sobre a Renda, o total das doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente – nacional, estaduais ou municipais – devidamente comprovadas, obedecidos os limites estabelecidos em Decreto do Presidente da República.

(…)

§ 5º. A destinação de recursos provenientes dos fundos mencionados neste artigo não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4º desta Lei.

Ademais, foram editadas outras duas leis municipais, a saber, a Lei nº 15.604/92 e a Lei nº 15.820/93, que em conjunto com a Lei nº 16.202/96 disciplinam a criação, a gerência e o repasse de verbas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A Lei nº 15.604/92 dispunha sobre a política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, criava o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e dava outras providências, entre elas as a seguir transcritas:

Art. 8º. Os programas, projetos e atividades do Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente serão custeados por dotações e rubricas orçamentárias do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente a ser criado por Lei, no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir da data da vigência desta Lei.

Art. 9º. O Fundo Municipal da Criança e do Adolescente mobilizará recursos do Orçamento Municipal, das transferências estaduais e federais e das doações de contribuintes, nos termos do artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente e das multas.

De outro lado, a Lei nº 15.820/93, que instituiu o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, também previa:

Art. 4º. São receitas do Fundo:

I – dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais;

(…)

Art. 7º. O Orçamento do Fundo em obediência ao princípio da unidade, integrará o orçamento do Município do Recife, e evidenciará política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, formada pelo Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Por fim, destaco, ainda, a própria Lei nº 16.202/96, sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 1997, a qual destacava:

Art. 2°. Constituem prioridades do Governo Municipal:

(omissis)

IV – Assistência â Criança e ao Adolescente;

(…)

Art. 9°. As informações complementares de que trata o art. 4° inciso II, da presente Lei serão compostas por demonstrativos contendo:

(omissis)

VIII – a programação, no orçamento fiscal, destinada à promoção de assistência integral à criança e ao adolescente, em atendimento ao disposto no art. 227 da Constituição Estadual;

Frente a essas considerações, despicienda é a discussão acerca da inconstitucionalidade do Parágrafo Único do artigo 227, da Constituição Estadual, haja vista a violação, pelo Município réu de todas as normas acima apontadas, assim como de preceito da Constituição Federal.

Por todo o exposto, voto pelo improvimento do reexame necessário, mantendo-se a decisão proferida em todos os seus termos.

É como voto.

Recife, de de 2010.

Des. José Ivo de Paula Guimarães
Relator

Reexame Necessário nº 43360-5 – Comarca do Recife
Autor: Ministério Público
Réu: Município do Recife

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPASSE DE LEI ORÇAMENTÁRIA. FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO POR UNANIMIDADE DE VOTOS. 1. Discute-se a obrigatoriedade ou não no cumprimento de lei orçamentária municipal e, em caso afirmativo, qual seria a norma cogente aplicável. 2. Para que um ente federado cumpra as diretrizes estabelecidas em uma lei orçamentária, ou este o faz de livre e espontânea vontade, ou é obrigado por uma norma de hierarquia superior, por exemplo, uma lei complementar, a constituição estadual ou a própria constituição federal. 3. Ora, o art. 227, da CF, traz em seu bojo o princípio da prioridade absoluta, o qual coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente uma vida digna e completa, devendo, inclusive, este princípio ser tido como norteador de qualquer situação de interesse do menor. 4. De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), lei federal de caráter geral – ou seja, tanto no critério hierárquico como no de especialidade, a lei orçamentária municipal nº 16.202/96 a ela se submete – dispõe, no art. 260, §5º, que “a destinação de recursos provenientes dos Fundos Municipais de Direitos da Criança e Adolescente não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da CF”. 5. Ademais, foram editadas outras duas leis municipais, a saber, a Lei nº 15.604/92 e a Lei nº 15.820/93, que em conjunto com a Lei nº 16.202/96 disciplinam a criação, a gerência e o repasse de verbas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. 6. A Lei nº 15.604/92, além de dispor sobre a política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e criar o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, determina, em seu art. 9º, que o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente mobilizará recursos do Orçamento Municipal, das transferências estaduais e federais e das doações de contribuintes, nos termos do artigo 260 do ECA. Já a Lei nº 15.820/93, que instituiu o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, prevê como receita a dotação consignada na Lei de Orçamento e reza que o Orçamento do Fundo, em obediência ao princípio da unidade, integrará o orçamento do Município do Recife. Por fim, a própria Lei nº 16.202/96, sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 1997, destacava como prioridade do Governo Municipal a assistência à Criança e ao Adolescente. 7. Frente a essas considerações, despicienda é a discussão acerca da inconstitucionalidade do Parágrafo Único do artigo 227, da Constituição Estadual, haja vista a violação, pelo Município réu de todas as normas acima apontadas, assim como de preceito da Constituição Federal. 8. Reexame necessário improvido por unanimidade de votos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Reexame Necessário nº 43360-5, acima mencionado, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 8ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em negar provimento o reexame necessário, nos termos do Relatório e Voto, proferidos neste julgamento em 25 de fevereiro de 2010.

P.R.I.

Recife, 01 de março de 2010.

Des. José Ivo de Paula Guimarães
Relator

Licença para Farmácias – Inscrição no CNPJ

22-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível

Agravo de Instrumento Nº: 0173.440-9 – Recife

Agravante: Associação Pernambucana de Supermercados – APES

Agravado: Diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária – APEVISA

Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

 

 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

 

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela Associação Pernambucana de Supermercados – APES em face do Diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária – APEVISA, impugnando decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Recife, Dr. Luiz Gomes da Rocha Neto, no bojo do Mandado de Segurança tombado sob o nº 001.2008.025696-2.

 

A decisão impugnada (fl. 167) indeferiu a liminar almejada, face a inexistência do requisito do perigo da demora.

 

Agravo tempestivamente interposto e regularmente instruído.

 

Em uma remissão fática, noticia que, tendo sido fundada em julho de 1974, voltada à interação entre os empresários do setor supermercadista, empresas fornecedoras, autoridades e, especialmente, entre estes e a Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS, foi notificada, em meados de agosto de 2007, para providenciar, no prazo de 60 (sessenta dias), uma segunda inscrição junto ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), voltado ao exercício específico da atividade de drogaria, para que iniciasse ou desse início à comercialização de medicamentos nas farmácias internas dos supermercados associados.

 

Relata, ademais, que, não obstante tenha requerido aos órgãos competentes a re-análise da medida em apreço, bem assim o sobrestamento do prazo originariamente concedido, as licenças para instalação de drogarias internas vêm sendo sistematicamente negadas pela APEVISA aos supermercados em que as farmácias não operam com CNPJ próprio, o que a motivou a impetrar o mandamus.

 

Defende a autorização para que os seus associados comercializem medicamentos em farmácias próprias, localizadas dentro do mesmo estabelecimento onde funcionam os supermercados, porém de forma totalmente independente, fora da área onde se situam as gôndolas, em conformidade às exigências da legislação sanitária.

 

Aduz que, embora o agravado, ao prestar informações, tenha argüido a litispendência entre o mandamus originário e o mandado de segurança nº 001.1995.064572-0, tal alegação não deve prevalecer, pois neste discute-se a possibilidade dos supermercados comercializarem medicamentos anódinos no mesmo espaço destinado aos produtos postos à venda nas gôndolas e prateleiras e naquele pleiteia-se, como dito, pleiteia-se a abstenção da exigibilidade de uma segunda inscrição no CNPJ voltado ao exercício da atividade de drogaria.

 

Alega que muitos de seus associados já possuem a previsão, dentre os seus objetos sociais, da comercialização e dispensação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.

 

Assevera que a legislação não veda que um dado estabelecimento seja impedido de desempenhar atividades de farmácia/drogaria apenas porque não se dedica, exclusivamente, a tal objeto ou porque esta não é a sua atividade primária, matéria esta, inclusive, já apreciada pela Justiça Federal do Distrito Federal.

 

Afirma que a imposição de nova inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas implica restrição ao exercício da livre iniciativa econômica dos seus associados, sendo certo, ademais, que o fato das farmácias pertencentes aos seus associados não possuírem CNPJ distinto daquele dos supermercados onde funcional não enseja prejuízos à Administração Pública.

 

Acresce que, para fins de CNPJ, em se tratando de um único estabelecimento voltado à consecução de múltiplas atividades econômicas, como as redes de supermercados, é necessário obter, apenas, com base no registro já existente, o CNAE específico referente às atividades não-principais.

 

Finaliza argumentando que a exigência de múltiplas inscrições para cada atividade econômica secundária desempenhada por uma dada sociedade enseja um custo operacional vultoso e, conseqüentemente, inviabiliza o seu objeto social.

 

Por fim, pugna pela antecipação da tutela recursal e, no mérito, pelo provimento do recurso, com a integral reforma da decisão impugnada.

 

É o relatório. DECIDO.

 

A nova diretriz decorrente das inovações ao Código de Processo Civil conferida pela Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, que entrou em vigor em 17 de janeiro do corrente ano, impõe a forma retida como regra para interposição do recurso de agravo, ficando o agravo de instrumento restrito às seguintes hipóteses: 1) quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; 2) nos casos de inadmissão da apelação e 3) nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

 

Não se enquadrando a decisão vergastada nas hipóteses enunciadas nos itens 2 e 3 supra, resta-nos apreciar se se afigura como decisão apta a ensejar lesão grave e de difícil reparação, a autorizar o manejo do agravo de instrumento ou, contrariamente, a imediata conversão do mesmo em agravo retido.

 

A referência à causação de “lesão grave ou de difícil reparação” apta a ensejar o manejo do agravo sob a forma de instrumento, há de ser entendida como o provimento que requer urgência na sua apreciação.

 

In casu, a urgência na apreciação do presente recurso encontra-se patente, dado que a lide versa sobre imposição de condicionamento ao exercício de atividade mercantil, sendo certo que, acaso se protele seu julgamento para o momento da apreciação do eventual apelo interposto contra a sentença, poderão advir prejuízos vultosos.

 

Ante o exposto, deixo de converter o presente recurso em agravo retido.

 

De início, impende que se ressalte que a análise da suposta litispendência entre os Mandados de Segurança nº 001.1995.064572-0 e nº 001.2008.025696-2, em cujo bojo foi exarada a decisão ora impugnada, é vedada a este Juízo. Ora, tendo o Magistrado a quo se reservado para apreciar tal argüição após manifestação do Ministério Público, sendo essa discussão alheia aos limites da decisão objeto do presente recurso, vedada está sua apreciação por esta Relatoria, sob pena de supressão de instância.

 

Não obstante a impossibilidade já destacada dessa Relatoria apreciar, no bojo do presente recurso, a (in)ocorrência da aludida litispendência, impõe-se que se frise que o Eminente Des. Fernando Cerqueira, componente da Sétima Câmara desta Corte, no bojo da Apelação Cível nº 133.795-7, interposta em face da sentença proferida no referido MS nº 001.1995.064572-0, exarou decisão terminativa (contra a qual foram interpostos Recurso de Agravo e Embargos de Declaração, não providos, estando os autos conclusos ao Vice-Presidente para apreciação da admissibilidade do Recurso Especial interposto) manifestando-se sobre a matéria nos seguintes termos:

 

“(…)O cerne da impetração versa sobre a limitação divulgada na NOTA OFICIAL da Diretoria de Epidemiologia e Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, que determina a retirada dos estabelecimentos dos apelados, dos chamados medicamentos anódinos, ou seja, aqueles de composição menos potente e que podem ser comercializados sem prescrição médica e sem a assistência de profissional farmacêutico, relacionados no Anexo Único da Portaria nº 02, de 24.01.1995, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (fls. 57), ante a proibição de venda ou de fornecimento (doação) contida na Lei Federal nº 9.069, de 29 de junho de 1995, sendo o pedido da impetração formulado com fulcro no art. 52, da Medida Provisória nº 542, de 30.06.1995, que modificando os termos do art. 6º, da Lei Federal nº 5.991, de 17.12.1973, taxativamente inclui em seus comandos o § 1º, nele disciplinando que a dispensação de medicamentos em supermercados, é limitada ao fornecimento de drogas e medicamentos anódinos que não dependem de receita médica, assim, possibilitando o direito postulando, sem impor qualquer limitação ao direito do livre comércio.

 

Inicialmente merecem ser contemplados os termos da Lei Federal nº 5.991/1993, que tratando sobre o comércio farmacêutico (art. 5º), o define como o comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, e, assegura o seu exercício as empresas e estabelecimentos nele definidos, declinando o seu art. 6º, que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácia, drogaria, posto de medicamento e unidade volante e dispensário de medicamentos.

 

Com a edição da MP nº 542/1995, foram os supermercados – dentre outros estabelecimentos, acrescentados como autorizados a dispensação de medicamentos, sendo pelos termos do seu § 1º, limitados a dispensação de medicamentos anódinos que não dependem de receita médica.

 

Os termos da mencionada Medida Provisória foram transformados na Lei Federal nº 9.069, de 29 de junho de 1995 – vigente na data da impetração (22.08.1995), que não contemplam os supermercados como autorizados a dispensação postulada na via mandamental, assim legitimando a adoção da NOTA OFICIAL que nela é hostilizada, deixando os apelados, sem respaldo legal na postulação do direito perseguido.

 

Esses termos legais já foram temas de debates nos Tribunais Superiores (no STJ – em diversos recursos e no STF – numa ADIn, ainda em curso e no AgR conhecido e improvido por ausência de perigo de lesão grave), sendo pacificado o entendimento de que pelos termos legais, é impossível a dispensação de medicamentos anódinos ou não, em supermercados, preservando-se os aspectos legais da questão, estruturais dos estabelecimentos comerciais e sobretudo, as diretrizes da saúde pública.

 

Sobre o tema, anoto de forma ilustrativa:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei n] 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentoss e unidades volantes e dispensários de medicamentos, estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

II – A Medida Provisória nº 542/94, concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu do seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.”

(STJ – REsp 272736-SE, DJ de 27.06.2005, conversando o mesmo posicionamento ministrado no: REsp 341382-SP e REsp 745358-SP).

 

Posto isso, com base nas peças constantes dos autos, arrimado nas disposições do art. 557 do CPC, reconhecendo que os termos proferidos na decisão em reexame são manifestalmente contrários aos posicionamentos pacificado pelo STJ sobre o cerne da causa, e, incorporando os enunciados do judicioso parecer ministerial ofertado nesta instância recursal, monocraticamente conheço o recurso de ofício e dou-lhe provimento, para reformar a sentença proferida em todos os seus termos, denegando a segurança impetrada, ante a ausência de direito líquido e certo a ser nela amparado, tendo como prejudicados os recursos voluntários.(…)” (grifos nossos).

 

O realce conferido ao citado posicionamento ganha relevo na medida em que a pretensão veiculada pelo agravante pode, em seus efeitos práticos, por via transversa, implicar o alcance da mesma finalidade que esta Câmara, nos autos dos citados recursos, entendeu vedada aos supermercados.

 

De fato, o limiar entre as demandas é bastante tênue, pois, mesmo que não se fale em comercialização de drogas em gôndolas e prateleiras, como argumenta o agravante, ao se discutir a exigibilidade de inscrição própria no CNPJ para que as redes de hipermercados promovam a dispensação de medicamentos em “farmácias próprias, localizadas dentro do estabelecimento onde funcionam os supermercados, porém de forma totalmente independente destes” (nas palavras do agravante), desemboca-se igualmente no cerne da questão acerca da inclusão dos supermercados no rol dos estabelecimentos autorizados a vender drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, à luz dos dispositivos da Lei Federal nº 5.991/73.

 

Ora, exigir-se inscrição própria no CNPJ das farmácias localizadas nos estabelecimentos onde funcionam os supermercados permite a desvinculação entre aquelas e estes, individualizando-as na categoria de drogarias/farmácias, estas, sim, indubitavelmente inclusas no rol das empresas/estabelecimentos legitimados à dispensação de drogas. A contrario sensu, admitir a expedição de licença para seu funcionamento sob o mesmo CNPJ dos estabelecimentos dos hipermercados onde estão localizadas, seria o mesmo que permitir que a pessoa jurídica “supermercado” comercializasse medicamentos e congêneres, o que nos remete aos argumentos deduzidos pelo Des. Fernando Cerqueira na já referida decisão, bem assim à análise dos dispositivos da Lei Federal nº 5.991/73.

 

Embora referida lei, no caput do seu artigo 5º, disponha que o comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos nela definidos e do artigo 4º, inciso XVIII, conste a conceituação de supermercado, o legislador fê-lo definindo-o como “estabelecimento que comercializa, mediante auto-serviço, grande variedade de mercadorias, em especial produtos alimentícios em geral e produtos de higiene e limpeza”, aí não inclusos, ressalte-se, as drogas e medicamentos, sendo certo, ademais, que o artigo 6º explicita que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos, rol este que deve ser classificado como taxativo, considerando a essencialidade da matéria, inerente à saúde dos cidadãos, de extrema relevância e responsabilidade.

 

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido da impossibilidade de comercialização de medicamentos pelos supermercados. Vejamos:

 

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. EXPEDIÇÃO DE LICENÇA. DROGARIAS E FARMÁCIAS. VENDA DE PRODUTOS ESTRANHOS ÀS SUAS ATIVIDADES. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, mercê de o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. O Direito Administrativo é regido, dentre outros, pelo princípio da legalidade, por isso que o particular somente pode atuar secundum legis. Sob esse enfoque, não havendo lei que abarque a pretensão da recorrente, não há como acolher a tese de que a norma 5.991/73 não proíbe a comercialização de outras mercadorias alheias à área de medicamento.

3. A Corte, ao revés, já assentou que: “Inexistente a regulamentação requerida – quer pela Lei n. 5991/73 ou pela Lei n. 6360/76 – no âmbito do Estado de São Paulo, a proteger o direito alegado pela impetrante, nesta ação mandamental, não pode o Estado-juiz inovar, por meio de uma interpretação extensiva, de todo descabida no campo da Administração Pública, em verdadeira atividade legislativa, nem mesmo substituir-se à Administração, para determinar o expedir de licença, sem observância a qualquer requisito ou exigência legal, necessários ao proteger dos cidadãos, quanto a aspectos de higiene e saúde. Sendo a licença ato administrativo vinculado, somente quando do cumprimento das exigências legais é que não pode a Administração deixar de concedê-la, hipótese em que o Judiciário poderia, por óbvio, determinar a sua expedição. A questão jurídica relevante, in casu, não é, pois, de forma alguma, a possibilidade de farmácias e drogarias comercializarem outros produtos que não medicamentos. Esta é inconteste. O que importa, todavia, é a ausência de respaldo normativo, a tornar líqüido e certo o direito das impetrantes de exercerem o comércio de produtos diversos, inclusive de limpeza de ambiente, em meio a medicamentos, e sem a satisfação de qualquer requisito, como decidido pela Corte Paulista.” (REsp. 341.386/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 08.10.2002).

4. Outrossim, é assente na doutrina que a licença “é ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos.” (in Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 17º Edição, pág. 402), por isto que irrepreensível a conduta da autoridade impetrada para cessar a venda dos produtos estranhos a atividade da recorrente, em vista a ausência de regulação estatal.

5. Deveras, o § 1º do artigo 5º na sua exegese dispõe acerca dos produtos os quais podem valer-se as drogarias para a comercialização, verbis: “O comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definidos nesta Lei. § 1º – O comércio de determinados correlatos, tais como, aparelhos e acessórios, produtos utilizados para fins diagnósticos e analíticos, odontológicos, veterinários, de higiene pessoal ou de ambiente, cosméticos e perfumes, exercido por estabelecimentos especializados, poderá ser extensivo às farmácias e drogarias, observado o disposto em lei federal e na supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”

6. Ademais, o § 1º, do art. 5º, da Lei 5.991/73 condiciona a autorização para comercialização de determinados correlatos, à regulamentação por meio de lei federal e a supletivamente por normas dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios.

7. Inexistindo no Estado de São Paulo regulamentação necessária à venda dos produtos estranhos à atividade da recorrente, resta evidente a ausência de direito líquido e certo a ser tutelado nesta via mandamental, sendo certo também que descabe ao Judiciário, em flagrante interpretação extensiva da norma, determinar a expedição de alvará para satisfazer o pleito da recorrente, sob a mesma argumentação, ou seja, ante a ausência de regulamentação legal para tanto, sob a ótica do princípio da legalidade.

8. A Primeira Turma, sob o pálio do princípio da legalidade, decidiu causa análoga ao assentar: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei nº 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

III – A Medida Provisória nº 542/94 concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.” (REsp. 272.736 – SE, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, DJ 27 de junho de 2005)

9. Recurso Especial conhecido e desprovido.”

(REsp 745358/SP RECURSO ESPECIAL 2005/0069110-3  Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)  T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 02/02/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 20.02.2006 p. 229)

 

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei nº 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

III – A Medida Provisória nº 542/94 concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.”

(REsp 272736/SE RECURSO ESPECIAL 2000/0082396-1 Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 05/10/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 27.06.2005 p. 226 RSTJ vol. 198 p. 111)

 

Vê-se, assim, que permitir o funcionamento de drogaria ou farmácia no mesmo estabelecimento em que funciona supermercado e com o mesmo CNPJ deste corresponderia a admitir tese contrária ao posicionamento jurisprudencial supratranscrito, o qual reputo consentâneo à interpretação que se deve conferir à lei que rege a matéria.

 

Frise-se, outrossim, o que estabelece o caput do artigo 15 da mesma lei, consoante o qual “a farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei” e o artigo 19, segundo o qual “não dependerá de assistência técnica e responsabilidade profissional o posto de medicamentos, a unidade volante e o supermercado, o armazém e o empório, a loja de conveniência e a ‘drugstore’”, cujos teores igualmente apontam para a razoabilidade da exigência de CNPJ próprio para as farmácias/drogarias que funcionam no mesmo estabelecimento dos supermercados.

 

No que pertine ao argumento de que bastaria a consecução de CNAE (Código Nacional de Atividade Econômica), relativo ao comércio de medicamentos no rol de atividades secundárias do estabelecimento supermercado, com base em registro de CNPJ já existente, para fins de atendimento da legislação sanitária vigente e obtenção de licença para funcionamento, verifica-se que, ainda que se admitisse tal alegação como plausível, o agravante não logrou êxito em demonstrar que os associados a quem representa possuem tais CNAE’s específicos para a dispensação de drogas e congêneres, o que se mostra indispensável em se tratando de demanda veiculada por meio de mandado de segurança, que requer demonstração de plano da liquidez e certeza do direito deduzido.

 

Ante todo o exposto, DENEGO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL ALMEJADA.

 

Publique-se.

 

Intime-se.

 

Intime-se o Agravado, nos termos do art. 527, III da lei Adjetiva, para que ofereça resposta, no prazo legal, observando-se a faculdade de trazer peças que julgar convenientes.

 

 

 

                Recife, 14 de agosto de 2008.

 

 

 

                    Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

                                         Relator

Manutenção dos efeitos previdenciários da guarda – Oposição ao entendimento do STJ e STF

22-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL – 24.03.2009

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 97609-8 – RECIFE

IMPETRANTE  :  INSTITUTO DE RECURSOS HUMANOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – IRH/PE

IMPETRADA     :  JUÍZA DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL

RELATOR        :  DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO

RELATÓRIO

 

(O relatório encontra-se às fls. 107/108 dos presentes autos).

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Excelentíssimo Senhor Desembargador João Bosco Gouveia de Melo, Excelentíssimos Senhores Desembargadores Fernando Cerqueira e Luiz Carlos Figueiredo,

 

A questão em debate nos autos é bastante conhecida desta Casa, há decisões inclusive divergentes entre a Sétima e a Oitava Câmaras, tanto em sede de mandado de segurança em si quanto em outras espécies de provimentos processuais, recursos como apelações e agravos de instrumento. E diz respeito na verdade a um único ponto: o confronto aparente entre o art. 33, § 3º do Estado da Criança e do Adolescente, que reza caber o instituto da guarda as consequências inclusive de natureza previdenciária e alterações realizadas tanto na esfera federal quanto na esfera estadual. Na esfera estadual, nas leis previdenciárias respectivas; na esfera federal pela Lei 9.528/97, no que foi repetida no âmbito do Estado, em relação à Funape, através da Lei Complementar nº 41/2003. Ambas as leis, tanto a federal quanto a estadual modificaram o rol de beneficiários dependentes passíveis de inscrição para fins de todos os efeitos dos benefícios da Previdência. Nessa modificação excluiu a figura do menor sob guarda, mantendo unicamente a figura do menor sob tutela.

 

A razão histórica dessa alteração, tanto federal quanto à estadual, se deu pelo fato de que os institutos previdenciários verificaram que havia uma certa facilidade e uma certa impossibilidade, na verdade, de coibir abusos e até mesmo fraudes, na concessão de guarda de determinados menores, apenas única e exclusivamente para fins previdenciários. Na verdade, era impossível aos entes previdenciários efetuar uma fiscalização precisa e, além disso, ir de encontro ao que estava se discutindo num processo, que grande parte das vezes corre em segredo de justiça, sem acesso inclusive ao entre previdenciário para verificar se realmente havia a necessidade ou não de ser deferida a guarda naquele momento, e quais as consequências em relação à caracterização da dependência econômica que essa assunção da guarda traria.

Com esse antecedente histórico, foram efetuadas essas modificações. A do Estado de Pernambuco através da Lei Complementar 41/2003, que retirou do rol de beneficiários e dependentes a figura do menor sob guarda.

 

A matéria também se encontrava em divergência perante o Superior Tribunal de Justiça. Havia decisões diametralmente opostas, com base nos mesmos fatos, chegando a conclusões diversas.

 

O motivo da sustentação oral realizada neste momento é para que se possa analisar com mais profundidade um julgamento extremamente relevante para a causa, acontecido no ano passado, que diz respeito ao Embargo de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido. Nesse julgado, o STJ pacificou o entendimento de que o art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente foi considerado revogado pela legislação posterior previdenciária. Então, não se pode impor essa legislação para fins de garantir ao menor sob guarda benefícios previdenciários. A ementa, peço vênia para lê-la, diz:

 

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. INCABIMENTO.

Esta Corte já decidiu que, tratando-se de ação para fins de inclusão de menor sob guarda como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS, não prevalece o disposto no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente em face da alteração introduzida pela Lei nº 9.528/97. Embargos de Divergência acolhidos”.

 

Também peço vênia para ler um trecho de um voto vista da Ministra Laurita Vaz, que esboça de maneira bastante lúcida e concisa a evolução no entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria. Diz a ministra que:

 

A princípio era pacífico no âmbito deste tribunal o entendimento segundo o qual o Estatuto da Criança e Adolescente não garante a qualidade de dependente do menor sob guarda judicial, por ser norma de cunho genérico, inaplicável aos benefícios mantidos pelo Regime Geral da Previdência Social, os quais por sua vez são regidos por lei específica. Deveria, portanto, prevalecer o art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91, alterado pela lei 9.528/97, que suprimiu o menor sob guarda do rol dos dependentes do segurado.

Posteriormente a matéria ficou bastante controvertida no âmbito desta Corte Superior de Justiça, tendo como ponto nodal a aparente antinomia entre o art. 16, § 2º, da Lei 8.213 e o art. 33, § 3º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente. Assim, havia julgados que mantiveram o entendimento acima e outros que o reformularam, dentre os quais se encontram da minha relatoria.

Entendia-se que era assegurado ao menor sob guarda o direito de pensão por morte devido ao falecimento do seu guardião, levando-se em conta as regras da legislação de proteção ao menor, a Constituição Federal, dever do poder público e da sociedade na proteção à criança e ao adolescente (art. 227, caput, § 3º, inc. II) e o Estatuto da Criança e Adolescente, que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei nº 8.069/90).

Ocorre que, diante da relevância social, jurídica e econômica da questão, bem como do atual posicionamento predominante dos meios que compõem esta Terceira Egrégia Seção, melhor analisando a matéria, concluo que razão assiste ao Instituto Previdenciário.

 

É assente na jurisprudência deste tribunal que o fato gerador para a concessão do beneficio de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo ser aplicado a lei vigente à época de sua ocorrência. Este por sinal é o enunciado da recente Súmula nº 340 desta Corte, in verbis: A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.

Dessa forma, não é possível a concessão de pensão por morte, quando o óbito do guardião ocorreu sob império da Lei nº 9.528/97, uma vez que o menor sob guarda não mais detinha condição de dependente, conforme a lei previdenciária vigente.

Ante o exposto, acompanho o eminente relator para acolher os embargos, a fim de dar provimento ao recurso especial interposto pelo INSS.

 

No caso específico dos autos, é ainda mais evidente a questão do marco temporal da lei, qual lei seria aplicável na época, porque não se trata nem do falecimento do guardião. A própria ação de guarda foi proposta em 2002, enquanto a alteração que suprimiu a figura do menor sob guarda, dentre os possíveis dependentes previdenciários, foi a Lei Complementar nº 43/2001.

 

Portanto, não há como se inscrever o menor sob a guarda da servidora segurada, sem que se afronte a legislação estadual. Esse foi o motivo do indeferimento administrativo e esse também o motivo da impetração do mandado de segurança contra a determinação, um ofício expedido diretamente pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude, à Funape para que acatasse o pleito administrativo formulado.

 

Com essas considerações e tendo em vista a pacificação da matéria no Superior Tribunal de Justiça, rogamos pela concessão da segurança para que se afaste a determinação do Juiz da Vara da Infância e da Juventude.

 

Muito obrigado!

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Senhor Presidente, jocosamente havia dito no julgamento anterior que, aqui, a Câmara da sempre convergência virou Câmara de divergência, repete-se o fato. Com muita tristeza tenho que votar contra o voto de Vossa Excelência, não vejo como.

 

Começo até fazendo uma referência que tenho feito a várias pessoas. Gosto muito quando chego aqui e encontro o Dr. Fernando e o Dr. Henrique, porque como cidadão me sinto defendido por eles, porque entram em todas as bolas divididas, ainda que não tenham sido os procuradores signatários das diversas demandas. Eles defendem à última instância o direito do Estado, e como cidadão fico muito feliz de saber que há pessoas com essa postura. Isso é importante para o convívio social, para a prevalência do interesse do bem comum. Às vezes levam a bolas mais do que divididas.

 

No meu modo de ver, data máxima vênia, não só de Sua Excelência o Dr. Fernando, mas de todos os julgadores aqui citados, inclusive o voto de Vossa Excelência, respeito a todos, mas não há sustentação, nem no plano ético nem no plano jurídico, para este mandado de segurança que o Estado não tem direito nenhum, quanto mais líquido e certo, e vou dizer por que.

 

O art. 33 do ECA estabelece quais são as condições, pré-condições no caput, para que haja guarda. Ela começa, e é fundamental, com a questão da posse de fato: tem ou não tem posse de fato. Isso não está questionado aqui. É pré-condição da ação: posse de fato.

 

A segunda questão que está em jogo é que o guardião seja o mantenedor de educar, alimentar, vestir, cumprir e fazer cumprir as decisões judiciais, mas essa matéria não foi nem de longe aventada no Writ.

 

A terceira questão que está em jogo é que para que haja uma guarda como uma ação autônoma, é que se caracterize excepcionalidade. Como não foi matéria do embate, eu suponho que a situação seja excepcional. Suponho. Não tenho outro elemento que não supor.

 

Cada vez que um desses elementos refoge é lícito a qualquer das partes se opor, inclusive ao interesse dos pais ou terceiro interessado, pela natureza de ação continuativa que é a ação de guarda, mudada a situação de fato modifica-se a situação de direito, modificá-la. Não foi isso o que aconteceu aqui no caso.  Não se questionou nada disso. Os pressupostos de admissibilidades da ação e os pressupostos de validade para a sua continuação não foram nem de longe arranhados.

 

Nós tínhamos no regime jurídico brasileiro, não é propriamente a Lei nº 9.528/92, mas porque isso vem de medida provisória que chegou a ser renovada acho que vinte e tantas medidas provisórias até virar lei. Nós tínhamos uma situação interessantíssima do Brasil. A lei dos benefícios da Previdência Social incluía no rol dos beneficiários o guardado e o ECA incluía, no 33, § 3º, como decorrência da guarda, a dependência previdenciária; ou, por outras palavras, nos tínhamos duas leis para dizer a mesma coisa.

 

Pode parecer uma situação absolutamente estranha, esdrúxula, mas num país que tantas leis tem, não é de se estranhar tanto que tenha duas para dizer duas vezes a mesma coisa. Era assim que com a vigência da lei nova excluiu-se da listagem da Lei do Benefício da Previdência Social, da 9528, a figura do menor sob guarda, que, aliás, até com a atecnia da expressão menor, meno male, excluiu-se.

 

Esta lei, aos que se deram ao cuidado de lê-la, ela tem acho que três ou quatro artigos. No artigo que diz: revogam-se as seguintes leis e artigos, quer dizer, fica alterado o artigo tal, revoga-se o seguinte. Só não conseguiu se revogar ali a lei da gravidade, porque o legislador incluiu tudo e mais 10% (dez por cento) do garçom para revogar, e não ousou revogar o § 3º, do art. 33 do ECA. E por que não ousou? Porque não havia por que revogar. Então, com a retirada da lista da dependência previdenciária, nós ficamos com uma lei dizendo que ser guardado judicialmente é igual à dependente previdenciário.

 

Ora, tinha duas leis, agora tem uma. Nenhum problema até aí, continua existindo a lei, continua amparado numa lei que não foi revogada e que não há colisão, porque não há nem aqueles princípios gerais da lei de introdução ao Código Civil aqui, não. Não há colisão, não. Havia duas leis dizendo a mesma coisa, uma deixou de dizer. Nem por vias indiretas tenta revogar o art. 33, § 3º. Não existe nada disso. O que existe é uma situação fática, horrenda, para a União e para a Previdência dos Estados, de fraudes – aliás, foi sustentado oralmente isso aqui –, de simulações de guarda, onde a guarda de fato não existe; as chamadas guardas previdenciárias, as diretas ou aquelas por vias indiretas.  Essa situação, precisa-se se dá cobro a ela, precisa-se punir aqueles que utilizam o instituto jurídico de forma indevida. Isso é outra coisa, não se retirar da incidência da norma a capacidade de absorção dos guardados.

 

O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos os países do mundo, exceto Somália e Estados Unidos, são signatários da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos, menos os dois que acabo de nominar. Lá existem cláusulas interessantíssimas. É a primeira norma que diz, expressamente, que não se auto-intitula de ter supremacia sobre a norma local. Talvez seja a primeira e única norma internacional que assim disciplina. Ela diz expressamente: se a lei local der mais direitos do que esses que estão assegurados nessa Convenção Internacional, prevalece a lei local. Acho que não há outro precedente. Esta lei diz que os direitos assegurados às crianças – e ali trata como criança quem tem até 18 anos – não podem ser suprimidos

 

Todos os senhores e as senhoras presentes conhecem muito mais de Direito Internacional Público do que eu.

 

O Brasil tem todo direito de não querer mais – porque tem algumas pessoas burlando, sob esse fundamento fático, a norma –, de não querer mais a abrangência da guarda como ensejadora do beneficio previdenciário. Tem todo direito. Tem que se dirigir ao bureau gestor da Convenção Internacional, denunciar essa cláusula e sair do âmbito da Comunidade Internacional, repita-se, de uma Convenção onde todos os países do mundo são signatários. Tem o direito. O Brasil não é obrigado a se curvar à Normativa Internacional, não. O Brasil pode sair de lá. É uma questão realmente de autonomia. Agora, para sair é pela porta da frente. É feito na música quando Miguel Arraes voltou a ser Governador do Estado: volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu. Se tiver de sair do acordo internacional, o Brasil tem que sair pela porta da frente, denunciando a sua assinatura, esperando o prazo de vacatio de um ano e depois deixar de cumprir. Não podia e não pode, nem por interpretação pretoriana e nem por norma geral, alteração legislativa, sem que antes tome as providências em relação ao Direito Internacional.

 

Este é um ponto. Mas há um ponto maior ainda – é por isso, com o devido respeito ao Ministro Hamilton Carvalhido e à Ministra Laurita Vaz, que por si só já afasta no meu modo de ver a questão em relação à matéria pelo STJ –, é no plano do Direito Constitucional. A universalização dos benefícios sociais e dos direitos sociais estão contidos na Carta Magna da República. É um princípio constitucional. E como qualquer princípio, todos nós sabemos, é um dever-ser. É um horizonte, é uma busca, é uma tentativa.

 

O Estado – aí estou falando como ente público –, o Estado Brasileiro deu um passo a favor da universalização do atendimento da Previdência, quando incluiu a guarda como uma das hipóteses de Direito Previdenciário. Poderia não tê-lo dado, sob a arguição das teses doutrinárias, do limite do possível: não haveria recurso financeiro para bancar isso. Poderia. Como é princípio, princípio é um dever-ser, uma busca. Mas transformou o princípio em norma e aonde chega a norma cessa o princípio. Transformou o princípio em norma. Poderia não ter feito a opção de incluir esse direito social – e o incluiu. A partir do momento que o incluiu, não pode dar volta atrás, não. A matéria é constitucional e o STJ não é o órgão competente para fazer aquilo que Sua Excelência o Procurador do Estado disse: pacificar a matéria, porque a matéria é constitucional, está na alçada do Supremo Tribunal Federal.

 

Decidiram, no meu modo de ver, com a devida vênia, equivocadamente. Equivocadamente porque na Lei da Previdência hoje se retirou a guarda, mas se manteve e foi dito aqui oralmente o tutelado, o pupilo foi mantido.

 

Ora, como é que se tem guarda? Como é que se tem tutela? Guarda, acabei de falar aqui, é posse de fato, uma situação concreta, modificável. Tutela se tem por morte dos pais, destituição do poder familiar dos pais, abandono ou declaração judicial de ausência. Na guarda não. Faça o seguinte: vai na sua casa, mate seu pai e sua mãe, porque aí o seu guardião se transforma em tutor e morte dois é hipótese de tutela, e aí como tutor você vai ser dependente. Não! Não precisa matar, não! Você diz que seu pai o espancava imoderadamente, eles vão ser destituídos do poder familiar, ainda que isso não seja lá verdade, e aí como decaído do pátrio poder, diz que ele estava na lista desse avião que caiu, abre-se o processo de declaração judicial de ausência, por comorience, e depois você tem direito à guarda.

 

Ora, isso é eticamente insustentável. Isso é uma coisa abjeta. E é mais ainda: na lista que permaneceu, pela dependência, na Lei nº 9.528 está lá: enteado. Enteado é feito aquela história de Brizola: Cunhado não é parente, Brizola para Presidente. O enteado não tem nenhum grau de parentesco, ao contrário, denota um mau sinal. Por exemplo: se um homem casa-se com uma mulher que já tem um filho e ele não busca nem a guarda daquela criança, algo no plano afetivo está moendo troncho, para usar o linguajar do matuto. Algo não está indo bem, não. Ele é só enteado. Agora a Câmara deu para correr com um processo, com a morte do Clodovil Hernandes que tinha um processo para usar o patronímico do enteado, isso sem nenhuma sustentação constitucional, mas da noite para o dia foi aprovado lá na Câmara. Quero ver o que é que o Senado vai dizer.

 

Mas o fato é que não há sustentação no nosso ordenamento jurídico, tanto que estão tentando incluir agora para o enteado, mas lá deixaram. Por quê? Porque a razão não é jurídica, a razão é econômica. Enteado é um ou outro. Vá na lista do Funape ou da Funafin, vá ver quem são os dependentes, e são poucos. Ser enteado vai contar na ponta dos dedos, mas guarda tem muita. E para provar as guardas fraudadas dá trabalho, e a lei do menor esforço é retirar da lista da norma a figura do guardado como dependente previdenciário.

 

A Doutora Valéria, deve ter sido ela a julgadora, foi minha Juíza Auxiliar por muitos anos. É muito zelosa, muito cuidadosa, aprendeu com o pai, o grande Desembargador Itamar Pereira da Silva. A equipe técnica dela também. O Ministério Público que atua na área da Infância, sem nenhum demérito aos que atuam nos outros setores, é top de linha, é ponta mesmo em qualquer lugar do Brasil. O cuidado para que se conceda uma guarda rigorosamente dentro das regras, para que não haja essa guarda fraudada e não existe guarda fraudada, guarda previdenciária ainda que disfarçada, no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude do Recife; eu assumo a responsabilidade pelo serviço dos outros, pelo que estou aqui a declarar. Pode ser que nos outros cantos tenha. A gente sabe, ouve denúncia e sabe que isso gera prejuízo. Na Vara da Infância do Recife não.

 

O que estou a dizer é que há malferirmento a princípio constitucional, princípio que se transformou em norma, porque foi por lei que foi concedido, não foi por interpretação pretoriana. Foi por lei. E agora simplesmente porque se tenta, com uma lei que continua em vigor – tirou a outra, um item, o inciso VII da listagem –, tenta se dizer que não é mais dependente previdenciário, salta aos olhos, no meu modo de ver, que a controvérsia, no mínimo, para ser parcimonioso, está para lá de instalada essa controvérsia. E se está para lá de instalada, eu digo que não tem direito nenhum. Ofende normativa internacional, ofende a Constituição, ofende lei em vigor, porque se interpretou lei como se houvesse colisão e não existe.

 

Mas abstraia tudo isso, simplesmente está caracterizado: há controvérsia. E se há controvérsia não há direito líquido e certo.

 

Direito líquido e certo é aquele translúcido, inquestionável, indubitável, e o Estado e a Funape não têm o direito líquido e certo de não pagar. Têm o direito líquido e certo, sim, de intervir como terceiro interessado no processo e, se for o caso de haver algum descumprimento anterior, durante ou a posteriori da concessão da guarda, tentar a sua revogação. Nunca, jamais se colocar como detentor de um direito líquido e certo de que não deva, não pode e não precisa incluir como dependente esse guardado.

 

Por esta razão, com todas as vênias do mundo, insisto, lamento a demora, mas acho que tinha que ser feito assim, voto pela denegação da segurança.

 

É assim que voto.

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

Senhor Presidente, gostaria de levantar uma questão de ordem, de fato.

 

Muito embora o parecer do Ministério Público tenha sido na mesma direção do voto do Relator, mas o que me chamou a atenção foi uma curiosidade. O pedido do mandado de segurança é porque o IRH não fora citado na ação como terceiro interessado e a decisão alcançou a esfera da Procuradoria do Estado.

 

Fiquei preocupada com esse ponto, porque acho que dá uma digressão bem diferente, bem distinta nesse julgado, pois o pedido da segurança é porque o Estado não se fez presente durante o processo de guarda. E essa guarda foi concedida, alcançou a esfera do Estado no que diz respeito à inclusão dos menores. Creio que o objeto do mandado de segurança não é discutir se pode ou não ser concedida a guarda nesse patamar, mas o pedido ele tem esse viés e isso me preocupou lendo o parecer do Ministério Público no Segundo Grau.

 

Gostaria que fosse esclarecido isso.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Pessoalmente me coloco à disposição para prestar esclarecimento, mas acho que o nobre Procurador tem questão de fato.

 

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Só um esclarecimento. Há os dois fundamentos na verdade. Há o fundamento processual de o Estado não ser parte no processe e por isso sofrer as consequências de uma determinação sem a possibilidade de havê-la discutido previamente, como também a própria questão da aplicação da norma em si.

 

Há os dois fundamentos no mandado de segurança.

 

Na sustentação oral só abordei o segundo, porque entendo que é realmente o ponto em que há divergência e que haverá a discussão mais propriamente dita.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Dra. Daisy, nós ouvimos a sustentação oral e, eu diria que a sensação que tenho em relação ao não chamamento como terceiro interessado para integrar a lide é penduricalho na argumentação do Estado. Tanto é que na sustentação oral não foi objeto. O Estado apostou e continua apostando as fichas no mérito, por conta da decisão do STJ no ano passado. Mas independente disso, gostaria de fazer o registro seguinte.

 

A ação de guarda ela se sustenta basicamente nas regras do art. 33. Logo após aquela história de posse de fato, exercício daqueles atributos do que ele chama, ainda lá, de poder familiar, como essa história da excepcionalidade e tal, no 33, § 3º, ele diz que o guardado tem todos os direitos, vírgula, inclusive previdenciário. Aliás, não precisava nem ter passado em vírgula, porque quando ele disse que fica assegurado ao guardado todos os direitos, é evidente que o previdenciário está contido. Isso é o que se chama em técnica legislativa de realce, acrescentar.  Quer dizer, isso é uma mera decorrência, não é da essência da ação.

 

E todas as decisões do STJ e do STF a respeito dessa matéria dizem da desnecessidade do chamamento ao processo da Previdência – seja do Estado, da União ou do Município. Eles não precisam porque é uniforme a orientação. No caso de eventual prejuízo, quer dizer, no caso da não caracterização das regras do art. 33, da burla, que, insisto: nisso aí o Estão tem razão, é freqüente a tentativa de burla. Para estes casos o Estado ingressa no processo, ou a União ou o Município, no estado em que ela se encontra, e pode, por ser ação continuativa, mudar. Não há obrigação, nem há normativa expressa nesse sentido, e a jurisprudência tem entendido da desnecessidade desse chamamento por obrigação. Alguns juízes o fazem por liberalidade.

 

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

O Ministério Público se posicionou exatamente assim, Excelência, tanto no Primeiro Grau quanto no Segundo Grau. A minha preocupação foi só para ordenar o julgado.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Continua em discussão.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente, se Vossa Excelência não se importa, gostaria de pedir vista em Mesa dos autos.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Pois não. Então, declaro suspensa a sessão por dez minutos.

 

REABERTA A SESSÃO.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência já tem condições de proferir o seu voto?

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Estou pronto, Senhor Presidente.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência está com a palavra.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente,

Senhor Desembargador,

Senhora Procuradora,

 

É de se ver que nós estamos diante de um mandado de segurança em que se exige direito líquido e certo e, a par do desenvolvimento da tese do Estado contida no mandado de segurança, o seu pedido está posto nos seguintes termos.

 

A correção da determinação expedida pela impetrada, que é a autoridade judiciária, ordenando a terceiro estranho ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, que é o IRH, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo na legislação de regência, tem clara configuração de ato coator ilegal. Por outro lado, o fato de se constranger autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiros que não tem direito a seus benefícios e para o qual não tem existe a respectiva previsão de custeio, configura facilmente dano de difícil reparação, mormente quando se considera que este é apenas um entre vários casos similares.

 

Este é o pedido. São dois pedidos basicamente. Primeiro, o ordenamento da autoridade judiciária a terceiro estranho, que é o IRH, ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência. Então a ilegalidade estaria nesse ato.

 

Por outro lado, quer dizer, número dois, o fato de se constranger a autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiro que não tem direito a seus benefícios e para o qual não existe a respectiva previsão de custeio. Essa questão é uma segunda situação que na verdade diz respeito ao mérito da ação que corre no Primeiro Grau. O ponto principal é a determinação expedida pela autoridade judiciária ordenando a terceiro, IRH, estranho ao processo no qual fora prolatado, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência.

 

Ouvi atentamente o voto de Vossa Excelência, Senhor Presidente, como Relator, baseado unicamente no princípio da legalidade, e ouvi aqui o voto do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que, na verdade, é uma aula e como especialista na matéria faz com que nós tenhamos a responsabilidade de parar, pensar, estudar e formar uma opinião, pode não ser a melhor, mas – eu certa vez estava em um julgamento no STJ, realmente não me lembro de que ministro, mas no julgamento alguém saiu com essa: não se espera que o Judiciário dê o direito, mas que dê a solução

 

Evidente que não concordo com essa máxima que ouvi, mas em determinados momentos a solução tem que ser dada para a prestação jurisdicional, e aí bate em relação ao mandado de segurança.

 

Ouvi do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que a Lei nº 9.528 é uma lei nova que excluiu a concessão do benefício previdenciário a guarda. É isso?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Tirou o item menor sob guarda da lista

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Mas remanesce?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

A lista sim, guarda lá não. Guarda remanesce no art. 33, § 3º do ECA.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Então a lei que excluiu, não excluiu a matéria guarda, quer dizer, ele revogou… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

O Artigo diz assim: considera-se dependente da Previdência Social para fins de efeito dos benefícios previdenciários: I – a esposa, companheira (…), filho até 21 anos, menor sob guarda.

 

Tirou esse item, acho que é o item VII, menor sob guarda; e a lei estadual repetiu só isso.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Isso é o que reza o ECA?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não, isso é o que reza a Lei Federal dos beneficiários da Previdência.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual copiou.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí vem a lei estadual e revoga.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Faz a mesma coisa a lei estadual, vai e tira da lista dos beneficiários o menor sob guarda.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Revoga esse ponto em relação… (interrompido).

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Nem diz revoga. Ele apresenta a lista e não aparece mais.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Retira, não é isso?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Exato.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí se mantém a lei federal.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Qual lei federal? Indaga-se. A Lei dos Benefícios da Previdência tirou da lista o menor sob guarda. A Lei Federal nº 8.069, que é o ECA, mantém, no art. 33, § 3º que o menor sob guarda é dependente previdenciário.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual acompanhou a lei federal, retirando também.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

O ECA é Lei Complementar ou tem força de Lei Complementar?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não. É considerada como Lei Complementar materialmente e foi até votada com o quorum de Lei Complementar, mas não está na reserva de Lei Complementar, segundo a lista do art. 227.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

A questão necessariamente, eu vejo pelo prisma, Senhor Presidente, que não se trata em si de uma declaração de inconstitucionalidade de lei. Longe disso. Está muito longe disso, até porque a lei estadual reverbera a mesma situação da lei federal, quer dizer, suprime e mantém-se o ECA, que é o Estatuto de Proteção à Criança e ao Adolescente, e aí vou adiante.

 

A Constituição, em seu art. 4º, na regência das relações internacionais, pugna pela prevalência dos direitos humanos. No art. 6º, que trata sobre os direitos sociais, assegura os direitos sociais, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância.

 

O art. 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, etc, etc, e salvo de toda forma de negligência e discriminação.

 

O art. 227, § 3º, inc. II, assegura que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários; e, no inciso VI, o estímulo do Poder Público ao acolhimento sob a forma de guarda.

O Código Civil, em sua lei de introdução, assegura a obediência aos tratados e convenções internacionais e, como trouxe o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, o Brasil é signatário da Convenção de Nova York que dá proteção plena e integral… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Se Vossa Excelência me permite um aparte.

 

Por força da Emenda 45 agora, agora por ser de direitos humanos, alçada à categoria de Emenda à Constituição. Não é mais simplesmente Lei Civil Extraordinária, não, agora é Emenda à Constituição.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Sim, exatamente. Por força do 45, também. Mas é porque na verdade deveria estar dentro do art. 4º, que rege as relações internacionais do país e o respeito às relações internacionais. Não está.

 

O fato é que o Brasil se rege especialmente pelo respeito aos tratados e às convenções internacionais dos quais é signatário. E o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo foi bem enfático em trazer que o Brasil é signatário da Convenção de Nova York. Pode parecer até um absurdo tudo isso que estou trazendo, mas o fato é que nós estamos aqui diante de direito e de uma supressão.

 

Direito em que o Estado busca, que é exatamente demonstrar que não está incluído no rol dos segurados da Previdência a criança ou o adolescente em situação de guarda, acolhido ou amparado pela guarda; e o direito realmente que ele reclama nesse sentido, quer dizer, que o direito perante a Lei Previdenciária não contempla a criança ou o adolescente em situação de guarda. Esse é o ponto do Estado, e por isso seria ilegal o ato da Dra. Juíza que determinou ao IRH que fosse pago o benefício previdenciário quando ele não se encontra na legislação de regência.

 

Ocorre que na verdade o ECA dá amparo a essa situação e a própria Constituição assegura o amparo à infância e à juventude em relação à guarda, e o Desembargador Luiz Carlos colocou muito bem: a guarda de fato e a guarda concedida por ordem judicial.

 

Nesse aspecto, face à determinação contida no ECA e também com respaldo nos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal, entendo que não cabe em termos de mandado de segurança coibir o ato da Juíza de Primeiro Grau que determinou, no presente caso, que os beneficiários tivessem o benefício previdenciário por falecimento de quem detinha a sua guarda e dentro de um processo regular.

 

Peço vênia a Vossa Excelência por dissentir do entendimento do voto do Relator e me filio ao entendimento do Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, dando realmente ênfase ao direito assegurado perante o ECA e perante a Constituição Federal. Por esse motivo, o meu voto é denegando a segurança.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

O meu voto já foi lançado e, conforme bem frisou Vossa Excelência, não tenho a menor dúvida de que o voto do Desembargador Luiz Carlos é de uma abrangência descomunal, mas dentro do ponto de vista, conforme Vossa Excelência inclusive enfatizou, da legislação e da jurisprudência dominante a nível de Superior Tribunal de Justiça, o meu voto já proferido é no sentido da concessão da segurança pleiteada.

 

 

DECISÃO

 

“POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGOU-SE A ORDEM, FICANDO DESIGNADO O EMINENTE DES. LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO PARA LAVRAR O ACÓRDÃO”.

 

 

 

Sétima Câmara Cível

Mandado de Segurança Nº: 0097.609-8- Recife

Impetrante(s): Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE

Impetrado(s): Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

Relator: Des. João Bosco Gouveia de Melo

Relator do Acórdão: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. AÇAO DE GUARDA. GUARDA PROVISÓRIA. AVÓ. HABILITAÇÃO DAS CRIANÇAS COMO BENEFICIÁRIAS DA GUARDIÃ. IRH. INDEFERIMENTO DO PLEITO ADMINISTRATIVO. PETIÇÃO NOS AUTOS DA AÇÃO DE GUARDA. DEFERIMENTO PELO JUÍZO SOB ARGUMENTO DE QUE A GUARDA ABRANGE FINS PROVIDENCIÁRIOS. GUARDIÃO É O MANTENEDOR. NATUREZA EXCEPCIONAL DA AÇÃO DE GUARDA. CRITÉRIOS LEGAIS RIGOROSOS. ÂMBITO FEDERAL. LEI Nº 8.213/91. LEI Nº 9.528/97. ARTIGO 33, §3º DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE COLISÃO ENTRE LEIS.  CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA DE NOVA YORK. BRASIL SIGNATÁRIO. LEI LOCAL TEM SUPREMACIA SOBRE NORMA INTERNACIONAL APENAS QUANDO CONFERIR MAIS DIREITOS. INADMISSIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO PRETORIANA OU NORMA GERAL QUE SUPRIMA DIREITOS RESGUARDADOS POR NORMA INTERNACIONAL A QUE ADERIU ESPONTANEAMENTE, SALVO SE HOUVER DENÚNCIA DE ADESÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. TRANSMUDAÇÃO DO PRINCÍPIO EM NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROCESSO, MORMENTE QUANDO O BENEFICIÁRIO DA TUTELA FOR MENOR DE 18 ANOS QUE GOZA DE PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORIDADE ABSOLUTA, NOS MOLDES DO ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ÂMBITO ESTADUAL. LC Nº 28/00. LC Nº 41/01. ENUMERAÇÃO DOS DEPENDENTES DO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CRIANÇA/ADOLESCENTE SOB GUARDA NÃO INCLUSO NO ROL. ENTENDIMENTO DO STJ, ADOTADO PELO IMPETRANTE, QUE NÃO DEVE PREVALECER, POR VIR DE ENCONTRO AO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE PACIFICAÇÃO DA MATÉRIA PELO STJ. ALÇADA DO STF. CONTROVÉRSIA. ADMISSIBILIDADE DE BUSCAR REVOGAÇÃO DA GUARDA, COMO TERCEIRO INTERESSADO. IMPOSSIBILIDADE DE SE INTITULAR COMO DETENTOR DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE NÃO INCLUIR GUARDADO COMO DEPENDENTE. SEGURANÇA DENEGADA POR MAIORIA DE VOTOS.

1. Mandado de Segurança que não possui suporte, quer ético, quer jurídico, para sua sustentação, dada a ausência de direito líquido e certo do demandante.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece, prévia e taxativamente, quais as condições para concessão da guarda, conferindo à ação autônoma de guarda natureza excepcional, pressupostos estes que sequer foram alvo do presente mandamus.

3. A Lei Federal nº 9.528/97, que revogou e alterou a redação de inúmeros dispositivos legais, não obstante tenha excluído do rol de beneficiários do RGPS a figura do “menor” sob guarda, manteve incólume o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que continuou a amparar o guardado judicialmente como dependente previdenciário.

4. Impõe-se que prevaleça o entendimento segundo o qual inexiste de conflito de normas regentes da matéria, porquanto, antes da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97, existiam duas leis (Lei nº 8.213/91 e ECA) que garantiam à criança/adolescente guardado direitos previdenciários e, após sua edição, muito embora mantida em vigor apenas o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, este guarda absoluta consonância com a norma constitucional, bem assim respeito aos princípios gerais da Lei de Introdução ao Código Civil.

5. A necessidade de se coibir a utilização indevida do instituto da guarda não pode servir de fundamento para se excluir, generalizadamente, os guardados que efetivamente estão em situação de dependência econômica da incidência da norma previdenciária.

6. As razões econômicas, a lei do menor esforço, alcançável mediante a simples retirada da figura do guardado do rol dos beneficiários previdenciários para se lograr redução de prejuízos decorrentes das guardas fraudulentas, não deve prevalecer sobre as razões jurídicas de garantia de direitos de ordem constitucional.

7. A cautela e o zelo adotados pelos Magistrados, membros do Ministério Público e servidores das Varas de Infância e Juventude da Comarca do Recife, observadores dos critérios legais necessários à concessão das guardas, obstam a ocorrência das “guardas previdenciárias disfarçadas”.

8. Sendo o Brasil signatário da Convenção da Criança de Nova York, à qual aderiram a quase totalidade dos países do mundo e que afirma que os direitos assegurados às crianças – abrangidos os jovens até 18 anos – não podem ser suprimidos, devendo a lei local prevalecer apenas se conferir mais garantias que a norma internacional, é inadmissível que, quer por interpretação pretoriana, quer por norma geral, sejam afastados direitos tutelados às crianças/adolescentes, salvo se houver denúncia espontânea da Convenção, observado o prazo de vacatio legis.

9. No plano do Direito Constitucional, deve-se atentar para a universalização dos direitos e benefícios sociais, que, como qualquer princípio, possui natureza de dever-ser, o que ganha relevo como argumento hábil a afastar tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, Embargos de Embargos Divergência em Recurso Especial nº 0110332-7, Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 0000548-7) e acolhida pela 8ª Câmara Cível desta Corte de Justiça (AI 138595-7 e AP 145.758-5), adotada pelo impetrante, no sentido da aplicabilidade da lei previdenciária vigente à época do fato gerador.

10. Ao incluir o instituto da guarda como uma das hipóteses garantidoras de benefícios previdenciários o Estado brasileiro deu um passo a favor da efetivação do princípio da universalização da Previdência, transformando o princípio em norma.

11. Impende ressaltar a regra segundo a qual o beneficiário da tutela, quando menor de 18 anos, goza de proteção integral e prioridade absoluta, nos moldes do caput do artigo 227 da Constituição Federal, sendo certo, ademais, que, no inciso II do §3º do referido dispositivo, assegura-se que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários e, no inciso VI, alberga-se o estímulo do Poder Público à promoção do acolhimento sob a forma de guarda.

12. Sendo a matéria em litígio de natureza constitucional, da alçada do Supremo Tribunal Federal, portanto, não há que se falar em consolidação da tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça e utilizada como suporte jurídico no presente pleito.

13. Não há obrigatoriedade de intimação do órgão previdenciário nos processos de guarda, conforme amplamente reconhecido em nossos Tribunais, por ser apenas um dos efeitos decorrentes da guarda; podendo o mesmo, contudo, integrar a lide em qualquer fase como terceiro interessado.

14. Malgrado seja admissível que o IRH/PE, como terceiro interessado, busque a revogação da guarda, é inadmissível que o mesmo se intitule como detentor de direito líquido e certo de vedar às crianças sob guarda a inclusão como dependentes de sua guardiã, segurada do impetrante.

15. Por maioria de votos, denegou-se a segurança.

 

ACÓRDÃO                                                                                                               01

 

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 0097.609-8, da Comarca de Recife, em que figura, como impetrante, o Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE e, como impetrado, a MM. Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por maioria de votos, em denegar a segurança, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado. 

 

 

 

 Recife, __________ de ___________________ de 2009.

 

 

 

 

                            ______________________________________

                                                    Presidente

 

 

 

                          _______________________________________

        Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

                                               Relator do acórdão

OBRIGATORIEDADE DE SUBSTITUIR PROFESSORES TEMPORÁRIOS POR EFETIVOS CONCURSADOS

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Agravo de Instrumento nº 134674-7 – Recife (5ª Vara da Fazenda Pública)
Agravante : Estado de Pernambuco
Agravado : Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE MÉRITO

À primeira vista, seduz a solução mais confortável, qual seja: lançar a presente causa à vala comum da doutrina e jurisprudência impeditivas da intromissão do Judiciário no chamado mérito administrativo, isto é, no juízo de conveniência e oportunidade que o agente público competente tece acerca da necessidade e da pertinência de encetar um dado ato administrativo.

Somente a partir de um olhar cauto e reflexivo, consegue-se dispensar ao caso em análise o tratamento que sua singularidade reclama. Não restam dúvidas de que a Administração, por meio de seu aparelho tecnoburocrático, é que tem condições de aferir a viabilidade da prática de um dado ato, bem como do proveito auferível de sua execução. Essa constatação se converte em verdadeiro axioma quando se trata do setor de pessoal: é o ente administrativo, porquanto demandante dos serviços, quem tem a potestade de ponderar sua necessidade de força de trabalho, como já visto; no cotidiano da atividade administrativa é que se verificará a suficiência ou não dos servidores investidos em funções públicas.

De outra mão, como o Direito Financeiro exige a anterioridade de Lei autorizadora de aumento das despesas públicas, as quais terão suas causas previamente constatadas e reconhecidas pelo agente a cujo cargo esteja o ordenamento dos gastos, a cujo cargo fica a apuração do melhor momento para realização de concurso para seleção de novos servidores.

Convém, entretanto, reconhecer uma particularidade no caso em apreço: a Ação Civil Pública em comento não teve em vista o simples desiderato de compelir o Estado à contratação de mais servidores efetivos. Não se trata de um singelo pedido de obrigação de fazer. Antes de tudo, prestou-se a ação constitucional a torpedear uma prática difundida no seio da Secretaria de Educação já há mais de década, flagrantemente inconstitucional: a contratação de professores em caráter temporário para desempenho de funções diuturnas e de permanente necessidade. São atividades contínuas, que, em vista disto, deveriam ser garantidas pela contratação de servidores concursados e efetivos – primeiramente, em homenagem ao princípio da continuidade do serviço público, que não pode sucumbir em face do exaurimento dos contratos temporários e da espera por nova seleção (o que, lastimavelmente, tem se verificado diuturnamente em nossa rede pública de ensino, com turmas enfrentando a carência de professores por meses a fio, em detrimento do calendário letivo e da própria qualidade da instrução, comprometida pela premência dos professores que tenham de repor aulas perdidas em exíguo período); ainda, repreensível a “perene temporariedade” dos contratos de professores por ofender o dogma constitucional do concurso público para acesso às funções de cunho permanente (ninguém pode pôr em dúvida que a demanda por docentes é contínua). Nesse tocante, impera salientar que as seleções públicas para contratos em regime temporário são meramente toleradas pela Norma Ápice (CF, art, 37, IX):

“lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (grifos nossos).

São suportadas as ditas contratações temporárias, por óbvio, na qualidade de exceções, desde que correlatas, como visto, com necessidade temporária de interesse público excepcional. Deve-se, pois, nortear a contratação temporária pela provisoriedade da demanda, tendo em vista uma situação insólita. Exclusivamente quando estejam reunidos ambos os critérios é que se confere à Administração a faculdade de contratação em regime temporário: as normas de exceção devem ser interpretadas restritivamente, eis o que prega a boa hermenêutica.

Tendo isto em vista, não se pode afirmar que o Juízo a quo se imiscuiu no mérito administrativo, haja vista que é a própria Administração quem reconhece a contínua defasagem do quadro de docentes da rede estadual de ensino e vem corroborando esse fato com a consuetude já decenal de contratação de professores temporários. Ora, o juízo de conveniência e oportunidade do administrador dizia respeito à verificação da demanda por professores, e, a esse respeito, não pairam mais dúvidas. A discricionariedade da Administração é relativa ao quê, não ao como fazer: não é porque tenha liberdade para definir a conveniência e oportunidade para a prática de um ato que lhe seja franqueada a opção quanto à forma de faze-lo. E a forma legal e, ainda mais, constitucionalmente prescrita para a contratação de professores é o concurso público, a não ser que se tratasse de uma situação premente, particularíssima, na qual, v.g., encontrando-se momentaneamente desfalcado o corpo docente estadual, poderiam ser admitidos professores temporários para não se comprometer um semestre letivo, vindo-se, porém, a promover concurso com presteza.

Destarte, não se está falando de uma ação condenatória em obrigação de fazer, mas de uma ação em que se questiona a validade de reiterados atos administrativos praticados ao revés das formalidades legal e constitucionalmente prescritas. A determinação de nomeação de professores por concurso não é senão corolário do princípio da continuidade do serviço público, pois se, como se reconhece, milhares de professores são admitidos por contrato temporário, seu afastamento certamente comprometerá fatalmente a prestação de um serviço público caracterizado pela ordem constitucional pátria como verdadeiro direito fundamental.

A tripartição de Poderes, assim como outras tantas valiosas conquistas da Idade Contemporânea, tem ocasionalmente escudado as maiores iniqüidades a pretexto de se preservar a luminosa Civilização Ocidental contra as trevas da barbárie e da tirania. Basta olhar, por exemplo, o erístico argumento da doutrina Johnson sobre a disseminação da democracia para os povos ao redor do globo terrestre, mascarando as investidas imperialistas ianques.

A separação dos Poderes estatais deve ser enxergada comedidamente, sob pena de servir como mera divisão funcional, tal qual concebida na “Política” de Aristóteles. O texto constitucional a ela se refere falando da independência e harmonia entre o Legislativo, Executivo e Judiciário. Por harmonia, quer-se crer que a intenção do Constituinte não foi tão-somente a de ver prevalecerem a lhaneza e as boas relações sociais entre os membros daqueles, mas que se regulassem mutuamente, tendo em vista os fins últimos do Estado encerrados na Constituição. Assim, enxergar o presente caso exclusivamente pela ótica da independência, como dissemos acima, é mais cômodo, mas não bastante ao atendimento da verdade e realização do Direito, que ora pressupõe a intervenção “harmonizadora” do Judiciário.

Diante de tais considerações, parece-me bastante sensata a decisão atacada quanto aos seus fundamentos, revelando-se irretorquível nesse tocante. Não se mantém, contudo, nossa concordância, no que pertine aos elementos dispositivos do decisum. Do teor da decisão, chamam atenção duas grandezas que se apresentam desproporcionais: quantidade de vagas a serem preenchidas e prazo para cumprimento da decisão.

1. Da Quantidade de Vagas

Ao tempo do Relatório, consignamos que o juízo a quo, em sede de liminar, determinou a contratação de 8.440 (oito mil, quatrocentos e quarenta) professores efetivos, dispensando-se, concomitantemente, os atuais professores temporários. Atônito com a cifra, o Estado, agravando, suscitou a nulidade da decisão, apontando-lhe caráter exauriente e irreversível, questão que não conhecemos como preliminar, mas que ora passaremos a esmiuçar.

Objeta o agravante, em face da decisão em lanço, que esta não poderia ser satisfativa do direito colimado, característica incompatível com a natureza liminar do provimento jurisdicional proferida. Tal conclusão, o Estado infere do cotejo dos dispositivos a seguir:

a) Artigo 1º da Lei nº 9.494/97:

“Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”.

b) Artigo 1º, §3º, da Lei nº 8.437/92:

“Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação”.

É comezinha a distinção entre provimento cautelar e a tutela principal requerida na Ação principal à qual aquele dá guarida: o primeiro tem natureza instrumental, de assegurar a utilidade ou mesmo a consecução da segunda. Tal discrepância também se aplica quanto à medida liminar em sede cautelar, por imperativo do argumento lógico ad minus (se a medida cautelar não pode ser satisfativa, muito menos sua liminar o seria). Foi esse o raciocínio perfilhado pelo segundo dispositivo acima transcrito, extraído da Lei nº 8.437/92, cuja Ementa consigna: “Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências”. Trata-se, pois, de uma lei disciplinadora das cautelares propostas em face da Fazenda Pública, sendo o parágrafo 3º um consectário das construções doutrinárias acerca da natureza das medidas de cautela, contexto no qual faz todo sentido tal proibição.

A Lei nº 9.494/97, no supracitado artigo 1º, estende às antecipações de tutela previstas nos artigos. 273 e 461 do Código de Processo Civil, a vedação imposta contra as cautelares, como restrição à regra geral da satisfatividade das tutelas antecipadas, quando se tratar do Poder Público como demandado. Sendo uma norma de exceção, diminuidora dos direitos do demandante, sua interpretação deve ser restritiva, como prescreve a boa hermenêutica; e é a própria letra da sentença normativa que proscreve a natureza satisfativa às tutelas antecipadas na forma do CPC, e só nestes casos, portanto, deve ser aplicada a proibição. O caso em pauta diz respeito a uma liminar em Ação Civil Pública, na forma do artigo 12 da Lei nº 7.347/85:

“Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.

Não desconheço a semelhança ontológica entre a liminar da Ação Civil Pública e a tutela antecipada, mas, devendo-se dispensar interpretação restritiva ao artigo 1º da Lei nº 9.494/97, não podemos estender-lhe a aplicação à decisão aqui reapreciada. Aliás, a especificidade da vedação à antecipação de tutela do CPC é bastante plausível do ponto de vista deontológico, posto serem os interesses em jogo numa Ação Civil Pública muito mais amplos e vitais para o todo social do que normalmente o são aqueles sobre os quais incide a norma geral do Código Processual, recomendando menor benevolência para com a Fazenda Pública

Por outro lado, porém, mesmo reconhecendo a possibilidade de liminar satisfativa, devemos permanecer vigilantes a respeito dos seus limites, para que, por culpa do exame ainda incipiente da causa, quando da concessão da medida, esta não seja deferida além dos limites do direito perseguido.

Relembro que a decisão reexaminanda determinou a abertura de concurso público para a contratação de 8.440 (oito mil, quatrocentos e quarenta) docentes efetivos. Ao escrutar os autos, pude perceber que a defasagem não chega a esta monta: concurso público em trâmite, deflagrado pela Portaria SARE/SEDUC nº 037/05, aprovou mais de 3.000 (três mil) novos docentes, que pendem de nomeação. Nem é necessária precisão cartesiana para contestar o contingente estipulado na liminar atacada: primeiro, devem-se nomear os candidatos aprovados, averiguar, em seguida, a demanda supérstite, para, aí sim, estipular-se a quantidade de vagas a prover em novo certame. Rejeitar a estimativa realizada pelo juízo a quo para fazermos outra aleatoriamente, agora, seria precipitação; a única certeza que temos, por ora, é de que o quantitativo de 8.440 é exagerado. Somente para ilustrar a dinâmica das estatísticas, corroborando a impossibilidade de determinar aprioristicamente o número de vagas a serem providas pelo futuro concurso, apenas entre a chegada do processo à minha relatoria e a presente data, tivemos notícia da nomeação, no último dia 08, de 1723 (mil, setecentos e vinte e três) professores aprovados no último concurso, além do anúncio da nomeação de mais 1615 (mil, seiscentos e quinze) docentes até o final do mês corrente.

Mas todo esse sopesamento e ajustes administrativos reclamam uma grandeza sonegada ao agravante pelo juízo de 1º Grau: tempo. É o que passamos a analisar no tópico a seguir.

2. Do Prazo para Cumprimento da Decisão

Uma solução mais amadurecida e exata não se pode alcançar de um arroubo; não é a inspiração, mas muita transpiração, laborioso sopesamento e investigação que permitem o equilíbrio requerido por uma situação como a que ora se põe. A reversibilidade da medida em apreço (tenhamos em mente que ainda se trata de uma precária liminar) depende de sua aplicação paulatina e gradativa, principiando pela já aludida nomeação dos candidatos em espera, oriundos do concurso de 2005, seguido de um posterior levantamento das vagas ainda pendentes em relação ao total de cargos componentes do quadro oficial de docentes, e seguinte realização de novo certame, sob pena de se promover açodado concurso com proporções assaz superiores às necessárias e restarem nomeados candidatos fadados ao ócio, sem serviço.

A irreversibilidade da medida liminar não deve ser compreendida como irreversibilidade jurídica, mas fática. Só assim se pode entendê-la, do contrário, não faria sentido algum esse critério, haja vista que, sendo as liminares provisórias, podem ser revogadas – “revertidas”, portanto – a todo tempo. A liminar concedida determina, além da abertura e conclusão do concurso em 180 dias, a rescisão dos contratos temporários em igual período. Suponhamos a situação, por sinal, bastante factível, de o Estado não lograr concluir o processo seletivo, nomeação e empossamento (sobretudo porque, contado a partir de 18 de janeiro, o prazo sequer atingirá 180 dias, na prática, devido à vedação de contratação de pessoal nos 3 meses anteriores às eleições), ou ainda o caso de não serem preenchidas todas as vagas ofertadas. Não nomeando os 8440 professores em tempo, o Estado estará sujeito à multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) cominada, mas o pagamento da pena pecuniária não tem o condão de suprir a ausência dos professores temporários, que serão afastados ao cabo do prazo estabelecido na decisão. Sem os temporários e sem os efetivos, os alunos terão o semestre prejudicado, com a continuidade de sua instrução comprometida. Ainda que haja ulterior reposição de aulas, certamente a pressa com que serão ministradas lhes aviltará a qualidade. E o que significa isso senão um dano, no mínimo, de difícil reparação?

Não pode prosperar um provimento cuja efetivação seja prevista para prazo tão lacônico. Respondendo ao pedido de informações que formulamos, o magistrado a quo sinaliza a possibilidade de dilação no prazo, reconhecendo, ele próprio, a probabilidade de não ser o mesmo suficiente. Ora, se, a priori, vislumbra-se a falta de perspectiva de cumprimento do interstício, o razoável seria estender de pronto o prazo; toda norma jurídica, conquanto preveja possibilidade de descumprimento, não é destinada à violação, mas à observância. Não se prescreve o irrealizável.

Trata-se de um problema arraigado, de mais de uma década, que não pode ser resolvido abruptamente. Para isso, já atinou o insigne Procurador de Justiça, Dr. Waldemir Tavares de Albuquerque, ao sugerir, em seu judicioso e ponderado Parecer, a dilação do interregno para 10 de janeiro, já passado o período de 03 (três) meses posteriores aos escrutínios estaduais.

Observados esses reparos em relação ao prazo e à quantidade de vagas a serem ofertadas, a decisão atacada é legal e acertada. Além de se insurgir contra uma prática ilegítima incrustada em nossa Administração por longa data, dando mostra de uma postura combativa e vigilante do Judiciário, abre ensanchas ao próprio Executivo para consagrar a atual gestão com a realização do notável feito moralizador. Enchem-se de júbilo aqueles que prezam pela lídima administração da coisa pública ao sentirem esse brado de justiça se reverberando, inclusive em nível nacional: o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Souza, ingressou com a ADIn nº 3721 contra lei estadual do Ceará, autorizadora de contratações análogas naquele Estado. Animam-se os justos com vozes solidárias ao seu coro; enchem-se de convicção de que ações como a presente não são mera temeridade, mas um gládio que empunham em sua arrojada cruzada civilizacional.

Objeta o Estado a necessidade de autorização legislativa para criação de cargos públicos, bem como de novas despesas. A essas duas oposições, responde satisfatoriamente a dilação do prazo que proponho, abrindo-se um tempo de respiro para, verificando a demanda por professores após a nomeação dos candidatos em espera, o Executivo propor a abertura de concurso, destinando, já na proposta do orçamento anual para 2007, a ser votada nos próprios meses, recursos bastantes para a remuneração dos novos efetivos. Recursos, aliás, que não discreparão enormemente dos já atualmente empenhados no pagamento de docentes temporários. É certo que a remuneração destes é um tanto menor que a devida a um servidor dos quadros da Administração, mas é o preço a pagar pela moralização na gestão da coisa pública, aliada à prevenção dos inconvenientes de sucessivas seleções para professores temporários, com a movimentação de todo um aparato burocrático para levar a cabo esses processos seletivos.

Em face do exposto, meu voto é no sentido da reforma parcial da decisão questionada, para dilatar o prazo de seu cumprimento até 10 (dez) de janeiro de 2007, determinando a nomeação dos candidatos aprovados no certame de 2005 ao longo deste ínterim. Feito isto, deve-se proceder a um levantamento da demanda de pessoal no quadro de docentes da rede pública estadual, sendo a quantidade encontrada o parâmetro para as vagas a serem abertas em concurso até tal data, substituindo-se pelos egressos da seleção os professores temporários restantes, vedada a contratação de docentes provisórios, a menos que precedida de prévio ato justificativo devidamente fundamentado, no qual se demonstrem os requisitos constitucionais para essa espécie de contratação.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Apelação Cível nº 41110-7 – Recife (3ª Vara Cível)

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

1º Grupo de Câmaras Cíveis
Apelação Cível nº 41110-7 – Recife (3ª Vara Cível)
Apelante : Diário de Pernambuco S/A
Apelado : Ricardo Zarattini Filho
Relator : Des. Silvio de Arruda Beltrão
Revisor Substituto: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Voto de revisão 04

De proêmio, cuido em tecer algumas breves, mas necessárias considerações preambulares ao mérito de meu voto revisional, cuja condição, aliás, me recaiu de forma substitutiva, face o eminente Des. João Bosco Gouveia de Melo ter se averbado de suspeito para atuar nesta lide, consoante despacho exarado às fls. 388 dos autos.

Nesse sentido, tenho em mente que, corroborando o entendimento esposado na 4ª Câmara Cível deste TJPE – órgão originariamente competente para o conhecimento e julgamento deste apelo -, cabia a este Egrégio 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPE, quando do julgamento dos Embargos Infringentes em apenso, haver dado continuidade ao enfrentamento do presente recurso.

É que, ao afastar a preliminar decadencial que pautou o decisum proferido naquela 4ª Câmara Cível em causa que se encontrava inequivocamente pronta para julgamento, cumpria ao 1º Grupo de Câmaras Cíveis, em observância à exegese do §3º, art. 515, CPC, bem como aos princípios da segurança jurídica, da celeridade processual e da efetividade do direito – como, aliás, bem declinou o eminente Des. Jones Figueiredo em seu voto lançado às fls. 360/364 dos autos -, prosseguir com o julgamento deste apelo, cuja interrupção, registre-se, já prolongou por, no mínimo, mais cinco anos a resolução desta celeuma.

E, justamente para evitar a eternização desta lide – a qual já se encontra relativamente próxima de atingir sua “maioridade civil”, já que proposta em meados de 1995 – é que, penso, deve-se privilegiar o princípio da instrumentalidade das formas em detrimento do rigorismo técnico-processual, que, em tese, faria impor a instauração do conflito negativo de competência.

Isso porque, a rigor, uma vez se declarando absolutamente incompetente para dar continuidade ao julgamento do apelo, deveria, aquela 4ª Câmara Cível, ter suscitado de plano o conflito de competência, tendo em vista que o 1º Grupo de Câmaras Cíveis também já se havia posicionado nos autos daqueles Embargos Infringentes em apenso pela sua incompetência em prosseguir com o julgamento deste apelo.

Entretanto, assim não se fez. Em sua decisão colegiada (fls. 343), entendeu a 4ª Câmara Cível em remeter os autos de imediato à apreciação deste órgão fracionário, tendo referido acórdão sido publicado na imprensa oficial sem que houvesse qualquer irresignação das partes ora litigantes, vide as certidões lavradas às fls. 367 e 369 dos autos, respectivamente.

Aliás, ressalte-se que, após processada a redistribuição aleatória deste feito perante os integrantes do 1º Grupo de Câmaras Cíveis e recaindo a sua relatoria ao Exmo. Des. Joaquim de Castro, tratou o ora apelado em atravessar petição nos autos (fls. 376) asseverando que tal relatoria cabia necessariamente ao eminente Des. Silvio Beltrão, na condição de atual ocupante da vaga deixada em aberto com a aposentação do não menos ilustre Des. Luiz Carlos Medeiros (então relator dos Embargos Infringentes em apenso), cuja pretensão acabou deferida às fls. 378 dos autos.

Nesse sentido, penso que, instaurar agora um conflito negativo de competência entre os órgãos fracionários deste Tribunal, passada mais de uma década na tramitação deste feito, traria mais malefícios do que benefícios aos interesses das partes envolvidas no litígio, até porque o fim máximo do Estado Juiz não é outro, senão, nos termos do art. 5º, LXXVIII, CF/88, dirimir os conflitos que se lhe apresentam observando-se a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, circunstância que, in casu, autoriza este 1º Grupo de Câmaras Cíveis em proceder, inclusive em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, com o julgamento do recurso sub examen sem que haja qualquer malferimento às normas processuais ou mesmo aos interesses das partes ora litigantes.

Com tais considerações, tenho por ultrapassada qualquer controvérsia relativa ao conflito negativo de competência entre órgãos fracionários deste TJPE, devendo, pois, este Grupo de Câmaras dar prosseguimento ao julgamento do apelo manejado pela empresa jornalística ré.

Todavia, antes de adentrar na discussão meritória do recurso, faz-se necessário que haja, ainda, breves comentários acerca da prefacial de deserção suscitada nas contra-razões da parte ora apelada, posto que ela jamais foi objeto de explícita apreciação neste Tribunal ad quem, seja pela 4ª Câmara Cível, seja por este órgão fracionário.

Entretanto, ainda que reconheça essa falha, tal não significa dizer que os julgamentos proferidos nestes autos e nos processos dele incidentes são passíveis de nulidade, muito pelo contrário.

É que, embora não tenha sido objeto de análise explícita neste juízo ad quem, os argumentos lançados naquela prefacial acabaram rechaçados por via indireta quando, do julgamento dos Embargos Infringentes em apenso, entendeu-se por afastar o instituto decadencial e dar-se o necessário prosseguimento ao julgamento do mérito da apelação cível, o que, na prática, implica dizer não só na manutenção do que já decidido por aquela 4ª Câmara Cível (mantidas, portanto, as rejeições das preliminares suscitadas naquela peça recursal), mas também que o referido apelo preenche todos os pressupostos de admissibilidade necessários ao seu conhecimento, dentre eles, claro, o preparo recursal.

Desta feita, tenho por naturalmente prejudicada a preliminar de deserção suscitada pelo ora apelado em suas contra-razões, pelo que adentro, finalmente, no exame de mérito do presente recurso.

Do que consta dos autos, tem-se que a empresa jornalística apelante fez publicar em seu matutino entrevista com personalidade deveras polêmica, qual seja, o Sr. Wandenkolk Wanderley, que opinou sobre diversos temas não menos controvertidos relacionados com o comunismo e o regime militar, dentre os quais, aquele que ocasionou o sugerido abalo à moral do ora apelado.

De proêmio, para melhor fixar a moldura na qual se insere a entrevista mencionada no item anterior, pivô de toda a celeuma e base do pedido inaugural, faz-se mister aduzir o seguinte:

1) O entrevistador – jornalista Selênio Homem de Siqueira Cavalcanti – é um dos ícones do jornalismo pernambucano, pois, por óbvio que a editoria jamais designaria um “foca” qualquer para realizar uma entrevista de tal magnitude e relevância, sempre foi conhecido pelo rigor científico com que pauta seu exercício profissional. Tal resta inquestionável quando se lê atentamente a abordagem de inúmeros temas polêmicos, com o mesmo grau de distanciamento profissional, permitindo que o entrevistado emitisse suas opiniões sobre todos eles sem qualquer interferência ou indução do entrevistador, nem mesmo uma maior ênfase ao caso pode ser debitada ao longo da entrevista;

2) O entrevistado, ao contrário, sempre loquaz e sem nunca abrir mão da defesa do movimento militar de março de 1964, e, como sempre, se vangloriando de seu um “porta-voz” dos militares nos meios civis.

Há que se ressaltar, portanto, que o jornal não emitiu, naquela entrevista, qualquer juízo de valor sobre o atentado ocorrido em 1966 no Aeroporto dos Guararapes. Tampouco houve, da leitura em sua íntegra, qualquer direcionamento naquela entrevista para fosse caluniada a pessoa do apelado ou afetadas a sua honra e moral, no que se verifica que o periódico apenas exerceu o seu direito de informar questão de relevante interesse público, sem que houvesse, para tanto, exorbitado desse seu poder/dever.

Aliás, para se chegar a tal raciocínio, imprescindível se faz rememorar o contexto histórico daquele regime de exceção, para melhor compreender aquele que foi um dos episódios mais marcantes do período da ditadura militar, cuja repercussão ainda ecoa fortemente nos ouvidos de toda a sociedade, consoante se depreende, inclusive, dos variados registros jornalísticos sobre o tema anexados aos autos pelo ora apelado.

Naquele tempo, as adversidades políticas ensejavam medidas extremadas entre os integrantes da direita e os da esquerda, não sendo incomum que, para se fazer prevalecer frente aos seus rivais, fossem adotadas mais do que palavras na defesa de seus antagônicos interesses, por vezes defendidos com a própria vida.

Se, por um lado, era usual a adoção de vias transversas, por assim dizer, para se conseguir confissões e punir aqueles considerados subversivos e traidores da pátria, não menos habitual era, em contra-partida, que os ativistas de esquerda se valessem de técnicas que beiravam ao revolucionismo – tais como os seqüestros de figuras políticas internacionais em troca da liberdade de seus correligionários, onde, inclusive, o próprio apelado se fez beneficiar em determinada ocasião (qual seja, o “célebre” seqüestro do embaixador americano) -, para anunciar e defender o seu ideal democrático. Sem dúvida, eram tempos de guerrilha.

Destaco, porém, que, ao meu ver, também é um equívoco se generalizar chamando todo o período sob o título de “ditadura militar”, pois, como se observa em diversas obras que fazem a revisão histórica daqueles tempos, as realidades vivenciadas foram bastante diversas, podendo, pelo menos, se distinguir o período inicial, sob o comando do Marechal Castelo Branco; aquele após a Emenda Constitucional nº 01/67, que era uma verdadeira nova Constituição; o Governo Costa e Silva; o AI nº 5; o período da junta militar; o governo Médici; o início e o prosseguimento da abertura lenta e gradual de Geisel e Figueirêdo, até a anistia.

No caso concreto, penso, tal distinção é vital, pois na época do atentado ao Aeroporto, as posições divergentes eram bem marcadas e qualquer um sabia reconhecer uma ação de repressão das forças armadas ou um ato dos insurgentes.

Ninguém dissimulava. Não perece fazer sentido uma versão que atribuiu o atentado a uma “montagem” da direta. A propósito, o próprio autor/apelado diz em sua inicial (fls. 04) que a autoria do atentado deve ser debitada à organização subversiva denominada “Ação Popular – AP”, ressalvando que nunca fez parte da mesma.

Contudo, não se olvide que, por se tratar de opositor pertinaz daquele regime de exceção, fato, aliás, largamente noticiado em sua peça vestibular, o Sr. Ricardo Zarattini sempre foi tido pelas autoridades militares como um dos principais líderes da militância esquerdista daquela época, período em que, repita-se, as “batalhas” políticas extrapolavam a seara do diálogo.

Nesse sentido, era de se esperar que o Sr. Zarattini tivesse experimentado das mais variadas agruras por seu impetuoso desafio ao regime militar, já que seu nome era constantemente citado como partícipe dos mais diversos crimes políticos daqueles tempos. E assim ocorreu no atentado ao Aeroporto dos Guararapes naquele ano de 1966.

É bem verdade que, até hoje, passados mais de quarenta anos daquele episódio, a autoria daquele crime ainda não foi devidamente elucidada. E, penso, dificilmente o será. Pois, ainda que, em tese, afastada a pretensão punitiva do Estado, os efeitos da confissão de um crime tão repugnante aos olhos da sociedade afastam quase que naturalmente o hipotético interesse do seu artífice – seja lá quem ele seja – em assumir a autoria do atentado, e, assim, esclarecer todos os fatos relacionados com aquele histórico episódio.

Entretanto, muito embora paire até hoje dito “mistério” sobre o atentado à bomba do Aeroporto dos Guararapes, não é de se olvidar que, dentre todas as versões propaladas ao longo dos anos, uma das que tomou mais corpo neste país foi a que atribuía à ala da esquerda, e mais precisamente ao Sr. Zarattini, a autoria daquele atentado.

E, ainda que tal autoria nunca tenha sido reconhecida – e nem provada -, o apontamento do Sr. Zarattini como partícipe daquele episódio não se deu de forma aleatória ou despropositada nos meios de comunicação. Ao menos, pelo que se depreende da própria remissão histórica dos fatos e dada a sua pregressa vida política de combatente contumaz daquele regime de exceção, havia indícios suficientes para que se cogitasse de sua participação naquele atentado.

Nesse sentido, valho-me, por oportuno, de breve trecho do voto declinado pelo Exmo. Des. Eloy d’Almeida Lins, então relator destes autos quando da retomada do julgamento deste apelo junto à 4ª Câmara Cível deste TJPE e em cuja ocasião se decidiu pela incompetência absoluta daquele órgão fracionário em dar prosseguimento ao julgamento deste recurso:

“Na verdade, do exame detido dos autos, notadamente em relação ao reexame histórico do incidente, diversas foram as fontes que, baseadas em indícios, imputaram a responsabilidade do autor e de terceiros pelo indigitado ato terrorista.” (fls. 348)

Com razão o eminente Desembargador. Afinal, da própria análise dos autos e de seu conjunto probatório, tem-se que a atribuição do atentado ao ora recorrido não foi fruto de uma perseguição voluntária imprimida pelos meios de comunicação (e, mais particularmente, pela empresa jornalística ora apelante), seja naquela época, seja nos dias atuais.

Como dito, tal versão dos fatos foi largamente propalada na imprensa, mas o foi com base em indícios suficientes para se chegasse a tal noticiamento, no que, registre-se, é de se diferir a coerência das informações prestadas pelos meios de comunicação com a sugerida divulgação indiscriminada de informações sem qualquer compromisso com o zelo profissional que lhe é naturalmente exigível, na condição inequívoca de veículo formador de opinião.

Pois, ainda que até hoje seja incerta a autoria daquele atentado, é de se considerar que as notícias divulgadas pelos meios de comunicação relacionando o Sr. Zarattini com aquele fatídico episódio guardavam verossimilhança com os indícios apurados sobre o evento, no que, em se tratando de caso não solucionado e, quem sabe, digno até de reprodução no famoso programa televisivo “Linha Direta” para se consiga chegar à sua resolução, faz-se natural haja presente o interesse da sociedade – ou mesmo a mera curiosidade – para se busquem o máximo de informações a seu respeito, posto se tratar, ainda hoje, de famosa passagem de um dos mais intrigantes períodos da história política do Brasil.

A versão do Sr. Zarattini de que foi a “AP” quem comandou o atentado do Aeroporto dos Guararapes e que nunca fez parte de tal organização, contida em matéria jornalística no Jornal do Commercio tem coerência e guarda verossimilhança. O problema é que a versão contada na entrevista que gerou a presente ação também tem os mesmos atributos. Só essa ambivalência, por si só, é suficiente para descaracterizar qualquer intenção de injuriar, caluniar ou causar constrangimento moral ao autor. Veja-se que a extensão da responsabilidade do veículo de comunicação se dá quando veiculada notícia que sabia ser falsa, o que, diante de dúvida fundada antes apontada, não era – e não é – razoável de se exigir do jornal.

Com base nesse raciocínio é que, penso, inexiste falar, na espécie dos autos, no dever de indenizar.

Até porque, como dito anteriormente no corpo deste voto, nada mais fez a empresa jornalística apelante senão trazer a lume entrevista contendo narrativa de fatos históricos por quem, reconhecidamente, vivenciou em toda sua intensidade o período da ditadura militar, qual seja o Sr. Wandenkolk Wanderley.

Ora, em sendo esse um dos temas mais palpitantes e controvertidos da recente história política do Brasil, tenho como inadmissível qualificar, do simples exercício regular do seu direito de liberdade de imprensa e de informação, a atuação da ora apelante como passível de ensejar reparação por alegados danos à moral do apelado.

Pois, qual o papel da imprensa senão o de bem informar a sociedade sobre todos os fatos e aspectos relevantes ao interesse público, quanto mais em se tratando de temas que abordam o próprio contexto político-histórico do país?

Desta feita, levando-se em consideração que a empresa jornalística recorrente apenas exerceu o seu direito de informação, sem, para tanto, exorbitar de suas prerrogativas, penso inexistir qualquer ânimo da sua parte em fossem afligidas a honra e a moral do apelado, posto que a entrevista veiculada no seu matutino e cujo trecho é objeto da presente celeuma apenas relata – sem qualquer juízo de valor daquele periódico – uma versão pública e notória sobre aquele histórico incidente ocorrido no Aeroporto dos Guararapes, pelo que, entendo, do sopesar entre os valores constitucionais aqui em tese conflitantes (direito à liberdade de informação x direito à inviolabilidade da honra), deve aquele primeiro prevalecer, face o inequívoco interesse público que paira sobre esse fatídico episódio do regime de exceção.

Como paradigma do posicionamento tomado neste voto, valho-me dos seguintes arestos jurisprudenciais emanados no Colendo STJ:

“RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – LEI DE IMPRENSA – ACÓRDÃO – OMISSÃO – AFRONTA AO ART. 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – ART. 49 DA LEI Nº 5.250/67 – DIREITO DE INFORMAÇÃO – ANIMUS NARRANDI – EXCESSO NÃO CONFIGURADO – REEXAME DE PROVA – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 07/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA – RECURSO NÃO CONHECIDO. (…) 2. A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das “excludentes de ilicitude” (art. 27 da Lei nº 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação. (…) 6 –Recurso Especial não conhecido.” (REsp 719592 / AL, 4ª Turma STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 12/12/05)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 20 E 22, C/C ART. 23, III DA LEI DE IMPRENSA. QUEIXA. TRANCAMENTO. LIBERDADE DE IMPRENSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. ANIMUS NARRANDI. DIREITO À INFORMAÇÃO. (…) II – Constatada a hipótese – como no presente caso – de que se sucedeu tão somente a divulgação de notícias de inegável interesse público, ausente ainda evidência de má-fé ou sensacionalismo infundado, por parte do acusado, resta a constatação da presença de simples animus narrandi, inerente à atividade jornalística. III – Tanto a Constituição Federal (ex vi art. 220, § 1º) como a Lei de Imprensa (art. 27) asseguram o livre exercício da liberdade de informação, buscando, justamente, assegurar ao cidadão o direito à informação, medida indispensável para o funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
Writ concedido.” (HC 62390/BA, 5ª Turma STJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 26/09/06)

Por fim, e em respeito à exegese do §1º, do art. 515, do Código de Ritos, cuido em trazer considerações que reputo das mais relevantes ao deslinde da real pretensão deduzida em juízo pelo ora recorrido, tendo em vista que, do processamento desta lide, notadamente após a prolatação da sentença pelo juízo a quo, resta clara a sua intenção em perceber “mera” reparação pecuniária, sem que haja qualquer interesse do apelado em seja reparada sua imagem e moral perante a sociedade, muito embora tenha propagado efusivamente em sua peça vestibular o desmérito com que seu nome era citado nas tratativas com seus pares e, principalmente, junto à opinião pública em geral.

Com efeito, chamou-me à atenção o fato de, embora tenha pleiteado em sua atrial houvesse publicada a sentença no matutino em caso de procedência de seu pedido, não houve, apesar daquele decisum nada ter decidido a esse respeito, irresignação da sua parte neste ponto em particular.

Ora, em casos de responsabilidade civil por danos morais relacionados com a lei de imprensa, penso que, se não mais importante do que a reparação pecuniária, é no mínimo tão importante quanto ela que, para se afastar por completo os danos morais infligidos à vítima, seja compelido o meio de comunicação réu em publicar a íntegra da sentença que lhe foi desfavorável, posto que, se houve reconhecido o dano moral decorrente de publicação injuriosa em periódico, nada mais justo do que seja dada a mesma publicidade na reparação desse dano.

Afinal, a adoção dessa medida público-coercitiva de retratação é prevista, inclusive, no art. 75, da própria Lei de Imprensa (lei nº 5.250/67), não sendo desarrazoado pensar que, em causa atinente à responsabilidade civil por danos morais na exorbitância da liberdade de imprensa, a satisfação integral dos danos morais afligidos à vítima perpassa, também, pela retratação pública do causador do seu dano.

Nesse sentido, trago à baila excerto jurisprudencial recentemente emanado nos autos da Apelação Cível Nº 70015950660, do Egrégio TJRS:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE DA CIVIL. PRELIMINARES. PROVA DOCUMENTAL. JUNTADA COM A PETIÇÃO INICIAL. CUMPRIMENTO. DEPÓSITO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. LEI DE IMPRENSA. DESNECESSIDADE. MÉRITO. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. DANO MORAL CONFIGURADO. NOTÍCIA VEICULADA EM PROGRAMA DE RÁDIO DA REGIÃO. OFENSAS À IMAGEM E À HONRA ALHEIA. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM PERIÓDICO, BEM COMO VEICULAÇÃO NO PROGRAMA DE RÁDIO QUE DIVULGOU OS FATOS INVERÍDICOS. CABIMENTO. PRELIMINARES. (…) 3. A publicação da sentença, na íntegra, em periódico de real circulação ou expressão, às expensas da parte condenada, prevista no art. 75 da Lei de imprensa, constitui direito que não há de ser obstado pelo não-exercício do direito de resposta, sendo totalmente descabido tal argumento. De outra banda, perfeitamente possível a condenação cumulativa no sentido de que a demandada tenha que também divulgar no programa Linha Direta a decisão em tela, uma vez que expressamente autorizada pelo disposto no parágrafo único do art. 75 da Lei nº 5.250/67. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70015950660, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 25/10/2006)

Ainda que, por óbvio, o interesse e a legitimidade recursal somente possam ser exercidos pelas partes envoltas no litígio, tenho em mente que, do reexame da causa neste duplo grau de jurisdição, o silêncio da parte ora recorrida neste particular interfere sobremaneira na formação de meu convencimento sobre a matéria em debate, posto que, do que se depreende dos autos, a sua honra e moral restaram confortadas tão-só com a reparação pecuniária, tornando-se despicienda, na visão do recorrido, qualquer retratação pública da empresa jornalística ora apelante com vistas a se redimir da mácula que persistirá em sua imagem aos olhos da sociedade – por mais publicidade que ele (apelado) se encarregue em dar quanto ao êxito alcançado nesta ação judicial -, principalmente se levarmos em conta que o Sr. Zarattini detém, até hoje, nome dos mais conhecidos na história recente da política brasileira.

Nesse sentido, registre-se que a empresa ré/apelante, presente à audiência de conciliação (fls. 90), inclusive na pessoa do próprio entrevistador e autor da matéria – jornalista Selênio Homem – ofereceu-se para veicular entrevista com o autor para que ele, da mesma maneira que o entrevistado anteriormente, pudesse apresentar sua versão dos fatos, mas tal proposta foi peremptoriamente recusada. Como se vê, nem mesmo divulgar “sua” verdade era importante para o autor, mas apenas auferir ganhos financeiros, que, ao meu ver, neste caso, constituiria enriquecimento sem causa, autêntico abuso no uso das disposições legais que regem a reparação por danos morais.

Igualmente registro que em nada fiquei sensibilizado com a recusa do litisdenunciado, por ser óbvio que ele não iria laborar contra seus próprios interesses, já que, em acatando a litisdenunciação, para eventual hipótese de condenação teria que suportar (ou pelo menos co-assumir) os ônus financeiros advindos; da mesma forma, parece que o autor jamais iria aceitar a litisdenunciação, pois, caso vitorioso em sua tese, seria bem mais fácil cobrar do veículo de comunicação do que de um particular.

A boa prova para o caso seria uma fita gravada da entrevista. Só depois da época própria a empresa ré argüiu possuí-la. Mas, uma espécie de “Conceição”, de cancioneiro popular, já que “ninguém sabe, ninguém viu”, muito menos submetida a uma perícia para provar sua autenticidade.

Outra via razoavelmente confiável seria inquirir entrevistado e entrevistador, mas hoje isso é impossível pelo passamento de um dos personagens.

Portanto, se o ônus da prova, no ordenamento jurídico brasileiro, cabe a quem alega, e se o autor não conseguiu provar a intenção de injuriar por parte da ré, não há nexo de causalidade e não se pode falar em danos morais.

Ante o exposto, sou pelo PROVIMENTO da apelação cível manejada pela empresa jornalística para, da reforma in totum da sentença vergastada, seja julgado improcedente o pedido inaugural dos autos, observando-se, com isso, a necessária inversão dos ônus sucumbenciais.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor Substituto

EMTU X SETRANS

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE REVISÃO – Preliminar de Nulidade de Sentença por julgamento extra petita

A apelante acoima de nula a sentença reprochada, arrimando-se em três argumentos – julgamento exorbitante do pedido atrial; incompatibilidade entre os provimentos mediato e imediato; e ofensa ao contraditório e à ampla defesa –, o primeiro dos quais passo a ponderar.

A justificativa apresentada pela apelante para tal insinuação é de que, entre os pedidos formulados, a parte requerente demandou a condenação da EMTU ao pagamento dos valores que viessem a ser apurados em liquidação, ao passo que o magistrado de inferior instância fixou, no dispositivo sentencial, montante preciso a ser indenizado: R$ 60.509.258,20 (sessenta milhões, quinhentos e nove mil, duzentos e cinqüenta e oito reais e vinte centavos).

Receio destoar da apelante nesse tocante: o pedido formulado pelo requerente fora no sentido de que, julgando procedente a ação, o juízo recorrido decretasse a nulidade da Portaria nº 260/92 da EMTU, condenando-a a “pagar às empresas afiliadas ao Sindicato autor o valor indevidamente glosado e impago”. Noutra passagem, no corpo da peça inaugural, o SETRANS estima a rubrica acolhida pelo Juiz de primeiro grau como sendo a devida, vulto sobre o qual ainda incidiriam as correções legais. A objeção levantada pela EMTU é válida somente para os casos de pedido indeterminado, o que não se tem no presente caso, no qual existem planilhas de cálculo trazidas pelo demandante.

A impressão que teve a recorrente, de exorbitância da condenação em relação ao pedido, deve-se à referência, por parte do acionante, no fecho de sua peça atrial, a “os honorários advocatícios ao percentual máximo permitido, calculado sobre o valor liquidado da condenação judicial final”. Aqui, o autor empregou o vocábulo “liquidado” como sinônimo de valor certo, definitivo, que somente será conhecido após a sentença condenatória, mesmo, inclusive, que não houvesse necessidade de liquidação de sentença em estrito sentido, caso em que só houvesse demanda por cálculos meramente aritméticos. Ressalte-se, a respeito, que até a Lei nº 8.898/1994, o artigo 604 do CPC se referia a “contas de liquidação” para aludir ao que a redação atual desse dispositivo cita como “apresentação de memórias de cálculo”.
Com efeito, a quantia fixada pelo Juiz na condenação não é definitiva, pois, sobre ela, se for o caso, ainda incidirão juros e correção monetária, a serem quantificados oportunamente por ocasião de futura execução, quando, então, a sentença será “liquidada” em sentido amplo – peremptória, precisa.

Diante do exposto, tenho pela rejeição desta preliminar.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE REVISÃO: Preliminar de nulidade de Sentença por incompatibilidade entre os pedidos mediato e imediato

Não se reserva melhor sorte à presente preliminar: alega a apelante serem inconciliáveis a condenação pecuniária da EMTU e a natureza declaratória da ação.

Outra vez, não estamos aqui senão diante de uma perplexidade semântica: a parte recorrente se atém à literalidade de um termo da sentença para tecer inferências precipitadas. Na preliminar em lanço, vislumbra uma implicação entre a declaração de nulidade e a transformação do feito em ação declaratória.

Não acolhe razão ao apelante a esse respeito: o feito proposta consistiu de uma “Ação de Nulidade de Ato Administrativo, cumulada com Pedido Ressarcitório”.

Faltou, aqui, atinar-se para as lições mais tenras de validade dos atos jurídicos. Nossa tradição jurídica sempre foi de divisar, na seara da invalidade dos atos jurídicos, nulidade de anulabilidade. O ato meramente anulável, como é cediço, é passível de convalidação e requer suscitação, por quem tenha interesse, para fins de se perfazer. A morfologia do vocábulo, “anulável” (sufixo “ável”) dá a entender ser preciso encetar uma ação para concretizar essa qualidade. É o que a Escolástica denominava estado de potência, existência potencial, dependente de condição para se verificar concretamente. Por seu turno, o ato nulo não ingressa na ordem jurídica. A nulidade já existe efetivamente, pouco importando a vontade, a ação ou a pachorra das partes para que se verifique.

Não é, portanto, o pronunciamento judicial que torna nulo um ato. O que o Juízo faz é reconhecer-lhe esse atributo, “declarando-o”. Em o fazendo, nenhum “a fortiori” há de que se torne a ação em declaratória, em sentido estrito, de modo que a o expediente não perde seu caráter condenatório/constitutivo.

Do exposto, insta rejeitar também esta preliminar.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE REVISÃO: Preliminar de Nulidade de Sentença por Ofensa ao Devido Processo Legal

A apelante, como restou consignado alhures, preconizou haver sido prejudicada pela inobservância do contraditório e ampla defesa, asseverando não ter tido oportunidade de discutir o valor da condenação.

Cuido não se justificar essa suspeita. O valor ao final chancelado pelo Juízo a quo já era conhecido desde o princípio da ação; veio expressamente mencionado na própria exordial como estimativa, baseada em cálculos encerados em planilhas que se encontravam em anexo àquela peça processual. Assim sendo, já por ocasião, da contestação, haveria condições de rechaçar essa contabilidade e seria dever da EMTU, enquanto demandada, opor toda a matéria de defesa em sua peça de bloqueio, por imperativo do artigo 300 do Código de Processo Civil:

“Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”.

A não ser que se tratasse de uma das exceções do artigo 303 daquele Codex, o que não é o caso, não só poderia como deveria ter se pronunciado acerca dos valores, que já eram sabidos à época do oferecimento da contestação. A incúria ou a negligência dos patronos da EMTU de modo algum significa que não lhe haja sido oportunizada chance para questionar o montante da condenação.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE REVISÃO: MÉRITO

Confesso que o libelo do SETRANS/PE, autor da ação, acenou para uma possibilidade que me tentou a abandonar o serviço público e me dedicar à mercancia: nesse processo, cogitou-se de uma atividade econômica invulnerável ao prejuízo. Estupendo! Só devemos cuidar de manter em sigilo informação tão alvissareira, para prevenirmos o boom de concorrência.

O sibilino raciocínio tecido pelo autor parte, basicamente, de duas premissas:

a) Inconstitucionalidade dos artigos 11 e 13 da Portaria nº 260/92 da EMTU, por suposta lesão ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de delegação de serviço público;

b) Obrigatoriedade de a EMTU, enquanto gestora do serviço de transporte público de passageiro, garantir o funcionamento superavitário do sistema.

Transcrevo, para melhor conhecimento, os indigitados artigos da Portaria:

“Art. 11. Quando o Montante Disponível não for suficiente para cobrir as Remunerações Devidas das participantes [empresas de transporte], serão calculadas as diferenças entre a Remuneração do Período e a Remuneração Devida de cada participante, para serem consideradas no próximo Período de Apuração.

PARÁGRAFO ÚNICO – Efetuados os ajustes indicados no art. 8º desta Portaria e persistindo o déficit a que se refere o caput deste artigo, não será o mesmo absorvido no Período de Avaliação subseqüente, devendo ser rateado entre as participantes, de acordo com os critérios ora estabelecidos.

(…)
Art. 13. A Diferença Acumulada de um Período de Avaliação não será compensada em período posterior.

PARÁGRAFO ÚNICO – Não se aplicará o que estabelece o ‘caput’ deste artigo se, no Período de Avaliação imediatamente posterior, for verificado superávit na Conta Gráfica”.

O chamado “período de avaliação” compreende o tempo de um trimestre. Nele, encerram-se 06 (seis) “períodos de apuração”, correspondentes a uma quinzena cada. Entre períodos de apuração consecutivos, o déficit do anterior poderá ser compensado no posterior, dentro do mesmo período de avaliação. Dentro de um trimestre inteiro, essas diferenças poderão ser compensadas, e, caso as configurações do sistema (tarifas, receitas complementares, despesas) se mostrem inviáveis, devem-se alterar-lhe as feições. É o que reza o artigo 8º da Portaria, a que o Parágrafo Único do art. 11 alude:

“Verificado déficit em dois Períodos de Apuração consecutivos, serão adotadas pela EMTU/Recife as providências necessárias, com vistas a um possível restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da conta gráfica no período de apuração.

PARÁGRAFO ÚNICO – As medidas referidas no ‘caput’ deste artigo incluem a adequação da programação a ser executada, a revisão do valor da tarifa, a introdução de recursos extratarifários ou outras medidas que venham a ser sugeridas pela Comissão referida no art. 16 desta Portaria”.

O que a Portaria veda é a compensação entre dois períodos de avaliação (trimestres) consecutivos, mas não entre períodos de apuração (isto é, quinzenas). Convenhamos: será que, ao cabo de um período de avaliação inteiro, isto é, 06 (seis) quinzenas, em que não se experimentou nenhum superávit, haveria, de fato, algum lucro a repartir? A pergunta, obviamente, é meramente retórica, pois não subestimo a inteligência de nenhum dos circunstantes a esta Sala de Sessões para esperar uma resposta afirmativa.

É a própria Portaria que prevê mecanismos de restauração da equação econômico-financeira verificada no início do contrato administrativo, justamente o que persegue o sindicato autor. Contudo, este pretende ver declarados nulos os artigos 11 e 13 daquele ato normativo, apontando-lhes a inconstitucionalidade justamente por impedirem a manutenção do aludido equilíbrio. Permitam-me realçar o paradoxo que isto representa:

A Portaria, datada de 1992, somente veio, entretanto, a ser questionada em 1996, quando, supostamente, a equação haveria sido abalada. Tendo sido alterada, a pretensão atual é de que se a restaure. Revigorando-a, estar-se-ia voltando às condições iniciais, quando já vigiam os artigos atacados da Portaria nº 260/92. Podemos aferir, então, que o autor quer e, simultaneamente, não quer comprovar-lhe a nulidade? Nem o maior diletantismo lógico nos faria aceitar tal hipótese. É grotesco o ferimento do princípio da “não-contradição”: uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo. Esse paradoxo, aliás, deveria ter motivado a extinção sem julgamento de mérito do processo, por inépcia da inicial.

Aí está: o próprio autor reconhece, ainda que tacitamente, o grande proveito que o sistema lhe proporcionou, no mínimo, por quatro anos, período que mediou entre a edição da Portaria em comento e o ajuizamento da presente ação. O problema, portanto, reside em momento posterior, já durante o decurso do contrato de delegação do serviço e de vigência da Portaria. Destarte, o pleito do SETRANS deveria ser de reajuste ou de revisão contratual (remédios, por sinal, previstos na própria Portaria atacada, para a reparação dos desajustes financeiros), e não de declaração de nulidade dos artigos 11 e 13 da Portaria, muito menos por esse fundamento.

Em outras palavras, seria possível – e, aliás, muito mais realista – fazer a seguinte leitura do caso: enquanto lucrativa, por mais de 4 (quatro) anos seguidos, a regra era constitucional, na ótica das empresas transportadoras; se houve problemas entre períodos de apuração (quinzenas), tudo pôde ser resolvido no mesmo trimestre (período de avaliação). Na primeira ocasião em que a circunstância ocorreu por mais de 06 (seis) quinzenas, imediatamente, a norma passa a ser acoimada de inconstitucional.

Outra conjectura possível é de que o Sindicato tenha percebido o rigor da regra disciplinadora do serviço concedido e, agora, almeje alterá-las em juízo. Essa tarefa nos é igualmente ínvia: não temos poder para invalidar uma norma lídima, o que representaria revogação de ato administrativo, ação que nos desborda a competência. É a repisada regra de que o Judiciário não pode se imiscuir no mérito administrativo.

As regras do jogo estavam postas quando da assunção do serviço pelos concessionários. Ao se disporem à prestação de serviço público, deveriam ter em mente, então, que seus interesses particulares estariam subjungidos aos desideratos públicos, restando às empresas de transporte a liberdade de se vincularem ou não à Administração, sabedores de que, em o fazendo, estariam subordinados ao primado da coletividade. Poderiam, sim, ter organizado um lobby em torno do abrandamento das regras, mas objetar-lhes judicialmente o mérito, a pretexto de lhes discutir a validade, jamais.

Das mais tenras lições a respeito do contrato administrativo, apreende-se que, dentre outros apanágios, essa espécie de avença é caracterizada pelas ditas cláusulas exorbitantes, corolários da preponderância do fito público sobre o particular. Assim, têm, verdadeiramente, natureza de contratos de adesão, de sorte que, ao contratado, é dada a liberdade de se vincular ou não.

Se as empresas acataram as regras postas (e, ressalte-se, de antemão conhecidas), foi porque julgaram o custo-benefício vantajoso. Por outro lado, caso tenham notado, no decorrer do jogo, que o fardo se tornou insuportável, faço minhas as palavras do Fausto, de Goethe: “A coisa inútil, na vida, é fardo a ser desprezado”. Assim, à guisa da liberdade que tiveram de se jungirem às regras adjacentes ao contrato, preserva-se-lhes o direito à sagrada insurreição, para abrandarem/abandonarem a pesarosa missão de tocarem o serviço de transporte de passageiros. Poderiam, então:

a) Cumprir o contrato de bom grado;
b) Buscar o distrato;
c) Tentar a alteração das regras amistosamente ou, dentro do cabível, pela via judicial.

Não lhes é dado, porém, simplesmente e descumprir as cláusulas avençadas no momento em que elas lhes impliquem dano, para somente acatarem as condições favoráveis.

A segunda premissa trabalhada pelo requerente, ora apelado, é de que, por força do Decreto Estadual nº 14.846/91, a EMTU estaria obrigada a garantir o superávit do sistema. Tal elucubração superou em ambição a mais voraz doutrina liberal: não se prega, aqui, a liberdade do setor econômico para se ajustar segundo os fatores de mercado; quer-se mais: intervenção do Estado, porém para garantir o lucro. Esse é o anelo de todo capitalista – negócio sem risco, sem álea econômica. Só espero que, para a infelicidade das empresas de transporte de passageiros, não seja dessa vez que esse anseio se concretize.

A EMTU, pelo Decreto acima aludido, assume deveres de gestora do sistema, não de provedora. O que constitui dever seu é, como visto anteriormente, aquele reservado pelo artigo 8º da Portaria nº 260/92, qual seja, de, dentro de seus poderes, envidar os esforços possíveis para que o serviço seja proveitoso para seus prestadores, mas, jamais, de assegurar o superávit. Tem, sim, o mister de garantir a continuidade do serviço público, não do êxito negocial das empresas concessionárias. Tal constituiria verdadeira socialização dos prejuízos. Deixo a indagação: não existisse a EMTU, as transportadoras estariam imunes ao déficit? Por quê, agora, responsabilizam a Empresa por seus prejuízos?

Os artigos questionados da Portaria nº 260/92 não dizem nada senão que, quando o saldo da Conta Gráfica for negativo, não se terá lucro a repartir. Ilicitude nenhuma eiva tais disposições, o que já não seria o caso se a prescrição dos artigos fosse no sentido oposto. Com efeito, ilícito seria, sim, com dinheiro público, dividir “lucros” inexistentes quando o período for de prejuízo. Não vislumbro, pois, como atender à postulação articulada pelo SETRANS/PE.
Neste oceano de devaneios – atividade econômica imune a prejuízo; repartição de “lucros” após uma sucessão de períodos deficitários; pretensão simultânea de restauração e anulação de uma norma –, pareceu-me impossível que alguém pudesse acatar tal argumentação. Apenas pareceu-me, na medida em que algumas das melhores cabeças pensantes do Judiciário estadual ficaram seduzidas com tais teses mirabolantes… Paciência! É próprio da dialética e do olhar que se dirige ao que é o bom direito, o que é justo. Todavia, não é próprio, nem aceitável, que, na defesa do interesse público, os advogados da empresa pública – EMTU –, ora apelante, tenha se limitado a uma defesa em 02 (duas) laudas, de fls. , incúria e/ou negligência patenteada nos autos, apenas corrigida com a peça de Apelação, recomendando que sindicância (ou inquérito administrativo) seja instaurada para apurar devidamente as razões de tal ocorrência.

Ante o exposto, voto pelo provimento do presente Apelo para julgar improcedente a ação proposta, invertendo-se, pois, o ônus da sucumbência. Com o provimento do recurso em tela, resta prejudicada a Apelação Cível de nº 71147-3, oriundo de cautelar preparatória da ação presente.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Apelação Cível nº 87461-5 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 87461-5 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Transroll Navegações S/A
Apelado : SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO – mérito EQC

Como já mencionado no relatório de fls. dos autos, trata-se de recurso de apelação cível movido pela empresa demandada, Transroll Navegações S/A, contra a sentença condenatória que lhe foi imposta pelo juízo a quo em vista da, assim considerada, culpa de seu preposto (comandante do navio “Betelgeuse”) na colisão envolvendo a referida embarcação e parte do cais de atracação do Píer de Granéis Líquidos do Porto de Suape, o qual restou parcialmente destruído quando da manobra de desatracação do navio.

Em suas razões de inconformismo, alega a apelante que a sentença combatida partiu de premissa notadamente equivocada, posto toda a matéria fática dos autos remontar na imperiosa e incontroversa constatação da ocorrência de caso fortuito, qual seja, fenômeno natural imprevisível (“trovoada”), como o verdadeiro “responsável” pelo sinistro, não sendo adequado imputar tal responsabilidade ao seu preposto, posto ele ter agido, assim como o prático que o auxiliava naquele momento – sobre o qual já não mais se discute qualquer responsabilidade, já que, segundo o juízo singular a quo, não restou caracterizada sua culpa, entendimento esse que não foi atacado por nenhuma das partes litigantes – com toda a cautela e prudência necessárias à boa realização da manobra de desatracação do navio, quando, inopinadamente, foram surpreendidos com o retorno violento daquele fenômeno natural, no que, apesar de seus louváveis esforços, não conseguiram evitar dita colisão.

Nesse sentido, aduz a apelante, é o posicionamento do Tribunal Marítimo – órgão administrativo competente, dentre outras atribuições, para julgar os acidentes e fatos da navegação marítima – sobre o caso em apreço, onde, divergindo das conclusões firmadas no Inquérito instaurado pela Capitania dos Portos de Pernambuco, se decidiu por exculpar não só o prático, mas também o comandante do navio “Betelgeuse”, posicionamento esse, entretanto, que não foi sequer merecedor de consideração na sentença proferida pelo juízo a quo, donde se verificaria novamente o erro daquele julgador monocrático na apreciação do caso sub examen¸vez que os julgados daquele tribunal detém, por expressa força de lei (art. 18, da lei nº 2.180/54), presunção relativa de certeza, somente debelada na hipótese de violação à lei ou em decorrência de produção de prova judicial suficiente à impugnação das circunstâncias fáticas ali apuradas.

Vê-se, portanto, diante dos argumentos meritórios citados pela apelante relacionados ao sinistro, que a solução da presente controvérsia reside, fundamentalmente, em saber se houve ou não a incidência de causa excludente de responsabilidade (caso fortuito) capaz de desonerar a responsabilidade de seu preposto na colisão supra, mas também, em saber se, da análise destes autos, seria possível ao julgador de 1ª instância firmar, ainda que implicitamente, posicionamento contrário ao daquele órgão técnico-administrativo (Tribunal Marítimo).

Dito isso, passo agora a analisar a sugerida causa excludente de responsabilidade, primeiro fundamento da peça recursal da apelante.

Conforme se denota dos autos, inclusive através da própria narrativa das peças recursal e de defesa da ora apelante, a manobra inicial de desatracação do navio “Betelgeuse” restou adiada pelo seu comandante em vista das más condições meteorológicas que se ofereciam àquela oportunidade, vez que, “cerca das 20:00 horas quando rebocadores e o Prático estavam prontos para a manobra, houve aquele fenômeno meteorológico que se denomina tecnicamente como ‘trovoada’” (fls. 96), razão pela qual, diante da violência daquele fenômeno, implicando em fortes rajadas de vento, chuva consistente e mar agitado, decidiu-se esperar a melhora dessas condições para que, só então, fosse retomada a aludida manobra de desatracação do navio.

Tal espera – conforme se depreende do próprio teor do acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo (fls. 573/586) -, se deu por aproximadamente trinta minutos, ocasião em que o comandante decidiu pela retomada da manobra face à sua constatação de que teria havido a melhora das condições meteorológicas, onde o vento diminuíra consideravelmente, o céu já apresentava seus astros e o mar se mostrava apaziguado. Em outras palavras, para o comandante do navio, tudo levava a crer que a “trovoada” havia se esvaído.

Ocorre que, corroborando o posicionamento do julgador monocrático de 1º grau, bem como de ambos os representantes ministeriais que atuaram neste feito, penso que, in casu¸ a espera de apenas trinta minutos para retomar a manobra de desatracação do navio – independente da sugerida melhora das condições meteorológicas – se mostrou nitidamente precipitada, quanto mais quando, além de ter-se dado em período noturno (onde as atenções devem, naturalmente, ser redobradas), havia se passado pouquíssimo tempo desde a ocorrência daquele intenso fenômeno natural, não sendo razoável presumir que, em tão breve lapso temporal, esse violento fenômeno não mais tornaria a ocorrer, principalmente quando ele, comandante, era inegavelmente sabedor das más condições meteorológicas previstas para aquele dia.

Ora, ainda que se possa acatar, hipoteticamente, a tese de que o comandante do navio não detinha conhecimento preciso quanto ao local e momento exatos da ocorrência daquele fenômeno (e de sua conseqüente repetição), certo é que, como se pode depreender da própria leitura de sua defesa administrativa junto ao Tribunal Marítimo (fls. 489/497), lhe foi dada prévia ciência, através dos boletins de previsão meteorológica expedidos pela Marinha brasileira (por mais falhos ou inconsistentes que sejam), quanto às más condições meteorológicas oferecidas para aquele dia, as quais se mostravam, inclusive, propícias à incidência de trovoadas, como destacado no próprio relatório técnico apresentado pelo preposto da parte apelante em sua defesa naquela esfera administrativa (fls. 510/520 dos autos).

Nesse sentido, transcrevo breve trecho de uma das conclusões do citado relatório:

“4.9 – Com base nas informações disponíveis, as conclusões podem ser sumarizadas nos itens abaixo:

a) As condições meteorológicas predominantes na área do Porto de Suape no dia 17 de fevereiro de 1994 indicam que rajadas de vento associadas a trovoadas eram prováveis de ocorrer. As características meteorológicas associadas às trovoadas indicam que a violência de tais rajadas de vento poderia vir a afetar a manobra de desatracação do N/M BETELGEUSE;” (fls. 520)

Portanto, ainda que, no item seguinte de suas conclusões, haja aquele perito destacado a impossibilidade – devido às restrições técnicas dos próprios aparelhamentos meteorológicos disponíveis no Brasil -, do comandante precisar com exatidão o local e horário daquele violento fenômeno natural, vê-se que, ainda assim, faltou-lhe prudência quando da retomada da manobra de desatracação, posto a probabilidade de ocorrerem trovoadas na área do Porto de Suape já havia, inclusive, se concretizado, não sendo razoável pensar, quanto mais em se falando de profissional de tão elevado gabarito, que tais condições climáticas desfavoráveis jamais poderiam se repetir (independente de sua proporção) naquele local, quanto mais em tão curto espaço de tempo.

Ora, dizer que o seu preposto tomou todas as precauções de um homem mediano para retomar a manobra de desatracação do navio com base nas condições climáticas que se lhe apresentavam logo após a “trovoada”, a meu ver, não contribui em nada às suas pretensões, vez que, em face do próprio exercício, da experiência, da disciplina e dos conhecimentos técnicos exigíveis e inerentes à sua profissão, é se de se esperar, presumivelmente, que o comandante de um navio de tão grandes proporções (cerca de 183 metros de comprimento, vide fls. 333) somente execute suas manobras visando o alcance da “perfeição”, dentre as quais pode-se enumerar, obviamente, a de desatracar o referido navio sem que haja o menor perigo de insucesso ou, ao menos, buscando minimizar ao máximo essa possibilidade.

Nesse sentido, valho-me de brilhante julgado do Egrégio TJRS, bastante similar ao caso vertente, para elucidar ainda mais meu posicionamento:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AFRETADORA E ARMADORA DE EMBARCACAO MARITIMA. ACIDENTE NAUTICO. TRIBUNAL MARITIMO. PARECER. EFEITOS. (…) INDIVIDUO QUE, NA SITUACAO CONCRETA, OU NO CUMPRIMENTO DE SEUS DEVERES, PODIA DISPOR DE INFORMACOES OU POTENCIALIDADES NOTAVELMENTE SUPERIORES AS DO HOMEM MEDIO. CONSOANTE NOVO CRITERIO DE AVALIACAO DA CULPA, QUE TEM EM CONTA VARIACOES SUBJETIVAS DO STANDARD PROPOSTO COMO MODELO GERAL, NA DOUTRINA TRADICIONAL, QUANDO ENTRA EM JOGO A RESPONSABILIDADE DE SUJEITOS QUE DISPONHAM DE INFORMACOES, NOTAVELMENTE SUPERIORES AS DO HOMEM MEDIO, ESTAS DEVEM CONDUZIR A MAIOR SEVERIDADE NA APRECIACAO DA CONDUTA DO AGENTE. SENTENCA MANTIDA. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 70001379965, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 29/04/2002)

Por outro lado, não há como se olvidar que, quando do depoimento dos mestres rebocadores – Srs. Edílson Soares da Costa e Amauro Lautério dos Santos, auxiliares no reboque do navio naquela manobra de desatracação -, tomados no Inquérito instaurado pela Capitania dos Portos de Pernambuco, foram eles unânimes em afirmar que não havia espaço suficiente para a execução da manobra (vide fls. 250 e 256), posto as dimensões do navio serem bastante elevadas para o local de desatracação, onde não havia área suficiente para manobras de emergência, como, aliás, reconheceu a própria apelante em sua peça de defesa (fls. 95/109), conforme bem destacou o douto procurador de justiça em seu valoroso parecer:

“Por outro lado, é a própria Apelante, ao contestar a ação, que reconhece que no Porto de Suape o espaço entre os terminais de Granéis Líquidos e Industrial postados paralelamente é de 260 metros, enquanto o navio ‘Betelgeuse’ possui 183,70 metros, afirmando que um navio com tal dimensão, realizando suas evoluções nessa área muito restrita, terá muito pouco espaço de ‘lazeira’ para qualquer emergência.” (fls. 703)

E continua o douto representante ministerial:

“Essa circunstância é corroborada pela Perícia Técnica de fls. 431/434, elaborada a partir de dados colhidos junto aos mestres rebocadores e o Prático que auxiliaram diretamente a desatracação do navio na data do acidente, constatando-se que houve falha na avaliação do risco de colisão, principalmente durante a manobra de giro do navio na proximidade do cais de múltiplos usos, cerca de 80 metros, quando ainda havia espaço e muita água pela popa. Foi constatado também que houve precipitação na avaliação das condições atmosféricas, até porque a operação de desatracação já havia sido adiada face as desfavoráveis condições meteorológicas, principalmente pela ação do vento. Na realidade, não havia espaço para a manobra de emergência, o que era do conhecimento tanto do Comandante da embarcação como do Prático que auxiliou as manobras.”

De se observar, ainda, que, como destacado no Relatório final do Inquérito da Capitania dos Portos de Pernambuco (vide fls. 436/440 dos autos), “segundo as Normas de Tráfego e Permanência do Porto de Suape, a desatracação noturna ficará liberada, desde que as condições de tempo permitam e que a operação se mostre tecnicamente possível” (grifei), no que, verifico, houve inobservância injustificável do preposto da empresa apelante sobre tais regramentos e diretrizes normativas, não havendo como, desta feita, se falar em causa excludente de responsabilidade (ou mesmo culpa concorrente).

Apenas a título ilustrativo, transcrevo julgado proferido pelo antigo Tribunal Federal de Recursos nos autos da Apelação Cível nº 37441, posto também se assemelhar, em muito, à hipótese dos autos (apesar de manifestamente excluída, in casu, a culpa recíproca):

“EMENTA: DIREITO MARITIMO. AVARIAS CAUSADAS EM GUINDASTES DO CAIS, POR NAVIO, AO REALIZAR MANOBRAS DE DESATRACACAO. HAVENDO FALTADO AOS RESPONSAVEIS PELO BARCO, NA OCASIAO DA OCORRENCIA CAUTELA NECESSARIA A EVITAR O ACIDENTE, E NAO ESTANDO, DE OUTRA PARTE OS GUINDASTES ATINGIDOS EM POSICAO CORRETA, TEM-SE COMO CONFIGURADO CULPA RECIPROCA, REDUZINDO-SE A METADE A INDENIZACAO DEVIDA. APELACAO PROVIDA PARCIALMENTE.” (Apelação Cível Nº 37441, Terceira Turma Cível, Tribunal Federal de Recursos, Relator: Arnaldo Rizzardo, Julgado em 12/12/1980)

Tenho, portanto, diante das circunstâncias em que se deu a colisão, que o preposto da empresa apelante concorreu direta e exclusivamente para o sinistro, inexistindo, na hipótese dos autos, a sugerida imprevisibilidade daquele fenômeno natural (“trovoada”) que pudesse caracterizar a causa excludente de responsabilidade, já que sua incidência era bastante presumível, restando, assim, facilmente evitável o sinistro, acaso houvesse o comandante agido com o zelo e a prudência que lhe deviam ser peculiares.

Nesse sentido, valho-me, novamente, da transcrição de mais um julgado proferido pelo Egrégio TJRS, o que faço em vista da sua manifesta similitude com o caso vertente:

EMENTA: APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CASO FORTUITO. FORÇA MAIOR. VENDAVAL. Os danos só ocorreram porque os transbordadores se desprenderam de seus cabos por força do vendaval. A excludente de responsabilidade somente pode ser reconhecida se houver comprovação de que à proprietária da coisa tenha sido impossível evitar ou impedir a ocorrência do evento. DOUTRINA ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. No caso, sem tal prova, não se reconhece a excludente. (…) RECURSO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70004645917, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em 11/03/2003)

Vê-se, portanto, diante de tudo o que até aqui exposto, bem como do que consta do conjunto probatório dos autos, não há se falar em causa excludente de responsabilidade a desonerar a empresa apelante da condenação que lhe foi imposta pelo julgador singular a quo, posto que, a meu ver, comprovada está a culpa de seu preposto na ocorrência do sinistro.

Ultrapassada essa controvérsia, cuido, agora, em analisar os questionamentos da apelante quanto à inobservância/preterição da sentença guerreada sobre o julgamento proferido pelo Tribunal Marítimo.

Nesse sentido, vejo que, também neste aspecto, não merece prosperar a tese recursal da apelante.

Isso porque, ainda que o julgador de 1ª instância não tenha fundamentado expressamente, em seu decisum, que havia se posicionado contrariamente ao julgado emanado por aquele Corte Marítima, o fez de forma implícita, não havendo que se falar em qualquer mácula proveniente dessa sua forma de agir ou mesmo da condenação imposta à empresa apelante com base em seu livre convencimento.

Até porque, muito embora haja previsão legal que assegure presunção relativa de certeza aos julgados do Tribunal Marítimo, sua competência se restringe unicamente à esfera administrativa, cujo teor, no julgamento dos acidentes marítimos, deve se resumir, tão somente, à sua natureza e extensão, indicando suas causas e responsáveis, para aplicar-lhes penas administrativas e propor medidas preventivas de segurança para a navegação.

Nesse sentido, evidente que seria demais pensar que tais decisões, por mais que revestidas de tecnicidade, poderiam se sobrepor aos julgados emanados pelo Poder Judiciário, até porque, além do Tribunal Marítimo lhe ser mero auxiliar, só àquele é dado o exercício da função jurisdicional ou, em outras palavras, a função de dizer o direito no caso concreto.

Acerca do presente tema, cuido trazer breve excerto de valoroso artigo publicado na rede mundial de computadores:

“Na verdade, os ‘julgamentos’ do Tribunal Marítimo são pareceres técnicos, ora de maior, ora de menor importância, mas, sempre, e tão-só, pareceres técnicos, donde se infere que a (sic) decisões do aludido órgão colegiado administrativo são extremamente limitadas; Exatamente por isso é que, no âmbito de sua limitada competência, pode aplicar penas administrativas e pecuniárias aos envolvidos num determinado sinistro.

Sua atuação não tem o condão de afastar eventual apreciação do Poder Judiciário. Nem mesmo em relação ao mérito, pois embora o Tribunal Marítimo tenha natureza jurídica de órgão administrativo, sua decisão não possui a mesma força de uma decisão administrativa em sentido estrito.

Mas a decisão do Tribunal Marítimo não se encontra revestida de tal atributo, porque não é, em essência uma decisão administrativa, mas mero parecer técnico, sobre matéria específica, exarada por órgão colegiado de natureza administrativa.

Daí dizer que suas decisões, embora abalizadas e técnicas, estão sempre sujeitas à revisão jurisdicional e não vinculam o Juiz no momento de decidir, como nada, em verdade, tem poder de orientar a decisão de um Magistrado senão sua própria convicção (conforme primazia do princípio da livre convicção do julgador).” (PACHECO, Paulo Henrique Cremoneze, e; FILHO, Rubens Walter Machado, “A relativização das decisões do Tribunal Marítimo nas lides forenses envolvendo o direito marítimo”, disponível em: Acesso em: 13/mar/07)

Comungo inteiramente com o posicionamento acima ventilado, pois, ainda que se admita a presunção juris tantum de certeza aos julgados proferidos pelo Tribunal Marítimo, tais servem apenas como mais um meio de prova a ser avaliado pelo magistrado na solução do litígio que se lhe apresenta, restando plenamente legítimo que, da sua livre apreciação sobre as provas carreadas aos autos (princípio da livre convicção do julgador), acabe por divergir do posicionamento emanado naquela esfera administrativa.

Daí que, nos termos do art. 131, do CPC, o fundamento adotado pela apelante de que “não pode o julgador recusar a eficácia probatória que a lei conferiu aos julgados da Corte Marítima, apenas baseado em sua própria reavaliação dos fatos técnicos ou na sua pessoal reinterpretação do acidente de navegação” (fls. 633/634), se mostra claramente desarrazoado e inconcebível de aceitação em nosso ordenamento jurídico, vez que, com tal assertiva, pretende a apelante fazer valer uma decisão administrativa (proferido por órgão meramente auxiliar do Poder Judiciário) em sobreposição ao próprio exercício da atividade jurisdicional pelo Estado-Juiz.

Sobre o presente tema, veja-se que esse é o posicionamento, desde há muito, pacificado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal:

“AVARIAS GROSSAS. COMO TAIS NÃO SE CONSIDERAM AS DESPESAS HAVENDO FALTA OU NEGLIGENCIA DO CAPITAO OU DA TRIPULAÇÃO. ART. 765 DO CÓDIGO COMERCIAL. O PRONUNCIAMENTO DO TRIBUNAL MARITIMO VALE, PERANTE O PODER JUDICIARIO, NÃO COMO DECISÃO MAS COMO LAUDO, AO QUAL SERÁ DADO O VALOR QUE MERECER. APLICAÇÃO DA LEI, EM FACE DA PROVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO SEM CABIMENTO.” (RE nº 25193, 1ª Turma STF, Rel. Min. Luis Gallotti, julgado em 13/11/55)

“AS DECISÕES DO TRIBUNAL MARITIMO ADMINISTRATIVO PODEM SER CONTRARIADAS PELA PROVA DADA EM JUÍZO. A RE FOI CONDENADA A REPARAR O DANO, QUE RESULTOU DE CULPA DO PREPOSTO, NÃO HAVENDO AQUELA CONTRARIADO A PRESUNÇÃO DE QUE FALTARA A SEU DEVER DE VIGILANCIA.” (RE nº 7193, 2ª Turma STF, Rel. Min. Hahnemann Guimarães, julgado em 17/10/50)

Desta feita, uma vez que do conjunto probatório dos autos restou demonstrada a culpa exclusiva do preposto da empresa apelante na ocorrência do sinistro, entendo não haver impedimento algum ao magistrado a quo (e nem a este Juízo ad quem), em proferir decisão judicial contrária ao posicionamento emanado pelo Tribunal Marítimo, posto ser livre, em nosso ordenamento jurídico, a apreciação e valoração da prova pelo julgador, visto se tratar de verdadeira prerrogativa que lhe é conferida pelo art. 131, do CPC.

Superada mais essa controvérsia, restando plenamente demonstrada a culpa e o nexo de causalidade (este último sequer objeto do inconformismo recursal) envoltos ao sinistro narrado nos autos sub examen, resta-me, agora, analisar os danos suportados pela empresa pública apelada, já que objeto de irresignação específica da empresa apelante.

Quanto ao presente tema, aduziu a apelante que os alegados danos materiais suportados pela apelada não restaram cabalmente demonstrados nos autos, posto não estar plenamente comprovado, através das competentes planilhas orçamentárias, recibos de pagamento ou documentos afins, que o valor perseguido a título indenizatório seria equivalente aos prejuízos por ela reclamados, no que teria havido desobediência à regra processual encartada no art. 333, I, CPC, tendo sua condenação se mostrado absurda, também neste particular, em face da sugerida inversão do ônus probatório, quanto mais quando houve específicas impugnações na sua peça de defesa que não foram objeto de análise pelo julgador a quo, mas que fatalmente reduziriam o valor da indenização.

Nesse particular, tenho que assiste razão, ao menos em parte, a empresa apelante.

Isso porque, ainda que diversos tenham sido os prejuízos ocasionados na colisão provocada pela desafortunada manobra de desatracação do navio da empresa apelante (vide documento intitulado “despesas já realizadas/comprometidas/previstas por Suape em decorrência do acidente”, colacionado às fls. 13 dos autos), não é de sua responsabilidade indenizar os prejuízos advindos com o custo da paralisação dos trabalhos de recuperação do Píer por força de acidente ocorrido durante os serviços de retirada dos escombros (item “B-1”, daquele citado documento), o qual, além de não restar comprovado nos autos, teria sido provocado por falha da própria empresa pública apelada em decorrência de sua imprudência na retirada daqueles escombros, não podendo, tal prejuízo, ser tomado como conseqüência imediata do sinistro.

Assim, tenho como forçoso seja retirado, da condenação que lhe foi imposta, o valor correspondente ao denominado “custo de paralisação” (item “B-1”, documento de fls. 13), cujo importe é de R$ 13.725,00 (treze mil e setecentos e vinte e cinco reais).

No que tange aos demais danos materiais, entretanto, tenho que os valores reclamados estão concordes com a dimensão da lesão sofrida, até porque não produziu, a apelante, prova capaz de desconstituir as pretensões indenizatórias da empresa pública apelada (inclusive porque não se há como presumir, do conjunto probatório dos autos, que o Píer avariado continuou em pleno funcionamento após o sinistro), restando inobservada, portanto, a regra insculpida no art. 333, II, do CPC.

Nesse sentido, veja-se que a própria vistoria da Sociedade Brasileira de Vistorias e Inspeções (Brasil Savage S/A), efetuada a pedido da empresa apelante, valorou, ainda que em moeda estrangeira (US$ 950.000,00), que o custo dos reparos na reconstrução das instalações portuárias poderia alcançar patamar bem próximo daquele reclamado nestes autos, não tendo sido expresso em quais seriam os custos e serviços necessários apenas porque, quando da sua lavratura, ainda não se havia decidido qual o método que seria adotado na sua reconstrução (fls. 296/300).

Assim, uma vez que tal vistoria foi produzida a mando da própria apelante e, por outro lado, os demais documentos carreados aos autos demonstram a compatibilidade daquela avaliação com o valor reclamado na peça exordial, tenho como adequado o quantum indenizatório fixado na sentença do juízo de 1º grau, devendo ser minorado, tão somente, quanto aos valores relativos ao item “B-1” do documento de fls. 13 dos autos, alcançando a verba indenizatória o exato valor de R$ 1.160.632,88 (um milhão, cento e sessenta mil, seiscentos e trinta e dois reais e oitenta e oito centavos), cuja correção monetária deverá ser efetuada nos moldes estabelecidos pelo juiz de 1º grau, até porque não foi objeto de irresignação por nenhuma das partes litigantes.

Por fim, no que tange ao último fundamento ventilado na peça recursal do apelante, qual seja, a redução dos honorários advocatícios arbitrados em patamar máximo pelo juízo a quo, tenho como adequada a minoração do percentual dessa verba honorária.

Isso porque, como bem destacou a apelante em suas razões recursais, o processamento deste feito ocorreu de forma notadamente regular e sem maiores desdobramentos ou incidentes processuais, não tendo, o patrono da apelada, despendido esforços “extraordinários” na defesa dos interesses de seu cliente que justificassem a fixação de percentual de honorários advocatícios em tão elevado grau (20% sobre o valor da causa), independente do quantum discutido nestes autos.

Desta feita, entendo ser de bom alvitre haja, neste juízo ad quem, a redução da verba honorária para que reste arbitrada em patamar condizente com a natureza e o processamento que foi dado aos presentes autos, razão pela qual tenho por fixá-la no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, observados os preceitos do art. 20, § 3º, do CPC.

Ante todo o exposto, consoante acima demonstrado e devidamente referenciado no corpo deste VOTO, sou pelo PROVIMENTO PARCIAL do Recurso de Apelação para, ainda que confirmando a responsabilidade da empresa apelante em responder pelos danos causados à apelada em decorrência do sinistro narrado nestes autos, sejam reduzidos tanto a verba indenizatória – restando a condenação fixada a título de danos materiais no importe de R$ 1.160.632,88 (um milhão, cento e sessenta mil, seiscentos e trinta e dois reais e oitenta e oito centavos) – como o percentual dos honorários advocatícios, esses minorados para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 87461-5 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Transroll Navegações S/A
Apelado : SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

EMENTA: DIREITO CIVIL, MARÍTIMO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COLISÃO ENVOLVENDO NAVIO E PARTE DO CAIS DO PÍER DE GRANÉIS LÍQUIDOS DO PORTO DE SUAPE DURANTE MANOBRA DE DESATRACAÇÃO DO NAVIO. DESTRUIÇÃO PARCIAL DO CAIS. CONHECIMENTO PRÉVIO, PELO COMANDANTE DO NAVIO, DAS MÁS CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS PREVISTAS PARA O DIA, INCLUSIVE PROPÍCIAS À INCIDÊNCIA DE TROVOADAS. CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE (CASO FORTUITO) NÃO CONFIGURADA, ANTE A PREVISIBILIDADE DO FENÔMENO NATURAL (TROVOADA) VOLTAR A OCORRER NAQUELE LOCAL, QUANTO MAIS EM TÃO BREVE LAPSO TEMPORAL (CERCA DE TRINTA MINUTOS APÓS SUA PRIMEIRA INCIDÊNCIA). IMPRUDÊNCIA DO COMANDANTE DO NAVIO NA RETOMADA DA MANOBRA E FALHA NA SUA AVALIAÇÃO DE RISCO DEVIDAMENTE COMPROVADOS NOS AUTOS. DEVER DE INDENIZAR. PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR. POSSIBILIDADE DE DIVERGÊNCIA DE POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO SOBRE O JULGADO EMANADO PELO TRIBUNAL MARÍTIMO, QUE LHE É MERO AUXILIAR. INDENIZAÇÃO REDUZIDA APENAS PARA ENQUADRÁ-LA NA EXATA EXTENSÃO DO DANO. CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA EXCESSIVA. REDUÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. A) Uma vez previamente ciente, o comandante do navio, sobre as desfavoráveis condições meteorológicas para aquele dia (inclusive propícias à incidência de trovoadas), não há se falar em causa excludente de responsabilidade (caso fortuito) a desonerar o dever de indenizar da apelante, vez que naturalmente responsável pelos atos de seus prepostos; B) Havendo prova nos autos de que a manobra de desatracação noturna do navio, além de precipitada (vez que a primeira trovoada se deu apenas trinta minutos antes da retomada daquela manobra), também inobservou as regras e diretrizes normativas do referido Porto, já que era operacionalmente inviável em face das próprias dimensões do navio e do local de sua desatracação – onde não havia área suficiente para eventual manobra de emergência -, evidencia-se de plano a imprudência do preposto da apelante, restando incontroversa sua culpa sobre o acidente; C) Em se tratando de sinistro comprovadamente provocado pela conduta imprudente do comandante do navio na retomada da manobra de desatracação, resta insubsistente a tese da causa excludente de responsabilidade (caso fortuito), posto se tratar, na hipótese dos autos, de fenômeno natural (trovoada) notadamente previsível, cujas precauções de segurança, acaso tomadas pelo comandante, evitariam fatalmente aquela colisão; D) Ainda que revestidos de presunção relativa de certeza, os julgados proferidos pelo Tribunal Marítimo jamais poderão se sobrepor àqueles emanados pelo Poder Judiciário, pois, além daquele órgão administrativo lhe ser mero auxiliar, tais julgados servem apenas como mais um meio de prova (prova técnica) a ser analisado pelo magistrado na aplicação do direito no caso concreto, sendo-lhe inteiramente legítimo julgar a demanda com base no princípio da livre convicção do julgador (art. 131, CPC); E) Ainda que demonstrada a culpa, o dano e o nexo de causalidade, não responde, a apelante, pelos prejuízos oriundos da paralisação do serviço de retirada dos escombros do Píer avariado, vez que tal prejuízo foi resultante de acidente provocado pela própria apelada durante o exercício desse serviço, restando imperiosa a redução da verba indenizatória neste particular; F) Não registrados, durante o curso desta demanda, maiores desdobramentos ou incidentes processuais que ensejassem esforços “extraordinários” ao patrono da empresa pública apelada na defesa de seus interesses, mostra-se inadequado fixar a verba honorária em seu grau máximo, cabendo sua redução para o percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme inteligência do art. 20, § 3º, do CPC; G) Apelação cível que se dá parcial provimento; H) Decisão unânime.
ACÓRDÃO EQC

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 87461-5, da Comarca de Recife, em que figuram, como Apelante, Transroll Navegações S/A, e, como Apelado, SUAPE – Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros,

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, em dar parcial provimento à Apelação Cível interposta por Transroll Navegações S/A, tudo de conformidade com relatório e votos em anexo, que, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

Recife, ___ de ____________ de 2007.

Presidente

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relatório

Trata-se de remessa obrigatória de sentença proferida, às fls.539/547, pelo Juiz da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca do Cabo de Santo Agostinho, Paulo Francisco da Costa, nos autos da Ação de Embargos à Execução Fiscal, tombada sob nº 2.440/99, promovida por Locar Saneamento Ambiental Ltda. contra Fazenda Pública Municipal do Cabo de Santo Agostinho.

Os presentes embargos, em síntese, alegam cobrança indevida de ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza) por parte do Fisco Municipal do Cabo de Santo Agostinho, sobre a atividade comercial da embargante, e postulam a extinção da Execução Fiscal nº 0888/98, concernente.

A sentença ora em reexame, reconhecendo a incompetência do Município do Cabo de Santo Agostinho para cobrar do embargante o ISS (Imposto sobre serviços de qualquer natureza), declarou a nulidade do Auto de Infração apresentado e a ilegitimidade ad causam do embargado para figurar no pólo ativo da Ação de Execução Fiscal referida, extinguindo o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC, e condenando o embargado ao pagamento das custas, despesas processuais, e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20%(vinte por cento) sobre o valor da causa.

A parte embargante opôs Embargos Declaratórios às fls.550/553, tendo o juízo a quo proferido decisão, às fls.555/556, mantendo a sentença proferida.

As partes não recorreram da sentença, consoante certificado às fls.563, dos autos.

O Ministério Público de segunda instância declinou cota, considerando despicienda sua intervenção no feito.

Às fls.617/618, foi exarado despacho, da lavra do presente Relator, determinando o chamamento do feito à ordem, tendo decorrido o prazo sem a oposição de recurso.

Relatados, à douta revisão.

Recife, _______de______________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Voto

Questão de mérito

Cuido que a matéria discutida nos presentes Embargos à Execução Fiscal reside em apreciar se, no caso, subsiste competência tributária do Município do Cabo de Santo Agostinho para cobrar retroativamente o ISS da parte ora embargante, visto que a empresa executada alega, primeiramente, que já vinha recolhendo o ISS perante o Município de Camaragibe, local onde possuía sua sede, conforme previsto no artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, e, segundo, que o Município do Cabo de Santo Agostinho, local onde estava prestando serviços de limpeza, nunca havia lhe exigido o referido tributo.

O juízo a quo fundamentou sua decisão fazendo consideração sobre a divergência das teses doutrinárias existentes sobre o tema, argüindo ser melhor aplicável ao caso, ante os fatos, os princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da não-surpresa em confronto ao princípio da territorialidade, dada a constitucionalidade de se dispor de lei complementar sobre conflitos de competência entre pessoas jurídicas tributantes, nos termos do artigo 146, inciso I da CFB, de forma a constituir procedência aos embargos, nos temos da alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, face à seguinte disposição:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

Indo à análise da matéria, de proêmio, observo que o entendimento jurisprudencial presente é no sentido de considerar que o fato gerador do ISS se dá no local onde foi realizada a prestação de serviços, a vista da primazia do texto constitucional, consubstanciada no princípio da territorialidade que se impõe no inciso III do artigo 156 da CFB, quando prevê:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar;
Tal entendimento se constitui na razão de um município não poder estender sua competência tributária de forma a irradiar os seus efeitos sobre um fato gerador ocorrido no território de outro município.

Atualmente, encontra-se revogado o artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, face o advento da Lei Complementar nº 116/2003, obviamente, como conseqüência jurídica natural da interpretação da constitucionalidade da lei aplicável à espécie, evidenciada pelo entendimento jurisprudencial predominante de que a competência tributária do município é limitada ao alcance de sua territorialidade.

Diante de todos esses aspectos caberia entender simples o deslinde da presente lide. Todavia, apesar da previsão jurisprudencial assentada sobre a matéria, tenho que a questão que se apresenta não é tão fácil. Ao que parece o presente caso requer a observação de determinados aspectos jurídicos, para que não se venha a cometer injustiça no julgado.

No caso, fazendo o cotejo das evidências na formação de um entendimento correto, primeiramente, observo que, embora tenha sido a própria edilidade a contratar os serviços da embargante, surpreendentemente, procedeu contra a mesma uma autuação fiscal inusitada retroativa aos vários anos em que com ela manteve a renovação do objeto do referido contrato de serviços de limpeza urbana, afirmando então que se tratava de uma empresa que havia iniciado suas atividades sem prévia licença da Prefeitura Municipal do Cabo de Santo Agostinho, conforme se constata pelos documentos de fls.26 e fls.27, dos autos.

Por essa ordem, de logo, causa espécie a referida autuação fiscal acusar ausência de licenciamento da embargante perante a municipalidade, posto que a empresa executada vinha exercendo suas atividades por força de contrato firmado diretamente com a própria Prefeitura do Cabo.

Tal afirmação se faz, dada à observação de que os documentos de fls.26 e fls.27 referem-se às notificações de débito fiscal resultantes da autuação da Fazenda Municipal do Cabo de Santo Agostinho, realizada em 03/03/1997, onde se acusa o não recolhimento de ISS pela embargante, concernente ao período de março de 1992 até dezembro de 1996, constituindo há época uma dívida de R$ 201.390,42, à qual não se revela em valores atualizados nos autos.

Por outro lado, verifica-se que a ora embargante em nenhum momento se isentou de recolher o tributo ora questionado, já que vinha promovendo o seu pagamento perante o Município de Camaragibe, local onde era estabelecida a sua empresa, fazendo obediência há época à disposição expressa na alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, e, também, do próprio Código Tributário Municipal da edilidade ora embargada, a vista do artigo 58 da Lei Municipal nº 1.661/91, vigente quando da autuação fiscal, que determinava:

Art.58. Considera-se local da prestação de serviços:

I – O do estabelecimento prestador, ou na falta deste, o domicílio do prestador de serviços;

Impõe-se ressaltar que o recolhimento do tributo em questão foi devidamente averiguado em perícia constituída às fls.518/529 dos autos, não tendo a parte embargada se oposto à evidência de pagamento do tributo ao Município de Camaragibe.

Observa-se, ainda, que tendo havido a presente autuação fiscal a empresa embargante passou a recolher o tributo perante o Município do Cabo de Santo Agostinho, local onde estava prestando o serviço, porém, de outro lado veio também a sofrer autuação do Município de Camaragibe, conforme se verifica pelos documentos de fls.215/221, dos autos, vez que suspendeu o recolhimento perante a edilidade em que tinha sede.

Vê-se então que o embargante não estava agindo de má-fé, mas buscava atender a legislação que se impunha na época da constituição do fato gerador do tributo.

É possível que a empresa embargante, tendo constituído definitivamente o seu débito fiscal perante a edilidade embargada, possa vir a promover tentativa perante o Judiciário de reaver os valores pagos equivocadamente à edilidade onde tinha sede, contudo, é de saber comezinho que, na prática, será um trabalho hercúleo, visto que o recolhimento se formalizou dentro do que previa a lei há época, além de combater o argumento comum de que quem paga mal paga duas vezes.

Acredito da possibilidade nesse caso de se apreciar a questão pelo prisma trazido no próprio julgado de primeiro grau, a vista dos princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da não-surpresa em confronto ao princípio da territorialidade, visto que a obrigação fiscal cingia controvérsia jurídica, dada à permissividade legal dada época, de forma a dificultar ao contribuinte localizar-se perante o Fisco competente do tributo devido a recolher.

Sigo esse entendimento, mormente pelo aspecto fático apresentado nos autos, visto que restou totalmente provado que a edilidade ora embargada, não obstante se encontrar desde o início da atividade de prestação de serviços praticada pela embargante, ciente da oportunidade de promover o recolhimento do ISS sobre os serviços de limpeza urbana, posto que era contratante direta da embargante, somente veio a exigir o recolhimento do dito tributo depois de vários anos de renovação do dito contrato, inadvertidamente, de forma retroativa, em ferimento hialino ao princípio da legalidade e da não-surpresa, posto que o dispositivo legal sobre a matéria, antes existente, veio a ser revogado e favorecer a autuação fiscal somente depois da ocorrência do fato gerador do alegado crédito tributário, com o advento, como já dito, da Lei Complementar nº 116/2003, e, in casu, mais especificamente com a Lei Municipal do Cabo de Santo Agostinho nº 1993/2001, em sua redação dada pela Lei Municipal nº 2123/2003.

Cuido que, ademais, havia divergência jurisprudencial há época perante a Colenda Corte, conforme se verifica nos arestos a seguir transcritos situados próximo ao tempo da exigência fiscal:

TRIBUTARIO. ISS. LOCAL DO RECOLHIMENTO. SERVIÇOS DE PAISAGISMO. OBRA JA CONCLUIDA. A REGRA GERAL SOBRE A COMPETENCIA PARA INSTITUIR O TRIBUTO (ISS) E A DO LOCAL ONDE SE SITUA O ESTABELECIMENTO PRESTADOR, EXCEPCIONANDO-SE OS CASOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL, EM QUE A COMPETENCIA TRIBUTARIA SE DESLOCA PARA O LOCAL DA PRESTAÇÃO. REsp 16033 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1991/0021867-7 Ministro HÉLIO MOSIMANN (1093) T2 – SEGUNDA TURMA 14/12/1994 DJ 13.02.1995 p. 2225 LEXJTACSP vol. 154 p. 338 LEXSTJ vol. 71 p. 96

TRIBUTARIO. ISS. MUNICIPIO. COMPETENCIA PARA EXIGIR O TRIBUTO. I – PARA FINS DE EXIGENCIA DO ISS, DETERMINA-SE A COMPETENCIA TRIBUTARIA PELA LOCALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR DO SERVIÇO, AINDA QUE A MATRIZ DA EMPRESA SE SITUE EM OUTRO MUNICIPIO. PRECEDENTES. II – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. REsp 59466 / GO ; RECURSO ESPECIAL 1995/0002996-0 Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (0280) T2 – SEGUNDA TURMA 24/10/1996 DJ 18.11.1996 p. 44866

TRIBUTARIO. ISS. SUA EXIGENCIA PELO MUNICIPIO EM CUJO TERRITORIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68. EMBORA A LEI CONSIDERE LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, O DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR (ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68), ELA PRETENDE QUE O ISS PERTENÇA AO MUNICIPIO EM CUJO TERRITORIO SE REALIZOU O FATO GERADOR. E O LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE INDICA O MUNICIPIO COMPETENTE PARA A IMPOSIÇÃO DO TRIBUTO (ISS), PARA QUE SE NÃO VULNERE O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL IMPLICITO QUE ATRIBUI AQUELE (MUNICIPIO) O PODER DE TRIBUTAR AS PRESTAÇÕES EM SEU TERRITORIO. A LEI MUNICIPAL NÃO PODE SER DOTADA DE EXTRATERRITORIALIDADE, DE MODO A IRRADIAR EFEITOS SOBRE UM FATO OCORRIDO NO TERRITORIO DE MUNICIPIO ONDE NÃO SE PODE TER VOGA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, INDISCREPANTEMENTE. REsp 54002 / PE ; RECURSO ESPECIAL 1994/0028001-7 Ministro DEMÓCRITO REINALDO (1095) T1 – PRIMEIRA TURMA 05/04/1995 DJ 08.05.1995 p. 12309 RDR vol. 4 p. 162

TRIBUTARIO. ISS. MUNICIPIO COMPETENTE PARA EXIGIR O TRIBUTO. CTN, ART. 127, II. DECRETO-LEI 406/68 (ART. 12, ‘A’). 1. E JURIDICAMENTE POSSIVEL AS PESSOAS JURIDICAS OU FIRMAS INDIVIDUAIS POSSUIREM MAIS DE UM DOMICILIO TRIBUTARIO. 2. PARA O ISS, QUANTO AO FATO GERADOR, CONSIDERA-SE O LOCAL ONDE SE EFETIVAR A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. O ESTABELECIMENTO PRESTADOR PODE SER A MATRIZ, COMO A FILIAL, PARA OS EFEITOS TRIBUTARIOS, COMPETINDO O DO LOCAL DA ATIVIDADE CONSTITUTIVA DO FATO GERADOR. 3. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 4. RECURSO PROVIDO. REsp 23371 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1992/0014182-0 Ministro MILTON LUIZ PEREIRA (1097) T1 – PRIMEIRA TURMA 31/08/1994 DJ 26.09.1994 p. 25602

Dessa forma, entendo que, fundamentalmente, deve-se apreciar a presente lide levando em conta a dificuldade do contribuinte, no caso concreto, em identificar a competência fiscal para o recolhimento do tributo questionado, face o confronto entre o evidente silêncio temporal praticado pela edilidade embargada e a legislação vigente há época, com o fim de se aplicar preceito legal, porém de forma justa.

Com essas considerações, dado o presente busílis jurídico apresentado, tenho por constituída a legalidade do recolhimento do ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza) praticado pela embargante quando da ocorrência do fato gerador indicado, face à competência tributária instituída na alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, vigente há época, porquanto recepcionado pela nova Carta Política como lei complementar, a dispor sobre conflito de competência em casos tais.

Com ser assim, voto no sentido de negar provimento ao presente reexame necessário, para que seja mantida a sentença monocrática de provimento aos presentes Embargos à Execução.

Recife, _______ de ___________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

EMENTA: Direito Tributário e Constitucional. Embargos à Execução Fiscal. Cobrança de ISS(Imposto sobre serviços de qualquer natureza). Aplicação do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68. Procedência. Reexame necessário. Cobrança fiscal retroativa. Inadvertência. Ferimento ao aos princípios da legalidade e da não-surpresa. Recolhimento fiscal realizado dentro dos precedentes legais vigentes há época do fato gerador. Divergência jurisprudencial evidenciada. Formação de critério injusto na aplicação do preceito legal. Sentença mantida em reexame necessário. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Duplo Grau Obrigatório de Jurisdição nº 87.467-7, da Comarca do Cabo de Santo Agostinho, em que figuram como Recorrente, o Juízo, e como Recorridos, o Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Limitada.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, em sede de remessa necessária, manter a decisão em reexame, nos termos dos votos em anexo, os quais ficam fazendo parte integrante deste.

Recife,_________de _____________________________de 2007.

Presidente

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

AGRAVO REGIMENTAL

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Recurso de Agravo Nº: 0091.366-4/01 – Recife
Reclamante(s): Estado de Pernambuco
Reclamado(s): D. W.de C.
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Recurso de Agravo interposto pelo Estado de Pernambuco em face de D. W. de C., impugnando decisão terminativa da lavra da Relatoria substituta exarada nos autos da Apelação Cível nº 0091.366-4, em apenso.

Recurso tempestivamente interposto.

A decisão questionada (fls. 59/70 dos autos em apenso) negou seguimento ao apelo voluntário, por considerar que a sentença impugnada estava acorde com a jurisprudência majoritária desta Corte de Justiça Estadual.

Em uma remissão fática, noticia que, em 10 abril de 1987, ajuizou Execução Fiscal em face do ora reclamado, para cobrança de débito inscrito na Dívida Ativa em dezembro de 1985, acrescentando que o despacho inicial foi exarado em 15 de abril de 1987, tendo sido expedido mandado de citação em maio de 1987.

Informa, ademais, que, face ao não cumprimento do mandado de citação, vez que o agravado não foi encontrado no endereço que fornecera ao Fisco, requereu a expedição de Carta Precatória à Comarca de Belo Jardim, para fins de citação de co-responsável, a qual, todavia, em virtude da inércia do próprio Judiciário, não foi cumprida, consoante atesta certidão datada de 1997.

Relata, por fim, que, a despeito da inércia do processo decorrer da morosidade do Judiciário, e não da Fazenda Estadual, o Magistrado a quo, em 01 de novembro de 2000, extinguiu a Execução, declarando, ex officio, a prescrição intercorrente, decisão esta objeto da Apelação a qual negou-se seguimento com fundamento nos artigos 557, caput do CPC.

Aduz, em síntese:

1) Que a decisão objeto da presente impugnação é nula, dada a ausência das hipóteses autorizadoras da aplicabilidade do caput do artigo 557 do CPC, tendo em vista que a matéria objeto da presente lide não é pacífica, quer nesta Corte de Justiça, quer nos Tribunais Superiores;

2) Que, à época em que foi proferida a sentença apelanda, havia determinação legal – art. 166 do Código Civil de 1916 e art’s. 128 e 219, §5º do Código de Processo Civil, que vedava, expressamente, a decretação ex officio da prescrição em demandas sobre direitos patrimoniais, a exemplo da lide dos autos;

3) Que a Lei nº 11.280, de 06 de fevereiro de 2006, a qual alterou o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, bem como a Lei nº 11.051/2004, que deu nova redação ao § 4º do art. 40 da Lei nº 6.830/90 entraram em vigor muito após a prolatação da sentença apelanda, pelo que obstada está a sua aplicação com eficácia retroativa aos processos já findos;

4) Que a Lei nº 6.830/80, como regra especial de regência das Execuções Fiscais tem aplicação preferencial em relação ao Código de Processo Civil, de ordem geral, pelo que, sustenta, impõe-se, no julgamento da causa, a incidência do §4º do artigo 40 daquela e não o §5º do artigo 219 deste;

5) Que, nos termos do §4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, para que se dê o reconhecimento, de ofício, da prescrição, faz-se mister o preenchimento de alguns pressupostos, quais sejam: 1) suspensão do processo por não se ter localizado o devedor ou bens bastantes para garantia da execução; 2) arquivamento provisório dos autos, se, passado um ano dessa suspensão, permanecer a mesma situação legitimadora daquela; 3) oitiva da Fazenda Pública para suscitar eventuais causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, se, decorridos mais de cinco anos da decisão que determinou o arquivamento e, por fim, após cumpridos todos os pressupostos descritos, 4) decretação da prescrição intercorrente, pressupostos estes os quais, segundo sustenta, não foram observados pelo Magistrado de 1º Grau;

6) Que o processo de execução permaneceu paralisado por mais de cinco anos não por força da inércia da Fazenda Pública, mas em virtude da morosidade do próprio Judiciário, que não cumpriu com sua função de gerar o impulso oficial do feito;

7) Que a Jurisprudência pacífica firmou-se no sentido de não se imputar à Fazenda Pública a prescrição do crédito tributário em sendo a inércia decorrente unicamente da morosidade do próprio Judiciário, hipótese na qual enquadra-se a lide em apreço.

Pugna pela retratação da decisão vergastada e, caso assim não proceda essa Relatoria, seja o presente recurso levado a julgamento perante a competente Câmara para que o decisum impugnado seja reformado e, em conseqüência, seja dado provimento ao apelo, afastando-se a prescrição intercorrente decretada pelo magistrado a quo.

É o que de relevante se tem a relatar.

Recife, _________ de ______________ de 2007.

______________________________________
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Recurso de Agravo Nº: 0091.366-4/01 – Recife
Reclamante(s): Estado de Pernambuco
Reclamado(s): Daniel Wanderley de Carvalho
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO:

Senhores Desembargadores. Senhor Procurador de Justiça.

A decisão agravada foi acostada às fls. 59/70 dos autos do apelo em apenso.

Mantenho a mesma persuasão que norteou o Relator substituto quando da prolação do decisum ora impugnado.

A) Inicialmente, é de se registrar que este Egrégio TJPE, nos últimos anos, vinha decidindo pela impossibilidade do Juiz de 1º Grau prolatar sentença extinguindo a execução ex officio, sob o fundamento da incidência da Súmula nº 106 do Superior Tribunal de Justiça, a qual tem a seguinte dicção: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”.

Embora, de início, tenha aderido a tal posicionamento, após aprofundado estudo da matéria, alterei o meu ponto de vista, vindo, portanto, a admitir a decretação da prescrição, de ofício, pelo Juiz, tendo em vista que a prescrição tem seu fundamento na paz social, na tranqüilidade e segurança da ordem jurídica, fundamentais na busca da efetividade do Direito.

Assim é que, a despeito do embate jurídico acerca da aplicabilidade do regramento das regras de Direito Privado, obstativas da decretação de ofício da prescrição, passei a defender a natureza diferenciada da prescrição tributária, no campo específico do Direito Público, e, conseqüentemente, da admissibilidade de referida decretação, tese esta que ganhou contornos majoritários nesta Sétima Câmara Cível, a exemplo do julgamento das Apelações Cíveis nº’s 124.012-4; 37.560-8; 37.560-8; 126.118-9, 118.689-8 e 678.174-0, dentre outros feitos.

Tal evolução de posicionamento também é aferível no âmbito dos demais Tribunais, e, mais precisamente, no Superior Tribunal de Justiça, que, como responsável pela garantia de vigência das leis federais, tem seus julgados como parâmetro interpretativo.

Diante de recentes publicações de decisões e acórdãos da lavra de eminentes Ministros do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria em apreço, em especial no bojo dos Recursos Especiais tombados sob os números 844.962-PE (2006/0094686-8) e 850.819-PE (2006/0094688-1) interpostos em face de acórdãos desta Sétima Câmara Cível, impõe-se que façamos uma detida análise de dita evolução do tratamento jurisprudencial conferido pela referida Corte de Justiça, a fim de melhor fundamentarmos o porquê da manutenção do posicionamento que vem sendo por mim esposado na resolução das lides que são postas sob a minha apreciação, para que não se crie a falsa impressão de que estou a proceder a um mero enfrentamento gratuito da matéria.

Inicialmente, o STJ perfilhava entendimento segundo o qual, versando as Execuções Fiscais acerca de direitos patrimoniais, ao Juiz de 1º Grau era absolutamente vedada a decretação, de ofício, da prescrição.

Em uma segunda fase, surgiram posicionamentos pontuais em defesa da decretação ex officio da prescrição, o que foi seguido pelos Tribunais de Justiça dos Estados, dentre eles o de Pernambuco, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, embora com peculiaridades que distanciavam as teses neles esposadas da do STJ.

Atualmente, podemos constatar que o que antes era exceção tornou-se regra, sendo claramente uniforme o entendimento dos Ministros do STJ no sentido da permissividade da decretação de ofício da prescrição, em uma demonstração inequívoca do reconhecimento da necessidade de estabilização dos conflitos.

O cerne de dita mudança de posicionamento jurisprudencial reside na imposição de segurança jurídica aos litigantes, vez que a admissibilidade da manutenção de relações processuais inócuas conspira em desfavor dos princípios gerais do Direito, mais precisamente aquele segundo o qual as lides nascem para serem solucionadas e os processos devem representar um instrumento de realização da justiça, com o que esta Relatoria concorda plenamente.

Contudo, embora lúcida e louvável a evolução jurisprudencial relatada, é de se ressaltar que a tese que ora vem sendo prevalente pelo Superior Tribunal de Justiça ainda se ressente de falhas e incompletudes as quais não devem ser reproduzidas na Corte local, pelo que se impõe sejam apontadas por esta Relatoria.

Para tanto, faz-se mister que transcrevamos acórdão publicado no Diário de Justiça da União em data de 18 de setembro de 2006, da lavra do Min. Luiz Fux, exarado em sede de julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial tombado sob o número 811675/RR, até porque foi ele paradigma para outras decisões:

“Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO EX OFFICIO PELO JUIZ. LEI 11.051/2004 QUE ACESCENTOU O §4º AO ART. 40 DA LEI DE EXECUTIVOS FISCAIS. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OUVIDA A FAZENDA PÚBLICA PREVIAMENTE.
1. A jurisprudência desta Corte Especial perfilhava o entendimento segundo o qual era defeso ao juiz decretar, de ofício, a consumação da prescrição em se tratando de direitos patrimoniais (art. 219, §5º, do CPC). Precedentes: Resp 642.618 – PR; Relator Ministro FRANCIULLI NETO, Segunda Turma, DJ de 01.02.2005; Resp 327.268 – PE; Relatora Ministra ELIANA CALMON. Primeira Seção, DJ de 26.05.2003; Resp 513.348 – ES, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ de 17.11.2003.
2. A novel Lei 11.051, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais o parágrafo 4º, possibilitando ao juiz da execução a decretação de ofício da prescrição intercorrente.
3. O advento da aludida lei possibilita ao juiz da execução decretar ex officio a prescrição intercorrente, desde que previamente ouvida a Fazenda Pública para que possa suscitar eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional, o que, in casu, não se verifica (Precedentes: Resp 803.879 – RS, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ de 03 de abril de 2006; Resp 810.863 – RS, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ de 20 de março de 2006; Resp 818.212 – RS, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ, de 30 de março de 2006).
4. Tratando-se de norma de natureza processual, a sua aplicação é imediata, inclusive nos processos em curso, competindo ao juiz da execução decidir acerca da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos.
5. In casu, a prescrição não poderia ser decretada de ofício porquanto não ouvida a Fazenda Pública.
6. Agravo regimental desprovido.”

Da essência do decisum supra transcrito podemos elencar quatro pontos que mitigam o avanço evolutivo a que nos referimos e que representam vícios na tese nele contida, quais sejam:

1) Condiciona a decretação de ofício da prescrição intercorrente à manifestação da Fazenda Pública, sob a inspiração das inovações à Lei nº 6.830/80 inseridas pela novel Lei nº 11.051/2004, argumentando acerca da necessidade de ser-lhe conferida a possibilidade de argüição de eventuais causas suspensivas ou interruptivas, o que, por si só, representa um retrocesso, ante a contrariedade ao princípio da razoabilidade, bem como ao da celeridade processual trazido no bojo da Emenda Constitucional nº 45/04.

Ora, se a Fazenda, como autora da ação, não diligenciou no sentido de praticar os atos que lhe competiam para dar andamento ao feito, demonstrando, com isso, desinteresse na percepção do valor objeto da execução, não lhe é dado conceder dilação de prazo, quando já inexigível o crédito, para argüição de eventuais causas suspensivas ou interruptivas aferíveis de pronto pelo Magistrado, independentemente de argüição, dado a sua natureza de interesse público e sua natural indisponibilidade.

É importante ressaltar que a prescrição na órbita tributária não é definitivamente afastada quando ocorre a propositura tempestiva da Ação de Execução fiscal. Este momento da proposição da ação junto aos órgãos do Poder Judiciário implica apenas a interrupção da prescrição que poderá, no futuro, continuar a ser contada para efeitos de extinção do processo.

Assim, deve a Fazenda Pública (exeqüente) sempre procurar atuar positivamente no sentido de fazer valor sua pretensão executiva, agindo com diligência e evitando a inércia.

A inércia implica em perda do interesse processual na continuidade da Ação Executiva, podendo gerar o reinício da contagem do prazo prescricional dentro da própria Execução Fiscal, ocorrendo, depois de 5 anos, a prescrição da pretensão ajuizada e despachada.

Deve, pois, a Fazenda Estadual ou Municipal agir com diligência e procurar provocar o Judiciário para dar andamento aos executivos fiscais.

Conclui-se que o importante é que o Procurador Fazendário permaneça atento a todas as diligências realizadas dentro do processo, evitando assim a ocorrência de prescrição intercorrente. (GALLO, Antonio Felippe A. A Fazenda Pública e a cobrança dos débitos fiscais, Revista dos Tribunais: São Paulo, 1994, pp. 25).

2) Desconsidera as mudanças havidas no art. 174, parágrafo único, I, do CTN, ensanchadas pela Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005.

Ora, se ainda persistia celeuma acerca do momento exato em que a prescrição se interrompe, principalmente após a inclusão do §4º, do art. 40, da lei 6.830/80, através da Lei nº 11.051/04, a qual impõe o prévio arquivamento provisório, a edição da Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, dirimiu claramente a questão, ao alterar o art. 174, do CTN, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (redação dada pela Lei Complementar 118/2005); II; III, IV – omissis”.

Nesse tocante, é de se considerar que a Lei Complementar em lanço deve prevalecer sobre a disposição encerrada na LEF (Lei 6.830/80) supra, de maneira que o prazo prescricional principie a correr a partir do despacho ordenatório da citação.

Tal conclusão é imperiosa, quer por razão hierárquica, que apontará na prevalência da Lei Complementar sobre a Lei Ordinária, quer pela análise cronológica, na medida em que se, já em 30 dezembro de 2004 vogava disposição legal acerca do início da prescrição, o fato de o legislador, menos de dois meses depois (09 de fevereiro de 2005), ter adotado posição diversa, reforça a idéia de que seu desiderato fora o de fazer prevalecer o despacho ordinatório de citação como termo inicial para o cômputo do interstício prescricional, não sendo razoável a imposição de qualquer outra exigência para tanto.

3) Rechaça o suposto segundo o qual a EXIGIBILIDADE é um dos pressupostos para o ingresso e permanência em juízo dos Processos de Execução, a teor do artigo 586 do CPC.

De fato, embora o art. 3º da Lei 6.830/80 discipline no sentido de que a Certidão de Dívida Ativa tem presunção de liquidez e certeza, é de se reconhecer que a mesma não goza de presunção de exigibilidade, o que se pode constatar pelo fato de que é dado ao juiz, quando do recebimento da inicial, indeferi-la de plano por falta de elementos essenciais ou, posteriormente, durante o curso do processo, declarar incidentalmente a invalidade ou ilegalidade do respectivo título com base em disposições de ordem pública, a exemplo da prescrição.

Assim é que a falta de citação do devedor e/ou a ausência de diligências essenciais ao desenvolvimento do feito por mais de cinco anos desde o marco do despacho ordinatório de citação, ensejam a perda de condição essencial de exigibilidade do título executivo, razão pela qual o processo não pode ter seguimento, devendo ser extinto por falta de uma das condições essenciais à execução fiscal, independentemente de condicionamento à oitiva do demandante inerte.

4) Não leva em conta as inovações conferidas pela Lei nº 11.280/2006 à redação do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, que passou a admitir a decretação ex officio da prescrição, independentemente da matéria versar sobre direito patrimoniais, considerando, no âmbito do Direito Privado, a citação válida como marco interruptivo do prazo hábil à propositura da competente ação.

Antes mesmo da entrada em vigor da novel Lei que alterou o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, posicionava-me contrário à aplicabilidade no âmbito do Direito Público e Tributário do princípio da exclusiva argüição da prescrição pelas partes interessadas.

Ora, de há muito que já se reconhece o Direito Tributário como ramo autônomo do Direito, dotado, portanto, de uma lógica singular, permitindo-nos tratar, de forma diferenciada, institutos paralelamente existentes no Direito Privado.

No meu sentir, na órbita do Direito Público, e mais precisamente do Direito Tributário, a proteção jurídica deve voltar-se para o alcance do Interesse Público, da segurança nas relações jurídicas e da solução pacífica e célere dos conflitos entre o Estado e o cidadão, tendo em vista que o interesse patrimonial que se está a resguardar não é apenas do ente estatal, ou do cidadão executado, mas é um interesse de toda a coletividade que busca no Estado a figura do prestador de utilidades e serviços públicos.

A manutenção, pois, do privilégio de não se poder alegar a prescrição de ofício pelo juiz quando estão em jogo interesses públicos, ou mesmo de condicionar a sua declaração à prévia oitiva da Fazenda Público, ou, o que é pior, ao arquivamento do feito durante um lapso temporal, enseja a procrastinação ad infinitum de ações que já não possuem requisitos de exigibilidade, o que se mostra absolutamente abusivo.

B) Desta forma, pelas razões expendidas nos itens 1 a 4 de letra “A” do corpo deste voto, é que, embora em sede de apreciação de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça tenha reformado acórdãos da lavra de membro da Sétima Câmara Cível do TJPE, a qual estou vinculado, fazendo condicionar a decretação da prescrição ex officio ao atendimento dos ditames do § 4º do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais e relegando ao acaso os pontos supra elencados, mantenho, ante os fundamentos defendidos, o meu posicionamento, já consolidado e abarcado pelos demais integrantes da citada Câmara.

Após as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, supracitadas, a 7ª Câmara Cível deste Tribunal rechaçou os argumentos daquela Corte contrários à decretação ex-officio da prescrição intercorrente, reafirmando seu posicionamento anterior, como se pode observar dos acórdãos unânimes exarados nos Recursos de Agravo nº´s 0140.816-2/01, 0061.900-7/01, 0130.200-1/01, 0066591-8/01, 0130.578-4/01, 0150.518-1/01, 0134.768-4/01 e 0144.127-4/01, desta Relatoria e nº 0132.295-8/01, da Relatoria do Des. Fernando Cerqueira Norberto dos Santos.

Acrescento, ainda, penso ser deveras conveniente o registro de que este não é posicionamento isolado desta 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Ao contrário, alhures também já se cuidou de incorporar nas análises interpretativas as recentes mudanças legislativas, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e, principalmente, o próprio Superior Tribunal de Justiça, que esperamos passe a ser o novo paradigma daquela Corte, como pode se ver da transcrição dos seguintes acórdãos:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.
1. Tratam os autos de execução fiscal proposta pelo Município de Porto Alegre para cobrança de débito tributário decorrente de IPTU. A exordial requereu: a) o chamamento do responsável tributário devidamente indicado na CDA anexa para pagar o valor dos créditos da Fazenda Municipal. A sentença declarou a prescrição do crédito tributário e julgou extinto o feito nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil uma vez que transcorridos mais de cinco anos entre a constituição do crédito e a citação válida do executado que ocorreu em 29.01.2003. Interposta apelação pelo Município, o Tribunal a quo negou-lhe provimento por entender que: a) a prescrição no direito tributário pode ser decretada de ofício, porquanto extingue o próprio crédito (art. 156, V, do CTN); b) o direito positivo vigente determina tal possibilidade. Inteligência do art. 40, § 4°, da LEF acrescentado pela Lei 11.051 de 29/12/2004. O Município de Porto Alegre aponta como fundamento para o seu recurso que a prescrição não pode ser conhecida ‘ex officio’. Não foram ofertadas contra-razões.
2. Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte, pelo reconhecimento da possibilidade da decretação da prescrição intercorrente, mesmo que de ofício, visto que: – O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN. – Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Assim, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes. – Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN tem natureza de lei complementar.
3. Empós, a 1ª Turma do STJ reconsiderou seu entendimento no sentido de que o nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição.
4. Correlatamente, o art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80 foi alterado pela Lei nº 11.051/04, passando a vigorar desta forma:“Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”
5. Porém, com o advento da Lei nº 11.280, de 16/02/06, com vigência a partir de 17/05/06, o art. 219, § 5º, do CPC, alterando, de modo incisivo e substancial, os comandos normativos supra, passou a viger com a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.
6. Id est, para ser decretada a prescrição de ofício pelo juiz, basta que se verifique a sua ocorrência, não mais importando se refere-se a direitos patrimoniais ou não, e desprezando-se a oitiva da Fazenda Pública. Concedeu-se ao magistrado, portanto, a possibilidade de, ao se deparar com o decurso do lapso temporal prescricional, declarar, ipso fato, a inexigibilidade do direito trazido à sua cognição.
7. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual.
8. “Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos” (REsp nº 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).
9. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada.
10. Recurso não-provido.”
(REsp 843557/RS; RECURSO ESPECIAL 2006/0092732-0. Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 07/11/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 20.11.2006 p. 287). (grifos nossos)

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.
1. Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte, pelo reconhecimento da possibilidade da decretação da prescrição intercorrente, mesmo que de ofício, visto que:
– O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN.
– Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Assim, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes.
– Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN tem natureza de lei complementar.
2. Empós, a 1ª Turma do STJ reconsiderou seu entendimento no sentido de que o nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição.
3. Correlatamente, o art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80 foi alterado pela Lei nº 11.051/04, passando a vigorar desta forma: “Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”
4. Porém, com o advento da Lei nº 11.280, de 16/02/06, com vigência a partir de 17/05/06, o art. 219, § 5º, do CPC, alterando, de modo incisivo e substancial, os comandos normativos supra, passou a viger com a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.
5. Id est, para ser decretada a prescrição de ofício pelo juiz, basta que se verifique a sua ocorrência, não mais importando se refere-se a direitos patrimoniais ou não, e desprezando-se a oitiva da Fazenda Pública. Concedeu-se ao magistrado, portanto, a possibilidade de, ao se deparar com o decurso do lapso temporal prescricional, declarar, ipso fato, a inexigibilidade do direito trazido à sua cognição.
6. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual.
7. “Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos” (REsp nº 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).
8. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada.
9. Recurso não-provido.”
(REsp 857397/RS. Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA. Data da Publicação/Fonte: DJ 14.09.2006) (grifos nossos)

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.
1. Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte, pelo reconhecimento da possibilidade da decretação da prescrição intercorrente, mesmo que de ofício, visto que:
– O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN.
– Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Assim, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes.
– Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN tem natureza de lei complementar.
2. Empós, a 1ª Turma do STJ reconsiderou seu entendimento no sentido de que o nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição.
3. Correlatamente, o art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80 foi alterado pela Lei nº 11.051/04, passando a vigorar desta forma: “Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”
4. Porém, com o advento da Lei nº 11.280, de 16/02/06, com vigência a partir de 17/05/06, o art. 219, § 5º, do CPC, alterando, de modo incisivo e substancial, os comandos normativos supra, passou a viger com a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.
5. Id est, para ser decretada a prescrição de ofício pelo juiz, basta que se verifique a sua ocorrência, não mais importando se refere-se a direitos patrimoniais ou não, e desprezando-se a oitiva da Fazenda Pública. Concedeu-se ao magistrado, portanto, a possibilidade de, ao se deparar com o decurso do lapso temporal prescricional, declarar, ipso fato, a inexigibilidade do direito trazido à sua cognição.
6. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual.
7. “Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos” (REsp nº 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006).
8. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada.
9. Recurso não-provido.”
(REsp 847025/SC. Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA. Data da Publicação/Fonte: DJ 19.10. 2006 p. 287) (grifos nossos)

C) Impõe-se sejam rechaçados, outrossim, por sua manifesta incongruência, data máxima vênia, os argumentos desenvolvidos pelo Exmo. Ministro Castro Meira quando do julgamento do Recurso Especial nº 844.957-PE. O Acórdão nele exarado tem a seguinte literalidade:

“EMENTA: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 219, §5º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DISSÍDIO NOTÓRIO.
1. Segundo o art. 219, §5º, do Código de Processo Civil, “não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”. A contrário senso, não pode o órgão julgador, pelo simples transcurso de tempo e sem requerimento da parte interessada, conhecer ex officio da prescrição, quando se tratar de direito exclusivamente patrimonial.
2. Tratando-se de execução fiscal, a partir da Lei nº 11.051, de 29.12.2004, que acrescentou o §4º ao art. 40 da Lei nº 6.830/80, pode o juiz decretar de ofício a prescrição, após a ouvida da Fazenda Pública exeqüente.
3. A Lei nº 11.280, de 16.02.2006, deu nova redação ao art. 219, §5º, do Código de Processo Civil, para determinar que o “juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”
4. A nova redação do art. 219, §5º, do CPC, conferida pela Lei nº 11.280/2006, que entrou em vigor em 16 de maio de 2006, somente poderá ser aplicada, em recurso especial, se esse dispositivo estiver prequestionado na origem. A partir do julgamento do Resp nº 720.966/ES (12.12.2005), a Seção de Direito Público concluiu não ser aplicável, na instância especial, o direito superveniente, em razão do óbice constitucional do prequestionamento.(grifei)
5. Recurso especial conhecido e provido.”.
(Recurso Especial nº 844.957 – PE. 2ª Turma STJ. Relator: Min. Castro Meira. Data Julgamento: 12.12.2006).

O citado Relator, no intuito de fazer prevalecer entendimento acerca da inadmissibilidade da decretação ex officio da prescrição independentemente da oitiva prévia da Fazenda Pública, desenvolveu tese segundo a qual o §5º do art. 219 do Código de Processo Civil, em sua redação atual, conferida pela Lei Federal nº 11.280, que entrou em vigor em 16 de maio de 2006, não possui aplicabilidade em sede de recurso especial sem que tenha sido objeto de pré-questionamento na origem, fundamentando-a em julgado da Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 720.966/ES), publicado em 12 de dezembro de 2005.

Dois são os argumentos essenciais que servem de contraponto ao Acórdão transcrito e aos fundamentos nele desenvolvidos:

1) Ele não leva em conta a natureza especial da prescrição tributária, que, sendo pública, identifica-se com o instituto da caducidade de direito penal, atingindo não apenas a ação de cobrança, mas o próprio direito à exigibilidade do respectivo crédito.

Sendo, pois, de natureza pública e regida por fundamentos e normas diversas daquelas que norteiam a aplicabilidade da prescrição vigente no âmbito do Direito Privado, é de se reconhecer ser absolutamente prescindível para fins de reconhecimento da admissibilidade da decretação ex officio da prescrição tributária, o ajuste conferido pela Lei nº 11.280/06 ao §5º do art. 219 do CPC, razão pela qual conclui-se pela manifesta ausência de razoabilidade da tese desenvolvida no Acórdão em tela ao fazer depender a admissão da decretação ex officio da prescrição em sede de Execução Fiscal à superveniência de lei que alterou o Código de Processo Civil.

2) Para repelir a aplicabilidade do §5º do art. 219 do CPC, ali identificado como norma superveniente não pré-questionada na origem, utiliza como parâmetro um julgado desatualizado, datado de 12 de dezembro de 2005, anterior, portanto, à vigência da nova redação do §5 º do art. 219 do CPC. Ademais, criou um óbice instransponível, retirando qualquer possibilidade de eficácia da norma ao exigir o pré-questionamento para atuação de ofício do Magistrado, em manifesta ofensa ao princípio da não contradição e em evidente contrariedade à celeridade processual, na medida em que se a decretação foi ex officio é impossível que qualquer das partes tenha formulado pré-questionamento sobre o tema.

In casu, verifica-se do bojo dos autos que, embora o despacho ordinatório tenha sido exarado em 15 de abril de 1987 e o mandado de citação expedido em maio do mesmo ano, ao mesmo não pôde ser dado cumprimento, haja vista o fato de não ter sido o executado encontrado no endereço em que foi efetuada a diligência.

Deflui do contexto probatório, ademais, que, embora o devedor não tenha sido localizado, a Fazenda Pública manteve-se inerte, só peticionando pela expedição de Carta Precatória em 08 de abril de 1991, ou seja, tão somente após 04 (quatro) anos da data do despacho ordinatório.

Acrescente-se que, após deferimento do pleito, em 28 de fevereiro de 1992, e expedida a Carta Precatória em março do mesmo ano, a Fazenda Pública, mais uma vez, relegou o feito ao acaso, deixando fluir mais de oito anos sem requerer qualquer diligência tendente a demonstrar interesse no desenvolvimento do processo, não havendo, portanto, que se imputar o atraso no processamento da execução ao Juízo, eis que este, no seu curso, procedeu aos atos processuais que lhes competiam, a exemplo da expedição de mandados e cartas citatórias.

Evidente, pois, a inércia do demandante, propiciadora da prescrição do crédito objeto da execução em apreço.

Por fim, frise-se que, por força da reiteração da jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido da admissibilidade da decretação, de ofício, da prescrição, nas hipóteses em que seja patente a inércia da Fazenda Pública em dar andamento às execuções por ela ajuizadas, o Estado de Pernambuco, por sua Procuradora Judicial, Dra. Lia Sampaio Silva, após reconhecer a ausência de interesse recursal em manejar agravo contra decisão terminativa dessa Relatoria exarada nos autos da Apelação Cível nº 0127.460-2, requereu a remessa do feito à instância de origem, o que representa um avanço na postura da Fazenda Pública do Estado de Pernambuco quanto aos créditos tributários cuja cobrança mostra-se manifestamente inviável.

Ante todo o exposto, não tendo as argumentações do agravante infirmado os fundamentos da decisão proferida pela Relatoria substituta, voto pelo não provimento ao presente recurso.

Recife, _________ de ______________ de 2007.

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Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator