“O Judiciário tem a obrigação de ter ativismo em causas sociais”

08-12-2021 Postado em Entrevistas por Luiz Carlos Figueirêdo

O novo presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, acredita que os tempos são de grandes mudanças

 

Ana Carolina Guerra e Paula Losada

local@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 08/12/2021 03:01

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) elegeu por aclamação o desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo como presidente da corte para o biênio 2022-2024. Pernambucano, nascido em 1952, o magistrado tem uma trajetória jurídica invejável. Foi juiz titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude, coordenou a Comissão Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária, em apoio à Frente Parlamentar da Adoção, assumiu a presidência da Câmara de Direito Público e foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), durante o biênio 2016-2018. Agora, o desembargador deixará o cargo de corregedor-geral de Justiça de Pernambuco para assumir a presidência do TJPE pelos próximos dois anos.

Em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco, o desembargador traçou as metas para a sua gestão, que terá grande foco na tecnologia, fez um balanço da sua atuação como corregedor, anunciou que fará concurso, falou sobre as dificuldades durante a pandemia, corte de gastos e mudanças administrativas.

ENTREVISTA – Luiz Carlos de Barros Figueirêdo // presidente eleito do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Trajetória
Sou juiz por acaso. Eu era planejador urbano. Me tornei juiz por pressão da minha esposa e do meu pai. Na época, eu estava fazendo curso na área de planejamento urbano, e meu pai, que era juiz, queria que eu fosse para a área [do Direito]. Minha esposa foi quem me inscreveu no concurso. Eu só tinha estudado para a prova oral. Há uma frase de Rubens Braga que diz: “Eu só cheguei onde eu cheguei porque tudo o que eu planejei deu errado”. Chame do que quiser, mas fui guiado e encaminhado para chegar até aqui.

Conquistas
Pode ser ufanismo, mas eu acho que os anos foram positivos para mim, enquanto magistrado. E para a sociedade como um todo. Entre os haveres e os deveres, os haveres são grandes. Não é mérito meu, é mérito da equipe. O meu maior dom é saber escolher equipes. O TRE-PE nunca havia conquistado uma premiação da Justiça. Com a minha saída, foi selo de diamante e eleito o melhor tribunal do Brasil em todas as categorias (estaduais, regionais e federais). A Coordenação da Infância e Juventude é uma das poucas que têm o selo ouro no Brasil. E hoje os números do TJPE, como um todo, melhoraram exponencialmente. Com a mudança radical, em 2021, saímos do vigésimo, décimo quarto, ou décimo quinto, para o terceiro lugar nos chamados tribunais de médio porte. Ninguém vive em função disso, mas acho que é um parâmetro. A minha cautela é justamente essa: formar equipes que eu sei que vão ser realmente excelentes em suas funções.

Continuidade
Primeira coisa é quebrar um hábito da administração pública brasileira: a descontinuidade. Todo mundo vem cheio de ideias, é natural. Quando chega, já joga na lata de lixo o que o outro fez. Minha ideia é aperfeiçoar o que é bom, para fazer melhor. E o que não for bom, mas tiver potencial, remodelamos. Só o que for realmente ruim a gente joga fora.

Moradia Legal

O [programa] Moradia Legal já existia em vários estados. Em Pernambuco, pouco mais de 390 pessoas haviam recebido gratuitamente o título de propriedade do seu imóvel. No auge da pandemia, esse número subiu para mais de 3 mil e hoje chega a 4,7 mil famílias com o título de propriedade de suas casas. Outros 17 mil títulos já estão na fase administrativa dos cartórios de registro de imóveis para entrega à população. Também tivemos problemas. Alegava-se que havia conduta vedada na Justiça Eleitoral. Cada alegação, era um leão para matar. Eu precisava pegar pareceres dos grandes juristas para mostrar que não existia nada ali. Haveria conduta vedada quando, ao inaugurar uma obra ou entregar uma casa, um candidato dissesse ‘vote em mim, fui eu quem fiz’. Mas não era ele, era o Tribunal de Justiça, a Corregedoria, a Universidade Federal de Pernambuco, a prefeitura, etc. Foram muitos os parceiros. Na essência, nós  localizávamos uma propriedade e a legalizávamos. Isso faz com que a pessoa que morava em uma casa de taipa compre tijolo, e o cara do armazém também ganha. Ou seja, na roda da economia, a pessoa planta para colher depois. Não podemos privar o cidadão de ter uma moradia. Hoje existe demanda para regularização de propriedades rurais, e o Judiciário de Pernambuco, em parceria com o Iterpe, vai atuar nessa área também. Como parcela ponderável do problema, que envolve o Poder Judiciário e as leis federais, na prática, nunca conseguiram colocar para andar. A mesma coisa acontece nos leilões virtuais. O que tem de bens apreendidos ocupando espaço, pagando aluguel… Um custo enorme que está sendo resolvido.

Registro Civil

O Registro Civil tem inúmeras nuances. Mudamos, pois, se o primeiro registro civil de criança e adolescente foi feito de forma irregular, as adoções podiam acontecer ‘à brasileira’. Começamos a levantar em todos os cartórios quantos registros haviam sido feitos, quantos homens apareceram depois dizendo que eram pais. Boa parte dizia que tinha assumido a paternidade de forma voluntária, outros, não. Esse levantamento foi feito para termos uma ideia que explique os motivos pelos quais pequenos municípios tenham mais crianças adotadas de forma ilegal. Depois, tivemos a ideia de filmar as vendas e repasses de bens de pessoas idosas no cartório, porque se tiver a coação de algum parente, neto, filho, nós saberemos. O ser humano é muito criativo para fazer coisa errada.

Causas sociais

Eu acho que o Judiciário tem a obrigação de ter ativismo em causas sociais, mas tem que saber onde é o limite. Existem muitos casos de violência contra a mulher, e a primeira coisa que o Judiciário precisa fazer é julgar os processos, porque ficar fazendo discurso bonito não adianta. Juiz é pago pelo povo para julgar processos. Para isso, precisamos oferecer estruturas seguras para as partes envolvidas. Tem de haver, no atendimento, o respeito à cidadania com o viés de julgar. Não adianta dizer que é a favor da adoção, precisa dar a sentença de adoção. Há casos em que a lei dificulta. Se um homem em situação de rua vier aqui querendo emitir um documento, e eu não o deixo entrar, ele não terá esse documento nunca, pois não voltará. Eu não vou deixar esse homem sem documento, porque é aquilo que ele está precisando. Nenhum regime econômico conseguiu erradicar a pobreza. Alguns conseguem escondê-la. No caso de um trabalho social voltado para pessoas em situação de rua, quem tem de comandar o projeto é o governo do estado junto com a prefeitura. O Judiciário deve ser coadjuvante. Conversaremos, faremos propostas, mas não seremos protagonistas. É importante também fazer uma qualificação de juízes e servidores, principalmente nas áreas mais sensíveis.

Mortes por Covid

Nas primeiras mortes por Covid, os velórios estavam prejudicados. Pessoas chegavam a ser enterradas em sacos. Foi quando eu propus ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, com a apresentação da declaração de óbito, pudesse ser feito o sepultamento. A informação era mandada para a família, e só depois era emitida a certidão de óbito. Em tempos normais, primeiro tinha que ter a certidão de óbito. A minha sugestão foi levada ao Ministério da Saúde, que comprou a ideia. Isso também diminuiu a quantidade de erros nas certidões de óbitos, que poderiam ser retificadas com facilidade.

Urnas eletrônicas

A urna eletrônica tem ferramentas que impedem que qualquer pessoa modifique o resultado. O boletim de urna não mostra o que os compradores de voto querem. Antes da urna, eu via o mapismo sendo feito, a safadeza. A chance é zero de fraude, zero de acesso. Isso de dizer que urna tem fraude não existe, é um devaneio de quem não tem o que fazer. Nós damos um banho nas eleições feitas nos Estados Unidos em termos de qualidade, celeridade e confiabilidade, por exemplo.

Lisura
Existe um fundo formado por parte do percentual das custas processuais, destinado a custear o registro civil feito em pequenos cartórios/serventias extrajudiciais e comunidades. Quando eu assumi a corregedoria o saldo desse fundo era de R$ 19 mil, mas já havia alcançado quantias superiores a R$ 23 milhões. Agora está em R$ 17 milhões recuperados, em um ano e meio. Mandamos um projeto de lei para a Assembleia [Legislativa de Pernambuco], mudando a composição da gestão do fundo. A gestão era feita por registradores e notários. Na administração anterior, eles conseguiram criar uma vaga para um juiz. Fernando Cerqueira [atual presidente do TJPE] acertadamente nunca mudou, porque era alguém que ia legitimar o que estava acontecendo. Não estou dizendo que alguém se beneficiou ou que houve corrupção. Eu estou dizendo que pagaram coisas que não estavam autorizadas. Na nossa vida particular, a regra é: ‘tudo que não é proibido é permitido’. Em Direito Público, só é permitido aquilo que está expresso em lei. Apareceram décimo quarto, décimo quinto salários para gestores, contribuição para órgãos de classe… Está na lei? Não está, então não pode. Pedi ao Pleno do Tribunal e pedi à Assembleia para autorizar o Tribunal de Justiça, através do Fundo de Aparelhamento do Tribunal (Ferm), a realizar um empréstimo de R$ 1,8 milhão para pagar os pequenos cartórios de registro civil que estavam com até quatro meses de valores atrasados em algumas demandas. Eles recebiam calculado em salário, mínimo, e não conseguiam dar conta. Igualmente, pedimos para, durante um ano, aumentar o percentual de desconto de 1%. Além disso, mandei alterar a composição da administração, que hoje é majoritariamente de juízes. Mandei acabar com o aluguel desnecessário de imóveis. Essas coisas são um ralo [de dinheiro]. Acabei com isso e, com dez ou nove meses, eu já tinha devolvido o dinheiro que havia sido emprestado pelo TJPE. Esse dinheiro tem que ser bem gerido. Evidentemente houve um processo administrativo e eu já decretei a perda da delegação de todos os então gestores. Vão recorrer? Que façam. Vão judicializar? Se quiserem, é um direito deles e de todo cidadão. Não tenho nada pessoal contra ninguém, estou cumprindo o meu papel. Só com custas que não eram recolhidas no valor correto, foi um incremento em torno de R$ 8 milhões. O Tribunal teve baixa de arrecadação, que já é insuficiente para suas despesas. Esses R$ 8 milhões, em tempos normais, já seriam importantes. Agora, com a pandemia, tornaram-se vitais.

Baixa produtividade

Tivemos que aposentar um juiz por baixa produtividade. O cidadão não tem nada a ver com os nossos problemas, ele quer o processo julgado. Temos muito a fazer, mas melhoramos. Temos uma faixa de aproximadamente 500 juízes em todo o estado. Precisamos abrir concursos, para suprirmos as carências.

Relação com a mídia

A mídia tradicional é o canal regular para fazer contato com a sociedade. Tem que ser prestigiada. Qualquer um hoje se vale das redes sociais e diz o que quer e fica por isso mesmo. Parcela do problema foi criada por quem deixou de lado a mídia formal para prestigiar essas pessoas. Pelo privilégio do imediato, ninguém está ali checando se é mentira. Mas, se o Diario de Pernambuco der uma ‘barriga’, amanhã cabeças rolam. As pessoas estão praticando autocensura. Mesmo os jornalistas, que batiam forte antes, hoje estão mais receosos. É obrigação do gestor prestar contas à sociedade. Se tiver defeito ou qualidade deve ser mostrado. Claro que ninguém quer gerar uma pauta ruim, mas cabe à imprensa decidir publicar ou não. Se todo mundo se respeitar, ninguém passará da conta.

Metas
Eu não acho que o Judiciário deve partir para grandes obras, não só pelos poucos recursos, mas porque os tempos não recomendam. Estamos no limiar de um novo mundo do qual não sabemos muitas coisas. Sabemos que, quando a pandemia acalmar, não vai ser como era antes. Por exemplo, o trabalho remoto veio para ficar. Precisamos saber o que é que pode ser feito de forma remota e o que não pode. Boa parte da nossa população não tem acesso à informática. Então, é preciso ter um atendimento presencial. Por outro lado, grande parte do serviço humanizado está acabando nos dias de hoje. Eu tenho uma força de trabalho que precisa ser requalificada. As pessoas que já estão aqui vão precisar aprender outras áreas e funções. A meta é descobrir esse ponto de equilíbrio entre atendimento virtual e presencial. No último ano melhoramos muito, mas temos a certeza de que ainda há bastante a fazer.