Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO DE REVISÃO – Preliminar de Nulidade de Sentença por julgamento extra petita
A apelante acoima de nula a sentença reprochada, arrimando-se em três argumentos – julgamento exorbitante do pedido atrial; incompatibilidade entre os provimentos mediato e imediato; e ofensa ao contraditório e à ampla defesa –, o primeiro dos quais passo a ponderar.
A justificativa apresentada pela apelante para tal insinuação é de que, entre os pedidos formulados, a parte requerente demandou a condenação da EMTU ao pagamento dos valores que viessem a ser apurados em liquidação, ao passo que o magistrado de inferior instância fixou, no dispositivo sentencial, montante preciso a ser indenizado: R$ 60.509.258,20 (sessenta milhões, quinhentos e nove mil, duzentos e cinqüenta e oito reais e vinte centavos).
Receio destoar da apelante nesse tocante: o pedido formulado pelo requerente fora no sentido de que, julgando procedente a ação, o juízo recorrido decretasse a nulidade da Portaria nº 260/92 da EMTU, condenando-a a “pagar às empresas afiliadas ao Sindicato autor o valor indevidamente glosado e impago”. Noutra passagem, no corpo da peça inaugural, o SETRANS estima a rubrica acolhida pelo Juiz de primeiro grau como sendo a devida, vulto sobre o qual ainda incidiriam as correções legais. A objeção levantada pela EMTU é válida somente para os casos de pedido indeterminado, o que não se tem no presente caso, no qual existem planilhas de cálculo trazidas pelo demandante.
A impressão que teve a recorrente, de exorbitância da condenação em relação ao pedido, deve-se à referência, por parte do acionante, no fecho de sua peça atrial, a “os honorários advocatícios ao percentual máximo permitido, calculado sobre o valor liquidado da condenação judicial final”. Aqui, o autor empregou o vocábulo “liquidado” como sinônimo de valor certo, definitivo, que somente será conhecido após a sentença condenatória, mesmo, inclusive, que não houvesse necessidade de liquidação de sentença em estrito sentido, caso em que só houvesse demanda por cálculos meramente aritméticos. Ressalte-se, a respeito, que até a Lei nº 8.898/1994, o artigo 604 do CPC se referia a “contas de liquidação” para aludir ao que a redação atual desse dispositivo cita como “apresentação de memórias de cálculo”.
Com efeito, a quantia fixada pelo Juiz na condenação não é definitiva, pois, sobre ela, se for o caso, ainda incidirão juros e correção monetária, a serem quantificados oportunamente por ocasião de futura execução, quando, então, a sentença será “liquidada” em sentido amplo – peremptória, precisa.
Diante do exposto, tenho pela rejeição desta preliminar.
É como voto.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor
Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO DE REVISÃO: Preliminar de nulidade de Sentença por incompatibilidade entre os pedidos mediato e imediato
Não se reserva melhor sorte à presente preliminar: alega a apelante serem inconciliáveis a condenação pecuniária da EMTU e a natureza declaratória da ação.
Outra vez, não estamos aqui senão diante de uma perplexidade semântica: a parte recorrente se atém à literalidade de um termo da sentença para tecer inferências precipitadas. Na preliminar em lanço, vislumbra uma implicação entre a declaração de nulidade e a transformação do feito em ação declaratória.
Não acolhe razão ao apelante a esse respeito: o feito proposta consistiu de uma “Ação de Nulidade de Ato Administrativo, cumulada com Pedido Ressarcitório”.
Faltou, aqui, atinar-se para as lições mais tenras de validade dos atos jurídicos. Nossa tradição jurídica sempre foi de divisar, na seara da invalidade dos atos jurídicos, nulidade de anulabilidade. O ato meramente anulável, como é cediço, é passível de convalidação e requer suscitação, por quem tenha interesse, para fins de se perfazer. A morfologia do vocábulo, “anulável” (sufixo “ável”) dá a entender ser preciso encetar uma ação para concretizar essa qualidade. É o que a Escolástica denominava estado de potência, existência potencial, dependente de condição para se verificar concretamente. Por seu turno, o ato nulo não ingressa na ordem jurídica. A nulidade já existe efetivamente, pouco importando a vontade, a ação ou a pachorra das partes para que se verifique.
Não é, portanto, o pronunciamento judicial que torna nulo um ato. O que o Juízo faz é reconhecer-lhe esse atributo, “declarando-o”. Em o fazendo, nenhum “a fortiori” há de que se torne a ação em declaratória, em sentido estrito, de modo que a o expediente não perde seu caráter condenatório/constitutivo.
Do exposto, insta rejeitar também esta preliminar.
É como voto.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor
Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO DE REVISÃO: Preliminar de Nulidade de Sentença por Ofensa ao Devido Processo Legal
A apelante, como restou consignado alhures, preconizou haver sido prejudicada pela inobservância do contraditório e ampla defesa, asseverando não ter tido oportunidade de discutir o valor da condenação.
Cuido não se justificar essa suspeita. O valor ao final chancelado pelo Juízo a quo já era conhecido desde o princípio da ação; veio expressamente mencionado na própria exordial como estimativa, baseada em cálculos encerados em planilhas que se encontravam em anexo àquela peça processual. Assim sendo, já por ocasião, da contestação, haveria condições de rechaçar essa contabilidade e seria dever da EMTU, enquanto demandada, opor toda a matéria de defesa em sua peça de bloqueio, por imperativo do artigo 300 do Código de Processo Civil:
“Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”.
A não ser que se tratasse de uma das exceções do artigo 303 daquele Codex, o que não é o caso, não só poderia como deveria ter se pronunciado acerca dos valores, que já eram sabidos à época do oferecimento da contestação. A incúria ou a negligência dos patronos da EMTU de modo algum significa que não lhe haja sido oportunizada chance para questionar o montante da condenação.
É como voto.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor
Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 71201-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Apelante : Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU
Apelado : Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO DE REVISÃO: MÉRITO
Confesso que o libelo do SETRANS/PE, autor da ação, acenou para uma possibilidade que me tentou a abandonar o serviço público e me dedicar à mercancia: nesse processo, cogitou-se de uma atividade econômica invulnerável ao prejuízo. Estupendo! Só devemos cuidar de manter em sigilo informação tão alvissareira, para prevenirmos o boom de concorrência.
O sibilino raciocínio tecido pelo autor parte, basicamente, de duas premissas:
a) Inconstitucionalidade dos artigos 11 e 13 da Portaria nº 260/92 da EMTU, por suposta lesão ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de delegação de serviço público;
b) Obrigatoriedade de a EMTU, enquanto gestora do serviço de transporte público de passageiro, garantir o funcionamento superavitário do sistema.
Transcrevo, para melhor conhecimento, os indigitados artigos da Portaria:
“Art. 11. Quando o Montante Disponível não for suficiente para cobrir as Remunerações Devidas das participantes [empresas de transporte], serão calculadas as diferenças entre a Remuneração do Período e a Remuneração Devida de cada participante, para serem consideradas no próximo Período de Apuração.
PARÁGRAFO ÚNICO – Efetuados os ajustes indicados no art. 8º desta Portaria e persistindo o déficit a que se refere o caput deste artigo, não será o mesmo absorvido no Período de Avaliação subseqüente, devendo ser rateado entre as participantes, de acordo com os critérios ora estabelecidos.
(…)
Art. 13. A Diferença Acumulada de um Período de Avaliação não será compensada em período posterior.
PARÁGRAFO ÚNICO – Não se aplicará o que estabelece o ‘caput’ deste artigo se, no Período de Avaliação imediatamente posterior, for verificado superávit na Conta Gráfica”.
O chamado “período de avaliação” compreende o tempo de um trimestre. Nele, encerram-se 06 (seis) “períodos de apuração”, correspondentes a uma quinzena cada. Entre períodos de apuração consecutivos, o déficit do anterior poderá ser compensado no posterior, dentro do mesmo período de avaliação. Dentro de um trimestre inteiro, essas diferenças poderão ser compensadas, e, caso as configurações do sistema (tarifas, receitas complementares, despesas) se mostrem inviáveis, devem-se alterar-lhe as feições. É o que reza o artigo 8º da Portaria, a que o Parágrafo Único do art. 11 alude:
“Verificado déficit em dois Períodos de Apuração consecutivos, serão adotadas pela EMTU/Recife as providências necessárias, com vistas a um possível restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da conta gráfica no período de apuração.
PARÁGRAFO ÚNICO – As medidas referidas no ‘caput’ deste artigo incluem a adequação da programação a ser executada, a revisão do valor da tarifa, a introdução de recursos extratarifários ou outras medidas que venham a ser sugeridas pela Comissão referida no art. 16 desta Portaria”.
O que a Portaria veda é a compensação entre dois períodos de avaliação (trimestres) consecutivos, mas não entre períodos de apuração (isto é, quinzenas). Convenhamos: será que, ao cabo de um período de avaliação inteiro, isto é, 06 (seis) quinzenas, em que não se experimentou nenhum superávit, haveria, de fato, algum lucro a repartir? A pergunta, obviamente, é meramente retórica, pois não subestimo a inteligência de nenhum dos circunstantes a esta Sala de Sessões para esperar uma resposta afirmativa.
É a própria Portaria que prevê mecanismos de restauração da equação econômico-financeira verificada no início do contrato administrativo, justamente o que persegue o sindicato autor. Contudo, este pretende ver declarados nulos os artigos 11 e 13 daquele ato normativo, apontando-lhes a inconstitucionalidade justamente por impedirem a manutenção do aludido equilíbrio. Permitam-me realçar o paradoxo que isto representa:
A Portaria, datada de 1992, somente veio, entretanto, a ser questionada em 1996, quando, supostamente, a equação haveria sido abalada. Tendo sido alterada, a pretensão atual é de que se a restaure. Revigorando-a, estar-se-ia voltando às condições iniciais, quando já vigiam os artigos atacados da Portaria nº 260/92. Podemos aferir, então, que o autor quer e, simultaneamente, não quer comprovar-lhe a nulidade? Nem o maior diletantismo lógico nos faria aceitar tal hipótese. É grotesco o ferimento do princípio da “não-contradição”: uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo. Esse paradoxo, aliás, deveria ter motivado a extinção sem julgamento de mérito do processo, por inépcia da inicial.
Aí está: o próprio autor reconhece, ainda que tacitamente, o grande proveito que o sistema lhe proporcionou, no mínimo, por quatro anos, período que mediou entre a edição da Portaria em comento e o ajuizamento da presente ação. O problema, portanto, reside em momento posterior, já durante o decurso do contrato de delegação do serviço e de vigência da Portaria. Destarte, o pleito do SETRANS deveria ser de reajuste ou de revisão contratual (remédios, por sinal, previstos na própria Portaria atacada, para a reparação dos desajustes financeiros), e não de declaração de nulidade dos artigos 11 e 13 da Portaria, muito menos por esse fundamento.
Em outras palavras, seria possível – e, aliás, muito mais realista – fazer a seguinte leitura do caso: enquanto lucrativa, por mais de 4 (quatro) anos seguidos, a regra era constitucional, na ótica das empresas transportadoras; se houve problemas entre períodos de apuração (quinzenas), tudo pôde ser resolvido no mesmo trimestre (período de avaliação). Na primeira ocasião em que a circunstância ocorreu por mais de 06 (seis) quinzenas, imediatamente, a norma passa a ser acoimada de inconstitucional.
Outra conjectura possível é de que o Sindicato tenha percebido o rigor da regra disciplinadora do serviço concedido e, agora, almeje alterá-las em juízo. Essa tarefa nos é igualmente ínvia: não temos poder para invalidar uma norma lídima, o que representaria revogação de ato administrativo, ação que nos desborda a competência. É a repisada regra de que o Judiciário não pode se imiscuir no mérito administrativo.
As regras do jogo estavam postas quando da assunção do serviço pelos concessionários. Ao se disporem à prestação de serviço público, deveriam ter em mente, então, que seus interesses particulares estariam subjungidos aos desideratos públicos, restando às empresas de transporte a liberdade de se vincularem ou não à Administração, sabedores de que, em o fazendo, estariam subordinados ao primado da coletividade. Poderiam, sim, ter organizado um lobby em torno do abrandamento das regras, mas objetar-lhes judicialmente o mérito, a pretexto de lhes discutir a validade, jamais.
Das mais tenras lições a respeito do contrato administrativo, apreende-se que, dentre outros apanágios, essa espécie de avença é caracterizada pelas ditas cláusulas exorbitantes, corolários da preponderância do fito público sobre o particular. Assim, têm, verdadeiramente, natureza de contratos de adesão, de sorte que, ao contratado, é dada a liberdade de se vincular ou não.
Se as empresas acataram as regras postas (e, ressalte-se, de antemão conhecidas), foi porque julgaram o custo-benefício vantajoso. Por outro lado, caso tenham notado, no decorrer do jogo, que o fardo se tornou insuportável, faço minhas as palavras do Fausto, de Goethe: “A coisa inútil, na vida, é fardo a ser desprezado”. Assim, à guisa da liberdade que tiveram de se jungirem às regras adjacentes ao contrato, preserva-se-lhes o direito à sagrada insurreição, para abrandarem/abandonarem a pesarosa missão de tocarem o serviço de transporte de passageiros. Poderiam, então:
a) Cumprir o contrato de bom grado;
b) Buscar o distrato;
c) Tentar a alteração das regras amistosamente ou, dentro do cabível, pela via judicial.
Não lhes é dado, porém, simplesmente e descumprir as cláusulas avençadas no momento em que elas lhes impliquem dano, para somente acatarem as condições favoráveis.
A segunda premissa trabalhada pelo requerente, ora apelado, é de que, por força do Decreto Estadual nº 14.846/91, a EMTU estaria obrigada a garantir o superávit do sistema. Tal elucubração superou em ambição a mais voraz doutrina liberal: não se prega, aqui, a liberdade do setor econômico para se ajustar segundo os fatores de mercado; quer-se mais: intervenção do Estado, porém para garantir o lucro. Esse é o anelo de todo capitalista – negócio sem risco, sem álea econômica. Só espero que, para a infelicidade das empresas de transporte de passageiros, não seja dessa vez que esse anseio se concretize.
A EMTU, pelo Decreto acima aludido, assume deveres de gestora do sistema, não de provedora. O que constitui dever seu é, como visto anteriormente, aquele reservado pelo artigo 8º da Portaria nº 260/92, qual seja, de, dentro de seus poderes, envidar os esforços possíveis para que o serviço seja proveitoso para seus prestadores, mas, jamais, de assegurar o superávit. Tem, sim, o mister de garantir a continuidade do serviço público, não do êxito negocial das empresas concessionárias. Tal constituiria verdadeira socialização dos prejuízos. Deixo a indagação: não existisse a EMTU, as transportadoras estariam imunes ao déficit? Por quê, agora, responsabilizam a Empresa por seus prejuízos?
Os artigos questionados da Portaria nº 260/92 não dizem nada senão que, quando o saldo da Conta Gráfica for negativo, não se terá lucro a repartir. Ilicitude nenhuma eiva tais disposições, o que já não seria o caso se a prescrição dos artigos fosse no sentido oposto. Com efeito, ilícito seria, sim, com dinheiro público, dividir “lucros” inexistentes quando o período for de prejuízo. Não vislumbro, pois, como atender à postulação articulada pelo SETRANS/PE.
Neste oceano de devaneios – atividade econômica imune a prejuízo; repartição de “lucros” após uma sucessão de períodos deficitários; pretensão simultânea de restauração e anulação de uma norma –, pareceu-me impossível que alguém pudesse acatar tal argumentação. Apenas pareceu-me, na medida em que algumas das melhores cabeças pensantes do Judiciário estadual ficaram seduzidas com tais teses mirabolantes… Paciência! É próprio da dialética e do olhar que se dirige ao que é o bom direito, o que é justo. Todavia, não é próprio, nem aceitável, que, na defesa do interesse público, os advogados da empresa pública – EMTU –, ora apelante, tenha se limitado a uma defesa em 02 (duas) laudas, de fls. , incúria e/ou negligência patenteada nos autos, apenas corrigida com a peça de Apelação, recomendando que sindicância (ou inquérito administrativo) seja instaurada para apurar devidamente as razões de tal ocorrência.
Ante o exposto, voto pelo provimento do presente Apelo para julgar improcedente a ação proposta, invertendo-se, pois, o ônus da sucumbência. Com o provimento do recurso em tela, resta prejudicada a Apelação Cível de nº 71147-3, oriundo de cautelar preparatória da ação presente.
É como voto.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor