Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relatório

Trata-se de remessa obrigatória de sentença proferida, às fls.539/547, pelo Juiz da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca do Cabo de Santo Agostinho, Paulo Francisco da Costa, nos autos da Ação de Embargos à Execução Fiscal, tombada sob nº 2.440/99, promovida por Locar Saneamento Ambiental Ltda. contra Fazenda Pública Municipal do Cabo de Santo Agostinho.

Os presentes embargos, em síntese, alegam cobrança indevida de ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza) por parte do Fisco Municipal do Cabo de Santo Agostinho, sobre a atividade comercial da embargante, e postulam a extinção da Execução Fiscal nº 0888/98, concernente.

A sentença ora em reexame, reconhecendo a incompetência do Município do Cabo de Santo Agostinho para cobrar do embargante o ISS (Imposto sobre serviços de qualquer natureza), declarou a nulidade do Auto de Infração apresentado e a ilegitimidade ad causam do embargado para figurar no pólo ativo da Ação de Execução Fiscal referida, extinguindo o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC, e condenando o embargado ao pagamento das custas, despesas processuais, e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20%(vinte por cento) sobre o valor da causa.

A parte embargante opôs Embargos Declaratórios às fls.550/553, tendo o juízo a quo proferido decisão, às fls.555/556, mantendo a sentença proferida.

As partes não recorreram da sentença, consoante certificado às fls.563, dos autos.

O Ministério Público de segunda instância declinou cota, considerando despicienda sua intervenção no feito.

Às fls.617/618, foi exarado despacho, da lavra do presente Relator, determinando o chamamento do feito à ordem, tendo decorrido o prazo sem a oposição de recurso.

Relatados, à douta revisão.

Recife, _______de______________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Voto

Questão de mérito

Cuido que a matéria discutida nos presentes Embargos à Execução Fiscal reside em apreciar se, no caso, subsiste competência tributária do Município do Cabo de Santo Agostinho para cobrar retroativamente o ISS da parte ora embargante, visto que a empresa executada alega, primeiramente, que já vinha recolhendo o ISS perante o Município de Camaragibe, local onde possuía sua sede, conforme previsto no artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, e, segundo, que o Município do Cabo de Santo Agostinho, local onde estava prestando serviços de limpeza, nunca havia lhe exigido o referido tributo.

O juízo a quo fundamentou sua decisão fazendo consideração sobre a divergência das teses doutrinárias existentes sobre o tema, argüindo ser melhor aplicável ao caso, ante os fatos, os princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da não-surpresa em confronto ao princípio da territorialidade, dada a constitucionalidade de se dispor de lei complementar sobre conflitos de competência entre pessoas jurídicas tributantes, nos termos do artigo 146, inciso I da CFB, de forma a constituir procedência aos embargos, nos temos da alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, face à seguinte disposição:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

Indo à análise da matéria, de proêmio, observo que o entendimento jurisprudencial presente é no sentido de considerar que o fato gerador do ISS se dá no local onde foi realizada a prestação de serviços, a vista da primazia do texto constitucional, consubstanciada no princípio da territorialidade que se impõe no inciso III do artigo 156 da CFB, quando prevê:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar;
Tal entendimento se constitui na razão de um município não poder estender sua competência tributária de forma a irradiar os seus efeitos sobre um fato gerador ocorrido no território de outro município.

Atualmente, encontra-se revogado o artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, face o advento da Lei Complementar nº 116/2003, obviamente, como conseqüência jurídica natural da interpretação da constitucionalidade da lei aplicável à espécie, evidenciada pelo entendimento jurisprudencial predominante de que a competência tributária do município é limitada ao alcance de sua territorialidade.

Diante de todos esses aspectos caberia entender simples o deslinde da presente lide. Todavia, apesar da previsão jurisprudencial assentada sobre a matéria, tenho que a questão que se apresenta não é tão fácil. Ao que parece o presente caso requer a observação de determinados aspectos jurídicos, para que não se venha a cometer injustiça no julgado.

No caso, fazendo o cotejo das evidências na formação de um entendimento correto, primeiramente, observo que, embora tenha sido a própria edilidade a contratar os serviços da embargante, surpreendentemente, procedeu contra a mesma uma autuação fiscal inusitada retroativa aos vários anos em que com ela manteve a renovação do objeto do referido contrato de serviços de limpeza urbana, afirmando então que se tratava de uma empresa que havia iniciado suas atividades sem prévia licença da Prefeitura Municipal do Cabo de Santo Agostinho, conforme se constata pelos documentos de fls.26 e fls.27, dos autos.

Por essa ordem, de logo, causa espécie a referida autuação fiscal acusar ausência de licenciamento da embargante perante a municipalidade, posto que a empresa executada vinha exercendo suas atividades por força de contrato firmado diretamente com a própria Prefeitura do Cabo.

Tal afirmação se faz, dada à observação de que os documentos de fls.26 e fls.27 referem-se às notificações de débito fiscal resultantes da autuação da Fazenda Municipal do Cabo de Santo Agostinho, realizada em 03/03/1997, onde se acusa o não recolhimento de ISS pela embargante, concernente ao período de março de 1992 até dezembro de 1996, constituindo há época uma dívida de R$ 201.390,42, à qual não se revela em valores atualizados nos autos.

Por outro lado, verifica-se que a ora embargante em nenhum momento se isentou de recolher o tributo ora questionado, já que vinha promovendo o seu pagamento perante o Município de Camaragibe, local onde era estabelecida a sua empresa, fazendo obediência há época à disposição expressa na alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, e, também, do próprio Código Tributário Municipal da edilidade ora embargada, a vista do artigo 58 da Lei Municipal nº 1.661/91, vigente quando da autuação fiscal, que determinava:

Art.58. Considera-se local da prestação de serviços:

I – O do estabelecimento prestador, ou na falta deste, o domicílio do prestador de serviços;

Impõe-se ressaltar que o recolhimento do tributo em questão foi devidamente averiguado em perícia constituída às fls.518/529 dos autos, não tendo a parte embargada se oposto à evidência de pagamento do tributo ao Município de Camaragibe.

Observa-se, ainda, que tendo havido a presente autuação fiscal a empresa embargante passou a recolher o tributo perante o Município do Cabo de Santo Agostinho, local onde estava prestando o serviço, porém, de outro lado veio também a sofrer autuação do Município de Camaragibe, conforme se verifica pelos documentos de fls.215/221, dos autos, vez que suspendeu o recolhimento perante a edilidade em que tinha sede.

Vê-se então que o embargante não estava agindo de má-fé, mas buscava atender a legislação que se impunha na época da constituição do fato gerador do tributo.

É possível que a empresa embargante, tendo constituído definitivamente o seu débito fiscal perante a edilidade embargada, possa vir a promover tentativa perante o Judiciário de reaver os valores pagos equivocadamente à edilidade onde tinha sede, contudo, é de saber comezinho que, na prática, será um trabalho hercúleo, visto que o recolhimento se formalizou dentro do que previa a lei há época, além de combater o argumento comum de que quem paga mal paga duas vezes.

Acredito da possibilidade nesse caso de se apreciar a questão pelo prisma trazido no próprio julgado de primeiro grau, a vista dos princípios da legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da não-surpresa em confronto ao princípio da territorialidade, visto que a obrigação fiscal cingia controvérsia jurídica, dada à permissividade legal dada época, de forma a dificultar ao contribuinte localizar-se perante o Fisco competente do tributo devido a recolher.

Sigo esse entendimento, mormente pelo aspecto fático apresentado nos autos, visto que restou totalmente provado que a edilidade ora embargada, não obstante se encontrar desde o início da atividade de prestação de serviços praticada pela embargante, ciente da oportunidade de promover o recolhimento do ISS sobre os serviços de limpeza urbana, posto que era contratante direta da embargante, somente veio a exigir o recolhimento do dito tributo depois de vários anos de renovação do dito contrato, inadvertidamente, de forma retroativa, em ferimento hialino ao princípio da legalidade e da não-surpresa, posto que o dispositivo legal sobre a matéria, antes existente, veio a ser revogado e favorecer a autuação fiscal somente depois da ocorrência do fato gerador do alegado crédito tributário, com o advento, como já dito, da Lei Complementar nº 116/2003, e, in casu, mais especificamente com a Lei Municipal do Cabo de Santo Agostinho nº 1993/2001, em sua redação dada pela Lei Municipal nº 2123/2003.

Cuido que, ademais, havia divergência jurisprudencial há época perante a Colenda Corte, conforme se verifica nos arestos a seguir transcritos situados próximo ao tempo da exigência fiscal:

TRIBUTARIO. ISS. LOCAL DO RECOLHIMENTO. SERVIÇOS DE PAISAGISMO. OBRA JA CONCLUIDA. A REGRA GERAL SOBRE A COMPETENCIA PARA INSTITUIR O TRIBUTO (ISS) E A DO LOCAL ONDE SE SITUA O ESTABELECIMENTO PRESTADOR, EXCEPCIONANDO-SE OS CASOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL, EM QUE A COMPETENCIA TRIBUTARIA SE DESLOCA PARA O LOCAL DA PRESTAÇÃO. REsp 16033 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1991/0021867-7 Ministro HÉLIO MOSIMANN (1093) T2 – SEGUNDA TURMA 14/12/1994 DJ 13.02.1995 p. 2225 LEXJTACSP vol. 154 p. 338 LEXSTJ vol. 71 p. 96

TRIBUTARIO. ISS. MUNICIPIO. COMPETENCIA PARA EXIGIR O TRIBUTO. I – PARA FINS DE EXIGENCIA DO ISS, DETERMINA-SE A COMPETENCIA TRIBUTARIA PELA LOCALIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR DO SERVIÇO, AINDA QUE A MATRIZ DA EMPRESA SE SITUE EM OUTRO MUNICIPIO. PRECEDENTES. II – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. REsp 59466 / GO ; RECURSO ESPECIAL 1995/0002996-0 Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (0280) T2 – SEGUNDA TURMA 24/10/1996 DJ 18.11.1996 p. 44866

TRIBUTARIO. ISS. SUA EXIGENCIA PELO MUNICIPIO EM CUJO TERRITORIO SE VERIFICOU O FATO GERADOR. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68. EMBORA A LEI CONSIDERE LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, O DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR (ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 406/68), ELA PRETENDE QUE O ISS PERTENÇA AO MUNICIPIO EM CUJO TERRITORIO SE REALIZOU O FATO GERADOR. E O LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE INDICA O MUNICIPIO COMPETENTE PARA A IMPOSIÇÃO DO TRIBUTO (ISS), PARA QUE SE NÃO VULNERE O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL IMPLICITO QUE ATRIBUI AQUELE (MUNICIPIO) O PODER DE TRIBUTAR AS PRESTAÇÕES EM SEU TERRITORIO. A LEI MUNICIPAL NÃO PODE SER DOTADA DE EXTRATERRITORIALIDADE, DE MODO A IRRADIAR EFEITOS SOBRE UM FATO OCORRIDO NO TERRITORIO DE MUNICIPIO ONDE NÃO SE PODE TER VOGA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, INDISCREPANTEMENTE. REsp 54002 / PE ; RECURSO ESPECIAL 1994/0028001-7 Ministro DEMÓCRITO REINALDO (1095) T1 – PRIMEIRA TURMA 05/04/1995 DJ 08.05.1995 p. 12309 RDR vol. 4 p. 162

TRIBUTARIO. ISS. MUNICIPIO COMPETENTE PARA EXIGIR O TRIBUTO. CTN, ART. 127, II. DECRETO-LEI 406/68 (ART. 12, ‘A’). 1. E JURIDICAMENTE POSSIVEL AS PESSOAS JURIDICAS OU FIRMAS INDIVIDUAIS POSSUIREM MAIS DE UM DOMICILIO TRIBUTARIO. 2. PARA O ISS, QUANTO AO FATO GERADOR, CONSIDERA-SE O LOCAL ONDE SE EFETIVAR A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. O ESTABELECIMENTO PRESTADOR PODE SER A MATRIZ, COMO A FILIAL, PARA OS EFEITOS TRIBUTARIOS, COMPETINDO O DO LOCAL DA ATIVIDADE CONSTITUTIVA DO FATO GERADOR. 3. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 4. RECURSO PROVIDO. REsp 23371 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1992/0014182-0 Ministro MILTON LUIZ PEREIRA (1097) T1 – PRIMEIRA TURMA 31/08/1994 DJ 26.09.1994 p. 25602

Dessa forma, entendo que, fundamentalmente, deve-se apreciar a presente lide levando em conta a dificuldade do contribuinte, no caso concreto, em identificar a competência fiscal para o recolhimento do tributo questionado, face o confronto entre o evidente silêncio temporal praticado pela edilidade embargada e a legislação vigente há época, com o fim de se aplicar preceito legal, porém de forma justa.

Com essas considerações, dado o presente busílis jurídico apresentado, tenho por constituída a legalidade do recolhimento do ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza) praticado pela embargante quando da ocorrência do fato gerador indicado, face à competência tributária instituída na alínea “a” do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, vigente há época, porquanto recepcionado pela nova Carta Política como lei complementar, a dispor sobre conflito de competência em casos tais.

Com ser assim, voto no sentido de negar provimento ao presente reexame necessário, para que seja mantida a sentença monocrática de provimento aos presentes Embargos à Execução.

Recife, _______ de ___________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Duplo Grau Obrigatório nº 87.467-7 – Comarca do Cabo de Santo Agostinho.
Recorrido : Juízo da Vara Privativa da Fazenda Pública da Comarca de Santo Agostinho.
Recorridos : Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Ltda.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

EMENTA: Direito Tributário e Constitucional. Embargos à Execução Fiscal. Cobrança de ISS(Imposto sobre serviços de qualquer natureza). Aplicação do artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68. Procedência. Reexame necessário. Cobrança fiscal retroativa. Inadvertência. Ferimento ao aos princípios da legalidade e da não-surpresa. Recolhimento fiscal realizado dentro dos precedentes legais vigentes há época do fato gerador. Divergência jurisprudencial evidenciada. Formação de critério injusto na aplicação do preceito legal. Sentença mantida em reexame necessário. Decisão unânime.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Duplo Grau Obrigatório de Jurisdição nº 87.467-7, da Comarca do Cabo de Santo Agostinho, em que figuram como Recorrente, o Juízo, e como Recorridos, o Município do Cabo de Santo Agostinho, e Locar Saneamento Ambiental Limitada.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, em sede de remessa necessária, manter a decisão em reexame, nos termos dos votos em anexo, os quais ficam fazendo parte integrante deste.

Recife,_________de _____________________________de 2007.

Presidente

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Nenhum comentário

Deixe seu comentário. Seu e-mail não será revelado.