Coordenador da Infância e Juventude avalia avanços e desafios dos 10 anos da CIJ-TJPE
Ao completar dez anos este mês, a Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) tem uma série de motivos para comemorar. Criado por meio da Resolução nº 189, de abril de 2006, o serviço é uma referência no País. Com 12 projetos relacionados ao direito da criança e do adolescente no Judiciário, a Coordenadoria também possui uma das melhores estruturas da Justiça brasileira, com sete setores e 28 profissionais.
Sob a gestão do desembargador Luiz Carlos Figueiredo, a CIJ tem como principal objetivo melhorar a prestação jurisdicional na área da Infância e Juventude, priorizando o aprimoramento dos serviços, a padronização dos procedimentos e a sistematização do conhecimento sobre a criança e o adolescente. O trabalho é realizado por equipes multidisciplinares formadas por juízes e servidores especializados em psicologia, serviço social, pedagogia e informática. Atualmente, 15 das 18 circunscrições judiciárias de Pernambuco contam com a atuação destes profissionais.
Entre os projetos executados pela Coordenadoria, destacam-se os relacionados ao direito à convivência familiar e comunitária, ao treinamento de magistrados e servidores em matérias referentes à área da Infância e Juventude, às ações voltadas para os adolescentes em conflito com a lei e às medidas que garantem uma maior eficácia na oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violência. Conheça os principais projetos.
As iniciativas desenvolvidas renderam prêmios e reconhecimento no País, como o Selo Ouro da Infância e Juventude, concedido à CIJ pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2014. A premiação é outorgada a tribunais com boas práticas na priorização e defesa da criança e do adolescente. Naquele mesmo ano, a Coordenadoria ganhou destaque num relatório nacional, desenvolvido pelo Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil, por ter o maior número de iniciativas para esse campo dentre as cortes de Justiça brasileira.
Para falar a respeito do desenvolvimento da Coordenadoria ao longo dos dez anos de atuação, entrevistamos o desembargador Luiz Carlos Figueiredo. O magistrado aborda as principais ações da CIJ e a expectativa para a execução de mais projetos, como a implantação da Justiça Restaurativa e a expansão da atuação da Coordenadoria.
Pernambuco foi um dos primeiros estados brasileiros a criar uma Coordenadoria da Infância e Juventude no Judiciário. A que o senhor atribui esse pioneirismo?
O Ministério Público do Brasil inteiro foi mais rápido em perceber a necessidade da instalação de órgãos coordenadores da Infância e Juventude do que o Judiciário. Então já havia em todos os estados brasileiros coordenadorias da Infância e Juventude nos Ministérios Públicos. No âmbito do Judiciário já havia no Paraná, no Rio de Janeiro, e na Paraíba e nós sabíamos que era algo muito importante de ser criado. Chegamos a pensar na criação de uma corregedoria especial, mas a ideia não pôde avançar adiante. Preparamos uma minuta e já na administração do desembargador Fausto Freitas (2006/2007) foi possível a implantação. E esse pioneirismo – fomos o quarto no País – foi em função da convicção de que os resultados não poderiam ser bons para o Judiciário se houvesse trabalhos isolados. Era preciso expandir no país essa percepção da importância da criação de mais coordenadorias na área.
Qual a importância para o Judiciário de ter uma coordenadoria voltada para a Infância e Juventude?
A importância é exatamente neste aspecto, de se ter uma atuação coordenada com as mesmas prioridades para o Estado inteiro, evidente que respeitadas as peculiaridades locais. Não adianta que aqui e acolá exista uma comarca em que os trabalhos sejam de muito boa qualidade se isso não puder pelo menos ir paulatinamente avançando para todas as comarcas do Estado.
A Coordenadoria da Infância e Juventude de Pernambuco tem uma das equipes mais completas e diversificadas do País. Qual a relevância do trabalho de uma equipe multidisciplinar tão completa?
Por termos uma equipe multidisciplinar completa somos muito demandados tanto nas atividades jurídicas quanto no setor de capacitação de pessoal. Precisamos, então, manter o nível de qualidade do nosso trabalho. Temos pessoas realmente capacitadas, dotadas de preparo teórico e prático nas diversas áreas de ação, de atuação direta do Judiciário. Essa pluralidade profissional é essencial. Dispor de uma equipe formada por pedagogos, assistentes sociais, psicólogos, e técnicos de Informática é importante para conseguirmos apoiar com eficácia as comarcas nas suas diversas demandas.
Quais os principais desafios enfrentados pela Coordenadoria ao longo dos anos?
Infelizmente há uma conceituação da Justiça para menores, em geral, como algo com menos importância, quando na realidade temos as mesmas demandas, as mesmas complexidades processuais, com ações cíveis públicas, com dolorosas ações de perda do poder familiar, por exemplo, e com os processos infracionais, que se aproximam do que acontece com os processos criminais de adultos. É exatamente por isso que nós precisamos ter uma equipe diversificada, é exatamente por isso que precisamos levar aos gestores do Poder Judiciário essa preocupação da natureza preventiva do trabalho das varas da infância e juventude, para diminuir a futura clientela das varas de família e das varas criminais. E isso significa uma atuação intensa e incessante.
Em 2014, a Coordenadoria da Infância e Juventude de Pernambuco se destacou em um relatório nacional, desenvolvido pelo Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil, por ter o maior número de iniciativas nesse campo entre as cortes de Justiça do País. A que o senhor atribui essa multiplicidade de ações?
A multiplicidade de iniciativas vem de uma convicção do que é planejamento estratégico. A cada dois anos nós nos preparamos para avaliar o que podemos fazer no exercício seguinte, para ver exatamente quais são as carências, onde precisam ser promovidos cursos, que obras físicas precisam de reforço, de equipe de pessoal. Enfim, analisamos o que precisa ter uma intervenção mais intensa. Isso tudo, evidentemente, em sintonia com gestão do Tribunal de Justiça, com a disponibilidade financeira que o órgão possui. Já nos próximos dias teremos reuniões com o Conselho Municipal do Recife, e com o Conselho Estadual, para tentar ver se viabilizamos financeiramente a implementação do nosso trabalho. Buscaremos recursos do fundo estadual e municipal porque há uma carência de verbas no Judiciário e nós não podemos deixar de prestar esse serviço tão relevante para a população.
Qual seria a prioridade para essa verba?
Pretendemos aperfeiçoar e expandir iniciativas como o Programa do Depoimento Acolhedor, voltado para as crianças vítimas de abuso sexual, nas cidades de médio porte. Planejamos ampliar também os serviços de atendimento e preparação de adotantes em mais comarcas do Estado, investir mais no trabalho junto a adolescentes infratores, e desenvolver mais metas para a prestação de serviços à comunidade. Então essas prioridades estão nítidas, e evidentemente que também saberemos ajustar politicamente com os conselhos estaduais e os conselhos municipais as demais prioridades. Nós queremos é concorrer com igualdade de condições com outros agentes públicos, mostrar que os nossos projetos podem disputar esse espaço de prestação de serviços à população, e provar que são realmente transformadores da realidade para melhorar as condições de atendimento das crianças e adolescentes.
Como o senhor encara o reconhecimento nacional da Coordenadoria da Infância e Juventude de Pernambuco?
É evidente que quem trabalha fica feliz e orgulhoso que sua dedicação e sua competência sejam reconhecidas. E toda a equipe da Coordenadoria da Infância está muito feliz, orgulhosa mesmo deste reconhecimento. Hoje somos demandados em outros estados para fazermos treinamentos relacionados aos nossos projetos. Somos consultados na área jurídica também. Ser padrão de referência é muito gratificante. Isso tudo é motivo de muito orgulho e ao mesmo tempo é um desafio para fazer mais e melhor nas iniciativas futuras.
O senhor imaginou, na época da implantação da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPE, que o setor conquistasse este desenvolvimento e esta projeção nacional?
Sem nenhuma falsa modéstia minha reposta é positiva. Sabia a equipe que tinha, era consciente da capacidade e potencial do grupo e percebia que era possível conquistar, a partir de um planejamento adequado, ótimos resultados. Então mesmo não sendo um dos estados mais ricos, não estando no “Sul maravilha”, nós sabíamos que poderíamos nos transformar em uma referência a partir do padrão de qualidade dos trabalhos dessa mesma equipe. Eu tinha certeza que isso ia acontecer. Talvez tenha sido mais rápido do que pensávamos. Hoje me sinto realizado porque estou fazendo um trabalho que para mim é quase um lazer. Eu poderia perfeitamente só presidir a 3ª Câmara de Direito Público, ser integrante da Corte Especial, mas sei que posso ser socialmente útil de outras formas e sei que com esta equipe é perfeitamente possível se fazer grandes transformações. Isso me motiva a continuar e a tentar fazer mais.
Que iniciativas da coordenadoria o senhor destacaria hoje?
Várias das ações iniciais criadas na coordenação como um projeto foram paulatinamente se transformando em programas e em serviços permanentes prestados pelo Poder Judiciário à população de Pernambuco, e essa tem sido sempre a ideia. Muitas destas iniciativas não têm similares no resto do País e isso tem sido a nossa tônica. Posso destacar dentre programas pioneiros o Sei quem Sou, o Depoimento Acolhedor, e o Projeto de Prevenção à Instituição Prolongada. Atualmente buscamos aprimorar os projetos desenvolvidos, tentando dinamizar em duas grandes frentes: a primeira, de fortalecimento de ações que são executadas pelas varas, que não dependem de intervenção direta da Coordenadoria da Infância, mas simplesmente de um apoio logístico, de um reforço para assegurar um bom serviço; a outra frente diz respeito à chamada Justiça Restaurativa. O Conselho Nacional de Justiça determinou o cumprimento da Meta 8 em todos os tribunais do País, no exercício de 2016. Foi determinado que cada Tribunal Estadual tenha pelo menos uma área atuando no segmento da Justiça Restaurativa, mas não apenas promovendo cursos, treinamentos e debates. Então à Infância e Juventude foi incumbida esta tarefa pelo presidente do TJPE, desembargador Leopoldo Raposo. Vamos desempenhar esta missão da melhor maneira possível, de uma forma que ela possa servir de padrão, e ser expandida para outras áreas. Estamos hoje com espaço físico, com a determinação de prioridade do mobiliário, contamos com uma funcionária totalmente designada para trabalhar no setor e também com voluntários, que atuam em outras varas da Infância e Juventude, que estão na própria coordenação ou em varas infracionais para dar este apoio.
A Justiça Restaurativa funciona de que forma na prática?
A Justiça Restaurativa procura equilibrar o atendimento às necessidades das vítimas e da comunidade com a necessidade de reintegração do agressor à sociedade. Procura dar assistência à recuperação da vítima e permitir que todas as partes participem do processo de justiça de maneira produtiva. Um processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima, o ofensor e/ou qualquer indivíduo ou comunidade afetada por um crime participem junto e ativamente da resolução das questões advindas do crime, sendo frequentemente auxiliados por um terceiro, investido de credibilidade e imparcialidade. A prática tem iniciativas cada vez mais diversificadas e já coleciona resultados positivos no País. No primeiro momento, no TJPE a ação será direcionada a aperfeiçoar o Projeto Escola Legal, da Vara Regional da Infância e Juventude da 1ª Circunscrição. Buscaremos uma intervenção direta em relação aos adolescentes autores de atos infracionais, trazendo a prática restaurativa. O que buscamos é acabar com essa desarmonia da retroalimentação da violência. Depois, buscaremos atuar junto ao Juizado do Torcedor porque boa parte dos que criam problemas nos estádios e entorno são adolescentes. Então nós queremos fazer um trabalho junto com os clubes e com a Federação Pernambucana de Futebol não só por meio de palestras pontuais, mas ocupando o tempo em que os adolescentes ficam proibidos pela Justiça de participar de jogo do time dele. Incluir alguém num círculo restaurativo não implica que necessariamente ele tenha uma pena reduzida ou o perdão. Na verdade, eles participam de um processo de reconstrução, para que não voltem mais a praticar esse tipo de conduta. Se daí resultar uma redução de pena, melhor, mas isso não é a grande preocupação da Justiça Restaurativa. A grande preocupação é muito mais preventiva, para que o fato não se repita e aí a gente possa realmente resgatar a cidadania.
Quais os principais entraves que tem pela frente no desenvolvimento do seu trabalho na Coordenadoria?
Nós sabemos que o país passa por uma crise nacional, e isso tem se replicado na baixa de arrecadação de impostos e no pouco repasse de recursos aos Tribunais de Justiça. Os recursos obtidos de custas, de taxas e emolumentos diretos também diminuíram, mas a procura por assistência judiciária continua a mesma. Portanto, nós temos que aprender a conviver com essa realidade, porque se a situação financeira não era boa a tendência é de que fique pior ainda. Isso não quer dizer que vamos esmorecer. Ao contrário, vamos procura fazer mais e melhor.