Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Desembargador do TJPE
Publicado em: 09/04/2025
O Brasil precisa, com urgência, reencontrar-se com a honestidade, os valores morais e o respeito. Não é mais aceitável naturalizar atitudes desonestas, truculentas e desrespeitosas. É hora de dar um basta à permissividade que contamina desde as estruturas mais altas do poder até eventos que, à primeira vista, parecem banais — como uma partida de futebol.
O domínio exercido historicamente por São Paulo e Rio de Janeiro sobre o restante do país — especialmente sobre o Nordeste — estende-se por diversas áreas: política, economia, mídia e esportes. Esse predomínio não foi construído apenas por mérito, mas frequentemente à base de abusos, prepotência, chantagens, fraudes e conivência com figuras corruptas, bajuladoras e despreparadas.
Um exemplo recente dessa estrutura viciada e desigual foi a polêmica partida entre Sport e Palmeiras, válida pelo Campeonato Brasileiro de 2025. O que deveria ser apenas um jogo de futebol se transformou em um triste retrato da secular espoliação que ainda marca nosso país. A atuação do árbitro — parcial, escancaradamente tendenciosa — e o silêncio em torno do funcionamento do VAR levantam suspeitas legítimas. O que houve, de fato, com o árbitro de vídeo? Estava mesmo presente? Por que os diálogos entre ele e o árbitro de campo não foram divulgados até agora? Por que não houve a repetição clara do lance polêmico com marcações visuais?
Essas omissões abrem espaço para especulações graves: houve erro? Houve má-fé? Houve manipulação? E, sobretudo, quem se beneficiou? Agora a CBF acena com uma “punição” temporária para reciclagem. É risível, para dizer pouco. A tecnologia cara visa a evitar que erros deliberados ou não possam ser corrigidos. Como, então, o indivíduo que potencialmente é o causador do erro pode ter o poder de veto para que a tecnologia não seja usada? Em outros esportes, é permitido que a agremiação prejudicada exija o uso do VAR.
Estamos vivendo uma nova era no futebol brasileiro, marcada pelo patrocínio massivo de casas de apostas. Essas empresas estão em todos os lugares: nos uniformes dos clubes, nos intervalos das transmissões televisivas e até nos QR Codes que convidam, de forma agressiva, o torcedor a apostar em tempo real. Isso amplia ainda mais a necessidade de transparência e fiscalização. Afinal, em um ambiente com tanto dinheiro envolvido, qualquer desvio ético pode ter consequências profundas — e desastrosas para o esporte.
A indignação de muitos torcedores do Nordeste é legítima. A sensação de que os clubes da região são sistematicamente prejudicados cresce a cada rodada. Pior: há quem ainda insista em “passar pano”, seja por ignorância, seja por má-fé, ignorando a gravidade do cenário que se desenha diante de todos.
Diante disso, é preciso aplaudir figuras como Marcos, ídolo do Palmeiras e da seleção brasileira. Ao se posicionar com altivez e coragem, ele deu um passo importante contra essa cultura de impunidade. Marcos demonstrou, mais uma vez, que é gigante — não apenas sob as traves, mas também fora de campo. Sua atitude digna deve servir de exemplo a todos que prezam pelo esporte limpo e pelo Brasil justo.
Que esse episódio sirva de alerta. Não podemos permitir que o país continue à mercê de estruturas que favorecem apenas os mesmos de sempre. O Brasil precisa voltar a ser dos cidadãos e cidadãs de bem, que não se calarão diante das injustiças — nos campos de futebol ou fora deles.