3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante: B. L. de F. B.
Apelados: Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
RELATÓRIO
Cuida-se de Apelação Cível em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dr. Haroldo Carneiro Leão Sobrinho, nos autos da Ação Anulatória c/c Obrigação de Fazer e Indenização por Danos Morais nº 0000117-27.2018.8.17.2001, promovida por B. L. de F. B., em desfavor do Estado de Pernambuco e do Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – IBFC, na qual julgou improcedente o pedido de nova correção da prova discursiva lançado na atrial.
Para uma melhor visualização da lide, peço vênia para transcrever relatório sentencial:
_________________, brasileira, solteira, estudante de Direito, inscrita no RG sob o nº __________ SDS/PE e no CPF sob o nº ____________, com residência situada na ______________, vem, por seu advogado, propor processo de conhecimento em face de ESTADO DE PERNAMBUCO, pessoa jurídica de direito público interno, cujo órgão de representação judicial está situado na Rua do Sol, 143, Santo Antônio, Recife/PE, e do INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO (IBFC), com endereço situado na Rua Waldomiro Gabriel de Mello, 86 – Chácara Agrindus, CEP 06763-020 – Taboão da Serra – SP;, pugnando a procedência do(s) pedido(s)
1. Diante de situação que legitima a intervenção do Poder Judiciário, e considerando o disposto no subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15), que seja nomeado Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras para que, em atenção aos direitos da candidata, proceda à nova correção de sua prova discursiva (redação), cujo resultado deverá ser considerado como oficial pelo TJPE e Comissão Organizadora do Concurso (inscrição nº 0712262-4, cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional), procedendo-se à eventual reclassificação da candidata; 2. Na eventualidade de Vossa Excelência entender que não é possível acolher o pedido anterior, que os Demandados sejam obrigados a realizar nova correção da prova discursiva da Srta. _____________ (inscrição nº ________, cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional), indicando e comprovando o currículo do Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras que efetuará a correção. Que a candidata seja reclassificada conforme a nova pontuação por ela obtida; 3. Condenação dos réus no pagamento das custas processuais/periciais e honorários advocatícios sucumbenciais no importe de 20% do valor da causa. O pedido liminar não foi apreciado. RESPOSTA DO RÉU O ESTADO DE PERNAMBUCO ofertou Contestação, aduzindo ausência de citação dos litisconsortes necessários e a impossibilidade de revisão judicial do critério de avaliação adotado no concurso público. O IBFC suscitou a ilegitimidade passiva sob o argumento de que seria órgão com função meramente executiva. A parte Autora apresentou Réplica. O Ministério Público foi intimado a se manifestar, opinando pela extinção do processo. É o Relato. Decido. |
Sentença prolatada (ID nº 6142830), a qual julgou improcedente o pleito autoral, condenando-a em custas e honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa.
Irresignada, a demandante apela (ID. 6142832).
Nas suas razões, repete toda a tese atrial, em especial, a questão de que houve negativa de vigência ao art. 1º e interpretação/aplicação equivocada do parágrafo único do art. 4º, ambos da lei nº 10.436/02.
Contrarrazões pelo IBFC (ID. 6142836) e pelo Estado de Pernambuco (ID. 6368783). Em cada contraminuta, as partes pugnam, por óbvio, pelo não provimento do recurso da parte adversa.
O Estado de Pernambuco acresce, nas suas contrarrazões, a preliminar de ausência de citação dos litisconsortes necessários.
Manifestação ministerial, nesta Instância (ID. 6943189), a Procuradora de Justiça se despontou pelo não provimento do apelo.
É o relatório. À pauta.
Recife, de de 2019.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
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3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO – preliminar – necessidade de formação de litisconsórcio 08
Em juízo de admissibilidade tenho que o apelo foi tempestivamente interposto. Recebo em duplo efeito.
Ultrapassado o juízo de admissibilidade, passo ao voto.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais aprovados no concurso público, uma vez que possuem mera expectativa de direito. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
- Hipótese em que o Tribunal local consignou (fl. 632, e-STJ): “Como se observa, o CESPE/UnB é mero executor do certame, contratado, neste caso, pelo Estado do Piauí para elaboração e execução do processo seletivo, não possuindo, assim, razão para se acatar as preliminares arguidas pelo Estado”.
- A jurisprudência do STJ é no sentido de que, tendo a banca sido contratada pelo Poder Público do Estado, para atuar como mera executora, atuando por delegação, compete ao juízo comum estadual dirimir controvérsias acerca do referido certame.
- O Superior Tribunal de Justiça entende que, em se tratando de concurso público, não há a formação de litisconsórcio passivo necessário, visto que os candidatos detêm apenas expectativa de direito à nomeação.
- O STJ possui entendimento de que, para aferir a existência de direito líquido e certo à concessão da segurança ou a necessidade de dilação probatória, seria preciso exceder os fundamentos colacionados no acórdão recorrido, com a incursão no conteúdo fático-probatório dos autos, o que implica reexame de provas, inviável em Recurso Especial, consoante a Súmula 7/STJ.
- Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1747897/PI, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 11/03/2019)
No caso em apreço, também se faz desnecessário quando a decisão não tem o condão de garantir a aprovação final do candidato no concurso e há mera expectativa de direito ao preenchimento da vaga pretendida.
Assim, voto pela rejeição da presente preliminar.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
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3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO – mérito 08
A questão sob análise estaciona no pedido de (nova) correção da prova subjetiva (redação) da apelante, desta vez, por “Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras”.
Para tanto, alega que seu direito repousa no “subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15)”.
Pois bem.
Antes de transcrever as normas do concurso público em referência (Edital) e os preceitos legais apontados pela apelante, necessário que se diga que a apelante, ________________, participou do concurso público do TJPE, inscrição nº ________, para o cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional, como pessoa com deficiência. Na sua prova subjetiva (redação), obteve a nota de 27,4 enquanto que o Edital previa, como nota mínima, 30 pontos.
Edital
6.11. Ressalvadas as disposições especiais contidas neste Edital, os candidatos portadores de deficiência participarão do concurso em igualdade de condições com os demais candidatos, no que tange ao horário, ao conteúdo, à correção das provas, aos critérios de avaliação e aprovação, à pontuação mínima exigida e a todas as demais normas de regência do concurso. |
Recomendação nº 001, de 15 de Julho de 2010. Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
4. Quanto aos critérios de avaliação
4.1. O edital deverá explicitar os mecanismos e critérios de avaliação das provas discursivas e/ou de redação dos candidatos surdos ou com deficiência auditiva, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística da LIBRAS. 4.2. Deve-se considerar que a pessoa surda educada na língua de sinais, necessariamente sofrerá influências desta na sua produção escrita, tornando necessário o estabelecimento de critérios diferenciados de correção de provas discursivas e de redações, a fim de proporcionar tratamento isonômico aos candidatos surdos. Nesse sentido, deverão ser instituídos critérios que valorizem o aspecto semântico (CONTEÚDO) e sintático em detrimento do aspecto estrutural (FORMA) da linguagem, fazendo-se a distinção entre “conhecimento” e “desempenho lingüístico”. 4.3. Deverão ser previstos, na aplicação de prova discursiva e/ou de redação, mecanismos que indiquem ser o candidato com deficiência auditiva, sem que seja ele identificado nominalmente. 4.4. As provas de redação e/ou discursivas, aplicadas a pessoas surdas ou com deficiência auditiva, deverão ser avaliadas somente por Professores de Língua Portuguesa para Surdos ou professores de Língua Portuguesa acompanhados de um intérprete de Libras. |
Lei nº 13.146/15 – Lei Brasileira de Inclusão – LBI.
Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
[…]; III – tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1o Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. […] |
Fazendo uma circunspeção acerca do tema, pode-se verificar que merece guarida o pedido da apelante em ter a sua prova revista, desta vez por professor habilitado às suas necessidades, quais sejam, de pessoas surdas alfabetizadas em libras que necessitam que sua prova discursiva atendam as especificidades da língua.
Para tanto é importante que se faça os seguintes apontamentos.
É de saber comezinho que a intervenção do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, somente tem lugar na hipótese de flagrante ilegalidade na elaboração ou correção de provas, por parte da banca examinadora, sem o respeito às normas veiculadas no edital. No caso em concreto, a apelante requer que sua prova seja corrigida por meio não disponibilizado em edital, ou seja, que sua prova seja corrigida por professor habilitado em libras, hipótese não contemplada no edital.
Portanto, não se trata de alteração de gabarito, ou pior, correção da prova pelo judiciário. Não é isso. O caso apresentado concentra-se na necessidade (ou não) de correção da prova discursiva por profissional habilitado em libras considerando, por certo, as especificidades linguísticas da Libra.
Assim, tenho que as teses impugnadoras dos réus concentraram-se no fato de que a candidata deveria ter solicitado a condição especial para a aplicação do teste. Como dito, não há o que falar em aplicação, mas sim em correção.
Sobre tal ponto, se os réus tivessem provado que o exame discursivo aplicado à apelante fora, de fato, corrigido por profissional habilitado em libras, não haveria mais discussão aqui e a nota seria mantida.
Porém, é patente a distinção entre a causa de pedir/pedido da candidata/apelante e a defesa técnica apresentada os réus/apelados, vejamos:
Todavia, a candidata em comento, não apontou nenhum registro na Ata de Aplicação de Prova, sobre qualquer descumprimento de solicitações ou situações anormais durante a realização das provas na sua sala.
As condições para que a candidata realizasse a prova foram todas providas e, a mesma conseguiu transcrevê-la normalmente. (IBFC – ID 6142807). |
… houve total atendimento às solicitações da Autora no tocante à assistência técnica necessária à deficiência da mesma para realização da prova discursiva. Portanto, foram devidamente fornecidas à Autora as condições asseguradoras de isonomia material entre a mesma e os demais candidatos considerada a sua deficiência, verificando-se a lisura e regularidade em todo o procedimento de aplicação e correção da prova. (Estado de Pernambuco – ID 6142815). |
Por outro lado, tenho que resta frágil a alegação do Estado de Pernambuco ao afirmar que “verifica-se dos próprios documentos acostados à inicial, notadamente da cópia da prova de redação da Autora (anexa á inicial) que a mesma, quanto à forma, apresenta-se absolutamente escorreita, sendo patente que a mesma apresenta alfabetização na língua portuguesa, não apresentando qualquer dificuldade de escrita decorrente de sua deficiência auditiva”.
Ora, ao tempo que defende que o judiciário não pode interferir na correção das provas, passa a defender, como próprio avaliador fosse, que a prova da candidata não teve qualquer relação de prejudicialidade, quanto a correção, com a deficiência apresentada. E acrescenta: “apresenta alfabetização na língua portuguesa”. Parece contraditório, e é.
Nesta toada, agiu em erro in judicando o magistrado sentenciante ao acolher a tese de que a deficiência apresentada pela candidata em nada prejudica na execução da prova discursiva. Neste ponto, transcrevo trecho da fundamentação da sentença:
A prova de redação foi apresentada à candidata na forma escrita, com orientação suficiente à compreensão do tema, sendo o critério de avaliação do edital circunscrito ao exame de texto escrito produzido pelo candidato.
Não me parece razoável, para o caso específico, exigir a presença de avaliador na banca examinadora versado em linguagem de sinais (natureza visual-motora). A candidata pode se expressar na forma escrita de forma clara, como se exemplifica o documento id. 26890380 (recurso administrativo), id. 26890509 (requerimento administrativo) e as diversas correspondências eletrônicas acostadas aos autos produzidas pela candidata. |
Assim, ao tempo que defendem – réus e juiz sentenciante, de que não cabe ao judiciário reavaliar questões de concurso, passam a “corrigir” a redação da candidata atestando que não houve prejuízo na correção. Passaram a ser, de fato, avaliadores.
É temerário apontar que a candidata se expressa “com orientação suficiente à compreensão do tema” em razão de ter redigido recurso administrativo, requerimento administrativo e emails como sendo suficiente, em grau de avaliação técnica em um concurso público. Parâmetros totalmente distintos.
Como se não bastasse, a libras é considerada língua oficial1 e, não língua substitutiva. Assim, provas escritas na língua portuguesa, devem obedecer a orientação gramatical-linguística das Libras.
Resta saber se a ausência dessa hipótese de correção acarreta em flagrante ilegalidade capaz de autorizar a revisão da prova e, caso positivo, se acarreta em violação ao princípio da vinculação do edital do certame.
POIS BEM.
A pessoa com surdez tem uma dificuldade natural por não conseguir interpretar a linguagem falada e empreende um esforço ainda maior para memorizar os signos e as regras gramaticais, já que correlaciona as ideias de maneira diferenciada por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).
Neste ponto, ao contrário dos réus – que não trouxeram qualquer prova, a apelante anexou três pareceres dos professores Silas Nascimento dos Santos (ID 6142787) – Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Educação Especial pela Faculdade Frassinete do Recife, por Priscylla Alexandra dos Santos Freitas Souza (ID. 6142794) – Licenciada em Letras/Português pela Faculdade de Formação de Professores de Belo Jardim FABEJA e Especialista em Língua Brasileiras de Sinais – Libras pelo Centro Universitário Sociesc e, pela Professora, Raquel de Fátima Feitosa (ID 6142797) – Licenciada em Letras Português/Inglês – FABEJA, Especialista em Língua Portuguesa AEB e Licenciada em Letras/Libras pela Universidade Federal da Paraíba.
Todos eles apontaram que “a limitação auditiva impõe dificuldade no processo de aquisição dessa modalidade” (escrita) assim, corroboram a necessidade de correção de provas por pessoas (professores) aptas a alcançaram essa necessidade.
Trata-se, portanto, de equidade em concurso público. Não podemos falar em igualdade, pois estaríamos dando às pessoas as mesmas oportunidades (no caso, o mesmo método de correção), quando na verdade, devemos adaptar as oportunidades deixando-as justas, caso a caso.
Não distante disso, é fato que o dever decorre de previsões na Constituição Federal, que garantem o direito à igualdade, cidadania e dignidade da pessoa humana e veda qualquer tipo de discriminação, além de assegurar medidas assistivas, adequadas a necessidade de cada caso em concreto.
Na busca pela igualdade material e promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, o Poder Legislativo Estadual, no uso de sua competência legislativa concorrente, segundo art. 24, XIV, da Constituição Federal, dedica-se à edição de normas que busquem a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Dentre esses objetivos está a necessidade de neutralizar ou minimizar as dificuldades de inserção enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
Em âmbito infraconstitucional, os direitos dos portadores de deficiência são assegurados pela Lei Federal nº 7.853/89, que visa sua integração social, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99; pelo Decreto nº 6.949/2009, que incorporou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento jurídico pátrio.
Já em nível estadual, vigora a Lei nº 16.358/18 que, embora não estava em vigor quando da execução do concurso (Edital de 2017), apresenta elementos que garantem o uso correlato dos princípios garantidores da equidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, em especial, daquelas pessoas com deficiência, vejamos:
Art. 1º As provas escritas realizadas por pessoas com deficiência auditiva, em vestibulares e processos seletivos de qualquer natureza, no âmbito do Estado de Pernambuco, para ingresso de estudantes em cursos de ensino técnico ou superior, deverão ser corrigidas por profissionais com habilitação em Libras.
- 1º Entende-se como Libras (Língua Brasileira de Sinais) a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil, nos termos da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
- 2º Para fazer jus à correção da prova escrita por profissional habilitado em Libras, o candidato com deficiência auditiva deve informar sua condição no ato da inscrição no vestibular ou processo seletivo, conforme o caso.
Assim, hoje, em virtude da vigência da referida Lei, não haveria espaço para debates. O direito estava garantido e pronto.
Assim, afastando a aplicação retroativa da lei, mas, utilizando os argumentos influenciadores desta, só me fazem acreditar na potencialidade do direito apresentado, principalmente, quando atinamos aos princípios constitucionais já citados.
Neste sentido, ainda nas razões do projeto de lei, o Deputado Ricardo Costa, fez constar na justificativa do seu projeto (lei nº 16.358/18) que:
O presente Projeto de Lei visa possibilitar que a redação e a prova de interpretação de texto, quando realizada por um surdo alfabetizado em LIBRAS em vestibulares, concursos, ou qualquer outro tipo de prova escrita, seja corrigida por um profissional capacitado e formado em LIBRAS, levando-se em conta as estruturas semânticas da LIBRAS. A redação quando escrita por um alfabetizado em Libras possui estrutura semântica diferente daquela escrita por um alfabetizado em português, como demonstra o exemplo:
a) O alfabetizado em português escreve: Eu sou alfabetizado em português. b) O alfabetizado em Libras escreve: Português alfabetizado eu sou. Portanto, devido a esta diferença semântica as provas de redação e de interpretação realizadas pelo deficiente auditivo não podem ser corrigidas de modo genérico levando em conta apenas a 1ª língua oficial, mas considerar a 2ª língua oficial isto é, a LIBRAS, e, portanto se faz necessário que sejam corrigidas por profissional formado em LIBRAS. |
Assim, tenho que deve ser levado em conta que as estruturas semânticas que são específicas das Libras. A redação quando escrita por um alfabetizado em Libras possui estrutura semântica diferente daquela escrita por um alfabetizado em português.
Tanto é que existe, à nível nacional, o projeto de lei nº 1231/2019 da senadora Mara Gabrilli que “Cria medidas de acessibilidade da pessoa com deficiência auditiva nos concursos públicos federais e no exercício do cargo ou emprego público. Disciplina a aplicação da Língua Brasileira de Sinais – Libras na disponibilização do edital e na realização das provas”.
Atualmente, o PL encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), segue justificativa da aprovação do projeto na referida comissão:
De fato, a Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão, tornando imperativa a garantia de atendimento e tratamento adequado às pessoas com deficiência auditiva.
Regulamentando a referida Lei, eis o que prevê o Decreto nº 5.626, de dezembro de 2005, exemplificativamente, acerca dos mecanismos de avaliação da produção escrita dos deficientes auditivos: Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior. § 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem: VI – adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa; Destaque-se, ainda, que as proposições estão plena e materialmente compatíveis com o corpo constitucional, notadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e com os princípios estabelecidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mais conhecida por Convenção de Nova Iorque, tratado internacional com força constitucional, vez que aprovado segundo o rito previsto no art. 5º, §2º, CF/88. |
Desta feita, somando aos argumentos da Lei Estadual e do PL citados, tenho ainda que o Decreto Federal nº 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, em seus artigos nº 37 a 43, já dispõe sobre o direto à igualdade plena nas condições de acesso ao cargo público, especificamente em matéria de concurso público.
Tanto é que, a título exemplificativo/argumentativo, trago que no ano de 2014, o Ministério Público Federal entrou com ação civil pública (nº 0801980-11.2014.4.05.8300) em face do INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO TEIXEIRA – INEP para que este, adotasse critérios diferenciados utilizados na correção das redações dos candidatos com deficiência auditiva/surdos – correção de provas subjetivas por professores habilitados em libras – no ENEN 2014.
As exigências foram as seguintes (em repetição à Recomendação nº 01/2010 do CONADE):
c.4 Quanto aos critérios de avaliação
4.1 O edital do ENEM deverá explicitar os mecanismos e critérios de avaliação das provas discursivas e/ou de redação dos candidatos surdos ou com deficiência auditiva, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística da LIBRAS.
4.2 Deve-se considerar que a pessoa surda educada na língua de sinais, necessariamente sofrerá influências desta na sua produção escrita, tornando necessário o estabelecimento de critérios diferenciados de correção de provas discursivas e de redações, a fim de proporcionar tratamento isonômico aos candidatos surdos. Nesse sentido, deverão ser instituídos critérios que valorizem o aspecto semântico (CONTEÚDO) e sintático em detrimento do aspecto estrutural (FORMA) da linguagem, fazendo-se a distinção entre ‘conhecimento’ e ‘desempenho linguístico’. 4.3 Deverão ser previstos, na aplicação de prova discursiva e/ou de redação, mecanismos que indiquem ser o canditato com deficiência auditiva, sem que seja ele identificado nominalmente. 4.4 As provas de redação e/ou discursivas, aplicadas a pessoas surdas ou com deficiência auditiva, deverão ser avaliadas somente por Professores de Língua Portuguesa para Surdos ou professores de Língua Portuguesa acompanhados de um intérprete de Libras. |
Hoje, apesar de não haver lei federal neste sentido – expresso de correção, o ENEN já corrige as provas subjetivas, de estudantes com deficiência auditiva, por professores habilitados em libras.
Assim, por tudo que fora exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo para garantir que a apelada tenha a prova corrigida por Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras. Com a inversão dos honorários.
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1 Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. (lei nº 10.436/02).
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
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3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
CONCURSO PÚBLICO. PROVA SUBJETIVA. REDAÇÃO. CANDIDATA DEFICIENTE. SURDEZ. CORREÇÃO DA PROVA CONFORME EDITAL. ALEGAÇÃO DE QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM DEMAIS CANDIDATOS. AFASTADA. MÉRITO. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO QUE GARANTA A ACESSIBILIDADE DE PESSOAS COM DEFICIENCIA AUDITIVA. RECONHECIMENTO DA LIBRAS COMO LÍNGUA OFICIAL. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DO TEXTO POR PROFISSIONAL HABILITADO EM LIBRAS. EQUIDADE EM CONCURSO PÚBLICO QUE SE IMPÕE PELA VIA CONSTITUCIONAL. APELO QUE SE DÁ PROVIMENTO.
- A questão sob análise estaciona no pedido de (nova) correção da prova subjetiva (redação) da apelante, desta vez, por “Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras”.
- Para tanto, alega que seu direito repousa no “subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15)”.
- Preliminar de formação de litisconsórcio necessário. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais aprovados no concurso público, uma vez que possuem mera expectativa de direito. Preliminar afastada.
- Mérito. A apelante, _______________, participou do concurso público do TJPE, inscrição nº ___________, para o cargo de Técnico Judiciário -TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional, como pessoa com deficiência. Na sua prova subjetiva (redação), obteve a nota de 27,4 enquanto que o Edital previa, como nota mínima, 30 pontos.
- É de saber comezinho que a intervenção do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, somente tem lugar na hipótese de flagrante ilegalidade na elaboração ou correção de provas, por parte da banca examinadora, sem o respeito às normas veiculadas no edital. No caso em concreto, a apelante requer que sua prova seja corrigida por meio não disponibilizado em edital, ou seja, que sua prova seja corrigida por professor habilitado em libras, hipótese não contemplada no edital.
- Portanto, não se trata de alteração de gabarito, ou pior, correção da prova pelo judiciário. Não é isso. O caso apresentado concentra-se na necessidade (ou não) de correção da prova discursiva por profissional habilitado em libras considerando, por certo, as especificidades linguísticas da Libra.
- Assim, tem-se que as teses impugnadoras dos réus concentraram-se no fato de que a candidata deveria ter solicitado a condição especial para a aplicação do teste. Como dito, não há o que falar em aplicação, mas sim em correção.
- Sobre tal ponto, se os réus tivessem provado que o exame discursivo aplicado à apelante fora, de fato, corrigido por profissional habilitado em libras, não haveria mais discussão aqui e a nota seria mantida.
- Resta frágil a alegação do Estado de Pernambuco ao afirmar que “verifica-se dos próprios documentos acostados à inicial, notadamente da cópia da prova de redação da Autora (anexa á inicial) que a mesma, quanto à forma, apresenta-se absolutamente escorreita, sendo patente que a mesma apresenta alfabetização na língua portuguesa, não apresentando qualquer dificuldade de escrita decorrente de sua deficiência auditiva”.
- Ora, ao tempo que defende que o judiciário não pode interferir na correção das provas, passa a defender, como próprio avaliador fosse, que a prova da candidata não teve qualquer relação de prejudicialidade, quanto a correção, com a deficiência apresentada. E acrescenta: “apresenta alfabetização na língua portuguesa”. Parece contraditório, e é.
- Nesta toada, agiu em erro in judicando o magistrado sentenciante ao acolher a tese de que a deficiência apresentada pela candidata em nada prejudica na execução da prova discursiva.
- Assim, ao tempo que defendem – réus e juiz sentenciante, de que não cabe ao judiciário reavaliar questões de concurso, passam a “corrigir” a redação da candidata atestando que não houve prejuízo na correção. Passaram a ser, de fato, avaliadores.
- É temerário apontar que a candidata se expressa “com orientação suficiente à compreensão do tema” em razão de ter redigido recurso administrativo, requerimento administrativo e emails como sendo suficiente, em grau de avaliação técnica em um concurso público. Parâmetros totalmente distintos.
- Como se não bastasse, a libras é considerada língua oficial2 e, não língua substitutiva. Assim, provas escritas na língua portuguesa, devem obedecer a orientação gramatical-linguística das Libras.
- A pessoa com surdez tem uma dificuldade natural por não conseguir interpretar a linguagem falada e empreende um esforço ainda maior para memorizar os signos e as regras gramaticais, já que correlaciona as ideias de maneira diferenciada por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).
- Neste ponto, ao contrário dos réus – que não trouxeram qualquer prova, a apelante anexou três pareceres dos professores Silas Nascimento dos Santos (ID 6142787) – Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Educação Especial pela Faculdade Frassinete do Recife, por Priscylla Alexandra dos Santos Freitas Souza (ID. 6142794) – Licenciada em Letras/Português pela Faculdade de Formação de Professores de Belo Jardim FABEJA e Especialista em Língua Brasileiras de Sinais – Libras pelo Centro Universitário Sociesc e, pela Professora, Raquel de Fátima Feitosa (ID 6142797) – Licenciada em Letras Português/Inglês – FABEJA, Especialista em Língua Portuguesa AEB e Licenciada em Letras/Libras pela Universidade Federal da Paraíba.
- Todos eles apontaram que “a limitação auditiva impõe dificuldade no processo de aquisição dessa modalidade” (escrita) assim, corroboram a necessidade de correção de provas por pessoas (professores) aptas a alcançaram essa necessidade.
- Trata-se, portanto, de equidade em concurso público. Não podemos falar em igualdade, pois estaríamos dando às pessoas as mesmas oportunidades (no caso, o mesmo método de correção), quando na verdade, devemos adaptar as oportunidades deixando-as justas, caso a caso.
- Na busca pela igualdade material e promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, o Poder Legislativo Estadual, no uso de sua competência legislativa concorrente, segundo art. 24, XIV, da Constituição Federal, dedica-se à edição de normas que busquem a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Dentre esses objetivos está a necessidade de neutralizar ou minimizar as dificuldades de inserção enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
- Em âmbito infraconstitucional, os direitos dos portadores de deficiência são assegurados pela Lei Federal nº 7.853/89, que visa sua integração social, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99; pelo Decreto nº 6.949/2009, que incorporou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento jurídico pátrio.
- Já à nível estadual, vigora a Lei nº 16.358/18 que, embora não estava em vigor quando da execução do concurso (Edital de 2017), apresenta elementos que garantem o uso correlato dos princípios garantidores da equidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, em especial, daquelas pessoas com deficiência.
- Provimento do apelo para garantir que a apelada tenha a prova corrigida por Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras. Com a inversão dos honorários. À unanimidade.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº0000117-27.2018.8.17.2001, da Capital, em que figura, como apelante, o Estado de Pernambuco e OUTRO,
Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, REJEITAR A PRELIMINAR apresentada e, DAR PROVIMENTO ao apelo, também à unanimidade de votos, tudo de conformidade com relatório e votos em anexo, que, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.
Recife, de de 2019.
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator