Sentença referente à averbação de Adoção promovida antes da vigência do ECA

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Embora o ECA já esteja em vigor há tantos anos, freqüentemente sou indagado sobre como proceder em relação às recusas dos oficiais do registro civil de realizarem averbações de adoções feitas por escritura pública (contratual, do antigo Código civil), ou Adoção simples do revogado Código de Menores.

Tenho orientado para que se promova a “suscitação de dúvidas” prevista na Lei dos Registros Públicos, assim como fornecido cópia de sentença de minha lavra, confirmada, abaixo transcrita, na que, por óbvio, foram omitidos os nomes e outras informações capazes de identificar as partes envolvidas, para subsidiar os argumentos a serem deduzidos no incidente.

Embora datada de outubro de 1991, seu conteúdo continua atual, pois agora as consultas já não são feitas pelos adotantes, mas pelos adotados ou parentes próximos, quase sempre envolvendo direitos sucessórios.

Processo n.º 706/91 – 2ª Zona Judiciária – registro civil de Santo Antonio.

Vistos, etc…

Fulano e Fulana de tal, devidamente qualificados, ingressaram neste juízo com pedido de averbação de Escritura Pública de Adoção “Lavrada anteriormente à vigência do Estatuto da Criança”, através da qual adotaram a criança Beltrana, que no ato da lavratura da escritura foi representado por sua genitora, correndo o pedido pelo cartório de registro civil nos termos da Lei n.º 6015/73.

Aberto vistas ao M.P, este se manifestou contrariamente ao pedido, face à norma da Lei 8069/90, art.47, onde se estabelece que a adoção de criança e adolescente se faz pela via judicial; que embora lavrada antes da vigência da Lei não se procedeu a averbação em prazo hábil, impossibilitando sua feitura agora para que o ato jurídico se concretize plenamente.

Relatei e decido:

Este é, sem dúvidas, um caso de aparente simplicidade, mas que encerra inúmeras nuances e peculiaridades a serem analisadas. Acredito que a existência de uma previsão específica nas “disposições finais e transitórias” da Lei 8069/90 estabelecendo um prazo limite para averbação de Escrituras Públicas feitas anteriormente à sua vigência poderia ter sido uma boa solução para o problema. Entretanto, ante a inexistência de tal norma, passemos a uma análise do caso sub judice, interpretando as situações concretas sob diversos ângulos de enfoque, a saber:

I – O Parecer do M.P. – A partir do momento em que se posiciona como “atos jurídicos vinculados” – A manifestação de vontade das partes consubstanciada na escritura e a sua posterior averbação no registro competente – O Parecer da Promotoria é perfeito. A alteração legal que agora impede a chamada “Adoção Contratual” de menores de 18 anos seria obstáculo intransponível, pois só a partir da vigência de nova norma estaria sendo praticado ato essencial e indispensável para a validade de Adoção por Escritura pública;

II- Os efeitos da averbação – A leitura dos artigos 100 § 1º, 101, caput e 102, 3º, da Lei 6.015/73 permite inferir, sem qualquer sombra de dúvidas, que a finalidade da averbação da escritura de adoção é que a partir de tal ocasião passa ela a produzir efeitos em relação terceiros. Ou, em outras palavras, em relação às partes outorgantes e outorgados da escritura os seus efeitos são imediatos.

De tal constatação decorre o óbvio questionamento sobre se é legítimo se exigir que as mesmas partes que já manifestaram suas vontades – que os efeitos da escritura incidem sobre eles pela simples lavratura e cujas vontades pode ser tida como irrevogável, a teor da nova Lei – se submetam a um processo judicial de adoção na Vara Privativa da Infância e da Juventude (art. 148, III, E.C.A), mormente quando se sabe do acúmulo de processos na mesma e na demora que fatalmente ocorrerá até a decisão final.

Embora reconheça que estou raciocinando pelo absurdo, chego até a imaginar hipótese de que, em um determinado Juizado onde os cadastros de pretendentes à adoção e crianças e adolescentes adotáveis estejam funcionando normalmente, apareça alguém a dizer que o adotante não se encontra cadastrado e ainda que o faça estará no final da lista de espera e, como tal, a criança seria entregue a outros candidatos;

III – Ato Jurídico Perfeito. A C.F. art. 5º, XXXVI, assegura que “a Lei não prejudicará o direito adquirido, o ATO JURÍDICO PERFEITO e a coisa julgada (grifei!).

Tal preceito já se encontrava contemplado no art. 6º da L.I.C.C, sendo que o parágrafo primeiro deste artigo esclarece “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a Lei vigente ao tempo em que se efetuou”.

Como dantes se buscou demonstrar, em relação às partes outorgante e outorgada, na Escritura de Adoção o ato jurídico encontra-se inteiramente consumado com a simples lavratura da escritura pública, donde o ordenamento jurídico preserva e protege;

IV – DA FINALIDADE DA LEI – Diz o art. 5 º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Na aplicação da Lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, dentro da doutrina de proteção integral, expandiu o alcance de tal norma através da redação emprestada ao seu art. 6º: “ Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”

Data máxima vênia, entendo que no caso concreto jamais tais conceitos podem ser obtidos com o indeferimento do pedido, fato que, ao contrário, viria totalmente de encontro aos interesses da criança;

V- DA SUPOSTA FACILIDADE DE BURLA – É possível se imaginar que existam pessoas que concordem com os argumentos até então expendidos, mas que, por excesso de zelo ou cautela, estejam a pensar que a sua prática poderá gerar um sem número de burlas à Lei, mediante a prática de se fazer Adoções por Escritura Pública de crianças e adolescentes após a vigência da Lei, mas destacando-se como se tivessem ocorrido antes de tal momento. Independentemente do fato de que tal postura nivela por baixo e coloca na vala comum dos malfeitores e transgressores da Lei pessoas sérias que trabalham na escrivanias e tabelionatos, além do que tal fato é tipificado como crime e punido rigorosamente no Código Penal, – falsidade ideológica em documento público -, penso que as próprias exigências contempladas na Lei dos Registros Públicos, de “ Per si”, impedem tal ocorrência. Os que já tiveram a mínima experiência cartorária sabem que os livros para escritura pública, mesmo nas mais remotas comarcas, recebem novos registros quase que diariamente; tais livros são abertos e encerrados pelo juiz diretor do fôro, não havendo como deixar “folhas em branco” para preenchimento posterior; já no Registro Civil o oficial terá que fazer a averbação no livro de nascimento e anotações do art. 100 da Lei 6.015/73; os livros são identificados por letra e número com uma quantidade exata de folhas – 300 fls., e todas as rotinas e penalidades estão previstas na Lei.

Vale dizer, os riscos são reduzidíssimos, bem inferiores, até, aos existentes em outros atos jurídicos para os quais não se observa tanta cautela.

É um fato que parcela da humanidade usa sua inteligência para o mal e que é impossível se dizer que nestes casos também não ocorra que alguns tentem fraudar. Para tais casos patológicos, resta apenas a eterna vigilância recomendada a todos os atos e sanções rigorosas da Lei Penal;

VI – DA VIA INADEQUADA – É provável, também, a existência de pessoas que concordam com tudo dantes afirmado, mas insistam que a via procedimental da Lei de Registros Públicos, com pedido sem assinatura de advogado e com tramitação ocorrendo no próprio cartório do Registro Civil, seja inaplicável. Como tal, caberia aos requerentes ajuizar ação pelo rito dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (art. 1103, CPC), e só após o parecer da Promotoria no processo regular o juiz prolataria a sentença com os fundamentos anteriores.

Indago: como justificar às partes os novos gastos com custas e advogados?; como se pregar na rua um discurso bonito a favor da adoção e, ao mesmo tempo, se endossar tanta burocracia?: como se convencer a quem quer que seja que embora em um ou outro caso o desiderato seja o mesmo, ainda assim precisaria de um novo “processo”?

Ora, segundo o art. 244 do CPC, “quando a Lei prescreve determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”.

Entendo que, se verificado todos os argumentos da finalidade do ato antes apontados, impõe-se o entendimento da possibilidade de deferimento nestes autos;

VII – DA OBRIGAÇÃ DE DECIDIR – O art. 4º da L.I.C.C. disciplina que “Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. De sua parte, o Código de Processo Civil, em seu artigo 126 estabelece que “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna e obscuridade de Lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Ainda o CPC, no art. 131, contempla que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo os fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegado pelas partes; mas deverá indicar, na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento”.

Quero crer, salvo melhor juízo, que, à falta de norma expressa sobre o caso “sub-judice”, e diante da constatação de que a interpretação meramente gramatical da disposição que obriga a Adoção ser feita pela via judicial surtiria efeito altamente pernicioso aos interesses da criança, o que foi feito “in casu” foi a conjuminação dos preceitos retrotranscritos, de moldes a que o “Estado – Juiz” viesse a decidir a questão da forma mais justa, sem ferir direito de terceiros ou qualquer norma vigente.

Ante tais fundamentos, com arrimo nos arts. 5º, XXXVI da C.F., 4º, 5º e 6º caput e parágrafo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil; 131, 244, 269, I, 1103 e seg. do CPC; art. 6 º da Lei 8069/90 C/C art. 102, 3º da Lei nº 6015/79, julgo procedente o pedido e, via de conseqüência, mando ao oficial do Registro Cível de Santo Antônio 2 ª Zona Judiciária desta Comarca, que à margem de Nascimento de BELTRANO, lavrada no livro xxx fls. nº xxx, sob o nº xxxx, Promova-se a averbação da Adoção no forma requerida.
Custas “Ex-lege”, já satisfeitas.
P.R.I.

Recife, 14 de outubro de 1991.

Juiz da 3ª Vara de Família
e Registro Civil.

a) Luiz Carlos de Barros Figueiredo.

Sentença em ação civil sobre propaganda enganosa e agressiva contra adolescentes em situação de rua

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Proc. nº

Vistos, etc….

O Órgão Ministerial Público, através de suas representantes com exercício neste Juízo da Infância e da Juventude, com fundamentos no art. 796, CPC, ingressou neste Juízo com Ação Cautelar inominada contra ………., pelas razões fáticas e jurídicas de fls.

Sinteticamente, alega-se que a partir dos primeiros dias de maio de 1994 em vários pontos da cidade passaram a ser exibidos “out-doors” com a finalidade da ….. ampliar suas vendas, nos quais se exibe a figura de uma gilete e o texto que transcreve; Que todos que lêem a propaganda lembram-se das crianças e adolescentes que estão nas ruas, tirando dai o seu próprio sustento e de familiares, seja pedindo esmolas, limpando pára-brisas ou vendendo frutas ou outros objetos quando os veículos param nos semáforos; que mesmo admitindo que alguns praticam assaltos com o uso de gilete, isto não quer dizer que todos cometem assaltos; que a partir da propaganda todos passaram a ser tratados com discriminação, sendo ela responsável por insuflar ainda mais o tratamento constrangedor e vexatória a que são submetidos os menores; que a propaganda é de mau gosto, oprime, aterroriza, constrange e denigre a imagem do menor; que “não é fechando nossos carros e refrigerando-os que estaremos livres da violência e da miséria que reina em volta de nós, à falta de políticas sociais básicas “; que o Ministério Público vem promovendo as Ações aos adolescentes infratores; que a absoluta prioridade; a dignidade e respeito estão assegurados na Constituição Federal e na Lei nº 8.069/90; que o público reprova aquela propaganda.

À inicial se juntou documentos de fls., com fotografias e texto de matéria veiculada no Jornal …..

Às fls, concedi a liminar pleiteia, pelas razões ali expendidas.

Às fls, o Ministério Público aditou a exordial para incluir no polo passivo da demanda a ……e do Jornal ……., por também veicular a mesma propaganda, sendo recebido o aditamento. Ás fls. consta folha do jornal …. comprovando a veiculação da propaganda na imprensa escrita.

Citação regular.

Às fls. a ……, por seu diretor, informa de imediato providenciou a cobertura dos “out-doors” da ……dentro do prazo estabelecido, esclarecendo que somos apenas veículo de propaganda e reproduzimos mensagens cujo conteúdo é de responsabilidade do anunciante e executado por sua ordem, pelo que nada temos com a qualidade da informação e o mérito da mensagem veiculada.

Ás fls, a …… apresentou sua contestação alegando, sumariamente, que: o cabimento da medida é um tanto discutível, pois idealiza através de exercício subjetivo que ” a figura de uma gilete ficou associada à das crianças que fariam abordagem de veículos para pedir dinheiro”; que a medida fere a Carta Magna quando impede a “livre manifestação do pensamento” e a “livre convicção filosófica”; que o demandante admitiu na exordial que ocorrem assaltos com o uso de gilete como arma; que a autoria material e planificação do “design” não foi sua, apenas concordando por consultar os seus interesses comerciais, pois jamais teve a intenção de atingir o menor pobre e carente; diz que a publicidade à liminar ensinou todos os delinqüentes que existe mais uma arma disponível por preço módico em qualquer bodega. Requereu que fosse entendido como satisfeita a finalidade da proposição judicial, à vista de que “os “out doors” foram integralmente retirados pela empresa que ali os colocou e que não foi a demandada” que satisfeita a impetração, seja ela arquivada sem sucumbência.

A Editora …., às fls, apresentou sua contestação. Preliminarmente argüiu ilegitimidade de parte, pois nenhuma responsabilidade tem pelo conteúdo das mensagens veiculadas em anúncios comerciais consigo contratados. Que deu cumprimento à ordem para não mais veicular a mensagem, embora insistindo que o mérito desta Cautelar não atinge a esfera jurídica da contestante, pleiteando a sua exclusão da lide, diz que a argüição do Ministério Público parte do sofisma de que todos a que vêem o anúncio imediatamente induzem que o problema que ele traz à tona seja concernente aos menores de rua; Que a idéia de que pode haver assalto com gilete, canivetes e facas não se dirige só a infratores menores; que indiretamente os condicionadores de ar impedem que o motorista seja assaltado com armas brancas.

….. contestou às fls, aduzindo que foi contratada para colocação das propagandas, sem que haja nenhum nexo de responsabilidade com o conteúdo da matéria exposta, requerendo a sua exclusão do polo passivo da lide.

O Ministério Público se pronunciou às fls. Em 1º plano alegou que não procedem os argumentos de exclusão de relação processual de três (03) das empresas requeridas, tanto que já fizeram a sua parte retirando o anúncio, acatando e reconhecendo o pedido. Em segundo plano contra-argumentou os fundamentos do mérito da … e da Editora, renovando os argumentos da vestibular, pleiteando o arquivamento, pois satisfeito o pedido, julgando-se procedente a pretensão em todos os seus termos.

Ás fls exarei despacho premonitório sobre a desnecessidade de dilação probatória, por se tratar de matéria apenas de direito, o qual foi publicado no Diário do Poder Judiciário de xxxx, não sendo passível de Recursos.

Passo agora a sentenciar, com retardo, face ao acúmulo de serviços neste Juízo:

Em primeiro lugar cabe analisar os pedidos de exclusão da relação processual. Lamentavelmente, impõe-se o acatamento de tese da Editora e da Empresa , que embora não deduzido por meio de advogado, é o mesmo da … em seu ofício de fls.

Digo lamentavelmente porque ao que se observa no conteúdo das respectivas respostas é um total descaso pela ética e pela mora. fica acentuado que estão à disposição para qualquer tipo de anúncio comercial, que o “conteúdo é de responsabilidade do anunciante”, a quem cabe também ” a responsabilidade relativa à qualidade dos produtos comerciados; a idoneidade do anunciante,” sendo que limita-se a divulgar o anúncio, desde que evidentemente o anunciante pague o preço cobrado, algo assim como uma espécie de “prostituição dos meio de comunicação”. Como negócio jurídico, não há dúvidas que assiste razão às empresas citadas, pois assinaram um contrato e cumpriram “ao pé da risca”, e quando colocados em cheque pela Justiça imediatamente retiraram a propaganda.

Esta é a “lição”” que estão passando para futuras gerações. Havendo dinheiro tudo pode. Filosoficamente penso que as coisas sempre funcionam melhor quando o “Estado” não intervém. Posturas como as assumidas pelas referidas empresas abalam as convicções de qualquer um, pois mostram que Conselho de Auto-Regulamentação não funcionam em Países como o Brasil, pois não se observa análise prévia e crítica dos comerciais, salvo se houver intervenção do Judiciário. A propósito, veja-se que no campo da propaganda eleitoral todos os anos surgem problemas com “out-doors” de candidatos afixados fora da época e dos locais autorizados, enquanto que invariavelmente as empresas de publicidade usam o mesmo estratagema de dizer que não lhes cabe responsabilidade, e sim ao anunciante. Urge uma modificação legislativa, que também responsabilize a empresa veiculadora, pois, com certeza, não mais ocorreriam fatos como o contido nos presentes autos. A certeza de exclusão no caso concreto era tão forte que a ….. nem se deu ao cuidado de se fazer representar por advogado.

Nem a nível da Lei de Imprensa, nem no Código de Defesa do Consumidor haveria espaço legal para co-responsabilizar as empresa que veicularam a propaganda, estando certo o Titular do direitos , no caso a ….. À falta de uma Legislação mais adequada, resta a esperança de que a nível de auto-regulamentação estas Empresas abandonem um pouco sua postura mercantilista, fazendo uma triagem do conteúdo do material que anunciam, recusando aqueles moral e eticamente inaceitáveis.

Assim, de logo, excluo da relação processual as requeridas: Editora ….., Empresa ….. e ……..

No mérito, cabe se verificar o seguinte:

I – O produto que se pretendia incrementar as vendas tem inúmeras outras qualidades, como manter o veículo climatizado, com menos efeitos de calor ou frio externo; diminui o impacto da poluição sonora e ambiental, etc. No entretanto, buscou-se o impacto do pavor da classe média alta com a violência das cidades. A Nota “Comercial do APARTHEID” publicada no Jornal do Commercio de 17 /05/94, no Jornal das ruas” – Edvaldo Costa – é genial. Foi ao cerne do problema com muita competência. Dias após o grande comunicador da rádio e TV Jornal do Commércio Geraldo Freire expendia no “Programa do Meio” idêntico posicionamento. A Propaganda é enganosa, primeiro pelo falso modelo de que os ricos devem ter barreiras para se proteger dos pobres, como se fosse possível se isolar da violência e da miséria. Segundo porque tenta vender a mentira de que quem tem um ar condicionado no carro está livre de assaltos. No referido programa, Geraldo Freire registrou caso de um amigo seu que foi assaltado com ar condicionado e tudo.

É no mínimo hilário que um grande jornalista e um grande comunicador, que por dever de ofício vivem perto do povo e interpretam seus sentimentos, digam exatamente o contrário do que diz o advogado pago pelo mesmo patrão.

Não foi negado pelas autoras que existem adolescentes assaltando nos sinais. Isto é um fato, fruto da miséria e da violência. Nas 2(duas) Varas da Infância e da Juventude da Capital tem se agido rigorosamente contra estes casos. Adolescentes que praticam infrações leves ou com boas chances de recuperação são mantidos em meio aberto, recebendo medidas de liberdade assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade.Os casos graves (inclusive os que usam armas para assaltar em semáforos) são internados (Privado de liberdade) por até 3 anos consecutivos. É uma pena que a FUNDAC e a PMPE ainda não se deram conta que a sociedade EXIGE segurança externa nas unidades de internações para que estes não fujam e voltem a delinqüir.

Ninguém negou que adultos também praticam crimes com arma branca em sinais de trânsito. É querer se tapar o sol coma peneira não se admitir que 90% do contigente de pessoas que se aproximam dos carros nos semáforos é formado por crianças e adolescentes; que quase a totalidade destes não delinqúem e apenas pedem esmolas, limpam pára-brisas e entregam flores ou vendem bugigangas. A propaganda, sem sombra de dúvidas, exacerbou o sentimento de alguns contra os chamados “meninos de rua”, pelo simples fato de que é feio vê-los maltrapilhos pelas cidades e para alguns é melhor “esconder” esta miséria social em instituições fora dos centros urbanos, sem se dá conta de que este modelo é fracassado no mundo inteiro, pois tais isolamentos são geradores e multiplicadores de violência.

As três (03) empresas já referenciadas foram excluídas da relação processual. A …. tenta se livrar também transferindo a responsabilidade de criação para um “design”, autor material e planificador de propaganda, cujo nome não forneceu, como se não fosse de sua total responsabilidade a feitura do Comercial. Da mesma forma tenta “pular fora” da veiculação, quando diz que a propaganda foi retirada pela empresa que ali a colocou, “e que não foi a demandada”. Chega até a insinuar que por força do pedido e da liminar se ensinou a delinqüentes que existe mais uma arma disponível por preço módico. Ora, o pedido e a liminar só existiram porque a ganância do anunciante não mediu esforços para chocar a opinião pública, e a lição que fica para a demandada ou qualquer outra empresa é que a Justiça está atenta e não vai tolerar que fatos semelhantes se repitam. Quando concedi a liminar estava consciente de que provavelmente o prazo contratado para a veiculação estava se acabando e que os “out-doors” seriam naturalmente substituídos em breve. Sabia também que indiretamente haveria uma nova propaganda gratuita ´para a … pois a imprensa falada escrita e televisada fatalmente divulgariam a medida, gerando o que Roberto e Erasmo Carlos já cantaram na música “FALEM BEM OU MAL, MAS FALEM DE MIM”. Avaliei os riscos e entendi que se não houvesse a mediata intervenção outras peças similares ou mais agressivas passariam a ser veiculadas. Estou convicto de que decidi acertadamente. Primeiro pela retirada; segundo pela adesão maciça da opinião pública à providência; terceiro porque nestes 3 meses do ajuizamento e liminar ninguém mais ousou repetir tal linha agressiva de publicidade.

Não vejo dúvidas de que a peça publicitária atenta à dignidade e ao respeito. Claro também é que a Lei nº 8069/90 legitima o Ministério Público para ajuizar todas a s Acões Civis Públicas de interesses coletivos e difusos, inclusive as mandamentais, se inserindo a presente ação dentro dessa previsão legal (Art. 210, V; 210, l; 212; LECA).

A finalidade da ação foi inteiramente alcançada com o cumprimento da liminar. Como frisei no despacho inicial, eventuais sanções pecuniárias como previsto na Lei nº 8069/90 somente caberiam caso descumprida a ordem. Nisso tem razão a ….. em sua contestação, aliás aceito pelo Ministério Público às fls.

É inaceitável, entretanto, a idéia de que por ter sido satisfativa a impetração deva simplesmente ser ela arquivada. Impõe-se decidir sobre o mérito, como venho fazendo nesta Sentença, o que não se confunde em aplicar sanções a demandada, nem mesmo os efeitos de sucumbência (tão temidos pela ….), pois segundo o art. 141, parágrafo 2º do Estatuto não há pagamento das custas nos processos de competência da Justiça da Infância e da Juventude.

Observadas foram as formalidades legais.

Ante o exposto, com arrimo nos arts. 269, l, 796, CPC; 208 e seg. da Lei 8069/90, Julgo procedente o peido da exordial, para fins de convalidar a liminar originalmente concedida, manter assim a proibição de sua nova veiculação sob pena de multa pecuniária ali estabelecida, excluída da relação processual a Editora …, Empresa …. e Empresa ……

Sem custas e sem condenação em sucumbência, conforme art. 141, parágrafo 2º, LECA.

P.R.I., em segredo de Justiça.

Recife, 23 de agosto de 1994.

Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Sentença em ação civil, com preceito cominatório, na área da educação

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 00195051333-5

“ Ementa – Ação Civil Pública com Preceito Cominatório de Obrigação de Fazer -Legitimidade reconhecida ao Ministério Público para figurar no Polo Ativo da Demanda. Secretária de Educação Litisconsorte Passiva Necessária, posto gestora do Sistema Estadual de Educação – Responsabilidade Objetiva do Estado decorrente da Constituição Federal, Constituição Estadual e Estatuto da Criança e do Adolescente. Pedido juridicamente possível em via de Ação Pública, instituto próprio para o “Estado-Juiz ” determinar o cumprimento de Normas Constitucionais e legais frente à omissão do Agente Público. Comprovado interesse de agir, inexistindo carência de ação. Inacolhimento de pretensão de convocar à lide a União e o Município, pois as escolas são todas da rede estadual. saneador que indeferiu todas as Preliminares não agravado. Nao demonstração cabal do Estado de impossibilidade absoluta de arcar com as despesas decorrentes da concessão. prioridade absoluta da criança e do adolescente na Constituição Federal e na Lei. Relevância legal da matéria educacional; limites de intervenção do Judiciário – Impossibilidade de obrigar o Estado a receber doação de terreno com encargo de nele edificar escola. Necessidade da rede escolar funcionar com padrões mínimos de dignidade. deferimento parcial do pedido ”.

Vistos, etc…

O MINISTÉRIO PÚBLICO DE ESTADO DE PERNAMBUCO, por intermédio das Promotoras de Justiça signatárias da exordial, ingressou neste Juízo com AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, contra o ESTADO DE PERNAMBUCO, devidamente qualificado na peça vestibular, fundamentando a Pretensão nos Artigos 127; 129, II e III; 205; 208, Parágrafo 2º e 227 da Carta Magna; Artigos 176; 177, Parágrafo único; 178 e 184 da Constituição do Estado de Pernambuco, c/c os Artigos 1º a 5º; 53, Parágrafo 2º; 148, IV; 210, V; 208, I; 209; 210, I; e 213, Parágrafo Primeiro, todos da Lei n¬ 8069/90, alegando, sinteticamente: 1) Competência desta Justiça especializada, ex-vi de expressa disposição da Lei nº 8069/90; 2) Ministério Público legitimado ativamente, consoante Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como a legitimidade passiva do Estado, por ser a Secretaria de Educação Órgão de sua estrutura, pelas regras de responsabilidade objetiva preceituadas nas Constituição Federal e do Estado; 3) Que o Órgão Ministerial Público instaurou Inquerito Civil Público, apurando e constatando situação caótica nas Escolas Públicas Estadual que especifica, na comunidade de Brasília Teimosa-Recife; 4) Que das 6 (seis) escolas inspecionadas, só uma se apresenta com os padrões mínimos de qualidade; 5) Que a comunidade dispõe de um terreno pertencente a um morador para nele ser construída uma escola Estadual, que funciona precariamente em um salão paroquial há aproximadamente 3 (três) décadas; 6) A listagem de 12 ( doze ) irregularidades encontradas nos estabelecimentos de ensino; 7) Que a Constituição e a Lei definem princípios em relação `a oferta de ensino.

Arguindo “ Periculo In Mora ” e “ Fumo Boni Juris ”, pleiteou-se 7 (sete) Liminares, mencionados às fls. 08 e 09 e a incidência de multa pecuniária pelo descumprimento, a serem convalidadas na sentença e a Citação da Secretária de Educação, como litisconsorte passiva necessária, condenando-se o réu para que cumpra com a obrigação de fazer consistente na execução de todas as obras necessárias à recuperação dos estabelecimentos de ensino mencionados, garantindo a infra-estrutura material para o atendimento adequado ao alunado.

A inicial, juntou documentos de fls 11 usque 197, que materializa o inquérito Civil Público.

Pelas razões contidas às fls. 198/198v e 199, concedi Liminar com alguns conteúdos diferenciados do pleito provisório, assecuratória do resultado final pretendido, como me permite a Lei.

O Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento, dele resultando o pedido de cópias gratuitas de fls. 208, o qual foi indeferido em seu rosto.

Citação regular do Estado de Pernambuco e da Litisconsorte Passiva.

A Litisconsorte Passiva contestou em prazo hábil, às fls. 216 usque 223, arguindo, em Preliminar, a sua Ilegitimidade Passiva, por ocupar cargo nomeado pelo Governador do Estado; Inépcia da inicial, por ser o pedido juridicamente impossível, não cabendo ao Judiciário decidir a respeito, pois se trata de Juízo de conveniência; Falta de interesse de agir, por se tratar de Medida de natureza administrativa, havendo, assim, carência de ação; No mérito arguiu limitações de ordem financeira; Que sendo a Educação Constitucionalmente de responsabilidade da União, Estados e Municípios, deveriam estes outros entes de Governo integrar a lide; Que desde a administração anterior que se busca resolver os problemas das escolas da referida Comunidade; Que assumiu a Secretaria em Janeiro/95 e as dificuldades estão sendo superadas paulatinamente; Que o ensino é prestado de forma regular e contínua.

Cópia do Mandado Segurança das “ xerox’s gratuitas ” consta às fls. 228/239, sendo de imediato respondido o Ofício solicitando informações ( fls. 241/243).

Às fls. 245 usque 252 consta Ofício do Exmo. Sr. Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, noticiando despacho suspendendo a liminar concedida neste Juízo e Ofício de esclarecimento da lavra deste Magistrado.

Às fls. 253 usque 262, com os anexos de fls. 263/270, consta a contestação do Estado de Pernambuco, no qual se arguiu as Preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse de agir; Chamamento da União e Municípios como litisconsortes ( são os mesmos da Contestação da litisconsorte passiva, assinados pela mesma advogada, embora, registre-se, melhor concatenados). Igualmente no mérito repete os argumentos da litisconsorte.

O Ministério Público se pronunciou sobre as preliminares e documentos (fls. 284/288).

Exarei despacho admonitório ( fls. 289/289v e 290) indeferindo todas as preliminares e informando da desnecessidade de dilação probatória, o qual já não pende de recurso.

RELATEI E DECIDO:

Embora não haja mais Preliminares para apreciação, já que foram rejeitadas sem que formulado fosse Agravo do despacho admonitório ( saneador negativo), entendo que resta uma questão subjacente à análise de mérito da questão.

Diz ela respeito aos limites de intervenção do Judiciário nas ações Civis Públicas.

Mesmo acreditando que o meu entendimento da questão já esteja claro no Ofício que fiz remeter ao então Presidente do TJ-PE (Des. Luiz Belém de Alencar) às fls…….., não posso me furtar de fazer o registro de que este Instituto novo no nosso ordenamento Jurídico ainda causa muita perplexidade.

De um lado, pensam alguns que o Estado Imperial, insusceptível de qualquer ação em contrário ainda sobreviva ( pena que a tese seja levantada exatamente por vítimas desta época ), ao ponto de sensibilizar até um Magistrado experiente oriundo dos quadros do Ministério Público; De outra parte, há os que pensam que as ações Civil Públicas consubstanciam a “ Panaceia do Mundo ”, que pode curar todos os males, sem observar todas as demais Normas que estão vigindo ao seu derredor.

Conforme noticiaram nossos Jornais da época, tão logo a liminar deste Juízo foi concedida em moldes diversos do propugnado que uma das signatárias – Dra. Janeide Oliveira de Lima, “ convidou ” a imprensa, para alardear o problema, tentando transmudar o eixo da questão das folhas do processo para as páginas dos Jornais. Comissão de moradores me procurou a perguntar porque não se concedera a Liminar sem uma vírgula diferente do que pleiteado. Os que me conhecem sabem que nem o foco de luz da imprensa, nem a pressão popular e muito menos a força de poderosos são capazes de alterar o meu julgamento isento. Os limites de atuação do Judiciário já estão bem delineados na Doutrina e Jurisprudência, e deles não pretendo me afastar.

Aliás, tal como no famoso filme “JFK – A pergunta que não tem resposta “, observo também nesta rotineira busca da imprensa pela Promotora mencionada um paradóxo se cotejado com a suspensão de Liminar através do então Presidente do Egrégio TJ-PE gerando uma questão igualmente irrespondível. Por que quem diz ter tanta pressa em resolver um problema de 30 anos; Que agrava de uma liminar que lhe foi parcialmente favorável; Que entra com um Mandado de Segurança, por um punhado de xerox, confundindo custas, emolumentos e despesas processuais; Que vai à imprensa reclamar da Liminar; Que diz aos moradores que o não deferimento da liminar deve ser questionado junto ao Juiz, NÃO TEVE A MESMA PRESTEZA E CELERIDADE PARA RECORRER DA SUSPENSÃO DA LIMINAR QUE FOI DEFERIDO PELO ENTÃO PRESIDENTE DO TJ-PE COM BASE NA LEI Nº 8437/95, MORMENTE QUANDO TEVE ACESSO AO DESPACHO CONCESSIVO, ENTREGUE QUE LHE FOI POR OUTRA INTEGRANTE DO “ PARQUET ” MUITO ANTES DA SUA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DO PODER JUDICIÁRIO ?. ( O CASO TINHA TANTA PRESSA ?; A PRESSA ERA A FAVOR DOS INTERESSES DA COMUNIDADE OU FORMA DE PRESSÃO AO PRESIDENTE DO FEITO ?).

No item II-c do Ofício de fls. 249/252, que entendo despiciendo repetir, já argumentei sobre o conteúdo de diversos textos legais pertinentes as ações Civis Públicas, obras de renomados especialistas sobre o assunto, demonstrando que o entendimento tradicionalista da absoluta impossibilidade de intervenção do Judiciário nas chamadas “ questões de conveniência ” já não se coaduna com o nosso ordenamento jurídico atual.

O indispensável, portanto, é que o Judiciário atue nos estritos limites da Lei e de moldes a não causar embaraços ao Poder Público e/ou Prejuízos à População.

As Normas das Constituições Federal e Estadual são claras no que tange às responsabilidade do Estado na prestação do ensino obrigatório. A disciplina do Art. 54 e Parágrafos 1º e 2º da Lei nº 8069/90 também não deixem margem a qualquer tipo de dúvida.

A preocupação do legislador estatutista em priorizar a Educação foi de tal ordem que ao apresentar lista exemplificava ( não taxativa, por força do seu parágrafo único ) de 08 (oito) hipóteses de Prestação Judicial de interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, nada menos do que 06 (seis) deles dizem respeito `a questão educacional, sendo o ensino obrigatório o primeiro deles.

As escolas mencionadas são todas elas da rede estadual de ensino, sendo dever inarredável do Estado fazê-las funcionar com padrões mínimos de dignidade. Isto significa dizer, com bancas para o alunado, material didático, merenda escolar, bebedouros d’agua, sem fios desencapados expostos, com instalações hidráulicas e elétricas em funcionamento, com professores e funcionários em números suficiente, em boas condições de higiene, ofertando vagas em quantidade compatível com a demanda de expectativa do bairro. Niguém está propondo o luxo das escolas particulares dos “quase-vizinhos” de Boa Viagem, mas que a escola pública não seja uma fachada onde se brinca de “ faz de conta que se ensina ” e “ faz de conta que se aprende ”.

Fui aluno da rede pública do Estado do Jardim da Infância ao Curso Clássico, constatando que funcionava quase tão bem como as mais caras escolas da iniciativa privada, com excelentes professores e funcionários. Por que o padrão baixou tanto ?. É óbvio que existe uma crise financeira em todos os Estados federados, mas, para mim, é claro também uma questão de prioridade, já que sobra dinheiro para tantas obras e serviços desnecessários. O Prefeito da pequena Cidade de Quixaba-PE, Sr. Antonio Ramos da Silva, analfabeto, dá um exemplo a nação aplicando 40% ( quarenta por cento ) do seu orçamento em educação, se tornando uma pessoa famosa, com direito a entrevistas no “ Jô-onze e meia ” e nas páginas amarelas da Veja.

Do jeito que age nossas elites, em breve haverá um clamor público contra tantos doutores e exigindo que um analfabeto assuma o comando do Estado.

É de se argumentar ainda que o fato do Estado não executar todos os serviços educacionais próprios em padrões mínimos de qualidade, por si só, não seria suficiente para uma condenação. Bastaria que ficasse cabalmente demonstrado a absoluta inviabilidade financeira para cumprir suas obrigações. Por exemplo, apontando o percentual orçamentario para educação; O Percentual efetivo da prestação de Contas do exercício anterior; A programação financeira do semestre em curso; O número total das escolas estaduais em todas as regiões; O custo “ per-capita ” de cada uma delas; um eventual desequilibrio neste “ per-capita ” que privilegiasse as escolas de Brasília Teimosa, em detrimento das demais escolas da rede estadual. Nada disso foi feito. Ao contrário, o que se vê na imprensa é a alocação de dotações para publicidade em volume maior que os ricos Estados de São Paulo e Minas Gerais, e até mesmo do que grandes bancos que precisam da divulgação dos seus serviços para angariar clientes. O Governo Estadual propor à Assembléia Legislativa assumir débitos do Bandepe ( que tem obrigação de concorrer no mercado e ser lucrativo ), socializando prejuízos com todos os contribuintes, enquanto não pagou ainda o 13º salário ( gratificação natalina ) a uma parcela ponderável do seu funcionalismo.

Tenho a nítida sensação de que nesta gestão está faltando aos assessores governamentais aquilo que sempre sobrou naquele que os lidera e chefia por escolha soberana da esmagadora maioria dos Pernambucanos: “ COERÊNCIA ”. É preciso diminir a distância entre o verbo e a ação.

Se os argumentos de mérito da defesa são inacolhiveis, é de se reconhecer a procedência do pedido. Entretanto, este reconhecimento não pode desconsiderar circunstâncias e legislações outras que mantêm “ interfácie ” com a questão posta a deslinde. Além disso, é preciso se balisar a intervenção do Judiciário, para que não extrapole e invada o âmbito da questões puramente da conveniência e de oportunidade do administrador.

Neste aspecto, cuido que me excedi na liminar de fls. 198/199, no item c, quando determinei a elaboração de projeto arquitetônico para edificar, em terreno pertencente a terceiro, um imóvel a ser destinado a instalação de uma escola. A obrigação do Estado é prestar o ensino, repíta-se, em padrões mínimos de qualidade. É pura conveniência sua querer ou não construir um prédio novo para abrigar a escola, mesmo que o terreno lhe seja doado. Trata-se de doação com encargo, que, segundo a Constituição Federal, precisa de prévia autorização legislativa. Além disso, eventualmente o custo de edificação pode ser muito alto, etc.

Não me cabe dizer “ se eu fosse o secretário pegava o terreno e construía ”, pois isso seria mero “ achismo ” do que é bom ou ruim em um determinado momento histórico. A preocupação do Judiciário deve se dirigir apenas a determinar a prestação do ensino qualitativo, nos limites das obrigações do Executivo, previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e no Estatuto, as quais não estão sendo devidamente cumprida.

Obedecidas foram as formalidades legais.

Ante o exposto, com arrimo nos Artigos 127; 129, II e III; 205; 208, Parágrafo 2º e 227 da Constituição Federal; Artigos 176; 177, Parágrafo único, 178 e 184 da Constituição Estadual; Artigos 269, I, Código de Processo Civil c/c Artigos 1º a 5º; 53; 54; 148, IV; 201, V; 208, I; 209; 210, I e 213, Parágrafo 1º da Lei nº 8069/90, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO DA INICIAL PARA FINS DE CONDENAR O ESTADO DE PERNAMBUCO A PROVIDENCIAR, NO MÁXIMO ATÉ A REABERTURA DAS AULAS NO 2º SEMESTRE, EM TODAS AS ESCOLAS MENCIONADAS NA INICIAL O SEGUINTE: INSTALAÇÕES DE FILTROS E/OU BEBEDOUROS HIGIÊNICOS; INSTALAÇÃO DE SANITÁRIOS HIGIÊNICOS; RESTAURAÇÃO DA REDE HIDRÁULICA E ELÉTRICA; FORNECIMENTO DE GÁS DE COZINHA E MERENDA ESCOLAR: REMESSA PONTUAL DE LIVROS E MATERIAIS DIDÁTICOS EM QUANTIDADES SUFICIENTES PARA OS PROFESSORES E ALUNOS, CONSUBSTANCIADOS NOS ITENS “B)” A “G)” DE FLS. 08 E 09, CABENDO À LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA, NA QUALIDADE DE GESTORA DO SISTEMA EDUCACIONAL DO ESTADO, PROVIDÊNCIAR TODOS OS ATOS NECESSÁRIOS PARA O CUMPRIMENTO DESTA DECISÃO, APRESENTANDO RELATÓRIO NOS AUTOS DAS AÇÕES EXECUTADAS, ATÉ A DATA LIMITE ANTES MENCIONADA. FIXO MULTA DIÁRIA EQUIVALENTE A 10% ( DEZ POR CENTO ) DO VALOR DA CAUSA, A SER REVERTIDA EM FAVOR DO FUNDO GERIDO PELO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, PARA A EVENTUAL HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO.

Considerando as regras gerais de gratuidade das ações de competência da Justiça da Infância e da Juventude ( Art. 141, P. 2º, LECA ), as regras específicas dos Artigos 218 e P. único e 219, LECA, e as Normas da Lei Orgânica do Ministério Público atinentes, deixo de condenar o Estado em pagamento de custas e honorários. Todavia, no tocante às despesas processuais havido pelo Ministério Público para promover a ação ( P.ex: fotografias; serviço de datilografia; xerox’s, etc), fica o Estado obrigado a idenizá-las, desde que comprovadas.

Sem custas.

P.R.I., em segredo de Justiça.

Recife, 19 de Março de 1996.

Juiz da 2º Vara da Infância e da Juventude da Capital.

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

Ação de Apuração de Infração Administrativa Processo nº 00195000612-3

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Ação de Apuração de Infração Administrativa
Processo nº 00195000612-3

S E N T E N Ç A

“ EMENTA: – Infração Administrativa – Publicação de Comercial em Jornal de grande circulação no qual consta fotografia insinuando cena de lesbianismo encimando texto “ É só prazer “ , sem embalagem opaca e sem advertência do conteúdo. Descumprimento da Norma Legal proibitiva. Irrelevância jurídica do CONAR não haver proibido a veiculação. Impossibilidade de sanção ao anunciante no âmbito da ação de Apuração da Infração praticada pelo Veiculo de Comunicação. Descumprimento de Liminar proibitiva, mediante veiculação de novo comercial do mesmo anunciante insinuando sexo oral. Imposição de multa pecuniária em valor máximo. Advertência de duplicação da multa e apreensão de periódico em caso de reiteração. “

Vistos, etc…

O ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua representante legal que oficia junto a este Juízo, com fundamento nos Artigos 78, 79, 194, 195, III, 201, X e 257, todos da Lei nº 8069/90, Representou da Empresa Jornal do Commércio, DEVIDAMENTE QUALIFICADA NA PEÇA EXORDIAL, para apuração de Infração Administrativa às Normas de Proteção à Criança e ao Adolescente, alegando, sinteticamente: Que em 15/01/95 o Jornal do Commércio, publicou, às fls. 10, anuncio de marca “ Duloren “, fabricante de peças íntimas femininas, o qual é ilustrado por duas mulheres, com trajes íntimos, abraçadas e insinuando beijo na boca, numa evidente cena de lesbianismo, figurando abaixo a frase “ só prazer “; Acresceu sobre a polêmica causada com a publicação, que culminou com o pedido de providências feito a este juízo pela Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, Secção de Pernambuco – OMEB-PE; Lembrou que este tipo de veiculação, impróprio ou inadequado para crianças e adolescentes, só pode ser comercializada em embalagem lacrada, com a advertência do seu conteúdo; Aduz que a publicação ou fotografia causou apreensão nas famílias, por retratar mensagem pornográfica, capaz de motivar ou explorar o lado sexual do indivíduo, lembrando, outrossim, devassidão e libidinagem. Diz textualmente a Dra. Promotora de Justiça da Infância e da Juventude na vestibular: “ TRATA-SE DE UMA QUESTÃO ÉTICA, RELATIVA À CONDUTA HUMANA, CAPAZ DE VIOLENTAR ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO SEU TEMPO DE AMADURECIMENTO SEXUAL. PODENDO PROVOCAR SÉRIAS INIBIÇÕES À SUA CRIATIVIDADE, UMA VEZ QUE A AUSÊNCIA DE CRITICA FARÁ COM QUE ACREDITE QUE O QUE VIU É O QUE DEVE SER “. Pleiteou a liminar proibitiva no sentido da não divulgação de fotografias pornográficas ou obscenas, salvo se fizer a comercialização em embalagem lacrada, com advertência do conteúdo. À inicial juntou denuncia feita pela OMEB/PE e do comercial da “ Duloren “. É de se vê que, por equívoco, fora determinado pelo eminente Juiz da 1ª Vara a distribuição do requerimento da OMEB/PE, que não é parte legítima para propor procedimento de apuração de infração administrativa ( privativo do Ministério Público, Conselho Tutelar, ou de servidor efetivo ou voluntário, através do auto de infração ), o que foi objeto da cota do Ministério Público de fls.08, que motivou a que no despacho inicial este Magistrado tenha determinado à distribuição alterar o polo ativo da demanda. Registre-se também que ao receber o requerimento da OMEB/PE, antes, portanto, do ajuizamento pelo Ministério Público , determinei fosse junto aos autos matéria publicada no mesmo Jornal do Commércio de 24/01, coluna “imagem e som “, aludindo sobre um “ Movimento LESBIAN CHIC “, mencionando expressamente o anúncio da “ Duloren “, que “ Provoca, choca e seduz “.

No despacho inaugural, concedi a liminar pleiteada, posto evidente o incitamento ao lesbianismo, com total prejuízo às crianças / adolescentes. Aduzi ainda sobre noticiário de revista semanal no sentido de que tratava-se de comercial em série e que outras publicidades seriam veiculadas também com ênfase em chocar o público com idéias contrárias à moral e aos bons costumes. Registrei posicionamento escrito da direção do Sistema Jornal do Commércio, solidária às posições da Justiça da Infância e da Juventude contra o uso indevido dos meios de comunicação.

Por isso mesmo, VEDEI LIMINARMENTE OUTRAS PROPAGANDAS DO MESMO ANUNCIANTE DE CARACTERÍSTICAS ANÁLOGAS, SALVO SE A COMERCIALIZAÇÃO DO JORNAL SE FIZESSE EM EMBALAGEM LACRADA E OPACA. Por cautela, determinei que a requerida indicasse contratante e agência publicitária.

As fls. 09, exarei despacho determinando juntada de xerox de matéria veiculada na Revista “Isto é “, demonstrando que realmente a empresa já tinha outras peças publicitárias mais agressivas que a primeira. Determinei, também, a juntada de expediente remetido a este Juízo pelo Superintendente do Sistema Jornal do Commércio de Comunicação.

Devidamente intimada, na pessoa do seu representante legal, em prazo hábil, a editora Jornal do Commércio S.A., através de advogado legalmente habilitado, ingressou nos autos com a petição de fls. 14/15, aduzindo que, em cumprimento à ordem judicial, suspendeu a publicação da propaganda, que já estava programada para veiculação no domingo subsequente, em que pese os prejuízos, posto se tratar de serviço já contratado. Indicou, também, a firma responsável pela peça publicitária.

Determinei a intimação da Empresa “Young e Rubicam do Brasil S/C LTDA “, que, por intermédio de advogado, ingressou com os ESCLARECIMENTOS de fls. 24/28, em 11/05/95, juntando peças de fls. 29 usque 75. Sinteticamente, são as seguintes as teses defendidas nestes “esclarecimentos “. A) Duas pessoas representaram contra o comercial perante O CONSELHO NACIONAL DE AUTO-REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA – CONAR, Processo nº 011/95, e este, em decisão de sua 3ª Câmara, em 16/01/95, recomendou o arquivamento do feito ( juntou documentação sobre a aludida decisão do CONAR ); B) Comentários do Presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Comunicação Social, no sentido de que os anúncios da “ Duloren “ são divertidos, elegantes e de bom gosto; C) Cópias de protestos de leitores do Jornal do Brasil, de 12/02/95, na secção cartas ; D) O fato da TV Globo colocar no ar a minisérie “ engraçadinha “, onde o tema é abordado em horário nobre, lembrando que trata-se de uma adaptação de texto de Nelson Rodrigues datado de 1959/1960; E) Que a agência não teve a “ intenção de incitar qualquer prática, e sim, trazer para discussão o tema “; F) QUE AQUELA ERA O ÚNICA PEÇA DA CAMPANHA A ABORDAR O TEMA e que desde o mês de março/95 se encontrava fora da mídia e a ela não voltará. Pleiteou o arquivamento do feito.

Dentre os documentos acostados, destaca-se a alteração do contrato social da Young e Rubican do Brasil S/C Ltda, onde se observa que os únicos quotistas são a firma Americana “ Young e Rubicam Inc “ e os cidadãos americanos R. John Cooper e José E. Ferraioli ; a defesa feita perante o CONAR onde se diz que a campanha procura “espelhar o universo das fantasias femininas, ressaltando sobremaneira a liberdade da mulher de expressar sua sexualidade “; que a sociedade atual admite “a livre discussão da questão da homossexualidade em todo mundo, inclusive existindo revistas especializadas sobre o assunto, além de colunas em jornais, Programas de TV, Agências de Viagens especializadas, Conferência Internacional de G.L.S.. Na mesma peça “ interpreta “ (sic) a bíblia, insinuando homossexualidade do Rei David em relação `a Jônatas; Que a agência e o cliente sabiam que o assunto era polêmico, mas sua abordagem nos anúncios foi feita com o maior respeito, humanismo, de modo delicado e cortez; O Acordão da decisão do CONAR, por maioria de votos, que recomendou o arquivamento da denúncia, contra a posição da relatora.

Pelos mesmo fundamentos que embasaram o chamamento em juizo da empresa denunciante, determinei a intimação do OMEB-PE, para se pronunciar sobre os esclarecimentos e documentos acostados, não havendo pronunciamento, conforme certidão de fls. 78, datada de 28/10/95.

Com vistas, o Ministério Público se pronunciou às fls. 78v e 79, arguindo que a ação não visa discutir o tema do Homossexualismo, os movimentos criados em torno dele e que o assunto é tratado com frequência na mídia nacional e internacional, e sim resguardar os direitos das crianças e adolescentes, não se permitindo o descumprimento das normas legais, reafirmando o pedido de condenação da Representada nos termos da inicial.

Os autos foram conclusos em 02/01/96, mas este Magistrado se encontrava de férias regulares. Como é óbvio, no mês de Fevereiro houve um acúmulo de processos para julgamento, agravado pelas interrupção decorrente do Carnaval, retardando a decisão.

Em Fevereiro/96, o Jornal do Commércio veicula novo anúncio apelativo da mesma “ Duloren “ (cópia anexa).

RELATEI E DECIDO:

Antes de adentrar-me ao mérito da questão, mesmo inexistindo arguição formal de qualquer preliminar, vislumbro aspecto subjacente contido nos “esclarecimentos “ prestados pela “ Young e Rubican ” e também comumente abordado nos últimos tempos na imprensa, sobre uma “suposta ditadura do Judiciário em matéria de censura “. A Constituição Federal de 1988 cuidou de abolir a censura ideológica, política, estética e artística, levando o Brasil para junto dos Países realmente civilizados . Exatamente por estarmos hoje nas melhores companhias, é que parece ingenuidade absoluta ou extrema ma-fé se interpretar os dispositivos constitucionais como um “ liberou geral “, que “ no Brasil não há mais censura “, “ esquecendo-se “ (sic) de que em pleno vigor a censura relativa a faixa-etária do público alvo e horário de veiculação.

É verdade que o ideal seria que o Congresso Nacional finalmente despertasse para aprovar Lei Complementar cujo Projeto nele tramita há tanto tempo, legislando definitivamente sobre a questão. Lamentavelmente o rítmo de tramitação dos Projetos de Lei não vem sendo ditado pelo interesse público, mas em função dos escândalos de semana anterior, ou pelo público interesse de alguns sobre determinados assuntos. Esta Omissão, entretanto, no caso concreto, não macula em nada a disciplina do Estatuto da Criança e do Adolescente que se insere nos estritos limites constitucionais, quer na matéria referente ao direito da família, da criança e do adolescente, quer no tocante à abolição de censura política, ideológica, estética e artística.

Pessoalmente entendo salutar e democrático a presença do Conselho de Auto-Regulamentação da Propaganda. Espero o dia em que alcançemos um grau de maturidade em nossa sociedade em que vários dos seus segmentos possam se auto regulamentar, ficando para o Judiciário apenas as exceções.

O fato de existir uma decisão do CONAR em São Paulo onde, por maioria de votos, foi arquivado uma reclamação contra a peça publicitária ora “ sub judice “ em nada aproveita ou limita a atuação da Justiça no caso concreto. É a mesma Constituição Federal que assegura que nenhum ato é insusceptível de reapreciação pelo Judiciário.

É exatamente por isso que só um louco furioso ou anti-democrata pode ousar falar em “ditadura do Judiciário em matéria de Censura “. O Poder Judiciário figura como último bastião da sociedade para isentamente defendê-la de agressões. Se eventualmente em um caso concreto um determinado Juiz extrapolar nas suas funções, realmente se travestindo de censor, que seus excessos sejam coibidos; Que pelas vias processuais se ponha abaixo sua decisão; Que seja ele punido pelo excesso de autoritarismo pelo seu Tribunal; Nunca que se defenda a impossibilidade de intervenção do Judiciário, sob pena de se fragilizar ainda mais nosse tênue democracia.

Entendo que no caso concreto o CONAR/SP “ Pisou na bola “, para se utilizar de expressão popular. Ao lado das sapatilhas de bailarinas, da inegável beleza física das modelos e das linhas do produto anunciado, na companhia do título agressivo “ Você não imagina do que a Duloren é capaz “, com sub-título “ Duloren – só prazer “ , é acintosa a cena de lesbianismo da fotografia. Como bem acentuou a culta e competente Representante do “ Parquet “ em sua promoção final, esta ação não visa discutir o homossexualismo em si mesmo, os movimentos em torno da questão, o espaço ocupado na mídia, etc.

O que está em jogo é que a publicidade ofende literal disposição legal, pois é imprópria e inadequada para crianças e adolescentes, já que “ lembra devassidão e libidinagem, tem cunho Pornográfico, motiva o lado sexual de indivíduo, em especial menores de 18 anos fora do seu tempo de amadurecimento sexual, e que a ausência de crítica pode fazer com que acreditem que o que viram é o que realmente deva ser visto “.

Uma coisa é não discriminar qualquer minoria, inclusive a formada por homossexuais; reconhecer que estes têm o direito de optar por suas preferências sexuais e que não podem ser considerandos “ doentes “ ou punidos por isto. Outra bem diferente é estimular e fazer apologia desta forma de conduta, que é o que, no fundo, está implícito no Comercial. Lementavelmente o CONAR não se apercebeu de tais questões paralelas e, com sua atitude, estimula grupos radicais contrários à sua existência, que ficam propagando que não sabem decidir e que hajem segundo os interesses dos grandes grupos econômicos.

Não é de mais registrar que o CONAR, no mínimo em respeito a Judeus, Católicos, Protestantes, etc, deveria ter repelido veementemente o caviloso argumento de homossexualidade do Rei David, somente levantado por alguém que não têm o menor conhecimento do texto bíblico ( caberia até se dizer que as razões morais e éticas que levaram David em remeter seu general para uma guerra na qual fatalmente morreria – ficar com sua esposa – eram absurdamente reprováveis , mas dai a se lhe atribuir que era “Gay “vai uma enorme distância ).

É importante também o registro de que o Judiciário não esta agindo autoritariamente “ex-officio “. Foi provocado pelo Órgão defensor da sociedade ( Ministério Público ), e que este último só agiu porque instado por uma entidade intermediária da sociedade civil, só ajuizando porque ,em tese, o pleito era justo.

O Comercial era abusivo e apelativo, sendo indispensável a sua retirada dos meios de Comunicação. A matéria da “Isto é “ provou que a estratégia da “Young e Rubican “ era chocar a opinião pública, com o Comercial subsequente também apelativo no tema sexual ( sado-masoquismo ). Não fosse a pronta intervenção e o 2º comercial também teria sido veiculado em Pernambuco. Não se trata de “falso moralismo “, mas de se colocar freios que inibam excessos por parte daqueles que apenas estão preocupados com o faturamento imediato, sem se preocupar com eventuais sequelas futuras entre os jovens.

Como já aconteceu antes neste juízo, em outro processo, à falta de argumentos para defender o indefensável, invoca-se as novelas, “mini-séries “ e filmes televisivos que abordam violência e cenas de sexo sem que haja punição. Em primeiro lugar, no Juizado do Recife já existe precedente proibindo veiculação de filme; Em segundo sabe-se que o competente magistrado do Rio de Janeiro – Siro Darlan – tem tomado frequentes medidas em relação às emissoras geradoras ( Vide o caso da novela “Teen” Malhação ); Em terceiro lugar o Judiciário só atua por provocação. Se existir a reclamação formal, caso a caso, com certeza a Justiça não se omitirá.

Ao arregimentar argumentos para esta decisão, estava, em princípio, imaginando que bastaria uma advertência para não repetir este tipo de anuncio para elidir o problema, na medida em que não tinha existido resistência à ordem e porque defendo a tese de que é melhor à Justiça da Infância e da Juventude ter um papel pedagógico do que punitivo.

Entretanto, registro, com enorme tristeza, que apesar de nos “ esclarecimentos “ se falar que o tema não seria repetido, já agora em 1996, após a proibição judicial, portanto, o Jornal do Commércio publicou anúncio da “ Duloren “, da mesma agência “ Young e Rubican “, onde, de um lado se registra a expressão “ Feliz 96 “ e do outro, em frente a uma mulher bonita, com os seios `a mostra, a seguinte legenda “ Feliz 69 “, em um trocadilho grosseiro usando o linguajar “ chulo “ que denomina de sessenta e nove o ato sexual entre um homem e uma mulher que concomitantemente praticam sexo oral.

Qual o tema que não seria mais objeto da campanha ?; O homossexualismo feminino ?; O sado-masoquismo /; O sexo oral /; Qual a próxima prática sexual, digamos, incomum que a agência buscará associar ao produto de firma contratante, algo assim na linha do “ fale bem ou mau, mas fale de mim “ ? .

A “ Young e Rubican Inc.“ é uma das maiores e mais competentes agências de publicidade dos EE.UU. É sócia Majoritária da Young e Rubican do Brasil. Os outros sócios da firma brasileira são também cidadãos americanos. Pergunta-se: Teriam coragem de ousar pensar em colocar na mídia americana uma propaganda similar ?. A resposta evidente é que NÃO. Fazem aqui no Brasil na certeza de que não sofrerão um “Pai nosso de penitência “.

É verdade que nesta ação não há como lhe aplicar punição, pois a infração tipo foi praticada pelo Órgão de Comunicação que veiculou o anúncio. Entretanto, é bom que se lembrem que podem ser demandados no Juízo Cível para reparar danos morais. Aliás, seria bom que Instituições como “ O Amanhã de Nossos Filhos ” ( vide fls.19/22v ), além das denúncias e cobrança ao Congresso também incluissem em suas prioridades a solicitação de “ providências “ na Justiça das Infância e da Juventude das diversas capitais dos Estados, tal como fez a OMEB/PE neste caso, e até estudassem a possiblidade de apoio jurídico à pais que pretendessem ingressar com ações de reparação de danos. ( Quem sabe assim os meios de comunicação, as agências publicitárias e editores de música não passariam a ter maiores cautelas com aquilo que veiculam para o grande público ? )

No que tange à afoita diretoria Comercial do Jornal do Commércio, não é demais o registro de que, nesta prática do “ Topa-tudo por dinheiro “, deixa de obedecer a ordem judicial; contraria a orientação expressa do advogado da empresa em cumprir a determinação; desobedece as ordens do próprio diretor superintendente do sistema Jornal do Commércio de Comunicação. Isto prova que para alguns a obediência à Lei só ocorre havendo Punição.

Obedecidas foram as formalidades legais e o pedido esta de acordo com o direito.

Ante o exposto, com arrimo no Art. 269, I, Código de Processo Civil c/c Artigos 78 e Parágrafo único, 194 e seguintes e 257, todos da Lei nº 8069/90, Julgo procedente o pedido da inicial, para fins de reconhecer a prática de infração administrativa às Normas de Proteção à Criança e ao Adolescente por parte da representada, aplicando-lhe a multa máxima de vinte (20) salários de referência ( último valor antes de sua extinção, corrigido monetariamente, como recomenda a Jurisprudência sobre o assunto, não sendo cabível a transformação em salário mínimo ), revertida em favor do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Fica advertida a representada de que em caso de reincidência haverá multa duplicada e apreensão do periódico.

Sem custas.

P.R.I., em segredo de Justiça ( Com fundamento nos arts. 143 e 144, LECA, determino que se forneça cópia desta decisão à OMEB/PE – autora do pedido de providências, ao CONAR/SP – que havia decidido administrativamente sobre a matéria e à Organização “O Amanhã de Nossos Filhos “, especializada em coibir excessos em meios de comunicação ); e `a “ Young e Rubican “- autora dos “ esclarecimentos “.

Recife, 07 de Março de 1996.

Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

Sentença em remissão reiteirada pelo procurador geral de justiça

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 00196020298-7

S E N T E N Ç A Nº 0406/08/96-LCBF.

Vistos, etc…

O Órgão do Ministério Público, por sua Representante legal, representou de D.R.S, com 17 anos, pela pratica de infração penal narrada às fls. 02, em 12/04/96, com base nas peças de fls. 04 usque 37. Por outro lado, pelas razões mencionadas às fls. 03, o mesmo representante do “ Parquet ” optou por conceder a Remissão a E.S. e L.G.S., ambos com 16 anos, acrescentando que já providenciara a entrega do 2º aos genitores e que a mesma providencia deveria ser tomada em relação ao primeiro.

O Juiz auxiliar da Vara recebeu a Representação em 18/04/96, não fazendo qualquer menção às Remissões concedidas. Na audiência, realizada em 03/06/96, além da Apresentação de D.R.S, L.G.S. também foi ouvido, como se representado fora, inclusive lhe sendo nomeado Defensor.

Às fls. 45, a titulo de defesa prévia, a advogada nomeada oferece petição, falando na suposta autoria de Homicídio ( sic !).

As duas competentes, zelosas, dedicadas e exemplares profissionais que representam o Ministério Público perante esta Vara se pronunciaram às fls. 46/46v e 47, inclusive propugnando pela Custódia Provisória de L.G.S.

Às fls. 47/47v, exarei despacho apontando todos os equívocos existentes nos autos até então e a impossibilidade de decretar-lhe a internação provisória. Para viabilizar processualmente a justíssima pretensão das Promotoras, recusei-me a homologar a Remissão antes concedida, remetendo os autos ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça.

Às fls. 49, em 07/08/96, é juntado Ofício GPG nº 571/96, da autoridade antes referida, encaminhando PARECER ONDE RATIFICA A REMISSÃO.

Determinei vistas ao Ministério Público , que se pronunciou às fls. 53/53v, com a competência que lhe é peculiar, tomando ciência do parecer oriundo da Procuradoria, lamentando que, por força do mesmo, nenhuma medida sócio-educativa poderá se aplicar ao adolescente e apontando as danosas consequência que fatalmente irão advir para ele a partir daquele entendimento.

RELATEI E DECIDO:

Do ponto de vista processual, não há dúvida de que impõe-se a homologação, a teor do Artigo 181, parágrafo 2º, LECA. Não existe nenhuma novidade no mundo Jurídico, já que apenas reproduz sistemática existente no Código de Processo Penal para os maiores de 18 anos em pedidos de arquivamento.

Do ponto de vista material, o posicionamento apontado é lamentável sob todos os aspectos, como bem aponta a culta Promotora que oficia nesta Vara.

Como é amplamente sabido, o Dr. José Tavares é um dos grandes profissionais do Ministério Público Pernambucano, independentemente de transitoriedade de ocupação do Cargo de Procurador Geral. Tal como qualquer ser humano, tem limitações que o impede de conhecer profundamente sobre todos os assuntos. Para isso, tem que se valer de assessores em temas específicos. Apesar de ter na vizinhança um profissional super-especializado neste ramo do Direito, seu chefe de gabinete, o Procurador de Justiça Romero Andrade de Oliveira, parece que o Procurador Geral não pode contar com seu apoio neste processo, pelas suas múltiplas atividades, tendo que se valer de opinião de pessoa evidentemente leiga no assunto.
No caso concreto, o (a) assessor (a) que produziu o parecer ou não leu o processo direito; ou não entende patavina do assunto; ou é tão vaidoso (a) que se acha melhor habilitado (a) na função do que as 2 (duas) gabaritadas Promotoras que se pronunciaram às fls. 46/46v/47, ou, mais provavelmente, as 3 (três) coisas juntas. Lendo-se o curto parecer de fls. 50, tem-se a nítida sensação que esta pessoa estava querendo a todo custo ser contra o trabalho das eficientes Promotoras e deste Magistrado, voltado para corrigir as falhas detectadas no processo, sem se importar um minuto com o fato de que estaria expondo o nome respeitabilíssimo do Procurador Geral, que, afinal de contas, seria o signatário do parecer ratificador da Remissão, assumindo, assim, as responsabilidades do seu frágil conteúdo.

Independentemente da discussão de que a terminologia “Conceder a Remissão ” pelo Ministério Público é inadequada, e que melhor posto seria ali se contemplar “ propor ”, por exemplo, é inquestionável que sua eficácia fica condicionada à homologação pela autoridade Judiciária.

Para “ conceder ” a Remissão, o Dr. Promotor Djalma de Melo Câmara levou em consideração uma razoável convivência familiar; não participação direta na prática do ato infracional, primariedade.

Para prolatar uma Sentença relativa a apuração de ato infracional, mesmo que para a simples homologação de uma Remissão, o Juiz deve levar em conta: antecedentes, personalidade; circunstância e gravidade da infração; maior ou menor participação, etc.

Por este ângulo, é patente que o 1º Promotor que oficiou nestes autos laborou em equívoco, baseado em premissas falsas, provavelmente por não ter visto atentamente os elementos disponíveis nos autos, posto que:

a) L.G.S., na entrevista com o serviço técnico da Central de Triagem ( fls. 16, 31/32), confessa um roubo anterior; um furto de um colega abrigado no Oratório Dom Bosco, Jaboatão; 2 reprovações na escola, decorrente de expulsão por má conduta e agressão; usuário de drogas há 2 anos; por conflitos familiares, reside com um colega infrator; informou nome falso ao ser apreendido;

b) A vítima diz que foi abordada por 3 elementos e que os outros que não lhe tomaram a bolsa “ pelo menos apresentavam reações de ajudar o elemento abordante “.

Antes de pronunciamento do Judiciário sobre a concessão de Remissão, às fls. 39, diz o Representado D.R.S: “subtrair a bolsa da vítima, enquanto que E.S. e LG.S. seguraram a vítima, derrubando-a no chão logo em seguida “.

Disso decorre que só uma das premissas utilizadas pelo Promotor para conceder a Remissão era verdadeira: A Primariedade.

SE TUDO ISTO JÁ ESTAVA NOS AUTOS, seja ANTES DO 1º PROMOTOR SE PRONUNCIAR, seja antes da Autoridade Judiciária homologar a Remissão ( pelas regras processuais só cabe uma única sentença nos autos e o Juiz teria que esperar para fazê-lo junto com a decisão do adolescente que foi representado ), COMO SE FALAR EM “ Depoimentos Supervenientes ”.

Com a devida vênia, acho também equivocado falar-se em “depoimentos supervenientes”, sobre as declarações da tia e guardiã obtidas pela Promotoria às fls. 46. Superveniente ao pedido de Remissão, SIM; ao ato Judicial de homologá-lo ou remeter ao Procurador, NÃO.

Penso, data máxima vênia, que no pronunciamento do Procurador Geral optando por ratificar a Remissão ou providenciando a Representação, deve se levar em conta tudo que se encontrar nos autos até aquele momento processual, e não só as informações que o 1º Promotor dispunha ao pleitear homologação de Remissão, embora reconheça que uma interpretação formal, distante da realidade e feita por quem não tem sensibilidade para atuar nesta área leve ao entendimento diametralmente oposto ao meu. Só que este exercício interpretativo passa a quilômetros de distância da regra Hermenêutica do artigo sexto do Estatuto, representando a vitória de forma sobre o conteúdo. Além do mais, como já apontei antes, estas 2 (duas) posições de interpretação em nada aproveita o caso concreto, posto que os elementos recomendadores da Representação já estavam presentes nos autos quando da 1ª intervenção do Órgão Ministerial.

Como bem apontou a Promotoria, às fls. 53, L.G.S. vai continuar nas ruas, sem possibilidade de recuperação; Como já visto antes, vai continuar infracionando e usando drogas; Como já mostrado pela tia e guardiã ao Ministério Público , às fls. 46, vai continuar correndo risco de vida em função de sua conduta desviante, até porque em Recife, como é sabido, lamentavelmente, se mata menores com bastante frequência, sendo desconhecido um único caso de punição para os matadores.

QUEM SERÁ O CULPADO SE REALMENTE LG.S. FOR EXTERMINADO NOS PRÓXIMOS MESES, QUANDO, POR AMOR AO FORMALISMO, FOI RECUSADO A OPORTUNIDADE DE SER ELE SÓCIO-EDUCADO ?.

Como diz o ditado popular, no caso concreto cabe “amarrar o Burro onde o dono do Burro manda ”.

Quanto a E.S., por tudo que foi dito, há que, também, se homologar a Remissão.

No que se refere a D.R.S, o Ministério Público se pronunciou às fls. 40 pela Remissão cumulada com Liberdade Assistida. Acho que esta e a solução correta para o caso, embora não deixe de ser irônico, surrealista e bizarro que ele tenha que cumprir uma medida cumulada e L.G.S. não. Para isto resta 2 (dois) consolos. a) Sua participação na infração foi maior; b) com o acompanhamento assegurado no Programa Comunitário de Liberdade Assistida do Recife, hoje considerada modelo no Pais, terá enormes chances de recuperação, bem maiores do que as de L.G.S..

Ante o exposto, com arrimo no Art. 181, parágrafo 2º, “ In fine ”, do Estatuto, Homologo a Remissão concedida pelo Ministério Público aos adolescentes E.S. e L.G.S., e, com base nos Artigos 186, parágrafo 1º, 188; 126, parágrafo único; 127; 112. IV; 118 e 119, todos da Lei nº 8069/90, concedo a D.R.S. A REMISSÃO CUMULADA COM LIBERDADE ASSISTIDA PELO PRAZO DE 6 (SEIS) MESES, devendo ele e seus representantes legais serem intimados para comparecer ao Núcleo Gerencial de Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto deste Juízo, para entrevista e cadastramento e posterior encaminhamento à Entidade Cooperadora mais próxima de sua residência, prestando os relatórios previstos no respectivo termo de cooperação técnica.

Sem custas, ex-vi, do Art. 141, parágrafo 2º, LECA.

P.R.I., em, segredo de Justiça, remetendo-se cópia desta decisão, por Ofício, ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça.

Recife, 22 de Agosto de 1996.

Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

TRANSFUSÃO DE SANGUE

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 197027845-5

Sentença nº 094/03/98 – LCBF

Vistos, etc…

C. da S. B., menor impúbere de 1 ano e 4 meses, através de Advogados do Centro de Assistência Judiciária de Defesa da Criança e do Adolescente, requereu Ação de Suprimento de Consentimento contra seus pais Paulo Gomes Barbosa e Clarice Francisca da Silva Barbosa, sendo representada, de fato, na formulação do pedido, por Graciete Maria Pereira, Assistente Social do Hospital da Restauração, CRES 1777, pleiteando fosse esta nomeada sua curadora especial, fundamentando seus pedidos nos artigos 7º, 15 e 142 parágrafo único do Estatuto e nos seguintes argumentos fáticos e jurídicos:
a) A criança C se encontrava hospitalizada no Hospital da Restauração, com diagnóstico de BCP + Pneumotórax à direita + anemia grave, estando na UTI; tendo sido comunicado pelo serviço médico do hospital que acompanhava a criança a necessidade provável de uma transfusão de sangue, e sendo os genitores adeptos da religião Testemunhas de Jeová, de conhecida postura contrária à prática médica recomendada à criança, não aceitaram a possibilidade da menina receber sangue de forma alguma;

b) Que ela, criança, tem, por previsão constitucional, direito à vida, este reiterado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não cabendo a ninguém negar-lhe isto.
Foi juntado à inicial documento de fls. 04/07.
No despacho inicial deferi o 1º requerimento, designando como curadora especial da C. da S. B a pessoa indicada na vestibular, apenas no que pertine às decisões relativas ao tratamento médico a que se submetia no Hospital da Restauração;
Autorizei ainda que se procedesse a tantas quantas fossem as transfusões necessárias, sempre que, a critério médico, houvesse risco iminente de vida, pelas razões expendidas às fls, e também porque nos documentos instrutório já se comprovava que antes mesmo da liminar já havia ocorrido uma transfusão (com expedição de mandado).
Efetivada a medida, procedeu-se à citação dos genitores para contestar, querendo, no prazo legal, advertidos dos efeitos da revelia.
Os réus contestaram a ação, salientando que “as Testemunhas de Jeová não se opõem ao tratamento médico, tampouco crêem em qualquer tipo de cura pela fé, nem a praticam, nem desejam que seus filhos se tornem mártires”.
Relatam que a criança vinha sendo submetida a tratamento médico com a Dra. C. ª no Hospital De Ávila, sendo submetida a tratamento alternativo, isto é, sem transfusão de sangue, estando o referido tratamento surtindo efeito, sendo, porém obrigados a transferir a criança para a rede pública hospitalar por motivos financeiros, indo a mesma a ser internada no Hospital da Restauração, mas os pais da menor forneceram os remédios para dar continuidade ao tratamento alternativo, tendo aquela equipe médica optado pela transfusão mesmo sem autorização dos contestantes.
Requereram, diante da incerteza sobre quantas transfusões de sangue a menor C. recebeu, fosse oficiada aquela unidade de saúde, a fim de informar o número exato das referidas transfusões, bem como cópia do prontuário médico com relação à filha do casal, requerendo ainda a extinção da presente, sem julgamento do mérito, ou assim não entendendo, que seja julgado totalmente improcedente a presente demanda; juntando documentos de fls. 26/35.
Expedi ofício ao Hospital solicitando as informações pleiteadas pelos requeridos.
A Representante do Ministério Público emitiu parecer opinando pela extinção do feito, com a declaração da subsistência da liminar concedida.
Relatei e decido:
Inexistem preliminares para apreciação. Data máxima vênia, não se trata nem de simplesmente se julgar subsistente a liminar concedida e, muito menos de se dizer que o objeto da ação se encontra prejudicado, pois a liminar foi satisfativa. Os argumentos estão postos devidamente e cabe ao “Estado Juiz” dizer o direito, sendo então a pretensão procedente ou improcedente.
Dizer-se sem objeto pode até atender aos interesses do advogado, que continuará tendo em aberto a questão para futuros embates, sem que o Judiciário nunca tenha se pronunciado sobre o mérito da questão, mas não atende aos interesses da sociedade, que precisa saber qual é a atitude mais correta a ser adotada para o problema e não se adeqüa aos primados do papel do Judiciário em um estado de direito, que precisa atuar eficazmente, sem ficar lavando as mãos como Pôncio Pilatos. Da mesma maneira que foi meu o dilema de conceder ou negar a liminar, é do advogado o seguinte dilema: se a sentença for procedente e não apelar, esta atitude pode ser entendida como concordância com o seu conteúdo, mesmo que a causa do não oferecimento do recurso seja a executoriedade da liminar, criando problemas para defender a tese em futuros processos; se apelar e o Tribunal manter a sentença, cada vez mais ficará difícil sustentar o posicionamento contra a transfusão. Se simplesmente julgar subsistente a liminar, não se aprofundará a questão sobre a legitimidade ou não da intervenção médica contra a vontade do paciente ou seus familiares.
A meu ver, os argumentos que apresentei na letra “a” do despacho liminar de fls. 08 abaixo transcritos são bastantes e suficientes para se definir a priorização do direito à vida assegurado constitucionalmente. (Como se observa dos anexos, a criança já se submeteu a uma transfusão. Por isto é que os níveis de hemoglobina subiram a quase o dobro. Tenho o maior respeito à fé professada por qualquer pessoa e aos dogmas dela decorrentes, mesmo que com eles não concorde. O código de ética médica já resolve a questão quando autoriza ao médico atuar contra a vontade do paciente ou seus parentes, na hipótese de iminente risco de vida. O direito à vida é assegurado constitucionalmente e legalmente, sendo indisponível). No caso concreto, este direito está em conflito com outra disciplina constitucional que é a liberdade religiosa. Em conflito, como no caso concreto, qual dos dois deve preponderar? É imaginável que uma criança de um ano e quatro meses deixe de receber o tratamento que os médicos recomendam apenas porque este vem em contrário às convicções religiosas dos seus pais?
Momentos antes do ajuizamento, o advogado dos réus, profissional exemplar, por quem tenho a maior estima e respeito, esteve em meu gabinete pedindo a não concessão da liminar, posto que as taxas haviam dobrado em curto espaço de tempo, demonstrando a desnecessidade da transfusão. Ao receber a exordial, logo descobri porque as taxas dobraram. Já haviam transfundindo o sangue antes mesmo da liminar (não é que quisessem a liminar para legalizar seu proceder, pois, como apontei no despacho inicial, não precisavam de ordem judicial para tal, à luz do código de ética médica, e sim de uma prova cabal da urgência do caso).
A sentença trazida à colação não se aplica ao caso concreto como paradigma, pelo simples fato de que não se trata agora de pessoa maior e capaz. Ainda que o fosse, data vênia, está técnica e juridicamente errada, não se embasando nas regras em vigor, e sim em valores pessoais do magistrado prolator. (Por exemplo, no meu caso pessoal, abomino o aborto, por fortes convicções morais, éticas e religiosas, mas não poderia me negar a autorizar a sua realização se o caso se enquadrasse em uma das 2 hipóteses legalmente permitidas. Entretanto, penso que caberia indeferir pedido por anencefalia – que muitos magistrados têm deferido, também por convicções pessoais – , já que não há previsão legal para tal).
Ao enveredar pelo questionamento das razões médicas que presidiram a decisão de transfusão, a defesa se perde completamente. Seus questionamentos poderiam ser extrapolados – se válidos fossem – a todos os ramos profissionais, como por exemplo: por que extrair um dente e não obturá-lo? Por que demolir um imóvel e não recuperá-lo? Etc. o profissional é habilitado, experiente, sujeito às regras de ética e de fiscalização de sua profissão. Se cabe perguntar quem é o médico para decidir pela transfusão, obviamente será possível a questão “quem é o advogado para questionar a decisão do médico em faze-lo, salvo se embasado em outro parecer médico?”
A solução para o problema passa por uma ação dos adeptos de tal religião, treinando hospitais, médicos, enfermeiros etc. para que TENHAM ARGUMENTOS TÉCNICOS CIENTÍFICOS, EM CADA CASO CONCRETO, CAPAZES DE SE CONTRAPOR ÀS DELIBERAÇÕES MÉDICAS DA TRANSFUSÃO.
A questão da nomeação de curador especial não foi questionada, além do que totalmente embasada em lei, ante a evidente colisão de interesses entre a criança e seus pais.
Deferi o fornecimento de informações requerido, por entender que o direito constitucional de informação a respeito de sua pessoa (ou representado) não pode ser sonegado.
Obedecidas foram as formalidades legais, o pedido está de acordo com o direito e conta com a anuência do Ministério Público.
Ante o exposto, com arrimo nos artigos 8º, 9º, I, 796 a 798 do CPC, c/c 7º , 15, 98, 142 parágrafo único e 148 parágrafo único , letra “f” da lei nº 8.069/90 e 5º, 7º, 84 e 387 do Código Civil e no Código de Ético médica, julgo procedente o pedido da exordial, declarando legítima a intervenção médica com transfusão de sangue, mesmo contra a vontade dos pais, por razões religiosas, em caso de grave risco de vida, convalidando a liminar antes concedida e a nomeação do curador especial; suprindo assim o consentimento dos pais.
Ciência à curadora especial nomeada e ao Hospital.
Sem custas, ex-vi do art. 141, parágrafo 2º.

PRI, em segredo de Justiça
Recife, 02 de março de 1998

Juiz de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude da capital

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

SENTENÇA 1% (UM POR CENTO)

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 00197045509-8.
Ação Civil Pública.
Requerente: Ministério Público.
Requerido: Município do Recife.

S E N T E N Ç A Nº 19610411998- LCF

EMENTA: É competente a Justiça da Infância e da Juventude para as Ações Civis Públicas relativas a interesses difusos de crianças e adolescentes. A eventual destinação de recursos do Fundo Municipal para ONG’S que atuam na área não transfere a competência para Vara da Fazenda Municipal. Inexiste carência de ação em pleito que pretende obrigar município a transferir ao Fundo Municipal dotações já previstas em Lei, sendo o Ministério Público legitimado para a propositura da Ação, tendo o “Parquet” interesse de agir. É juridicamente possível o pedido em sede de Ação Civil, apenas estando limitado o Judiciário a não impor obrigações que já não estejam estabelecidos em Lei, para não quebrar o principio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes e não se imiscuir em questões de oportunidade e conveniência. É constitucional o § único do Art. 227 da Constituição Estadual que determina ao Estado e Municípios a aplicação mínima de 1 % (um por cento) dos respectivos Orçamentos gerais em programas e ações voltados para criança e adolescente vulnerabilizados ou em conflitos com a Lei, não havendo vício de iniciativa ou ofensa ao Art. 167, IV da Constituição Federal que proíbe especificamente a vinculação de receitas de imposto a órgão, fundo ou despesa. O fato do STF haver concedido Liminar em Argüição de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da República não opera efeito vinculante a impedir declaração Judicial de 1º grau em contrário, pois tal só ocorreria caso a hipótese fosse de decisão de mérito em Ação Declaratória de constitucionalidade de Lei ou ato normativo federal. Desde que não ofenda principio da C.F. podem as Constituições. Estaduais., como poder constituinte originário, criar direitos. No caso concreto, apenas destacou os princípios constitucionais da descentralização político- administrativa e da prioridade absoluta para crianças e adolescentes. A Lei Orgânica do Município agasalhou o regramento do referido dispositivo da Constituição Estadual e cometeu ao COMDICA a definição das políticas, controle de ações e a aplicação dos recursos para tal. A democracia participativa do Art. 204, CF não é excludente da”democracia representativa”. Não há invasão de competência do Conselho em atributos privativos do Executivo, que antes estava hipertrofiado, planejando, executando e fiscalizando todas as ações isoladamente. Tentativas de se sobrepor ao Executivo em situações concretas devem ser coibidas pelo Judiciário. As Lei Orçamentárias são de iniciativa privativa do Executivo, e, no caso concreto, há previsão expressas de dotações próprias do Município a serem transferidas para o Fundo da Criança em valores compatíveis com o percentual da Carta Estadual. O caráter. autorizativo da Lei do Orçamento não permite ao Executivo simplesmente negar-se ao cumprimento da Constituição Federal, Constituição Estadual, Lei Orgânicas, etc, Pretextando não lhe ser mais conveniente e oportuno. O instrumento do ” Ajuste de conduta” previsto no Estatuto seria a via ideal para evitar litígios como o do presente caso. O incremento da receita própria em 7, 1 % deveria justificar maior aplicação de verbas naquilo que é prioridade absoluta e não redução da previsão Orçamentária. É indispensável a fixação de jurisprudências balizando o limite de intervenção do Judiciário em matéria de interesse difusos. Os recursos financeiros para os vulnerabilizados devem necessariamente transitar pelo fundo gerido pelo COMDICA. É da lei a possibilidade de tais recursos serem aplicados por entidades governamentais. A definição prévia de planos de aplicação. com critérios adequados de prioridade permitem identificar ações governamentais ou não mais favoráveis as crianças e adolescentes, existindo exemplo de funcionamento adequado de fundo similar. Não cabe ao Município, e sim ao Conselho Municipal, a formulação de programas e políticas de atendimento, não podendo ser exigido pelo Judiciário a criação ou ajustes nas ações de sua responsabilidade sob pena de se imiscuir em questões de conveniência e oportunidade. O Conselho Municipal não pode acordar sobre redução dos valores a serem transferidos pelo Município. Obrigação do Município repassar ao Fundo a diferença entre os valores já transferidos e a previsão Orçamentária. Fixação de 90 dias como prazo razoável para tal. Multa diária de R$ 1.500,00 para a hipótese de inadimplemento, reduzindo pela metade o valor proposto pelo “Parquet ” pela diminuição do valor da obrigação e importância da medida. Procedência parcial para obrigar a transferência apenas das diferenças apuradas em relação às receitas próprias e para desobrigar o Município de ajustar os seus programas em execução ou de criar novos, salvo por vontade própria do administrador, enquanto não definida a Política de Defesa e Promoção dos direitos da Criança e do Adolescente pelo Conselho Municipal’.

Vistos, etc…

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, pelas Promotoras Públicas signatárias da peça exordial, com fundamento nos Artigos 127; 129,111, e 227 do Constituição Federal ele Artigos 94 e inc.; 97, § único; 148, IV; 201, V; 208, § único; 209; 210, I, todos da lei n.O 8069/90 e subsidiariamente na lei n.O 7347/85, ingressou neste Juízo com AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido liminar, contra o MUNICíPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público interno, legalmente representado pelo Exmo. Sr. Prefeito Municipal, por pratica de conduta omissiva, apresentando, sinteticamente, os seguintes argumentos: a) Competência deste Juízo para processar e julgar o presente feito, em razão da matéria, por expressa disposição legal, já reconhecida pelos tribunais; pela perfeita constitucionalidade de norma; Igual orientação de melhor doutrina; inaplicabilidade da Norma Constitucional respeitante ao foro privilegiado para julgamento de prefeitos perante os Tribunais de Justiça e do Regimento Interno do TJ-PE que trata dos Mandados de Segurança. Acresce ainda que a parte passiva da demanda é o Município (pessoa jurídica) e não o Prefeito Municipal (pessoa física), além de que as normas de competência jurisdicional não comportam interpretação analógica; b) Interesse e legitimidade do Ministério Público para propor a ação, à luz do Artigo 127 da Constituição Federal a respeito dos interesses difusos; do Artigo 129, 111 da Carta Constitucional, o que é repetido no Artigo 5° da Lei n.o 7347/85; Art. 210, I, do Estatuto; Art. 25, V, “a” da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e no Art. 1°, IV, “a” da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, apontando, também, orientação doutrinária nesse sentido; c) dos fatos: que instaurou inquérito Civil Público para apurar a respeito da política do Estado e do Município aos denominados” meninos de rua”, expedindo ofícios as autoridades publicas executoras e geradoras dessa política; que várias entidades não governamentais requereram ao Procurador Geral de Justiça do Estado a instauração de inquérito, quando este já havia sido instaurado há mais de 4 (quatro) meses, reivindicando a Competência do COMDICA para gerir o Fundo Municipal, para o qual a Lei Orçamentária consignou, em rubrica específica, dotações que menciona; que segundo estas Ong’s os repasses de verbas previstas no orçamento 97 foram irrisórios e sem consulta ao Conselho, impedindo a implementação dos programas especializados, o que já havia sido apurado no inquérito civil, quando o Coordenador do Conselho Municipal informou por Ofício que apenas 0,66% das dotações orçamentárias haviam sido repassadas; que houve novo repasse entre Julho a Setembro de 97, totalizando R$ 214.000,00 ( duzentos e quatorze mil reais) de dotações do Município, quando o previsto para o ano era de 2.427.000,00 ( dois milhões, quatrocentos vinte e sete mil reais); que a previsão orçamentária para o fundo era de 11.257.000,00 ( onze milhões, duzentos cinqüenta e sete mil reais) dos quais 8.830,000,00 ( oito milhões, oitocentos e trinta mil reais) seriam oriundos de outras fontes; Que no inquérito Civil ficou apurado a ausência de uma regular política de atendimento a jovens e infratores que estão tom os seus direitos violados e ameaçados já que não conta o município com programas que garantam Proteção Integral, tais como: Programa Oficial de auxílio à Criança e Adolescente que fazem da rua o seu espaço de sobrevivência; Programa de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico em regime hospitalar e ambulatorial e de tratamento dirigido a crianças e de adolescentes, alcoólatras e drogados; d) Do mérito: que está inviabilizada a participação de organizações representativas e a descentralização política administrativa, pois, além de insipiência dos programas de proteção integral, a municipalidade resiste ao cumprimento do Art. 4° da Lei n.O 15.820/93 que prevê como receita do fundo municipal da Criança e do adolescente dotações consignadas na Lei orçamentária local; que o Município não vem dando qualquer prioridade ao atendimento à criança e adolescente, contra expressa previsão Constitucional da prioridade absoluta, pois o atendimento à Infância e Juventude, segundo matéria Jornalística respeitante ao orçamento para 1998, representa o sétimo lugar, negando os objetivos Constitucionais, já que a discricionariedade do poder público no atendimento aos menores tem agora outra dimensão; Que não é aceitável argumentos que a nova ordem de participação política configura uma invasão na esfera de discricionariedade, em face dos interesses difusos, pois a democracia representativa não exclui a participação dos cidadãos em geral; que a ação visa preservar a atuação fixada em Lei para o COMDICA, garantido a participação na gestão da coisa pública e a prioridade absoluta para a infância e Juventude; Que o Município fez programação de execução financeira bastante aquém da previsão orçamentária, mas nem estas quantias liberou; que, em um segundo aspecto, visasse a existência de políticas que traduzam o ideário Constitucional de prioridade absoluta e a descentralização administrativa; que o Município tem feito repasses vultosos à LAR, quando os programas desta atendem poucos jovens ( e assim mesmo só aqueles que buscam atendimento) e com soluções paliativas, caracterizando paradoxo entre “custos x benefícios”, além dessa Instituição ter excelente programação financeira para o 2° semestre 97 e generosa previsão orçamentária para 1998, quando todas as outras Ong’s registradas no Conselho receberam até 26/09/97 a quantia de 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); que a municipalidade atua numa estreita visão da democracia, ao realizar, de forma independente desse Conselho, a fixação, implementação e execução das políticas de atendimento naquela área; Que as noticias de argüição de ação direta de inconstitucionalidade do Art. 227, § único, da Constituição Estadual mostra a contraditória postura da municipalidade, posto já haver repassado insuficiente valor ao Fundo Municipal e agora pretende mudar de conduta, inviabilizando o repasse dos recursos financeiros restantes ao Fundo Municipal, pois é ele quem assegura o cumprimento adequado do papel conferido ao Conselho; Que na falta de repasse e a insuficiência dos programas Oficiais de atendimento à Criança e Adolescente visualiza-se a omissão de municipalidade em atuar na área da Infância e Juventude sob o principio da prioridade absoluta; e) Do pedido liminar: pelas razões de fls. 7/8, requereu que liminarmente fosse feito o imediato repasse ao Fundo da Criança e Adolescente de cota mensal que mantenha proporção entre o total de receita estimada para 1997 para o mesmo e a dotação total do fundo, o que corresponde a 1,45% da receita, que deve incidir sobre aquela realizada ao longo do último trimestre de 97, fixando prazo para cumprimento, sob pena de multa diária de R$ 3.000,00; Do pedido do mérito f.1) repasse integral ao fundo dos recursos previstos na Lei Orçamentária, conforme receita efetivamente realizada; f.2) determinar ao município que ajuste a formulação de programas e políticas de atuação; f.3) que o município, na formulação do programa de atendimento, possibilite a participação do Conselho Municipal, nos limites do art. 227, CF., f.4) que o Município crie Programa oficial de atendimento à crianças e adolescentes que fazem da rua seu espaço de sobrevivência; f.5) que determine ao Município criar programas de atendimento médico – psicológico e psiquiátrico em regimento hospitalar e ambulatorial, destinado à crianças e adolescentes; f.6) Determinar a criação de programa de atendimento e proteção à crianças e adolescentes alcoólatras e envolvidos com substâncias entorpecentes.

À inicial juntou documentos de fls. 24 usque 352.

Às fls. 353 exarei despacho considerando o Artigo 2° da Lei Federal nº 8437/92, para prévia manifestação do” Representante Judicial do Município”, em 72 horas, sobre o pedido de Liminar, determinando, ante a dubiedade da terminologia legal antes aspeada, a intimação tanto do Prefeito como do Secretário de Assuntos Jurídicos do Município ( embora a rigor bastasse o chefe da edilidade, que é quem representa o Município em Juízo e fora dele). No mesmo despacho determinei citação para contestar, querendo, no prazo da Lei, sob pena de revelia.

Dentro do tríduo legal, o Município do Recife, às fls. 357 a 370, anexando documentos de fls. 371 a 373, impugnou o pedido liminar, argüindo, sinteticamente, o seguinte: a) Ausência de fundamento na Legislação Pátria para, em sede de liminar, o município ser obrigado a repassar ao fundo da criança e de adolescente cota mensal à proporção de 1,45% de receita realizada; b) Ausência de ouvida de qualquer representante da edilidade no inquérito civil; c) violação, pelo Ministério Público, do Art. 5°, inciso IV da Constituição Federal, por não lhe assegurar, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa; e) Que não se leva em conta as diversas políticas públicas do Município afetas à matéria, executadas por diversos setores da administração, concentrando-se a inicial apenas no programa” espaço aberto”, a cargo da coordenadoria da criança e do adolescente, em que pese terem os autores da inicial recebido comunicação de todas as ações em execução, tanto por parte da coordenadoria antes referida, como pela secretaria de política sociais (referenciando informações sobre as principais delas); f) Que as Promotoras confundiram receita prevista com resultado de arrecadação própria e de transferência mencionadas no Orçamento que não chegaram a se efetivar; g) Incompetência. ratione materiae deste Juízo, declinando-se para a Vara da Fazenda Municipal, pois nesta ação discute-se matéria financeira e não propriamente interesses de crianças e adolescentes, já que se diz respeito aos interesses de Ong’s que visam participar da execução do orçamento local, recebendo receitas municipais através do fundo da criança e do adolescente; h) Que o Ministério Público não tem legitimidade para propor à ação, pelas mesmas razões que argüi a incompetência absoluta do Juízo; i) Que o pedido liminar é improcedente, por não haver obrigação legal de repasse das verbas ao Fundo Municipal. Que os Orçamentos anuais fazem uma estimativa de receita e autorizam as despesas. Cita doutrinadores a respeito da questão da oportunidade de execução de despesas autorizadas no Orçamento, mesmo havendo a arrecadação efetiva; j) Que a única regra jurídica sobre as obrigações de gastos da Juventude é o parágrafo único do Art. 227 da Constituição Estadual de Pernambuco, que incorre em inconstitucionalidade formal e material. Formal, por vício de iniciativa; material por colidência com a norma do art. 167, IV, C.F. ( aponta decisão do STF em casos análogo ). Que a autonomia municipal assegurada na CF também foi atingida com a regra da Constituição Estadual. Que o Procurador Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADIN n.O 1689-2) junto ao STF, acatando representação formulada pelo Prefeito do Recife; I) Que o Provimento jurisdicional buscado na demanda não é possível, pois o Judiciário não pode obrigar o Executivo a proceder determinada despesas, por ser claramente atentatório ao principio da tripartição do poderes. Que o controle judicial dos atos da administração é voltado apenas para a legalidade, não incidindo sobre o mérito (oportunidade e conveniência), tal como jurisprudencialmente tem sido entendido; m) Impossibilidade de concessão da liminar, ante a vedação de seqüestro de Rendas públicas, chamado no caso de verdadeira adjudicação, referenciando entendimento pretoriano sobre o tema; n) Que a liminar, se concedida, teria cunho satisfativo, o que violaria o principio do duplo grau de jurisdição.

Ás fls. 375/401, em prazo hábil, o Município do Recife contestou o pedido, alegando, em síntese: a) Renovação dos argumentos de impugnação à liminar, inclusive as preliminares de incompetência do Juízo, carência de ação (ilegitimidade do Ministério Público, impossibilidade jurídica do pedido, ausência de interesse de agir); b) o caráter meramente autorizativo da lei Orçamentária, destacando que por unanimidade foi concedido a liminar suspendendo o Artigo 227, §, único da Constituição Estadual; c) Que apesar de demasiadamente genérico o pedido de formulação de políticas e Programas de. atendimento às crianças e adolescentes, ofendendo o Art. 286, CPC, o Município aponta que as questões ali tratadas já estão sendo suficientemente atendidas pela municipalidade.

A peça de resposta juntou documentos de fls. 402 usque 467.

O Ministério Público, às fls. 469 usque 487, discorreu sobre os argumentos expendidos pelo Município do Recife, quer na impugnação à liminar, quer na contestação, buscando rebater cada um deles, em especial aqueles respeitantes às preliminares.

No despacho de fls. 488/488v, rejeitei as Preliminares suscitadas, pelas razões ali apontadas. Aduzi de que era mais relevante o julgamento de mérito com celeridade de que apreciar concessão ou não de liminar e da desnecessidade de dilação probatória.

Às fls. 492/501. o Município do Recife ingressou com AGRAVO da decisão que rejeitou as Preliminares, pleiteando reapreciação ou que fique o recurso retido, nos termos do CPC, motivando fosse exarado em seu rosto o seguinte despacho: ” N. Autos!. 1) Agravo é Recurso a ser deduzido perante o 2° grau. 2) Como Agravo retido pode ser recebido na 1ª Instância, só que, neste caso, não há Juízo de retratação, o que me impede de apreciar a pretensão; 3) Assim, fiquem nos autos, como pleiteado, para apreciação como Preliminar de eventual Apelação (se no prazo, o Município, querendo, deduza o Agravo perante o TJ-PE). A conclusão para sentença. Em 05103/98, as partes foram intimadas deste despacho. Não houve questionamento sobre a desnecessidade de dilação probatória. Os argumentos do Agravo que ficou retido são os mesmos dantes apontados, acrescido de referência de que “O MM. Juiz de Direito rejeitou as Preliminares, sem analisa-Ias separadamente “, além do que, “após o ajuizamento, foram repassados R$ 500.000,00 ( quinhentos mil reais) ao Fundo, estando garantido, como restos à pagar do ano de 1997, o repasse entre Janeiro a Março 1998 da importância de R$ 600.000,00 ( seiscentos mil reais)”.

A parte requerida ingressou, também em tempo oportuno, com impugnação ao valor da causa, que foi devidamente contrastada e objeto de decisão anterior deste juízo.

É o relatório, passando a decidir, com pequeno retardo, face ao acumulo de serviços.

Inicialmente cabe-me, ainda que achando inteiramente desnecessário, tecer comentários sobre as Preliminares apresentadas pelo réu, as quais já havia rejeitado no despacho de fls., em razão da afirmativa contida no Agravo retido de que este Magistrado não as rejeitou separadamente. Além do despacho de fls. 488/488v dizer as razões da rejeição (de forma blocada, é verdade, até porque me parecia óbvio a desnecessidade de aprofundamento), implicitamente separou cada uma delas ao usar a expressão: “rejeito a todas elas, escudando-me primeiro nos bens lançados argumentos jurídicos do Promovente às fls. 472 usque 475″. Ora, se o autor contra-minutou uma a uma cada Preliminar apontada pelo réu e se este Magistrado acatou os seus argumentos como razão de decidir, qualquer leitor menos avisado pode inferir que isto tem o mesmo significado que teria se tivesse sido transcrito” Ipisis literae ” para o despacho o conteúdo de cada um dos argumentos do ” Parquet”.

Ainda assim, como parece que se deseja o “Doce de côco, feito do Côco, tirado do coqueiro da beira da praia”, passo a reingressar no tema, aduzindo o seguinte:

I – Incompetência absoluta do Juízo ( declínio de competência para uma da Varas da Fazenda Municipal).

O objeto da ação é tutelar interesses da criança e do adolescente. Trata-se aqui de direitos difusos destes e não de direitos privados de ONG’S. A ação não versa sobre direito financeiro, embora tenha repercussão no campo das finanças públicas como decorrência (como diz o dito popular, ” nada se faz sem dinheiro” ). A luz dos Artigos 146, 147 e 148, IV, não há dúvidas sobre a competência Privativa da Justiça da Infância e da Juventude em processar e julgar o presente feito. Na exordial, o demandante já antecipava contra – argumentos temendo que se invocasse foro especial do Prefeito, ante uma defeituosa interpretação Constitucional. Nada daquilo foi objeto da impugnação ou resposta. Entretanto, a discussão não imaginada pelo autor, querendo a transferência de competência para uma das Varas da Fazenda Municipal, é de um primarismo interpretativo a toda prova, posto querer que a norma da Organização Judiciária local (indevidamente interpretada, registre-se, pois não se considera que data ela de 1970, por via de simples Resolução do TJ-PE, já que na época a Assembléia legislativa estava fechada por ato do Governo Militar e não faz o confronto com aquelas previstas para a então denominada” Vara de Menores Abandonados e Infratores” e quando nem existia no Ordenamento jurídico brasileiro a figura de Ação Civil Pública) possa se sobrepor à expressa determinação de Lei Federal que complementa materialmente as disposições dos Arts. 206 e 227 da Carta Magna.

Assim, pelos argumentos supra; pelo despacho de fls. e pelas posições que o Ministério Público defendeu às fls. 472/473, insisto no indeferimento da Preliminar;

II – Carência de Ação:

a) Falta de legitimidade do Ministério Público:

A legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses difusos decorre da própria Constituição Federal. Na listagem das competências do “Parquet” contidas no Ar!. 201 do Estatuto também consta no inciso V expressamente: f) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3D, inciso li, da Constituição Federal ” O mesmo comando pode ser encontrado no art. 210 que versa sobre ação civil pública. A tese só faria sentido se o “Parquet” estivesse a defender os interesses financeiros das ONG’S, o que não é o caso, como já apontado no item anterior, pois o aspecto econômico financeiro é uma mera conseqüência da pretensão que visa assegurar as crianças e adolescentes do Recife uma política de atendimento, com tutela integral, com. a participação da comunidade no processo de sua formulação, com dotações financeiras para a sua execução. Assim, resta apenas repelir a Preliminar;

b) Impossibilidade jurídica do pedido:

Esta Preliminar se confunde com o mérito. Em Ação Civil promovida pelo Ministério Público contra o Estado de Pernambuco, sobre prestação educacional em determinado bairro do Recife, tal argumento Preliminar também foi suscitado e por mim rejeitado. Por que será que os administradores públicos dos mais diversos matizes político ideológicos têm tanto receio de que seus atos possam ser apreciados pelo Judiciário? É lamentável que a doutrina velha sobre controle jurisdicional do ato administrativo continue sendo a linha de defesa de tantos.

Não há intervenção indevida do Judiciário, nem é quebrado o principio de independência e harmonia dos poderes quando o Judiciário, em sede de Ação que pleiteia a tutela sobre direito difuso, determina que o agente do executivo cumpra segundo o já expresso em lei. Em tese, o que o MP (expressamente legitimado, como dito) pleiteia é que a Constituição e a lei sejam cumpridas. Quando o Judiciário concede está adstrito a estes limites. Não se trata de Conveniência e oportunidade, como alguns insistem em querer, mas, repita-se à exaustão, de fazer com que o limite da Lei seja respeitado pelo administrador público (Entendo ser pertinente lembrar que naquela ação, dentre outros requerimentos, queria-se que o Estado recebesse a doação de um terreno e nele construísse uma escola em prazo certo. Ao mesmo tempo em que obriguei o Estado a oferecer uma escola de qualidade salas de aula com bancas, iluminação, areação, livros, presença de professores, etc – , por ser decorrência de lei e da Constituição, não acatei a proposta doação com encargo, porque aí sim é conveniência do administrador receber ou não o imóvel que se queria doar; construir ou reformar um prédio; alugar de terceiro, etc, não podendo o Judiciário intervir com “Achismos” ).

A propósito, cabe transcrever o Acórdão na apelação civil n.’ 596.017.897/ Santo Ângelo -RS, onde resta claríssimo a possibilidade de atuação do “Estado Juiz” determinando ao administrador público a instalação de obras e serviços para os quais existam previsão Constitucional ou legal:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOLESCENTE INFRATOR. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUiÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO MEMBRO INSTALAR E MANTER PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMi-LlBERDADE PARA ADOLESCENTE INFRATORES. 1. Descabimento de denunciação da lide à União e ao Município. 2. Obrigação de o Estado-Membro instalar (fazer as obras necessárias) e manter programas de internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve incluir a respectiva verba orçamentária Sentença que corretamente condenou o Estado a assim agir, sob pena de multa diária, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Norma constitucional expressa sobre a matéria e de linguagem por demais claro e forte, a afastar a alegação estatal de Que o Judiciário estaria invadindo (critérios administrativos de conveniência e oportunidade e ferindo regras orçamentárias. Valores hierarquizados em nível elevadíssimo àquele. atinentes à vida digna dos menores. Discricionariedade. Conveniência/oportunidade não pemitem ao administrador se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal. 3. Provimento em parte, para aumentar o prazo de conclusão das obras e programas e para reduzir a multa diária. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, a unanimidade, rejeitadas as preliminares: prover em parte o apelo em reexame necessário, confirme parcialmente a sentença, nos termos dos votos a seguir transcritos. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, (Excelentíssimos senhores Desembargadores Eliseu Gomes Torres, Doutor Carlos Alberto Alves Marques, Juiz de Alçada em Regime de Substituição. Porto Alegre, 12 de Março de 1997. Des. Sérgio Giscilo Pereira – Relatar-presidente

Não é demais registrar que o TJ-RS, grande paradigma do Judiciário brasileiro, já havia anteriormente decidido no mesmo sentido, em outras Câmara Cíveis mantendo sentenças dos Juizes Regionais de Uruguaiana e Santa Maria e pelo Juiz da Comarca de Passo Fundo. Aliás, da decisão de Passo Fundo, de lavra do eminente J Eugênio Fachini Neto, Mestre em Direito e Doutorando na Itália, vale a pena transcreve seguinte trecho: “.. a atuação do Judiciário deve ser vista como uma forma de colaborar para a real identificação do interesse público – Que deve ser o único fim buscado pelos três poderes. Não se trata. portanto. de uma atividade propriamente censória ou punitiva, mas de um mecanismo previsto no sistema democrático para tentar qarantir que o bem público realmente seria alcançado sempre “.

Desta forma, não há como prosperar a Preliminar.

c) Falta de interesse de agir do Ministério Público.

Esta então não merece maiores considerações. É óbvio o interesse processual do Ministério Público. Se o interesse de agir corresponde à necessidade de parte ir ao “Estado-Juiz” pleitear determinado provimento; Se não cabe buscar em Juízo algo que foi obtido, na prática, certo também é que não cabe à parte demandada apresentar ações concretas e por conta própria entender que tudo o que foi pleiteado já é por ela atendido. No mérito é que se analisará o que, quando e em qual proporção está ou não sendo propiciado pelo requerido. Resulta então de que outro caminho não existe que não o indeferimento dessa Preliminar, de sorte que restam todas rejeitadas.

Sobre o mérito, acredito ser de todo conveniente o desdobramento de cada um dos argumentos mais relevantes de parte a parte, e mesmo de temas correlatos e vitais para o deslinde da causa e não abordados, a saber:

A. ARTIGO 227, § ÚNICO DA CONSTlTUIÇÃO ESTADUAL:

A rigor, seria despiciendo falar-se a respeito do referido artigo, vistos não ser ele invocado pela parte autora como lastro para o seu pedido. Todavia, não pode ser ignorado que a sua existência instrumentalizou a representação feita pelas ONG’S ao “Parquet”; Que parcela ponderável da defesa do Município foi voltada para aduzir de inconstitucionalidade de tal dispositivo; Que por representação sua, acatada pelo eminente Procurador Geral da República, foi argüida a inconstitucionalidade do texto Constitucional Estadual referido (ADIN nº 1689-2), assim como que, por unanimidade, foi concedido a Liminar pelo STF, suspendendo os seus efeitos. Da Mesma forma, há que ser considerado o aforismo jurídico sobre a função jurisdicional li dá-me o pedido, que te darei o direito”. Não bastasse tudo isto, estou vivamente convencido de que esta é uma questão nodal a ser analisada como espécie de pré-requisito para se adentrar nos pedidos específicos da ação, seja para concedê-Ios, seja para indeferí-Ios.

Diz o Art. 227 (Caput) e o seu parágrafo único:

“O Estado e os Municípios promoverão Programas de assistência integral à criança e ao adolescente, com a participação deliberativa e operacional de entidades não governamentais…………. ( grifei).

I a V – omissis.

Parágrafo único – para o atendimento e desenvolvimento dos Programas e Ações explicitados neste Artigo, O Estado e os Municípios aplicarão anualmente. no mínimo. o percentual de um por cento dos seus respectivos Orçamentos gerais ( grifei).”

A Ação direta de Inconstitucionalidade nº 1689-2 alega que o transcrito parágrafo único do Art. 227 da Carta Estadual ofende aos artigos/18; 25; 30; 11; 61,1°, 11, “b” (inconstitucionalidade formal) e ao Art. 167, IV da Constituição Federal (inconstitucionalidade material).

Exatamente porque o efeito vinculante decorre exclusivamente das decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em ações declaratórias de constitucionalidade de Lei ou ato normativo Federal ( § 2°, Art. 102, CF), não atingindo, portanto, as ações diretas de inconstitucionalidade, as leis estaduais e, muito menos, a mesma eficácia com simples Liminares. Ouso colocar entendimento diametralmente oposto aquilo Que estudou o pedido e a concessão inicial.

Em primeiro lugar, custa-me crer que o texto oficial de ação seja aquele juntado pelo réu às fis. 373, transcrito do Diário de Pernambuco, pois ali nem se referencia quem é o requerido ( vagamente menciona: ” colhidas as informações necessárias”), embora não tenha olvidado a necessária intervenção do advogado – geral da União ( no caso concreto, por óbvio, pouco ou nada terá a dizer). O fato da constituição apresentar taxativamente os legitimados ativos para a proposição de tal ação, data vênia, não implica em deixar-se de lado os princípios gerais do processo, devendo a parte autora nomear expressamente os interessados em contraditar a pretensão. Com o maior respeito do mundo ao Ministro relator – Sidney Sanches -, excepcional jurista Paulista, que tanto se destacou como Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, quando, à época, era Desembargador do Estado de São Paulo, registro minha opinião de que antes de mais nada deveria ter sido determinado a emenda à inicial, para evitar que ficasse à cargo de um simples funcionário burocrático a identificação de quem é a parte requerida ( no caso concreto, como se vê às fis. 371, muito bem identificado, mercê, provavelmente, de tanto praticar tal tarefa).

Embora não esteja totalmente convencido da obrigatoriedade, trago, ainda, à colação um argumento intrigante: Da forma em que está redigido aquele dispositivo, o Executivo não teria que ser chamado também como litisconsorte passivo necessário (distintos os interesses a serem defendidos pela Assembléia Legislativa no que toca a Constituição propriamente dita e do Executivo como destinatário co-obrigado de Norma)?

Em segundo, não vejo tais inconstitucionalidades e muito menos que o caso “sub-judice” guarde qualquer co-relação com as decisões trazidas à cotação.

No que pertine ao alegado vicio da iniciativa no dispositivo Constitucional Estadual, por suposta ofensa ao artigo 61, § 1° da Magna Carta, já que matéria Orçamentária é de iniciativa privativa do Executivo, não vejo como se acatar os argumentos trazidos a debate. A primeiro porque se desconhece episódio recente da nossa história que foi a Assembléia Nacional Constituinte, cujo produto – a atual Constituição Federal – corresponde a uma ruptura com o ordenamento jurídico anterior, criando as novas bases de relação jurídica – social entre as pessoas ( irrelevante que para uns seja a ” Constituição cidadã”, para outros uma carta de utopias e que alguns que critiquem o exclusivismo de representação dado apenas aos parlamentares eleitos para naquela legislatura funcionarem, também, como constituintes). É nela que se prevê as adaptações, em um ano, das Constituições Estaduais. Estas estavam ( e estão) limitadas apenas a não contraditarem princípios Constitucionais Federais. Isto representa a velha separação entre “Poderes Constituintes originários” e “Poderes Constituintes derivados” . O Estado de Pernambuco, dentro de sua autonomia, escolheu, e muito bem, princípios da Constituição Federal para priorizar: a descentralização política administrativa e a prioridade absoluta ( Proteção Integral) à Criança e ao Adolescente. Ou seja, para o caso concreto a vedação poderia ser apenas do ponto de vista material, pois, se assim não fosse, se chegaria ao cúmulo do absurdo de se dizer surrealisticamente que haveria inconstitucionalidade formal intrínseca do próprio art. 167, IV, da CF, já que ali não houve iniciativa do Presidente para estabelecer as vedações nele contidas.

A Segundo porque, obviamente, o que o Art. 61, § 1° , CF impede são usurpações de iniciativas privativas do Executivo por outros Poderes em matéria Orçamentária propriamente dita ( como vinculação de receitas à despesa; criação de gastos sem receitas previstas, etc) e não fixação de princípios gerais a serem respeitadas por ocasião da feitura das leis Orçamentárias específicas. A proposta de lei Orçamentária anual, o plano plurianual, etc, estes sim estão protegidos no regramento do referido do Art. 61 C.F.

Basicamente os mesmos argumentos são igualmente válidos para a alegada ofensa à autonomia financeira e, via de consequência, à própria autonomia municipal, posto que não há nada no Art. 227, § único da C. E. P. que contrarie o direito constitucional do ente de governo” instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo de …..” Na Carta Estadual apenas há um enunciado geral sobre um mínimo (minimorum, aliás) que deva ser destinado às graves questões sociais. O produto da arrecadação pode e deve ser aplicado livremente pelo Município, nos Programas, Projetos e Ações que julgar convenientes (respeitados, no caso concreto, as disciplinas da política municipal de prevenção, Proteção e atendimento à crianças e adolescentes, como se verá adiante), desde que somados as diversas linhas de atuação do art. 227 da CEPo os seus valores sejam, no mínimo, equivalente 1% ( um por cento) do Orçamento geral do Município.

No que tange à argüida questão de inconstitucionalidade material, parece-me que comporta elementos mais complexos.

De um lado, observa-se a defeituosa redação do § único do Art. 227 da CEP., tratando como da mesma espécie coisa de gêneros diferentes, constatando-se que a obrigatoriedade de aplicação sobre percentual de orçamento inclui uma evidente contradição. E se a receita efetivamente realizada for inferior, estariam os administradores Estadual e Municipais obrigados a aplicar os valores da Previsão ?; e se maior a arrecadação: bastaria que se aplicasse o valor da previsão, prejudicando as crianças e adolescentes e o próprio objetivo colimado no dispositivo?

De outro lado, o que o Art. 167, IV da C.F proíbe é a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesas. Se a Carta Estadual fala em percentual do Orçamento ( seria melhor que tivesse dito receitas, ou receitas próprias. Por exemplo), não está violando a Constituição federal que trata apenas de impostos ( as receitas da União, Estados e Municípios, como é sabido, compõe-se de tributos: impostos, taxas, contribuições de melhorias – doações, transferências, etc). Mais ainda, a vedação é para órgãos, fundos ou despesas. A CEP. trata de um percentual da receita global para programas e ações, o que é complemente diferente.

Pouco antes da Instalação dos Governos militares no Brasil (uns chamam de revolução, outros de golpe), havia sido editado a Lei federal n.o 4320/64, tratando da elaboração do denominado ” Orçamento – Programa”.

Todas as legislações do período João Goulart foram revogadas, menos aquele monumento jurídico.

O passar dos anos levou a que lei esparsas viessem para aperfeiçoa-Ia, não para desmonta-Ia, já que filosoficamente é perfeita. Neste País onde, infelizmente, é tão grande a distância entre a realidade e as normas, rapidamente prevaleceu o conceito de que A LEI OR AMENTARIA É UMA MERA FIC ÃO ( não no sentido de que estima uma receita e prevê despesas dentro de tal expectativa, mas sim porque são violados sistematicamente, funcionando, na prática, como uma simples burocracia até dispensável na visão de alguns – por exemplo: veja-se que até 1997, como o Congresso não aprovava previamente o Orçamento do ano posterior o Executivo da União seguia governando, praticamente ao seu bel-prazer, não demonstrando qualquer apetite em incentivar os seus aliados em votarem a Lei autorizativa com brevidade).

Talvez pelo fato de antes de assumir a judicatura por longos anos (1974/1982) haver trabalhado em vários órgãos de assistência a municípios, não posso concordar com este viez que se introduziu na cultura dos Órgãos Públicos.

E dessa experiência profissional anterior que trago a convicção plena que o Constituinte Estadual não extrapolou dos limites com a disciplina dita inconstitucional.

No enunciado do caput, indica-se, como já dito, dois princípios basilares da Constituição federal: a descentralização política administrativa (art. 204, CF), incluindo-se na agenda a democracia participativa ao lado da democracia representativa e a prioridade absoluta para as crianças e adolescentes ( art. 227, CF), trazido da doutrina de Proteção Integral das Nações Unidas. Nos incisos I e V norteia quais são os Programas que precisam de implementação dentro desses princípios. O Constituinte Estadual, por assim dizer, selecionou ações prioritárias para a os desvalidos dos desvalidos”.

Não se contempla, por exemplo, a questão da saúde, da educação, do lazer, de profissionalização, da convivência familiar e comunitária, que devem ser direitos de todas as crianças e adolescentes, mas sim de categorias especiais. Destes, mais necessitados ainda de prioridade absoluta e Proteção integral, que são aqueles em situação de risco ou envolvidos em atos infracionais, portadores de deficiências, drogadictos, etc.

No parágrafo único, aponta, genericamente, os meios para que essa atuação direta possa ser prestada: destinando um percentual mínimo do Orçamento para ações preventivas e corretivas nessas áreas.

Filosoficamente, ouso dizer Que este é o mais Constitucional de todos os dispositivos da Carta Estadual.

O seu contexto indica apenas que na elaboração do Orçamento o Município identifique estas ações preventivas e corretivas e as inclua dentre aquelas que receberão aporte de verbas, além de, para não ser letra morta de Lei, aponta que o somatório dos valores destinados não seja inferior ao percentual de 1% (um por cento) do Orçamento.

Não há, assim, qualquer violação à vedação de vinculação prevista na Constituição ( por exemplo: X% do IPTU para a Secretaria tal ou para construiu tal obra, etc).

Negar aos Estados federados e aos municípios a possibilidade de identificar sua prioridades, tratando simetricamente realidades tão dispares desse a Brasilzão” é que materializa inconstitucionalidade, ferindo-Ihes de morte em suas autonomias.

Sobre este tema, cabe renovar que não tem ele repercussão direta nesta Ação, na medida em que não integra o pedido e que o Município quando elaborou em 1996 o Orçamento de 1997 já incluiu as dotações dentro dos preceitos supra e a finalidade da pretensão é voltada para a alegada omissão na execução de Lei Orçamentária. Sua análise tem uma função preparatória para o que se seguirá nos itens subseqüentes.

8) DA LEI ORGÂNICA DO MUNiCíPIO DO RECIFE.

Dentro da filosofia constitucional, ficou estabelecido prazo para as adaptações das Constituições Estaduais e, logo após a promulgação destas, cada Município editaria sua lei de Organização Municipal. logicamente a L.O.M. deverá guardar consonância com a Constituição federal e com a Constituição Estadual.

A Lei Orgânica do Município do Recife, em seu artigo 145 e parágrafo único estabelece:

“Art. 145 – O Município criará o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Parágrafo único – O Conselho referido neste artigo, de natureza deliberativa e de composição paritária, entre representantes das políticas públicas e das entidades representativas da sociedade. definirá as políticas relativas à criança e ao adolescente, o controle das ações e a aplicação dos recursos previstos no Parágrafo único, art. 227 da Constituição Estadual”.

Avulta do conteúdo deste artigo alguns aspectos relevantes como a natureza deliberativa, a composição paritária, a competência expressa para definir políticas, controle de ações e aplicação de recursos.

É, portanto, um conselho completamente diferente de tantos outros que existem a mais tempo e já introjetados na cultura da administração pública ( por exemplo: Conselhos Estaduais e Municipais de saúde, de educação, de assistência social; de transporte da Região Metropolitana, etc). Estes são de natureza consultiva, apenas opinando sobre ações a serem executadas. O de Promoção de direitos decide o que deve se fazer, quando, como e quem será o agente, e a origem dos recursos. O Executivo do Município, do Estado ou da União, constituem importantíssimos parceiros e agentes executores, seja pela natureza de sua funções inerentes, seja porque, em cada âmbito de competência, já entra com metade da composição dos conselheiros, mas, em qualquer caso, terá que respeitar as deliberações do Conselho.

Esta lógica foi inserida na Lei federal nº 8069/90, regulamentando o Art. 204 da C.F. e trazida com muita competência para a Lei Orgânica do Município do Recife. A propósito dessa última referência, basta se vê o capítulo da L.O.M.R. sobre o processo de participação popular para se constatar o quão foi feliz o legislativo municipal ao trazer para a lei local o detalhamento do comando programático da Magna Carta.

Não há qualquer invasão de competência do Executivo (na teoria, registre-se) com tal lógica de democracia participativa. Apenas o Poder Executivo no Brasil, hipertrofiado como em nenhum estado de direito do mundo, sempre se viu e agiu como uma espécie de “Paladino do Oeste”, ou “Sheriff”’ da sociedade em geral e dos demais poderes e sozinho sempre planejou, executou as ações públicas, com todos as desmandos e mazelas, sobejamente conhecidos. Fiz a referência de que o modelo teoricamente é o adequado, por ser forçoso reconhecer que alguns que se dizem defensores da democracia participativa nada mais são do que derrotados enrustidos nas urnas e sequiosos para paralisarem as ações daqueles que foram escolhidos pelo povo para representa-Ias, ou, pior ainda, quererem impingir aos vencedores que executem o seu plano de ação que foi rejeitado pela população nas eleições democráticas (mau comparando, parece o movimento feminista da década de setenta, que não traduzia ações a favor de mulheres e sim contra os homens).

É exatamente a constatação da concentração de poderes no Executivo e da existência da verdade mesquinha a que aludi no parágrafo anterior que leva o verdadeiro democrata a não se alinhar nem com uma nem com outra postura e lutar para que o modelo adequado seja praticado no mundo real sem os vi cios e ranços que o deformam.

Valem aqui os mesmos argumentos antes expendidos no cotejo entre os limites da Constituição Estadual frente a Carta Federal. O legislador municipal aceitou integralmente o preceito do Art. 227, § único da CEP. Poderia não tê-Ia feito, ou simplesmente omitido qualquer referência àquele dispositivo ou questionado a sua constitucionalidade, como agora fez o Executivo local após tantos anos de sua vigência. Não ! o legislador do município, dentro do princípio de autonomia municipal, optou claramente por incorporar à normativa local a filosofia da Carta Estadual. Não há o Que se discutir. É lei em Recife. e Lei existe para ser cumprida. Aqui valem também os mesmos argumentos já apresentados sobre a participação do Executivo no processo de feitura da Organização Municipal.

DO ORÇAMENTO

É da iniciativa privativa do poder executivo as Leis que estabelecem: I – o plano plurianual orçamentário; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.

Para que fique bem claro aqueles não versados no tema, cabe detalhar o conteúdo supra, mesmo que superficialmente: A Lei que institui o Plano plurianual estabelece as diretrizes políticas, os objetivos, as estratégias de ação, os planos, formas de financiamento, de moldes a que os planos e programas setoriais sejam elaborado em consonância com o seu conteúdo; A Lei das diretrizes contempla metas e prioridades da administração, inclusive as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, prescipuamente orientando a elaboração de Lei Orçamentária anual; já a Lei Orçamentária contempla o orçamento fiscal referente aos poderes municipais, SEUS FUNDOS, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, assim como o orçamento de investimentos de empresas em que o Município, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Ele abrange todas as receitas e despesas dos poderes municipais, seus fundos órgão, etc. Expressamente lhe é vedado que contenha elementos estranhos à previsão de receitas e fixação de despesas, exceto autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito. Todas elas obedecem a processo legislativo especialíssimo.

Esta rápida noção sobre Orçamento e normas gerais de direito financeiro se faz necessário para se referenciar duas constatações:

A leitura das Leis Municipais referidas anteriormente (além da Lei Orçamentária para este exercício 98) deixa claro que o princípio contido na CEP, e na LOMR. foi inserido em todas as normas Orçamentárias do Recife. Ou seja, a curto prazo não há nenhum efeito prático ( até o limite temporal do último Plurianual) se eventualmente o STF declarar inconstitucional o Art. 227 § único da CEP. Mais ainda. com as normas Orçamentárias cai totalmente por terra o argumento de não participacão do Executivo no processo legislativo que previu as despesas objeto desta ação.

DO CARÁTER MERAMENTE AUTORIZATIVO DO ORÇAMENTO

Este é um dos argumentos clássicos utilizados sempre que o Poder Público se vê atacado em Ações Civis Públicas. Arraigado na velha doutrina da intocabilidade da conveniência e oportunidade, ele torna-se sedutor e espécie de último bastião de defesa doutrinária. Ou seja, acaso superado todos os obstáculos sobre a obrigação do Executivo fazer ou deixar de fazer alguma coisa, logo de ouve: ” não há previsão Orçamentária para tal despesa; “ou” a Lei Orçamentária apenas autorizou tal despesas, não estando o Executivo obrigado a realizá-Io, seja por receita inferior à previsão, seja ( mais uma vez) porque não era mais conveniente ou oportuno realizá-Io “. Para o primeiro argumento, a única solução que a via da Ação Civil Pública pode obrigar é a inclusão na proposta Orçamentária do ano seguinte e na subseqüente execução financeira semestral, com multa pecuniária para o inadimplemento. No segundo, a questão da resistência toma um rumo mais grave, pois se caracteriza não como manifestação do regime Presidencialista ou da autonomia de Poderes, como dizem alguns, mas grotesca caricatura do ABSOLUTISMO.

Pretende o administrador público sobrepor sua vontade imperial à Convenção Internacional ratificada pelo Brasil; Constituição Federal; à Constituição Estadual; Lei Orgânica; Lei do Plano Plurianual; Lei das diretrizes Orçamentárias e Lei do Orçamento anual, se achando acima do bem e do mal, não podendo ser fiscalizado pelo povo (exceto nas eleições); nem pelo Ministério Público e ser indébita qualquer intervenção do Judiciário.

No caso concreto, cabe alinhar alguns argumentos específicos:

1) O Brasil ratificou a Convenção de New York sobre os direitos da criança, com a doutrina de Proteção Integral do ONU ( só 2 Países do mundo não a ratificaram; EEUU e Somália). Isto quer dízer que os seus princípios se incorporaram à normativa interna do nosso País. E nela que a prioridade absoluta tem sua origem;

2) A Constituição Federal diz que a criança e o adolescente tem prioridade absoluta. Ou seja, prirmazia total. É importante o registro de que não !lá na Magna Carta nenhuma outra disposíção similar Ou análoga. Em outras palavras, a Lei das Leis impõe que sobre qualquer outro destinatário ou setor de vida em sociedade SEMPRE a criança e o adolescente estejam em 1° lugar.

O Sr. Prefeito, ao contrário, diz que esta é a 78ª prioridade de sua administração em conflito direto com a convenção e o comando constitucional (pessoalmente até penso que isto foi um episódio isolado expresso indevidamente ou mal traduzido pelo Jornalista, até porque distancia um pouco de sua prática administrativa, seja para ações correlatas que não integram diretamente o rol daquelas especificamente destinadas aos vulnerabilizados, como as áreas de saúde e educação, seja por programas de excepcional importância para aqueles em situação de risco, como o bolsa-escola e o competente direcionamento às ações da Legião Assistencial do Recife em favor dos a “Meninos de rua” dado por sua esposa – Dra. Jane Magalhães).

3) A Constituição Estadual explícita em cinco incisos do Art.. 227 quais são as áreas nas quais se obriga a aplicação do percentual de 1% (um por cento). O Município em sua defesa tergiversa ao incluir outros investimentos sociais relevantíssimos para dizer que aplica muito mais do que este percentual;

4) A Lei Orgânica do Município diz que o Órgão formulador e gestor dos recursos para tais ações é o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e Adolescente. Mais uma vez o Município tergiversa ao querer computar iniciativas em que efetuou gastos diretamente, fora dos planos aprovados no Conselho e com fundos por este geridos;

5) As normas Orçamentárias, em especial aqui as Lei Orçamentária do ano de 1997 diz os valores específicos para tal finalidade (R$ 2..427.000,00). O Município fez uma Programação financeira extremamente aquém desse valor e, pior ainda. não fez o repasse dessa verbas reduzidas;

6) Comprovado que na época do ajuizamento da Ação não havia repassado nem 1% ( um por cento) dos 1% (um por cento), em sessão do COMDICA, uma das suas mais ilustres conselheiras, integrando a parcela governamental dos seus membros, traz uma boa (ótima) nova. Repasse de uma grande quantia ainda em 1997 ( 500 mil) e mais 600 mil entre Janeiro a Março 98 a título de ” restos a pagar” do exercício anterior. Como foi noticiado na mídia este “acordo”, e que verbas foram repassadas para ONG’S pelo COMDICA e ninguém até agora” chiou” na imprensa, quero crer que realmente os. repasses aconteceram. A soma desses valores com aqueles repassados até o ajuizamento não totalizam nem 50% do valor previsto. Surge ai uma questão: Tem o conselho legitimidade para abdicar de dotações que teriam que lhe ser repassadas não para o próprio colegiado, mas para ações direcionadas para crianças e adolescentes vulnerabilizados? ; Quem lhes outorgou procuração com tais poderes?

No plano político, acho a iniciativa salutar e sempre defendi que uma solução negociada talvez fosse a grande solução para evitar novos impasses nos anos subsequentes. Acho louvável que a Prefeitura, embora tardiamente, e só após o ajuizamento, tenha incluído a questão na sua agenda de prioridades. Afinal de contas, como diz a sabedoria popular; . Antes tarde do que nunca!”. Mas só no plano político. A solução era magistral se encontrada antes do ajuizamento. Agora cabe ao “Estado-Juiz” o deslinde da questão, pois nem mesmo o Ministério Público (autor da ação) pode mais fazer acordo nos autos, por se trata de direitos indisponíveis ( vida, saúde, etc) de terceiros. A solução seria um ” ajuste de conduta”, maravilhosa previsão do Estatuto para prevenir litígios e solucionar problemas na área da Infância, mas, a julgar pelas notícias veiculadas na imprensa (e nunca desmentidas) de que o Exmo. Sr. Prefeito municipal teria dito: ” Primeiro só necessita de ajuste quem é débil ou marginal. Como eu não sou nem uma coisa nem outra, considerarei uma ofensa se me encaminharem um documento desse teor” parece que no momento isto é uma utopia.

7) a causa do repasse menor do que a metade da previsão seria a baixa de arrecadação?

Esta seria uma explicação lógica e razoável. Se a arrecadação foi inferior ao previsto, obviamente alguns segmentos teriam que ter dotações reduzidas. O trabalho seria apenas se verificar se o “sacrifício” foi mau distribuído, punindo-se apenas a área que para a Constituição Federal constitui prioridade absoluta.

É com um misto de alegria e tristeza que registro que tal não ocorreu. Alegria porque, a teor do noticiário veiculado na imprensa ( que determino seja anexado aos autos), materializando óbvio “Press-relese” produzido na assessoria da PCR, o que houve foi um superávit de 7,1% ( sete, virgula, um por cento) sobre a arrecadação prevista. Triste porque este incremento de receita, fruto do esforço do Prefeito, secretários e funcionários em geral, pois nada houve de relevante no campo macro – econômico que o justificasse, em nada aproveitou as crianças e adolescentes recifenses. Ao contrário, apesar dele o município repassou ao fundo algo em torno de 50% (cinquenta por cento) da previsão.

8) A Lei Orçamentária é meramente autorizativa.

Esta afirmativa é absolutamente verdadeira, mas não com a acepção que lhe quer emprestar a defesa do requerido. Do ponto de vista técnico Orçamentário, e para isto que existe a Lei. Se de um lado estima a receita, de outro programa o que será executado com tal numerário.

Isto representa a própria essência do conceito do ” Orçamento Programa” Os demais elementos que o constituem, como a programação da execução financeira ou os planos plurianuais nada mais são do que as vertentes do curto e do longo prazo do mesmo conceito. Óbvio é, como já dito, que a receita pode ser inferior (quase sempre isto ocorre por defeito de planejamento). Também podem ocorrer emergências e catástrofes ( para isto existem as reservas de contigência e as possibilidades da própria Lei para suplementação de dotações). Igualmente em todos os planos de qualquer administração . pode ocorrer que determinado segmento ganhe prioridade e exija aceleração (por exemplo, assinatura de convênios com verbas extra-orçamentária para obra ou serviço já previsto no Orçamento e que exija contra-partidas). São inúmeras as situações em que de forma legítima pode se considerar a Lei Orçamentária como peça eminentemente autorizativa.

Como já referenciei, esta ficção não se confunde com arbítrio. A proposta Orçamentária não pode ser um simples papel sem qualquer vinculação com a realidade, completamente diferente da prestação de contas do exercício. Se assim não for, para quê Orçamentos programas? É de se aceitar a versão grotesca de que as Leis existem para serem violadas?

Há um liame invisível, mas efetivo, a ligar os planos do administrador; a Lei Orçamentária e a sua execução. Fora disso é arbitrário puro e simples, sem respeito ao Estado de direito.

No caso concreto, veja-se, em ordem decrescente:

I) A convenção ratificada pelo Brasil e a Constituição Federal dizem que criança e adolescente tem prioridade absoluta;

II) A Constituição Estadual impõe um ínfimo percentual obrigatório ao Estado e Municípios para aplicação a favor destes;

III) A Lei Orgânica do Município ( por assim dizer, Constituição Municipal) obriga este pequeno percentual para o fundo da criança e do adolescente;

IV) A Lei Orçamentária (de iniciativa do Executivo) aponta valores compatíveis com este percentual e com a lógica supra;

V) Na programação de execução financeira, a Prefeitura reduz este valor e, na prática, nem esta redução transfere ao fundo;

VI) A prestação de contas aponta que o Município teve superávit financeiro;

VII) Apesar de tudo isto, a Prefeitura não transfere dotações suficientes ao fundo.

É a isto que querem chamar de “Lei meramente autorizativa” (sic)?

Ao meu ver, o que resta caracterizado é uma hiper-manifestação de absolutismo, impensável até pelo” Rei-Sol”, Luiz XIV, quando cunhou a frase “Le etat c’ moi” .

Custa-me crer que o entendimento defendido seja exatamente aquilo que pensa o Sr. Prefeito Municipal. Seria enormemente frustrante não só para mim, mas também para milhares de Pernambucanos que já sufragaram seu nome para Vice-Governador; Governador; Senador (não eleito); Deputado Federal e Prefeito da Capital. professor emérito da Faculdade de Direito; Jurista de escol; Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal em momento crítico da Nação, é ele um dos poucos políticos brasileiros respeitados por sua competência, honra, altivez, seriedade no trato da coisa pública, inclusive, e principalmente, por seus adversários ideológicos.

Por isso mesmo procurei identificar o seu posicionamento pessoal sobre o tema em tela, quando posto academicamente e em tese, encontrando a sua essência em palestra que proferiu em 28/06/97, sob o tema “As Políticas Públicas e o Judiciário”, por ocasião de Encerramento do Congresso da Associação dos Magistrados Brasileiros -AMB, realizado em Recife.

Naquela ocasião, cujo texto integral determino seja junto aos autos, o que pude depreender é que o Jurista Roberto Magalhães defende as posições acadêmicas tradicionais, construídas antes da chegada ao Brasil do Instituto das Ações Civis Públicas para direitos difusos e coletivos, o que é inteiramente compreensível, pois coincide, de uma certa forma, com o seu afastamento da efervecência dos debates acadêmicos e da predominância em sua vida da atividade político partidária.

Entendo conveniente pinçar e transcrever partes principais do texto, para demonstrar a unidade de seu pensamento. É lógico e coerente nas suas posições, embora pessoalmente não concorde com a maioria delas, pelos diversos argumentos que já expendi anteriormente. Há momentos em que observo identidade absoluta entre o seu o meu pensamento, como na ocasião em que trata da visão distorcida de alguns defensores da chamada democracia participativa (basta se comparar o que este Magistrado disse às fls.13/14 e a transcrição nos itens 7 e 10 abaixo).

Veja-se abaixo a síntese do seu pensamento sobre o assunto:

1) “Política Pública é um conjunto de diretrizes e ações governamentais conscientemente adotadas, para alcançar propósitos e objetivos determinados e relacionados com o interesse público”;

2) “Mas não apenas o Executivo decide sobre as políticas públicas”;

3) “No exercício da função de governador do Estado nos anos 80, víamos o Poder Judiciário como o Poder que a qualquer momento poderia sustar ou anular atos do Executivo, em reconhecimento de direitos individuais ameaçados ou violados…” “…mas como Prefeito, diferentemente, vislumbramos o Judiciário como o Poder que tem condições de assegurar ao Prefeito o exercício pleno do seu mandato eletivo e ao Município a autonomia que lhe é Constitucionalmente assegurada”;

4) Sobre a opinião de Miguel Reale em relação à Constituição de 1988, nela identificando como traço marcante o predomínio da sociedade sobre o Estado: Data Vênia. pensamos que não se trata de predomínio, mas de relevância. Ou seja, o Estado existe para cumprir políticas e fins de interesse da sociedade. E não a sociedade existindo para justificar a presença do Estado”;

5) “Aquele que conquiste, em eleição livres, a maioria do eleitorado estará legitimado pela própria sociedade civil para governar a cidade, o Estado ou Pais, conforme o caso”;

6) “O corpo eleitoral não é um entre dissociado da população, antes a representa com absoluta legitimidade”;

7) “Há quem por desconhecimento do direito Constitucional e da teoria do Estado, pretenda ver, a partir da Carta de 1998, a subordinação dos Poderes Executivos do Estado e dos Municípios à vontade e interesses de entes auto-proclamados representantes da sociedade civil. na fom1Ulação de Políticas Públicas”;

8) “Já precisamos recorrer ao STF, através de representação ao ilustre Procurador Geral da República, a fim de assegurar a autonomia do Município e, consequentemente, a intangibilidade do mandato que exercemos”;

9) Sobre alguns Conselhos Municipais: ” ……. ” no entanto, talvez por terem menos tradição e experiência, ou por motivação política, são levados a acatar uma postura concorrente com a do exercício do Poder Executivo. Chegam a negar a legitimidade da iniciativa dos Governadores ou Prefeitos, na formulação de Políticas Públicas, sem que haja seu pronunciamento prévio e sua aprovação, até mesmo no caso de envio de mensagem a Projeto de Lei ao Poder Legislativo”;

10) “A participação da sociedade na formulação e exercício das políticas é saudável e pode, embora não necessariamente, suprir insuficiências e desvios de representação política e institucional. Todavia, é da mais elementar evidência que a participação, mesmo que prevista na Constituição Federal, não pode limitar ou excluir as atribuições dos poderes legitimamente constituídos nos três níveis da federação. Ou seja, a participação é um plus no sentido de aperfeiçoar a representação e não um substituto desta”;

11) A propósito de questão que ele próprio aponta no que pertine ao alargamento de forma quase ilimitada das atribuições do Ministério Público através da Ação Civil Pública na defesa dos interesses difusos, conferindo poderes, por decorrência, ao Judiciário de controlar os atos administrativos não apenas pela ótica da legalidade, mas também das políticas públicas (programas, projeto, verbas orçamentárias, etc) após registrar que sabe das decisões de 1ª Instância nesse sentido e transcrever acórdão da r. seção do STJ: ” não acreditamos que Políticos vocacionados e dedicados à coisa pública se interessem por enfrentar os rigores de uma companhia eleitoral para, depois de vitoriosos, se tomarem meros. instrumentos de entidades e pessoas sem a legitimidade do voto.. Além disso, um Poder Executivo sem poderes constitucionais da gestão pública seria como um Judiciário sem os seus predicamentos: um poder aparente”

12) “Enquanto não se formar jurisprudência definitiva sobre a possibilidade ou não do Judiciário entrar no exame do mérito dos” atos administrativos, alterar Políticas Públicas e decidir sobre a execução orçamentária dos Estados e Municípios, estaremos a viver tempos de insegurança e incertezas. em meio a um número cada vez maior de conflitos e processos judiciais. Temos a convicção de que o Poder Judiciário terá no próximos anos uma extraordinária participação, através da construção jurisprudencial, no deslinde de inúmeras questões como as duas aqui levantadas”.

A leitura atenta dos trechos leva a duas constatações. A primeira é ótima e salutar, pois se resolve no campo das idéias. Salta os olhos, por tudo que afirmei antes, ao apreciar as Preliminares e temas anteriormente abordados, que vetustamente divirjo de: maioria das posições do Sr. Prefeito Municipal sobre este tema. Ainda academicamente, em” um estado de direito onde o conflito de idéias passa a ser visto como algo de construtivo para, . a sociedade, permito-me, rapidamente, complementar as minhas posições anteriores, dizendo sobre os trechos da fala do Dr. Roberto Magalhães:

1) 0 conceito teórico é bom, mas não guarda coerência com’ a-! situação fática onde a omissão de municipalidade e o deslocamento das verbas do que deveria ser prioridade absoluta inviabilizaram a Política Pública prevista para a criança e o adolescente;

2) Concordo com a frase sobre a não exclusiva decisão do Executivo. ‘. sobre Políticas Públicas, apenas não limito a possibilidade de intervenção do Judiciário a questão da legalidade;

3) As 2 (duas) visões sobre o papel do Judiciário não são excludentes. Falta apenas somar a elas a perspectiva de atuação. Sobre Políticas Públicas (ação ou omissão), em desacordo com a Lei, sem excessos para assegurar a autonomia, independência e isonomia dos Poderes e não descambar para estritas situações de conveniência e oportunidade;

4) É exatamente pela absoluta correção do conceito que não pode o Poder Público local atuar contra o explicitado na Convenção da ONU, Constituição Federal, Constituição Estadual; Lei Orgânica do Município; Leis Orçamentárias;

5) A frase é verdadeira, em termos. A vitória eleitoral não tem o condão mágico de transformar-se em um “cheque em branco” dado pela sociedade para que o vitorioso haja da forma que quiser e pensar;

6) Este conceito basilar da democracia representativa começa a ser abalado. Consubstancia uma “quase verdade”. No início de Abril a imprensa mostrou resultados de teses de Mestrado onde se aponta o declínio vertiginoso de eleitores que comparecem às eleições em Países nos quais o voto é facultativo, assim como que dentre os que comparecem a maioria vota nulo e em branco. Que em Pernambuco 49% (quarenta e nove por cento) dos votos proporcionais foram nulos e brancos. Pesquisas sem cunho científicos também constatam que a maioria dos eleitores não lembram em quem votaram na eleição passada e só o fizeram porque no Brasil o voto é obrigatório;

7) A frase é mais que verdadeira. É por estas e outras que vejo como inafastável a presença do “Estado-Juiz” para dirimir conflitos, e para afastar excessos de interpretações dos que querem o alijamento dos poderes constituídos;

8) É salutar que a Prefeitura tenha buscado o Judiciário para dirimir o conflito, embora, como já registrado, não concordo com os fundamentos do pedido da suposta inconstitucionalidade e, via de conseqüência, que a disposição da Carta Estadual não ofende a autonomia municipal{ e não atinge o mandato dos seus dirigentes eleitos;

9) Como já afirmei, o choque aqui é cultural, pois este Conselho tem em legislação Federal, Estadual e Municipal atributos distintos dos outros conselhos que lhe precederam na existência. É óbvio que aqui ou acolá possam surgir excessos. Quando isto ocorrer e não for possível resolver na mesa de negociação (quase sempre será possível, até porque sua composição é paritária), o conflito deve ser dirimido pelo “Estado-Juiz”;

10) Concordo em gênero, número e grau com a frase e acho que ela se encaixa como uma luva no caso concreto. É saudável, supre insuficiências e desvios da representação política; não excluir os poderes locais e representa um PLUS para aperfeiçoar a representação;

11) É ótimo que o Sr. Prefeito já saiba das decisões do 1º grau (parece que desconhecidas pelo Procurador da Prefeitura). Melhor será agora após esta sentença, pois saberá que na 2ª Instância o entendimento já está prevalecendo, como antes apontei. Ao contrário de que pensa o Dr. Roberto Magalhães, acho que políticos vocacionados e dedicados à coisa pública continuarão a se interessar por mandatos executivos caso finalmente se fixe o entendimento de que o Judiciário pode deliberar sobre políticas públicas. Aquele que age dentro da Lei ( de quem somos todos escravos) nada terá a temer. O arbítrio e a prepotência diminuirão; as pessoas e entidades não detentoras de mandatos terão um freio para os seus instintos de querer imobilizar a todo o custo os administradores eleitos: teremos, em fim, uma sociedade mais justa;

Comungo da preocupação do Prefeito sobre o uso indevido das ações civis, quer pelo Ministério Público, quer pela sociedade civil, quando se observa nas noticias da imprensa pleitos ingênuos até irresponsáveis, como se estas ações fossem a panaceia do mundo. Mas isto não justifica ser contra o instituto. Ao contrário, cabe estimulá-Io para que nas condições do item 12 sejam os pleitos tratados com mais profissionalismo.

12) A frase é lapidar. Estamos todos nesta ação (sociedade civil, Ministério Público, Município e Judiciário) fazendo nossas partes para construir este edifício. Cada um firmou sua posição. Pela própria natureza constitucional, cabe ao Judiciário julgar em 1º grau. São vários os Estados da federação em têm disposições similares à Constituição Pernambucana; são centenas de municípios que têm em suas Leis Orgânicas artigos análogos ao da L.O.M. do Recife; em todos os orçamento da União, Estados e Municípios são previstos dotações Orçamentárias para programas destinados à crianças e adolescentes em situação de risco ( às vezes também não aplicados, contra todas as normas em vigor). Tenho a consciência de que neste momento estamos fazendo História. Não só para Recife e Pernambuco como para todo o Brasil. Serão os recursos desta decisão, que certamente ocorrerão, que indo ao Tribunal de Justiça do Estado e/ou aos Tribunais Superiores, seja qual for a decisão final, que balizarão definitivamente a questão como propugna o ilustre Prefeito Municipal.

A 2ª constatação é péssima, pois se observa um enorme e radical distanciamento entre as posições do chefe da edilidade municipal (diga-se novamente, emérito Jurista, constitucionalista e comercialista de escola) e as posições apontadas na contestação do Município.

Comparo e lembro-me da versão popular do quadro em que o subordinado faz de tudo para agradar o chefe, embora, no mais das vezes, se excedendo no resultados que este pretendia alcançar. Não deve ter lido o discurso do chefe.

As posições defendidas são tecnicamente frágeis, juridicamente indefensáveis e politicamente desastrosas, pois colocam o Prefeito como uma espécie de inimigo da prioridade absoluta para crianças e adolescentes e defensor intransigente de meros formalismos.

Exorbitou o administrador local ao transferir dotações obrigatórias da área da infância e o seu ato “contra-Iegis” se submete ao controle do Judiciário, pois não se circunscreve nos limites da conveniência e oportunidade.

DO PAPEL DO CONSELHO E DO FUNDO MUNICIPAL

A Lei municipal nº 15.604 de 18.02.92 dispõe sobre a política municipal dos direitos da criança e do adolescente, criando o Conselho municipal de Defesa e Promoção dos seus direitos. Textualmente, no caput do artigo segundo, diz que este Conselho é o órgão controlador e deliberativo da política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente e, no inciso IV deste artigo fala em destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a Proteção à Infância e à Adolescência. No parágrafo único do artigo terceiro fala na necessária consulta ao Conselho sobre criação de programas que digam respeito a criança e ao adolescente de caráter compensatório ou supletivo às políticas sociais básicas do município.

Dentre as suas competências para o caso concreto, avultam as de definição, junto aos Poderes Executivo e Legislativo municipais, de percentual de dotações orçamentárias a ser destinado a execução das políticas sociais básicas e assistenciais referentes à criança e do adolescente e GERIR O FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E 00 ADOLESCENTE.

Este fundo é composto de recursos do Orçamento municipal, transferências Estaduais e Federais, doações de contribuintes, multas produtos de convênios. Com dotações e rubricas Orçamentárias próprias, é o Conselho quem fixa critérios para utilização dos recursos financeiros. ( para isto recebendo consulta do Executivo municipal, quando da elaboração da Lei de diretrizes orçamentárias e do Orçamentos anual).

A Lei nº 15.820 de 24.11.93 institui o fundo municipal, observando as regras supra, sendo de se destacar que tem ele o objetivo de assegurar condições financeiras e de gerência dos recursos destinados à execução da Política municipal de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, e que o mesmo é vinculado direta e exclusivamente ao Conselho Municipal. Os seus recursos, dentre outras destinações, devem ser aplicados para: o repasse de recursos A ENTIDADES GOVERNAMENTAIS e não Governamentais que desenvolvem atividades de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. (grifei!).

Não é demais o registro de que a primeira Lei mencionada foi iniciativa do então Prefeito e hoje Deputado Estadual Gilberto Marques Paulo ( que foi secretário de Justiça e do Governo do atual Prefeito da Capital quando este era o Governador do Estado) a segunda do Dr. Jarbas Vasconcelos, que antecedeu ao atual Burgomestre, sendo o seu principal apoiador no embate eleitoral. Faço o registro para mostrar apenas que não se trata de legislações promovidas por antecessores de orientação política ideológica diferentes daquelas que reinam na atual administração, ao contrário. Vale também para demonstrar que aqueles que governam o município a partir da vigência da Carta federal /88, Constituição Estadual 89, Lei nº 8069/90, Lei Orgânica do Município estavam sintonizados ( pelo menos no plano teórico) com as lógica de doutrina da proteção integral das Nações Unidas e com o princípio de prioridade absoluta nela inserido.

Não há dúvidas de que é legal e legítima a cobrança do Conselho Municipal em querer a participação nas fases preparatórias do Orçamento local e na definição de programas e políticas compensatórias ou supletivas. Dúvidas também não há que lhe cabe, com exclusividade, fixar os critérios para aplicação dos recursos do fundo.

Entretanto, observo a existência, não só aqui em Recife, mas em todas as cidades e Estados brasileiros de uma visão completamente distorcida do papel financiador do fundo. Seja na representação formulada pelas ONG’S, na exordial e réplica do Ministério Público e na impugnação e contestação do município, é possível se encontrar, expressar ou tacitamente, o conceito de que as dotações dos fundos municipais devam ser dirigidas para as ações de organizações não governamentais que atuam na área da criança, quando isto consubstancia ótica vesga e distorcida do modelo teórico pensado na feitura do Estatuto da criança e do adolescente e, pior ainda, da expressa previsão legal.

O modelo teórico não quer a concorrência com o Poder Executivo. Pugna pela definição de competências. Antes tudo se concentrava no Poder Executivo. Hoje os papéis dos diversos atores ganham novos contornos. Não fazia sentido o macroplanejamento a sua execução e fiscalização ficarem oniscientemente a cargo do mesmo ente de governo. Por isto mesmo, seja a nível federal, Estadual ou municipal, os respectivos conselhos formulam a política dos direitos da criança e do adolescente, integrados às políticas sociais básicas e assistenciais, com exclusividade. Mas de forma conjunta e articulada com o Executivo ( no caso concreto, o município), atuam na definição de prioridades de programas, projetos e ações e na alocação de recursos. Como coordenador do sistema, têm a atribuição exclusiva ( mas com o apoio de todos os agentes executores) na fiscalização da implementação da política pré-traçada.

Mas a Execução não lhe cabe. É feita pelo poder público (prioritariamente) e supletivamente por entidades intermediárias da própria sociedade civil.

Se o Conselho é gestor do fundo municipal e se nessa qualidade elaborou o plano anual de aplicação, fixou critérios para a utilização dos recursos, firmou convênios, captou recursos, fixou prioridades, à luz da política pré-traçada, óbvio é que suas dotações não podem continuar a merecer a visão de ” saco de esmola” de verbas públicas em favor das ONG’S.

É provavelmente por causa dessa visão distorcida que os Conselhos de todos o país ficam imobilizados, deitados eternamente em berço esplendido”, esperando e contando apenas com os repasses de verbas Orçamentárias do Poder Executivo. Não se observa em lugar nenhum uma postura marcante para ampliar as doações a que alude o art. 260 do Estatuto, mesmo sabendo-se que desde o governo Itamar Franco que foi editada um Decreto para regulamentar as contribuições das pessoas jurídicas. Só isto bastaria para justificar um vigoroso plano de articulação com associações comerciais, federação das industrias e dos Bancos, etc.

A Lei fala em repasse de recursos do fundo para entidade Governamentais e não Governamentais e, repita-se, prioritariamente as políticas públicas devam ficar a cargo do Poder Público.

Disso decorre que a “mens legis” é completamente distinta daquilo que vem sendo praticado.

Exemplificando com o caso concreto, o município deveria fazer o seguinte: a) incluir no orçamento anual ( e demais leis Orçamentárias), nas devidas rubricas das unidades administrativas adequadas, as dotações para saúde, educação, transporte, lazer, esportes, profissionalização, cultura, suplementação alimentar,etc; b) na previsão Orçamentária do fundo, incluir pelo menos 1% ( um por cento) do seu Orçamento geral para ações que guardem coerência com os incisos I a V do Art. 227 da Constituição Estadual, como manda o art. 145 da lei Orgânica do Município; c) na previsão de despesas de órgãos de administração direta ou indireta, ou beneficiadas com transferência, como por exemplo: secretaria de políticas sociais; coordenadoria da criança e do adolescente, LAR, etc, pelo menos, parcela delas serem sustentadas com dotações do fundo municipal; d) na época oportuna, apresentar ao Conselho os planos de aplicação para serem apreciados e, se aprovados, contarem com a efetiva alocação de recursos do Fundo Municipal (sejam os do Orçamento local, de transferência Estaduais e Federais, doação de contribuintes, multas, etc).

O conselho tem que ter critérios decentes para a utilização dos recursos; tem que fazer um plano de aplicação anual; acompanhar e avaliar a aplicação do numerário. A análise há que ser de conteúdo técnico. Se os planos de aplicação apresentados pela P.C.R. forem todos eles melhores e mais transformadores do que os formulados pelos ONG’S, que a ela (Prefeitura) se destine a totalidade dos valores disponíveis. Em contrário senso, se a constatação for totalmente favorável aos planos de aplicação das ONG’S, que estas façam jus aos valores integrais. Cada um que cuide de aprimorar suas ações, com idéias inovadoras, lúcidas, baratas e eficazes. O desaconselhável é que um gênio “qualquer proponha dividir em metade para os governamentais e metade para os não governamentais, por ser o conselho paritário, pois neste caso estará se fundando um novo cartório, provavelmente distanciado das reais necessidades da população.

Este modelo não é impossível de ser posto em prática. Faltou até agora vontade política de viabilizá-lo, praticamente em todos os rincões do Pais. De um lado os Executivos dos Estados e municípios fazem de tudo para manter o controle político (com. p. minúsculo) das verbas. De outra, as ONG’S, ou parte delas, apenas sabem espernear e apontar erros, sem uma visão nítida do que seria a alternativa correta. Outras preferem ficar pousando de vítima, para terem acesso a ajudas internacionais. Finalmente, ainda existem algumas que conseguem ter acesso ás verbas públicas, são beneficiadas quando .pinga algum trocado. no fundo( municipal, Estadual ou federal) e não têm qualquer interesse em mudar o . Status Quo”.

Aqui mesmo em Pernambuco existe um fundo que funciona há cerca de 20 anos nos moldes apontados sem que tivesse havido qualquer problema político ou técnico, quer quando havia muitos recursos disponíveis, quer nos períodos de escassez.

Trata-se do fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife, FUNDERM, que tem como gestor a Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife-FIDEM. Os planos de aplicação são analisados e, após aprovados, já financiaram no passado ações de Secretarias de Estado, da Compesa, Celpe, todas as Prefeituras da RMR, da própria FIDEM, de ONG’S, etc. Não consta que os Governadores Moura Cavalcanti, Marco Maciel, José Ramos, o próprio Roberto Magalhães, Gustavo Krause, Miguel Arraes, Carlos Wilson, Joaquim Francisco e novamente Miguel Arraes tenham tido qualquer tipo de problema com o mecanismo, ou que tenham se sentido diminuídos por terem que disputar as verbas do FUNDERM mediante a apresentação de planos de aplicação.

Por Que não se transferir a tecnologia? Por Que não se adaptar o modelo? Por Que este mesmo impasse existe em relação ao Fundo Estadual. Quando em ambos os casos as respectivas legislação indicam o caminho supra para solucionar o problema?

Só a falta de vontade política pode justificar o Quadro atual. Estou convencido de que a adoção do modelo supra fortalecerá institucionalmente o Conselho Municipal; assegurará uma melhor alocação das poucas verbas disponíveis; livrará os governadores e Prefeitos de cobranças sonhadoras, desfocadas da realidade e para as quais não existam recursos financeiros previstos.

F)DO AJUSTE À FORMULAÇÃO DE POLÍTlCAS DE ATENDIMENTOS POR PARTE DO MUNICíPIO ( especificamente para auxiliar as crianças e adolescentes que fazem da rua o seu espaço de sobrevivência, para o tratamento médico – psicológico e psiquiátrico destes em regime hospitalar e ambulatorial; para tratamentos e prevenção de crianças e adolescentes alcoólatras e/ou envolvidos com substâncias entorpecentes).

É a Lei n.O 15.604/92, que diz o COMDICA é o órgão controlador e deliberativo de política de promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Na mesma Lei, no Art. 4°, I, consta que compete ao Conselho a formulação da política municipal dos direitos da criança.

Faço o registro para, coerentemente com argumentos anteriores, registrar que o município (Prefeitura) não é o formulador de política municipal e sim um dos seus executores (talvez o mais importante deles).

Se não tem responsabilidade direta na formulação, não pode ser demandado para fazê-Io.

Se o autor queria ir fundo na questão, no mínimo deveria ter chamado o Conselho Municipal como litisconsorte passivo.

O teor da argumentação para o pedido (e não este propriamente dito) deixa a entender que o que se questiona é a qualidade dos Programas e Projetos em execução e a suposta privilegiatura para um dos executores ( LAR).

Ao meu ver. o aprofundamento da Questão fatalmente levará o Judiciário a se envolver com Questões específicas de conveniência e oportunidade. privativas da administração local.

Não se conhece qual a política municipal, porque só agora em 1998 está sendo debatido no COMDICA uma proposta que, após emendas, ganhará oportunamente contornos definitivos ( determino que se junte aos autos cópia da versão em estudos e do Oficio de encaminhamento que a encampou) . Não dá para tapar o sol com uma peneira. O Conselho Municipal, apesar de sua eficiência, da boa vontade e seriedade dos seus membros e equipe de apoio, ainda não conseguiu formular aquilo que seria sua principal e fundamental atribuição que é a de gerar esta Política (registro que por indicação da Presidência do TJ-PE, nos termos da Lei, sou o representante Titular do Judiciário no COMDICA. Entendo que não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade na participação do Judiciário em tais conselhos – Até escrevi texto já publicado sobre o assunto, em conjunto com o Professor Luiz De La Mora, mas não concordo que o próprio Juiz da Infância seja o seu representante. Tanto à prova que não compareci a nenhuma de suas sessões ordinárias ou extraordinárias, cabendo ao suplente a participação, ali comparecendo única vez para proferir Palestra).

Se a política municipal não está traçada por quem de direito, não cabe à Prefeitura traçá-Ia. Se não há um paradigma para balizar o conteúdo dos programas e projetos a serem executados (pelo município, ou por quem quer que seja), não pode o Judiciário impor ajustes nos programas e projetos em execução ou obrigar a criação de novos.

A propósito, em recente conversa com a Professora Tânia Maria da Silva, docente da Universidade do Rio de Janeiro – UERJ, especialista na matéria e autora de obras de fôlego sobre a matéria, a mesma dizia-me (com justa razão) que parcela do problema com as ações civis públicas decorrem do fato de que não se saber pedir. Pleitos genéricos; dirigidos contra parte incompetente para figurar no polo passivo de demanda; impossíveis de atendimento; ideologicamente comprometidos com esta ou aquela corrente política, são uma constante. Apontava ela que ouvira de Procuradores Estaduais e Municipais, seus ex-alunos, que só isto era o que vinha permitindo uma relativa margem de manobra da defesa. Aduziu ainda que acreditava que a solução só seria encontrada quando as ações forem absolutamente pontuais, como por exemplo: falta um posto de saúde no bairro tal; a escola qual precisa de bancas, quadros negros, bebedouros, etc.

Mesmo que pudesse circular sem limites pelo campo da discricionariedade (o que não é possível), no caso concreto não posso concordar com algumas afirmativas da parte autora. Não vislumbro excesso de verbas ou privilegiatura à favor da LAR., muito menos que os recursos alocados apontem para uma insatisfatória relação “custo X benefício”. Ao contrário, bom seria que mais recursos fossem direcionados para a LAR e para outros agentes sociais, governamentais ou não. Os resultados de ação da profícua gestão da Ora. Jane Magalhães à frente do órgão são palpáveis, embora que, como é grave a questão, muito ainda existe para se fazer.

O denominado” espaço – aberto” dirigido a crianças e adolescentes que fazem da rua seu espaço de sobrevivência tem cada vez mais melhorado sua atuação. Outras ações da LAR, da coordenadoria da Criança e do Adolescente também. O “Bolsa escola. está sendo expandido. A Lei federal fala em municipalização do atendimento (e não Prefeituralização), mas também em um conjunto articulado de ações. Neste contexto o Estado, através do programa “Mão Amiga” também está cumprindo um bonito papel. O problema é que é multifacetado e de uma magnitude imensa. Sem intervenções sérias nas causas, nunca será resolvido, pois para cada criança tirada das ruas, duas aparecem para substituí-Ia. (a propósito: será que o “Mão Amiga” e outros programas Estaduais também não tem defeitos? Mesmo insistindo que o Judiciário não pode e não deve julgar questões de conveniência especifica, não é demais indagar: Se a Portaria nº 01/93 – fls.93/95 – também se destinava à apuração da política estadual de atendimento aos “meninos de rua”, onde está o seu desdobramento para o Estado? Encerrou-se o inquérito Civil Público? já foi arquivado nos moldes exigidos pelo Estatuto?; foi ajuizado igualmente ação civil pública contra o Estado?).

É um fato que direta ou indiretamente o município atende a casos de tratamento médico – psicológico e psiquiátrico em regime ambulatorial a crianças e adolescentes (em sua rede geral de saúde, pois em várias ocasião este juízo oficiou requisitando prioridade de atendimento), o mesmo fazendo para alcoólatras e drogadictos. Reconheço que o serviço prestado é inadequado e insuficiente, mas não me cabe ajustar o atendimento. O paradigma deve ser criado na política municipal, pelo COMDICA, e, só após isto, se não cumprido, injustificadamente, e que caberá ao Judiciário intervir.

G) DO REPASSE DAS DOTACOES DE 1997 NÃO EFETIVADAS ATÉ AGORA

A Prefeitura após o ajuizamento, como já registrado, fez um repasse de aproximadamente 500 mil reais até Dezembro de 1997 e se comprometeu a repassar algo em torno de 600 mil reais, a titulo de restos a pagar até Março de 98. A soma dos recursos mencionados com aqueles repassados até o aiuizamento não atingem o percentual mínimo de Lei. (junte-se fax do Conselho comprovando o total dos valores 97 repassados, totalizando R$ 1.212.000,00, ou seja, pouco menos de 50% de dotação Orçamentária).

O Conselho Municipal não tinha e não tem legitimidade para fazer o acordo redutor de valores a serem repassados, após o ajuizamento da Ação (seria salutar se ocorrido antes dela como já dito).

De tal constatação e de todos os argumentos já demonstrados de que o sentido autorizativo do Orçamento não descarta o Município da obrigação de aplicar o percentual mínimo legal e que é legítimo ao Judiciário impor-lhe tal obrigação, em sede de ação civil pública, para a qual o Ministério Público é sujeito ativo legitimado, resta claro que falta o município realizar operação matemática somando tudo o que já transferiu e subtrair do valor de previsão original, para encontrar o que falta ainda repassar. (de 1988 só pode computar aquilo que foi pago a título de restos a pagar de 1997 e não as transferência relativas ao Orçamento deste ano). Se verdadeiros os números informados pelo COMDICA antes mencionados, resta transferir relativos ai 1997 a quantia de R$ 1.215.000,00 (hum milhão, duzentos e quinze mil reais).

Seus competentes técnicos em administração financeira saberão como fazer os remanejamento e suplementações para que tal seja viabilizados, dentro dos limites permissivos da própria Lei Orçament4ria. É evidente que o dinheiro realmente arrecadado precisa estar disponível nas contas municipais para ser transferido ao Fundo. A Lei permite ao Juiz a fixação de prazo para o i adimplemento e estou convencido que 90 (noventa) dias é mais do que razoável para que: tal operação se concretize, mesmo que, por absurdo, os limites autorizativos de suplementação de Lei Orçamentária anual já estejam estourados e seja necessário remeter Projeto dei Lei para nova autorização.

No mais, resta esperar que o bom senso prevaleça para que outra ação de conteúdo análogo não tenha que se repetir, já que esta se dirigiu apenas para o Orçamento de 1997.

Obedecidas foram as formalidades legais e o pedido está de acordo com o direito.

Ante o exposto, Julgo parcialmente procedente o pedido da exordial para, com fulcro nos artigos 18; 25; 30; 11; 61, I, II; 102, §, 2°; 127; 129, III; 167, IV; e 227 da Constituição Federal, c/c Art. 269, I, Código de Processo Civil; 94 e inciso; 97, § único; 148, IV; 201, V; 208, § único; 209; 210, I, todos da Lei Federal n° 8069/90, Art. 5° e demais disposições atinentes da Lei federal n° 7.347/85; Art. 25, V, “a” da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público; Art. 227, § único da Constituição do Estado de Pernambuco; Art. 145, da Lei Orgânica do Município do Recife; Lei Municipal n° 15.604/92; Lei Municipal n° 15.820/93 e nas Leis Orçamentárias do Município do Recife, determinar Que o Município transfira ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente a Quantia equivalente à diferença encontrada entre os valores já transferido no ano de 1997 a título de “restos a pagar” no 1 ° bimestre de 1998, e a dotação originalmente prevista no Orçamento de 1997 para aquele Fundo ~OOO,OO), no prazo de 90 (noventa) dias sob pena de multa pecuniária R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais) que passará a incidir nos termos do Artigo 213, § 3°, da Lei nº 8069/90 (exigível com o trânsito em julgado, mas devida desde o descumprimento), a qual, caso venha a ocorrer, reverterá em favor do próprio Fundo Municipal (M. 214, LECA), excluindo do Município a obrigação de ajustar os seus Programas em execução, ou de criar novos, salvo se por vontade própria do administrador, acaso reconheça a sua inexistência ou insuficiência, enquanto não esteia aprovada a política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente por parte do COMDICA e definido os prO!1ramas, Projetos e ações Que futuramente esteiam a cargo do Município.

FIZ JUSTIÇA!

Sem custas, ex-vi dos Artigos 141, § 2° e 119 da Lei n.º 8069/90. Nos termos do Artigo 475,11, do CPC, determino a subida dos autos ao 2° grau para reapreciação obrigatória, independentemente de recursos voluntários, tão logo decorrido o prazo recursal.

P.l.R., em segredo de Justiça.

Tendo em vista os comentários tecidos a respeito do Adin. nº 1689¬2, determino que sejam remetidas cópias desta decisão ao Exmo. Sr. Ministro relator; Exmo. Sr. Procurador Geral da República e ao Exmo Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco.

Recife, 28 de Abril de 1998.

a) Luiz Carlos de Barros Figueiredo.

AÇÃO CIVIL

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

JUIZ DE DIREITO TITULAR : Luiz Carlos de Barros Figueiredo
JUIZA DE DIREITO AUXILIAR: Valéria Bezerra P. Wanderley
PROMOTORAS: Laíse Tarcila R. de Queiroz
Isabel Calado dos Santos
CHEFE DE SECRETARIA: Fátima Maria Gomes da Mota

PAUTA Nº 21/2000

Ficam as partes e seus respectivos procuradores intimados das sentenças, nos autos do processo abaixo relacionado:

PROCESSO Nº 00198016462-2 (Ação Civil Pública afeta a criança)
PARTES – Ministério Público do Estado de Pernambuco
Instituto Profissional Maria Auxiliadora
ADVOGADOS:
MARCOS VALÉRIO PROTA DE ALENCAR BEZERRA (OAB/PE 14.598)
CLÓVIS GUIMARÃES RIBEIRO (OAB/PE nº 17.145)
JOÃO REINALDO PROTA FILHO (OAB/PE nº 16.462)
ANTÔNIO EDSON PEDROSA (OAB/PE nº 4752)
MILTON GILBERTO BATISTA DE OLIVEIRA (OAB/PE nº 15.813)

SENTENÇA:
Vistos, etc…
O ÓRGÃO MINISTERIAL PÚBLICO, por sua representante legal, requereu a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATORIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER contra o INSTITUTO PROFISSIONAL MARIA AUXILIADORA, sito à ….., na pessoa de sua Diretora J. Z.
Alega a requerente, sinteticamente, que o Procurador Geral de Justiça recebera de R. L. A N. petição na qual atribuía ao Colégio I. P. M. A a prática de ato discriminatório, com reflexo de natureza civil e criminal, praticado pela diretora daquele educandário, irmã J. Z., contra seu filho C. N. V. M., aluno matriculado naquele estabelecimento particular de ensino e expulso, segundo ela, pelo fato de ter chegado ao conhecimento da direção do colégio que seu filho C. iria ser pai dentro de quatro ou cinco meses;
Alega ainda a requerente que caso idêntico foi trazido ao seu conhecimento, já no curso do procedimento instaurado, pela adolescente C. M. S. F., que disse também ser vitima de discriminação pela direção do mencionado estabelecimento educacional, fato que lhe ocasionou vexame e constrangimento, tendo tais fatos sido amplamente divulgados através da imprensa local e nacional, havendo referência a diversos casos ocorridos naquela escola;
Acrescentou ainda que no curso do procedimento administrativo ficou apurado que, na verdade, a direção do Colégio Instituto Profissional Maria Auxiliadora discriminou alunos, a exemplo de C., porque engravidou a namorada e de C., aluna que ficou gestante no período escolar, sendo ambos compulsoriamente convidados a pedir transferência, não sendo permitida, pela direção, a permanência deles na escola.
Foi juntado à inicial os documentos de fls.14/101, destacando-se entre eles: Termo de oitiva do adolescente e seus pais, termo de audiência, nota de esclarecimento emitida pelo Instituto Profissional Maria Auxiliadora, regimento interno do colégio.
Em despacho às fls.103/105, por não vislumbrar prejuízo imediato aos interessados nesta ação, foi indeferido a liminar requerida, visto entender estarem ausentes os pressupostos autorizadores do “periculum in mora” e do “fumus boni iuris”; Determinado a citação da Srª J. Z., diretora do Instituto Profissional Maria Auxiliadora, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão e ciência ao Ministério Público desta decisão, com intimação pessoal à ilustre Promotora de Justiça subscritora da peça vestibular.
Oferecida contestação pelo requerido, contendo a mesma 15 laudas e sendo anexos seis livros (referentes a programa escolar normal e cursos diversos aplicados e oferecidos na área de orientação sexual), foi autorizado, face a quantidade de peças juntadas, fosse formado o volume II dos autos, com o devido termo de abertura, tendo a parte contestante requerido preliminarmente pela extinção do processo, por entender ser o Ministério Público parte ilegítima ativa para ação Civil Pública com preceito cominatório de obrigação de fazer, requerendo, ainda, caso não seja acolhida a preliminar relativa à carência de ação, seja julgada improcedente, juntando os documentos de fls. 132/357.
Dado vista à Representante do Ministério Público, esta, por motivo de foro íntimo, declarou-se suspeita para funcionar no feito, sendo os autos encaminhados ao Procurador Geral de Justiça, solicitando a designação de outro Promotor de Justiça, pois a outra integrante do “parquet” que oficia perante este juízo encontrava-se de férias.
Foi designado pelo Procurador Geral de Justiça a Dr ª Luciana de Braga Vaz da Costa, para oficiar nos autos, face a suspeição argüida pela Promotora Isabel Cristina de S. Santos.
Dado vista à Promotora designada, esta comunica à Chefe de Secretaria da 2ª Vara que devolve os autos face a sua nomeação para funcionar no processo ter sido tornado sem efeito, por meio de oficio interno nº 236/98 do procurador Geral de Justiça.
Determinei envio de novo ofício ao Procurador Geral de Justiça, informando sobre a problemática existente e solicitando a designação de Promotor para funcionar no feito.
A parte requerida, através de seu advogado, pleiteou a conclusão dos autos para fins de apreciação e julgamento, face a preliminar suscitada que é prejudicial do mérito da ação.
A Promotora de Justiça auxiliar, em cota às fls.374 , requereu o prosseguimento do feito, conforme o requerido na exordial.
Relatei e decido:
Cumpre inicialmente a apreciação da preliminar apresentada pela parte ré, conquanto o seu acatamento ser prejudicial ao julgamento do mérito do pedido.
De início, cabe registrar que não há dúvidas de que a competência para processar e julgar este feito é desta Justiça especializada, à luz do artigo 148 IV – ECA, e pontuar que a preliminar questiona se o Ministério Público é parte legítima para propor a Ação Civil Pública de interesse individual. Neste aspecto, cabe ponderar o seguinte:
O artigo 127 da Constituição Federal disciplina que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS” (grifei). Ainda a Magna Carta, no artigo 129, III diz que: “art.129: São funções institucionais do Ministério Público: III Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao definir as competências do Órgão Ministerial Público, apontou em seu artigo 201, V:
Art.210 “Compete ao Ministério Público: V – Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e a adolescência, inclusive os definidos no art.220, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição Federal”.
Todavia o mesmo diploma legal, no artigo 210, I, limita sobremaneira estas legitimação quando diz: “art.210 – Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I O Ministério Público”.
É evidente o conflito de normas entre os pré-falados artigos 201, V e 210, I, ambos do ECA e não um simples “conflito aparente de normas”.
Penso que a melhor maneira de interpretá-los é fazer o confronto de ambos com a Constituição Federal, que sempre deve ser o “ponto de partida” de qualquer análise jurídica em um estado democrático. Por este caminho chegaremos à conclusão que “ambos estão certos e …. ambos estão errados”.
O primeiro alarga excessivamente a competência institucional do “Parquet”, provavelmente porque, como sabem os que acompanharam a elaboração do ECA, teve sua redação, e de todo o capítulo, produzido por um grupo de juristas integrantes do Ministério Público Paulista, exemplares profissionais, como Munir Cury, Paulo Afonso Garrido de Paula e Jurandir Marçura, os quais, mesmo que involuntariamente, “puxaram um pouco a brasa para a sua sardinha”; O segundo que restringe de forma tão brusca a intervenção do “Parquet”, esquecendo a essencialidade do Ministério Público à função jurisdicional do estado, seu papel de defesa dos interesses sociais e também o art.199, IX da Constituição Federal que comete ao Ministério Público “exercer outras funções que lhes forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade…”
Ora, se a própria lei das leis no artigo 127 incumbe ao Ministério Público à proteção dos direitos individuais indisponíveis, como pode o ordenamento infra-constitucional suprimir tal competência.
Fico, pois, com a Magna Carta acatando que o Ministério Público pode (e deve) promover ação civil pública de direitos individuais indisponíveis; aliás, equivocamente tratado por “homogêneos”, no Código de Defesa do Consumidor.
Resta saber se o caso “sub-judice” se enquadra como direito individual indisponível, como insinua a Promotora em sua peça exordial, ao apontar que a discriminação constitui “interesse de relevância para toda a sociedade” e se atinge o direito da universalização da educação, ou, com “igualdade de condições no acesso e permanência no estabelecimento de ensino”, ou como quer o contestante, apenas uma busca de cobertura indenizatória.
Mais uma vez, “virtus em medus”.
Embora seja um fato que a questão proposta tangencia aspectos relativos a direitos indisponíveis, isto se faz de forma muito tênue.
O que se observa é a alegação direta sobre uma suposta “expulsão” do aluno por razão irrelevante, sem cometimento de falta qualquer que justificasse sanção prevista no regulamento do estabelecimento de ensino, mesmo que de menor rigor ou gradação. Sem entrar no mérito deste argumento, como também no contraponto apontado pela ré de que houve pedido de desligamento do corpo discente, o fato é que esta é uma relação inteiramente privada, não extensiva ao restante do alunado.
Admitindo como verdadeiras as alegações, os pais dos adolescentes, em pleno exercício do Pátrio Poder, como assistentes do filho, tanto poderiam se valer da via ordinária para cobrar indenização (como de fato o fizeram, perante uma vara cível), como estariam legitimados para propor perante esta Justiça especializada uma ação civil pública de direito individual, inclusive com efeito cominatório por obrigação de fazer, obter eventualmente antecipação de tutela, fixação de multa pelo inadimplemento, etc (como se vê, não é apenas a questão de reparação de dano, como fala o contestante).
Entretanto, penso ser um exagero querer-se transformar o Ministério Público de defensor da sociedade em promovente de causas individuais de pessoas com plena capacidade civil e processual para ajuizá-las. Tal prática, antes de elevar o papel do “Parquet”, data máxima vênia, o enfraquece institucionalmente, pois lhe tira o tempo de atuar nas causas que realmente são de interesse da sociedade, além de colocar o órgão na “alça de mira” de argumentos políticos de que, dependendo do caso e das partes interessadas, ora promove a ação, ora se abstém. Grande parte das conquistas democráticas do País após 1998 decorreram do novo papel conferido ao Ministério Público pela vigente Constituição. Pelo bem de toda a sociedade, isto há que ser reforçado, preservando-se e fortalecendo-se o “Parquet”, mas naquilo que lhe é de verdadeira competência e não pelo assoberbamento de atribuições não prevista em lei.
Aceita a tese da ilegitimidade de parte, creio desnecessário, referenciar apontamentos doutrinários e jurisprudenciais; tantos foram os acórdãos trazidos à colação pelo Contestante, embora registro que seria perfeitamente possível duplicar-se as jurisprudências com a mesma orientação. No campo doutrinário, a melhor análise continua sendo a do festejado Mancuso, referido por ambas as partes, o qual também se alia aos que entendem que não cabe ao “Parquet” promover ações civis públicas de interesse individuais, exceto se indisponíveis.
Obedecidas foram as formalidades legais.
Ante o exposto, declaro o presente processo extinto, sem julgamento de mérito, posto acolher a preliminar de ilegitimidade de parte – carência de ação, o que faço por sentença, para que se cumpra os seus efeitos jurídicos e legais efeitos, arrimados nos artigos 261, VI e 301, X do CPC.
Sem custas.
PRI, em segredo de justiça.
Recife, 11 de abril de 2000

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.
Juiz de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

SENTENÇA E AUDIÊNCIA CONCEDENDO ADOÇÃO EM FAVOR DE HOMOSSEXUAL

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

TERMO DE AUDIÊNCIA

Aos 20 (vinte) dias do mês de outubro do ano de dois mil e três (2003), às 14:00 horas, nesta cidade do Recife, Capital do Estado de Pernambuco, na sala de audiência desta 2ª Vara da Infância e da Juventude, onde presente se encontrava o DOUTOR LUIZ CARLOS DE BARROS FIGUEIRÊDO Juiz de Direito da referida Vara, Dra. Laise Tarcila Rosa de Queiroz, Promotora de Justiça, e sendo aí comigo Assistente Judiciário, abaixo assinado, nos autos da Ação de Adoção Nacional – Processo nº2003.002805-2, requerida por M.A.de F., em favor de P.G. de S. Aberta a audiência e feita a chamada legal das partes compareceram: M.A. de F., A. C. M. de S. Em seguida o MM Juiz de Direito passou a ouvir a Sra. A. C. M. de S., qualificada nos autos, que as suas perguntas respondeu: QUE é a mãe de P., e ele nasceu em 15.02.2002; QUE o pai não assumiu a criança e quando a depoente falou com ele, o mesmo alegou não ser o pai do menino; QUE conhece o autor porque este há muito tempo vivia na casa do seu pai, de quem é amigo, e de sua madrasta; QUE ninguém da família quis ficar como menino, que estava muito doentinho, e ela não teria condições de cria-lo, pois já tem uma outra filha a qual é cuidada pelo seu pai; QUE ele sempre leva o menino para a depoente ver, e ainda sábado passado ela viu a criança podendo afirmar que o autor cuida melhor da criança do que uma mãe; QUE sabe que quando o menino fez o primeiro exame de HIV, foi positivo, mas foi feito um segundo exame que deu negativo; QUE ela e sua outra filha também fizeram exame e de ambos foi negativo; QUE é favorável que o menino seja adotado pelo autor; QUE acha que seu nome deve ficar no registro da criança, pois ele não tem mulher e convive com outro homem, sendo homossexual; QUE ela acha que este fato não vai trazer qualquer atrapalho para a vida de P.; QUE sabe que a adoção é ato irrevogável; QUE sabe que tanto a família do Sr. M. como familiares de K. gostam muito da criança P.; QUE conhece o autor há 03 anos e desde esta época ele já convivia com K. Dada a palavra ao Ministério Público, as suas perguntas respondeu: QUE mesmo que a justiça entendesse que o deferimento da adoção implicaria na obrigatoriedade da retirada do seu nome como genitora, incluindo um nome fictício de uma outra mulher, mesmo assim ela continuaria favorável a adoção. Em seguida o MM Juiz de Direito passou a ouvir o requerente, Sr. M. A. de F., que as suas perguntas respondeu: QUE reafirma os termos da petição que foi deixada no cartório na sexta-feira próxima passada no sentido de que o registro de nascimento da criança deverá constar apenas o seu nome como pai, sem consignar o nome de uma mãe fictícia ou manter-se o nome da mãe biológica, pois refletiu bastante após a última audiência e entendeu que se ele teve a ousadia de assumir a sua homossexualidade ao fazer este pedido, seria uma incoerência negar esta proposta por ocasião do registro da criança; QUE é verdade que homossexuais femininos tem relações heterossexuais com homens e podem ter filhos; QUE também é verdade que homossexuais masculinos podem ter relações sexuais com mulheres e dessa relação advir filhos; QUE ao ser indagado se quando o adotando crescer não irá estranhar o fato de no seu assentamento de nascimento não estar contemplado o nome da mãe e com isto ser vítima de outro tipo de descriminação, o depoente diz que refletiu também sobre este aspecto e tem ciência que seu caso é um dos primeiros, mas que isto é um processo que os cadastros de adotantes fatalmente irão se adaptar e no futuro bem próximo tal circunstância não será tida como exceção; QUE, na sua opinião, nos demais cadastros como PIS, CPF, etc., este fenômeno de não consignação de nome de mãe não será um fato tão excepcional. Dada a palavra ao Ministério Público as suas perguntas respondeu: QUE ao ser indagado sobre se esta firmeza de convicção sua não poderia ser um peso de difícil resolução para a criança, no futuro, ele responde que está mais preocupado com a pressão social agora, mas para tanto, dentro da formação da personalidade de P., já irá preparando-o para enfrentar esta e outras dificuldades. Em seguida o MP emitiu o seguinte parecer oral: MM Juiz: O estágio de convivência de que trata o Art. 46, § 1º da Lei n.º 8069/90, é de ser dispensado, em face do (s) adotando (s) não ter (em) mais de 01 (um) ano de idade e/ou já se encontrar (em) na companhia do (s) adotante (s) durante tempo suficiente para se poder avaliar a convivência da Constituição do vínculo. Está demonstrado, nos autos, inexistir incompatibilidade para que seja deferida a colocação da aludida criança na família substituta que pleiteia a medida. A genitora biológica concordou com a adoção, mesmo tendo sido advertida de suas conseqüências e efeitos nesta audiência. A peculiaridade do caso refere-se a ser o adotando assumidamente homossexual. Tendo em vista que nossa carta política assegura como princípio a igualdade de todos e não vislumbrando como esta situação possa ser desfavorável a criança no que se refere a sua formação emocional, moral e psíquica, destacando ainda que todos os relatórios técnicos se posicionam favorável ao pleito, que, acima de tudo, atende ao prevalente interesse de P., torna-se do ponto de vista jurídico indiferente a opção sexual do adotante. Preocupa-me em especial a questão do nome da genitora, todavia os argumentos apresentados pelo requerente refletem uma verdade, a de se ter coragem para no curso da vida assegurar o seu lugar. Ademais, destaco que em casos de adoção internacional não se atribui nome sequer fictício quando a adoção é promovida por pessoa do sexo masculino. Face do exposto, opina, esta Promotoria de Justiça, pelo DEFERIMENTO DO PEDIDO DE ADOÇÃO, extinguindo-se o Pátrio Poder da genitora feito pelo (s) adotante (s) acima citado(s), em favor do adotando nomeada em epígrafe, observado-se o art. 47 do Diploma Legal supracitado. Em seqüência o MM. Juiz de Direito a proferir a Sentença n.º391/10/2003- LCBF, com o seguinte teor: Vistos, etc…. M.A de F., através do Defensor Público legalmente habilitado, ingressou com pedido de guarda em favor da criança P.G, nascido em 15.02.2002, filho de ª C. M. de S., com fundamento nos Artigos 33 e seguintes do ECA, perante a 1ª vara da Infância e da Juventude da Capital, competente para ações de tal natureza, segundo a Lei Complementar Estadual 31/2001, e, posteriormente, requereu a transformação da ação em adoção, pelos fundamentos fáticos e jurídicos de fls. 55/56, isto após parecer social de fls. 48/50 e audiência de ouvida da genitora biológica na Comarca de Itamaracá, conforme fl. 45. Com parecer favorável do Ministério Público, a juíza da Primeira vara declinou da competência para este Juízo. O autor juntou exame anti-HIV da criança fls.65, comprovando que a sorologia foi negativada. Em 25.09 do corrente ano, o autor foi ouvido em audiência como seu companheiro, sendo deferido novo estudo psico-social e nova ouvida da genitora. Às fls. 71, consta termo de concordância da genitora. Parecer psico-social de fls.73/81, destacando elementos fundamentais do caso e, ao final, opinando favoravelmente ao pleito de adoção. As fls. 83/84 ao pedir renovação de termo de guarda provisória, a Defensora Pública requereu a manutenção da genitora biológica como mãe no registro de nascimento da criança. Ocorre que, em data de 17.10.2003, o autor, pessoalmente, ingressou com petição justificando o seu desejo que no assentamento da criança conste apenas o seu nome como pai. Nesta data foi ouvida a genitora biológica reafirmando a sua concordância com a adoção, se declarando ciente que o autor é homossexual, mas que não vê nisso qualquer impedimento que ele seja um bom pai, que sabe que se trata de ato irrevogável; que ela preferiria que seu nome fosse mantido como mãe da criança, mas que mesmo que a justiça assim não entenda, ela renova que está de pleno acordo com a adoção, sabendo que a criança é bem tratada. O autor foi novamente inquirido, explicitando as suas razões pelas quis entende ser melhor que apenas seja consignado o seu nome como pai, sem referência no registro civil a figura da mãe. O Ministério Público emitiu parecer favorável à pretensão, inclusive no tocante a consignação no assentamento de nascimento apenas do nome do autor como pai de P., sem referência ao nome da mãe da criança. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR: Restou evidente a impossibilidade da criança permanecer no seio da família natural, assim como que, embora preponderante, a questão de econômica não é o único impedimento para tal. A questão da afinidade e de parentesco, tal como manda a lei, foi devidamente sopesada. A exigência da Lei da ouvida da genitora, foi cumprida, fazendo se as devidas advertências de natureza do ato. (art. 167, § único, Lei n.º 8069/90) havendo, inclusive, e permissivo para a formulação da pretensão diretamente em cartório, à falta da lide. O depoimento da genitora deixou claro que não tinha ela condições de criar o filho que era muito doentinho e que não tinha outra alternativa que não fosse concordar com a adoção, como forma de garantir que a criança pudesse ter uma vida futura saudável. Neste caso concreto, já ainda na fase em que o pedido era uma simples guarda, revogável a qualquer época, aflorou a questão da homossexualidade do autor inclusive com uma vida em comum com um companheiro há muitos anos. Tenho por norma evitar referência à orientação sexual das partes, até porque isso só é feito em alguns juízos quando se trata de algum candidato ou candidata que é homossexual, sendo patente a descriminação, na medida em que nos meus 21 (vinte e um) anos de Juiz nunca vi um magistrado qualificar um pretendente ou qualquer parte do processo como sendo heterossexual. Portanto, para mim, no mais das vezes, essas referências não guardam qualquer condição de exigibilidade com o caso, servindo mais para que juizes e promotores busquem holofotes como moderninhos, avançados ou politicamente corretos, desconhecendo que por traz daquele pleito esta um ser humano que merece todo respeito da justiça. Entretanto, neste processo é impossível se deixar de fazer uma reflexão sobre isto, na medida em que são tantas as referências no primeiro parecer técnico, nas audiências, nas perguntas formuladas, que seria uma hipocrisia maior ainda jogar tudo isso para debaixo do tapete. A verdadeira razão é: existe alguma coisa que distinga o Sr. M. dos demais pretendentes a adoção, em razão da sua orientação sexual, que iniba o seu projeto de paternagem a ponto do Estado-Juiz não poder deferir a sua pretensão? Para mim salta aos olhos que não, bastando se ver o lapso de tempo em que a criança está sob sua guarda fática, muito bem cuidada, e que a Justiça vai fazer neste caso é apenas legalizar uma situação fática, que está bem ajustada e para qual não teria havido nenhum questionamento caso o autor, aberta e corajosamente, não tivesse declarado publicamente a sua opção sexual. Portanto, é inquestionável que a Constituição não distingue quem quer que seja para a prática de todos os atos da vida civil em razão de sua orientação sexual. O que se tem a fazer é analisar a pretensão à luz dos quatro requisitos básicos do ECA para se deferir uma adoção. Não há dúvidas de que a adoção apresenta reais vantagens para o adotando e que o pedido se funda em motivos legítimos; o autor não revelou impedimento do Art. 28, LECA, para adoção; a adoção consulta aos interesses da criança. Obedecidas foram as formalidades legais. O pedido está de acordo com o direito e conta com a anuência do Órgão Ministerial Público. Ante o exposto, com arrimo no Art. 227, § 5º e § 6º da Constituição Federal, combinados com os Artigos 269, I, 1103 e seguintes do Código de Processo Civil e nos Artigos 23;28;29;39; usque 49; 148, III; 155 usque 163; usque 170, todos da Lei n.º 8069/90, Julgo procedente o pedido da inicial, para fins de colocar a criança em família substituta, deferindo a Adoção da mesma em favor do requerente. A criança passará a chamar-se: P. G. A. de F., filho do requerente, tendo como avós paternos, os ascendentes deste. Decorrido o prazo recursal, expeça-se mandado para cancelamento do registro original e lavratura de novo assentamento, com a recomendação de que nenhuma referência pode ser feita à natureza do ato, assim como que este é inteiramente gratuito, como disciplina a Lei. A determinação de lavratura de novo registro de cancelamento do registro original decorre do meu entendimento de que o art.10 do NCC é inconstitucional, quando recomenda a simples averbação no registro original, pois, com isso, estaria sendo contrariado o principio da igualdade entre filhos biológicos e adotivos e negado o principio da prioridade absoluta contido no caput do ar. 227 da Magna Carta, como controle difuso de inconstitucionalidade, mediante declaração incidente nego aplicação a referida norma que contraria a constituição, aplicando o art. 47 e parágrafos do ECA, que não foram revogados no NCC. Após, remeter ao Serviço de Adoção, para fins de controle estatístico do INFOADOTE. Após, arquive-se os autos. Sem custas. Dou por publicado em audiência e as partes por intimadas. Registre-se. Recife, 20 de outubro de 2003. a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo . Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital. . Em seguida a parte autora requereu a desistência do prazo recursal, sem oposição do Ministério Público, razão pela qual o MM. Juiz de Direito determinou fosse certificado o transito em julgado da decisão. E como mais nada havendo, mandou o MM Juiz de Direito encerrar o presente termo. Eu, Márcia Uchôa Simões, Assistente Judiciário, o fiz digitar.

Juiz de Direito
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Sentença 04/02/2003 – LCBF

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo: 2000.006102-7
Requerente: Ministério Público
Requeridos: Rosilene Alves da Silva e Severino Laurindo da Mota

Sentença 04/02/2003 – LCBF

Vistos etc

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua representante legal, ingressou com AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER contra ROSILENE ALVES DA SILVA e SEVERINO LAURINDO DA MOTA, em favor de seu filho LUÍS FERNANDO ALVES DA SILVA, aduzindo, na oportunidade, que:
A criança foi abrigada na Instituição Casa dos Amigos como medida de proteção, tendo sido encontrada na rua, na companhia de sua avó materna, juntamente com outras crianças, chorando “com fome no sol quente”.
Alega, ainda, que Luís Fernando recebe visitas de sua genitora, mas a mesma não possui interesse em tê-lo de volta ao convívio familiar, mas que sua avó paterna apresentou grande interesse em ter Luís sob sua guarda.
Pede, enfim, o órgão ministerial a procedência do pedido com fulcro nos art. 22, 24, e 169 da lei 8.069/90 c/c o artigo art. 395, II, do CC de 1916.

Juntou documentos de fls. 05/08.

Procedeu-se a citação editalícia e pessoal dos genitores concomitantemente. Houve contestação, às fls. 23/25, na qual os genitores afirmaram inexistir prova de abandono e maus tratos ao infante Luís Fernando. Alegaram viver em grande estado de pobreza, mas que a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Outrossim, afirmaram fazer visitas à criança todas as quartas-feiras no Abrigo-Escola Casa dos Amigos. Apresentaram rol de testemunhas (fls. 25). Requereram que a criança fosse entregue aos seus avós paternos, os quais, segundo relataram, demonstram interesse em ingressar com Ação de Guarda em favor Luís Fernando. Juntaram documentos de fls. 26/28.
Dilação probatória consistente na oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, bem como a avó paterna da criança, Sra. DILEUZA ESPINDOLA DE MELO, a qual demonstrou interesse em ingressar com a guarda do infante, tendo inclusive a anuência dos Réus (fls. 40).
Audiência para a oitiva das testemunhas dos Réus às fls. 67, na qual foi novamente ouvida a Sra. Dileuza Espíndola, a qual afirmou que seu filho, Sr. SEVERINO LAURINDO DA MOTA, havia falecido, mas em sua certidão de óbito consta o nome de outrem que não o de seu filho, não tendo ainda providenciado a sua devida retificação. Relatou, ainda, que a genitora de Luís, Sra. ROSILENE ALVES DA SILVA, desapareceu sem haver deixado qualquer paradeiro. Por fim, afirmou que a criança já se encontra sob sua guarda, concedida em termos provisórios, nos autos da Ação de Guarda por ela movida, Proc. nº 2002.015261-2.
Determinada a apresentação de alegações finais (fls. 54), a Defensora Pública, através de cota nos autos afirmou que deixaria de apresentar as alegações finais, face a situação demonstrada pela Ação de Guarda – Proc. nº 2002.015261-3, requerida pela avó paterna de Luís, a Sra. Dileuza Espíndola.
O Ministério Público pugnou pela procedência do pedido em relação a ré, aduzindo que o réu faleceu, com fulcro nos arts. 395, II do CC, c/c os arts. 22, 24 e 169 do ECA.
Autos conclusos para sentença, às fls. 69.
É o relatório.
Passo a decidir.
Embora inexistam preliminares processuais para apreciação, fatos supervenientes impõem que sejam previamente analisados, até porque, teoricamente, poderiam ser prejudiciais à apreciação do mérito do pedido.
A primeira questão a ser resolvida neste caso, onde o direito material é de natureza simples, diz respeito a um problema de “nomem juris”, pois apesar de se denominar simplesmente de “ adoção” e de haver sido distribuída como “ adoção nacional – menor sob guarda fática”, salta aos olhos que se trata de um pedido cumulado de Adoção cumulado com Decretação de Perda de Pátrio Poder, pois os pais não anuem ao pedido, implicando na necessidade de contraditório, no tocante a este aspecto. alizada
Com efeito em 11 de janeiro de 2003 entrou em vigência o Novo Código Civil Brasileiro, no qual constam disposições expressas sobre a perda do poder familiar ( equivalente à destituição do pátrio poder do Código Civil revogado), devendo a sentença se pronunciar a respeito de suas implicações em cada caso concreto.
Em primeiro plano é de se dizer que tratando-se de norma sobre direito material toda a orientação doutrinária e jurisprudencial é no sentido da aplicabilidade da Lei à época do ajuizamento (o que seria diametramente oposto, a caso se tratasse de norma processual), ressalvado a aplicação de eventual dispositivo novo que beneficie a todas as partes envolvidas, sem causar prejuízo a qualquer delas, ou quando expressamente estabelecido na novel norma.
Não bastasse isso, em uma primeira abordagem, apenas se cotejando os arts. 395, II, do Código velho e o art. 1.638, II do Código Civil Novo, facilmente se chega à conclusão que ambos dispõem de forma absolutamente idêntica, prevendo a mesma sanção para a mesma falta, embora tenha ocorrido a modificação terminológica a qual antes aludi.
Se neste caso concreto os argumentos supra já seriam suficientes para adentrar-me ao mérito, penso ser relevante a análise do outro fundamento do pedido (arts. 22/24, ECA), fixando entendimento específico sobre tal fundamentação, pois as implicações legais são bem mais complexas, inclusive para futuras ações a serem ajuizadas, no mínimo porque é dever do juiz se pronunciar sobre todos os pontos articulados pelas partes, para dizer de sua aplicabilidade ou não ao caso concreto. É que o ECA fala em “descumprimento injustificado dos deveres do pátrio poder”, enquanto que o Novo Código Civil se vale no art. 1.638 da expressão “incidir, reiteiradamente nas faltas previstas no artigo antecedente”, dentre as quais se inclui o descumprimento de deveres do exercício do poder familiar.
Além do equívoco grosseiro do art. 1.637 CC, que limitou a legitimação ativa ao MP e a “algum parente” caracterizando enorme retrocesso frente ao ECA que fala em “quem detenha legítimo interesse”, tema que não cabe aprofundar neste “decisum”, posto que esta ação foi ajuizada pelo “Parquet”, salta aos olhos que a previsão do ECA é bem mais abrangente e adequada que a do novo Código Civil. Como exemplo desta afirmativa, basta se ver que uma mãe desempregada sem apoio familiar, do Poder Público ou da comunidade, que por ventura não tenha alimentado seus filhos nas 03 refeições diárias poderia ser acusada de reiterar no descumprimento do poder familiar, enquanto que à luz do ECA tal fato jamais seria punível, na medida em que sua falta seria tido como justificada. Não fosse assim, prevaleceria o adagio popular: “por cima da queda ( a pobreza), coice” (a perda do poder familiar em razão da pobreza).
Considerando que o § 1º do art. 2º da LICC diz que “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declara, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (grifei!) além do Princípio da Hierarquia das Leis (CC = Lei Complementar; ECA = Lei Ordinária) gera-se, aparentemente, a idéia da prevalência da norma nova, apesar do flagrante prejuízo causado às crianças e adolescentes.
Seria o caso de se indagar se esta interpretação ora construída não é rigorosa em excesso, na medida em que, em tese, ambas as expressões buscam proteger os interesses das crianças, que o caso materializa um conflito aparente de normas, ou que seria possível uma interpretação harmônica entre os dois (02) conceitos, tomando por base o § 2º do art. 2º da LICC que disciplina: “A lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par dos já existentes não revoga nem modifica a lei anterior”
Cuido que não, infelizmente. Como primeiro argumento é de se aduzir que o Novo Código Civil regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (embora com troca de nomenclatura) ao definir “numero clasus” as hipóteses taxativas ensejadoras da perda do poder familiar (em outras palavras, ninguém pode perder o poder familiar senão pelas expressas razões contidas na norma). Em segundo porque o Código Civil revogado contemplava apenas 3 (três) hipóteses justificadoras da perda do pátrio poder, todas elas repetidas no Código Novo; terceiro que o descumprimento injustificado do pátrio poder como causa de sua perda foi inovação do ECA e o inciso IV do art.1638 visa diretamente a sua substituição (ainda que não tenha sido incluído como caso de revogação expressa no art. 2045 do Novo CC); quarto que as normas processuais do ECA sobre perda do pátrio poder continuam plenamente aplicáveis para os novos pedidos de perda do poder familiar; quinto que sendo real, como visto, o conflito, e não meramente aparente, não há como harmonizar a interpretação para que ambas as expressões possam conviver, concomitantemente (que me desculpem a redundância, que visa apenas dar ênfase à circunstância), pois a conduta injustificada nunca precisará de ser repetida para ser punível, bem como não cabe ao interprete, conforme o caso, ora fazer uso de uma, ora de outra norma, conforme lhe pareça mais conveniente.
É importante, ainda, referenciar que, ao meu ver, a saída do ordenamento jurídico do referido inciso IV do art. 1638 N.C.C. não geraria os efeitos do art. 2º, § 3º da LICC (“salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei restauradora perdido a vigência”), até porque não houve revogação expressa dos art. 22 e 24 do ECA, de sorte que se o obstáculo referenciado for superado, restará ele plenamente intacto, e, com isto, melhor protegidas as nossas crianças e adolescentes.
Para que não prevaleça a injustiça, cuido que o remédio teórico é se invocar a teoria garantista do grande jurista italiano Luigi Ferragiolli, através da qual, sem abandonar a Teoria Piramidal de Kelsen, o prevalente tem que ser os princípios fundamentais constitucionais.
Neste contexto é que surgem os seguintes argumentos: a) A substituição da expressão “descumprimento injustificado” por “reiteiradamente” ofende o Princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, CF); o objetivo fundamental de “ erradicar a pobreza e a marginalização” e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 2º, III, IV, CF); “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II, CF); além da cláusula mater do art. 5º, CF de igualdade de todos perante a lei , pois é abominável que alguém possa, em tese, sofrer qualquer tipo de sanção legal apenas em razão de sua hiposuficiência econômica; b) Da mesma forma ofende ao Direito Constitucional da convivência familiar e comunitária pois, pelos mesmos fundamentos anteriores, a nova expressão pode, em tese, justificar a retirada de tal convivência sem justa causa; c) O princípio da prioridade absoluta para os direitos da criança e do adolescente (primazia entre todas as primazias constitucionais) contido no art. 227, CF, trazido da doutrina da proteção integral da ONU, sobre o qual já tive oportunidade de me pronunciar em texto doutrinário, defendendo ser ele cláusula pétrea da Constituição, também restou ofendido, pois salta aos olhos que a aplicação da nova expressão em detrimento da antiga pode causar flagrantes prejuízos aos seus direitos.
De tudo isso, resta que a nova norma é pior redigida que o ECA, prejudica as crianças, ofende a Constituição e o remédio constitucional para justificar a aplicação do ECA é o do controle difuso da constitucionalidade, o que faço agora, por via incidental, portanto aplicável exclusivamente “inter partes”, para, no exercício da função jurisdicional, negar-me a aplicar a Lei de menor hierarquia (inciso IV do art. 1.638 do Novo Código Civil), por se chocar com a CF, ao superior posicionamento no ordenamento do Estado, ressalvando que, apesar de não aplicada, continua ela no rol da legislação em vigor, pois não houve sua derrogação, que é função política que não compete ao magistrado no exercício da função jurisdicional . Via de conseqüência, declaro aplicável à espécie a regra ínsita nos arts. 22 e 24 da Lei nº8.069/90, que não foram revogadas pelo Novo Código Civil.
Superadas estas questões principiológicas resultantes da vigência do Novo Código Civil, passo a analisar a questão a ser deslindada:

O art. 19 do E.C.A dispõe que toda criança tem direito a crescer no seio de sua família natural, cabendo aos pais, de acordo com o art. 22 do mesmo diploma, o dever de guarda, sustento e educação dos filhos. Sobre isso, José Antônio de Paula Santos ( 1994:108) comenta:
“ O dever de educar implica no atendimento das necessidades intelectuais e morais do menor, propiciando-lhe a oportunidade de se desenvolver nesses níveis. Enquanto isso, o encargo de criar abarca a obrigação de garantir o bem-estar físico do filho, proporcionando-lhe sustento resguardando-se a saúde e garantindo-lhe o necessário para a sobrevivência. ”
No caso em tela, é notório o descaso dos genitores com relação ao seu filho, no tocante aos deveres inerentes ao poder familiar. Restou provado nos autos que a Requerida desistiu de provar sua inocência quanto às acusações apontadas na inicial, pois, simplesmente depareceu sem paradeiro, logo em seguida à alegada morte de seu companheiro, Sr. Severino Laurindo da Mota, genitor de Luis Fernando e Réu na presente ação. Restou, assim, como referência familiar os avós paternos do infante, em especial a Sra. Dileuza Espíndola de Melo, a qual já ingressou em juízo requerendo a Guarda de Luís Fernando, bem como de seu irmão mais novo, Allyson Guilherme.
Segundo relatório do Abrigo – Escola Casa dos Amigo, instituição que abrigou inicialmente a criança, a genitora (embora lhe fizesse visitas) não demonstrou interesse em tê-lo consigo, alegando falta de condições financeiras, mas que a mesma gostaria que a avó paterna da criança assumisse sua guarda.
A conjuntura fática apontada nos autos é clara quanto à inaptidão para o exercício do poder familiar incumbido à Sra. ROSILIENE ALVES DA SILVA, autorizando a sua perda, segundo a própria inteligência do art. 1638, inc. II, do Novo Código Civil, repetindo o conceito do art. 395, II, do Código revogado, quando disciplina:

“Art. 1638- Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I…..
II – deixar o filho em abandono;
III…….”

Acerca da hipótese do abandono, Silvio Rodrigues argumenta:
“ O abandono pode assumir feições materiais e psicológicas. Em qualquer desses casos se caracteriza como elemento desencadeador da destituição de pátrio poder”

“O abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem assistência material fora do lar. Mas, o descaso intencional pela sua criação, educação e moralidade.”
Baseado no citações doutrinárias acima mencionadas e tendo em conta os dispositivos legais, não remanesce dúvida acerca da conduta desidiosa da mãe em relação aos deveres que tem para com o filho, onde se vislumbra, de maneira clara, não só privação de aspectos materiais, como também, e, principalmente, comprometimento da própria formação do menino enquanto ser humano, pois dificilmente este arraigará conceitos sólidos sobre família.
Assim demostrado o abandono pela genitora, havendo total desinteresse por parte de outros familiares, exceto a avó paterna, em assumirem a criação da referida criança, não há o que esperar da família natural de LUÍS FERNANDO, sendo imperiosa a decretação da perda do pátrio poder com relação à sua genitora.
Embora possa parecer surrealista , tanto que nem reafirmado nas alegações finais do “Parquet”, faz-se necessário, também, que se decrete a perda do pátrio poder em relação ao pai, em que pese tudo indique que o divino criador já providenciou a hipótese legal de sua extinção (pela morte) em relação à sua pessoa. É que segundo a Lei nº6.015/73, o registro de óbito tem presunção “juris tantum” e, não tendo ele ainda sido lavrado, é irrelevante o depoimento da genitora do réu para provar o seu falecimento.
Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido da inicial, com fulcro nos art. 22, 24, 155 e seg. e 169 da Lei 8.069/90 c/c o art. 395, II, do CC de 1916 e, por conseqüência, DECRETO A PERDA DO PÁTRIO PODER de ROSILENE ALVES DA SILVA e SEVERINO LAURINDO DA MOTA (supostamente falecido), em relação a seu filho LUÍS FERNANDO ALVES DA SILVA. Transitada em julgado a sentença, expeça-se mandado de averbação para o Distrito Judiciário no qual a criança foi registrada (15ª Zona Judiciária da Capital) para os fins do art. 163 do E.C.A. Deixo de determinar a sua inclusão no cadastro de crianças adotáveis, em razão de se encontrar sob a guarda da avó paterna, com processo judicial em tramitação.
Sem custas, ex-vi do art.141, §2º, ECA.
P.R.I.

Recife, 06 de fevereiro de 2003.

Juiz de Direito