Sentença sobre repasse de 1% do orçamento, para o Fundo Municipal da Criança é mantida pelo TJPE

06-04-2010 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Voto e acórdão da 8ª Câmera Cível do TJPE, confirmando sentença de minha lavra, sobre a obrigatoriedade do repasse de 1% do orçamento do Município do Recife para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A decisão de primeira instância encontra-se publicada neste blog: http://luizcarlosfigueiredo.com.br/?p=230

Eis o teor do julgado de segundo grau (voto e acórdão):

Reexame Necessário nº 43360-5 – Comarca do Recife
Autor: Ministério Público
Réu: Município do Recife

VOTO

Conforme relatado, o autor requereu a condenação do Município do Recife a fim de promover o repasse de subvenções ou recursos previstos na Lei Orçamentária para o exercício de 1997, a Lei nº 16.202/96, em prol do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A demanda foi julgada parcialmente procedente, havendo transcorrido o prazo recursal sem o oferecimento de recurso voluntário, conforme certidão de fl. 566. Acontece que o município réu interpôs apelo intempestivamente, sendo o mesmo confirmado através do julgamento, por unanimidade, do agravo correspondente.

Compulsando os autos em reexame necessário, tenho que o parquet logrou êxito na instrução da ação, pois a documentação acostada é suficiente e necessária à comprovação de lesão perpetrada contra interesse difuso.

Discute-se aqui, a meu ver, a obrigatoriedade ou não no cumprimento de lei orçamentária municipal e, em caso afirmativo, qual seria a norma cogente aplicável.

Em primeiro lugar, a discussão acerca da obrigatoriedade no cumprimento de lei orçamentária, há muito, vem causando polêmica no meio jurídico. De um lado, temos uma lei que não comporta força cogente, tratando-se de mera autorização e previsão de despesas. Diga-se, de passagem, que esse é o entendimento atualmente dominante acerca da matéria.

Entretanto, essa regra comporta exceções e, acredito, é o caso dos autos. Senão vejamos.

Como cediço, nosso ordenamento jurídico obedece ao critério hierárquico de normas, no qual a Constituição Federal tem primazia sobre as demais leis, e estas, quando em desacordo com aquela, são passíveis de nulidade.

Pois bem, para que um ente federado cumpra as diretrizes estabelecidas em uma lei orçamentária, ou este o faz de livre e espontânea vontade, ou é obrigado por uma norma de hierarquia superior, por exemplo, uma lei complementar, a constituição estadual ou a própria constituição federal.

Ora, o artigo 227, da Carta Magna, traz em seu bojo o princípio da prioridade absoluta, o qual coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente uma vida digna e completa, devendo, inclusive, este princípio ser tido como norteador de qualquer situação de interesse do menor.

Reza o artigo 227 e seu §1º, da CF, a seguir transcritos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

De qualquer sorte, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), lei federal de caráter geral – ou seja, tanto no critério hierárquico como no de especialidade, a lei orçamentária municipal nº 16.202/96 a ela se submete – a qual dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, determinando o artigo 260, §5º, in verbis:

Art. 260. Os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declaração do Imposto sobre a Renda, o total das doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente – nacional, estaduais ou municipais – devidamente comprovadas, obedecidos os limites estabelecidos em Decreto do Presidente da República.

(…)

§ 5º. A destinação de recursos provenientes dos fundos mencionados neste artigo não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4º desta Lei.

Ademais, foram editadas outras duas leis municipais, a saber, a Lei nº 15.604/92 e a Lei nº 15.820/93, que em conjunto com a Lei nº 16.202/96 disciplinam a criação, a gerência e o repasse de verbas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

A Lei nº 15.604/92 dispunha sobre a política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, criava o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e dava outras providências, entre elas as a seguir transcritas:

Art. 8º. Os programas, projetos e atividades do Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente serão custeados por dotações e rubricas orçamentárias do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente a ser criado por Lei, no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir da data da vigência desta Lei.

Art. 9º. O Fundo Municipal da Criança e do Adolescente mobilizará recursos do Orçamento Municipal, das transferências estaduais e federais e das doações de contribuintes, nos termos do artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente e das multas.

De outro lado, a Lei nº 15.820/93, que instituiu o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, também previa:

Art. 4º. São receitas do Fundo:

I – dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais;

(…)

Art. 7º. O Orçamento do Fundo em obediência ao princípio da unidade, integrará o orçamento do Município do Recife, e evidenciará política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, formada pelo Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Por fim, destaco, ainda, a própria Lei nº 16.202/96, sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 1997, a qual destacava:

Art. 2°. Constituem prioridades do Governo Municipal:

(omissis)

IV – Assistência â Criança e ao Adolescente;

(…)

Art. 9°. As informações complementares de que trata o art. 4° inciso II, da presente Lei serão compostas por demonstrativos contendo:

(omissis)

VIII – a programação, no orçamento fiscal, destinada à promoção de assistência integral à criança e ao adolescente, em atendimento ao disposto no art. 227 da Constituição Estadual;

Frente a essas considerações, despicienda é a discussão acerca da inconstitucionalidade do Parágrafo Único do artigo 227, da Constituição Estadual, haja vista a violação, pelo Município réu de todas as normas acima apontadas, assim como de preceito da Constituição Federal.

Por todo o exposto, voto pelo improvimento do reexame necessário, mantendo-se a decisão proferida em todos os seus termos.

É como voto.

Recife, de de 2010.

Des. José Ivo de Paula Guimarães
Relator

Reexame Necessário nº 43360-5 – Comarca do Recife
Autor: Ministério Público
Réu: Município do Recife

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPASSE DE LEI ORÇAMENTÁRIA. FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO POR UNANIMIDADE DE VOTOS. 1. Discute-se a obrigatoriedade ou não no cumprimento de lei orçamentária municipal e, em caso afirmativo, qual seria a norma cogente aplicável. 2. Para que um ente federado cumpra as diretrizes estabelecidas em uma lei orçamentária, ou este o faz de livre e espontânea vontade, ou é obrigado por uma norma de hierarquia superior, por exemplo, uma lei complementar, a constituição estadual ou a própria constituição federal. 3. Ora, o art. 227, da CF, traz em seu bojo o princípio da prioridade absoluta, o qual coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente uma vida digna e completa, devendo, inclusive, este princípio ser tido como norteador de qualquer situação de interesse do menor. 4. De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), lei federal de caráter geral – ou seja, tanto no critério hierárquico como no de especialidade, a lei orçamentária municipal nº 16.202/96 a ela se submete – dispõe, no art. 260, §5º, que “a destinação de recursos provenientes dos Fundos Municipais de Direitos da Criança e Adolescente não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da CF”. 5. Ademais, foram editadas outras duas leis municipais, a saber, a Lei nº 15.604/92 e a Lei nº 15.820/93, que em conjunto com a Lei nº 16.202/96 disciplinam a criação, a gerência e o repasse de verbas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. 6. A Lei nº 15.604/92, além de dispor sobre a política Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e criar o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, determina, em seu art. 9º, que o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente mobilizará recursos do Orçamento Municipal, das transferências estaduais e federais e das doações de contribuintes, nos termos do artigo 260 do ECA. Já a Lei nº 15.820/93, que instituiu o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, prevê como receita a dotação consignada na Lei de Orçamento e reza que o Orçamento do Fundo, em obediência ao princípio da unidade, integrará o orçamento do Município do Recife. Por fim, a própria Lei nº 16.202/96, sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 1997, destacava como prioridade do Governo Municipal a assistência à Criança e ao Adolescente. 7. Frente a essas considerações, despicienda é a discussão acerca da inconstitucionalidade do Parágrafo Único do artigo 227, da Constituição Estadual, haja vista a violação, pelo Município réu de todas as normas acima apontadas, assim como de preceito da Constituição Federal. 8. Reexame necessário improvido por unanimidade de votos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Reexame Necessário nº 43360-5, acima mencionado, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 8ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em negar provimento o reexame necessário, nos termos do Relatório e Voto, proferidos neste julgamento em 25 de fevereiro de 2010.

P.R.I.

Recife, 01 de março de 2010.

Des. José Ivo de Paula Guimarães
Relator

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