TJPE regula Unidades Socioeducativas

31-05-2011 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

7ª Câmara Cível fixou condições para adequado funcionamento das Unidades Socioeducativas da FUNASE em Garanhuns.
A decisão já transitou em julgado. Veja o Relatório, Voto e Acórdão desta decisão em Agravo de Instrumento:

Sétima Câmara Cível
Agravo de Instrumento nº: 0207.341-8 – Garanhuns
Agravante (s): Estado de Pernambuco
Agravado(s): Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Pernambuco em face do Ministério Público do Estado de Pernambuco, impugnando decisão interlocutória proferida pela MM. Juíza da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Garanhuns, Dra. Karla Fabíola Rafael Peixoto Dantas, no bojo da Ação Civil Pública tombada sob o nº 0004087-59.2009.8.17.0640.

A Magistrada a quo, (fls. 432/443) deferiu liminar para fins de determinar aos réus (FUNASE – Fundação de Atendimento Socioeducativo e Estado de Pernambuco) que construíssem, na cidade de Garanhuns/PE, observando-se os parâmetros arquitetônicos para unidades de atendimento socioeducativos estabelecidos pelo SINASE, no prazo de doze meses: a) um novo centro de atendimento socioeducativo destinado à internação provisória (CENIP) de adolescentes do sexo masculino em conflito com a lei, com a capacidade para quarenta internos (nos termos da Resolução número 46, do CONANDA); b) dois novos centros de atendimento socioeducativo à medida de internação (CASE), com capacidade para quarenta internos, em cada uma das referidas unidades; c) uma unidade destinada à medida sócio-educativa de semiliberdade (CASEM), em bairro comunitário, nos moldes de moradia residencial com capacidade para vinte internos, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em caso de descumprimento ou atraso no cumprimento, a ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Relata que o Ministério Público do Estado de Pernambuco ajuizou a Ação Civil Pública originária visando à condenação do Estado de Pernambuco e da FUNASE à obrigação de fazer consistente na construção de novos centros de atendimento socioeducativo na cidade de Garanhuns, sob o argumento de que, em decorrência da instauração de Procedimento de Investigação Preliminar (PIP), foi constatada a absoluta inobservância, pelos CASE, CENIP e CASEM existentes no município de Garanhuns, dos parâmetros arquitetônicos previstos no SINASE – Sistema Nacional de Atendimentos Socioeducativo.

Narra, ainda, que, a Douta Juíza não se restringiu aos termos do pedido liminar, tendo em vista que, malgrado tenha sido requerida a construção dos referidos centros com capacidade para atendimento a 30 (trinta) adolescentes, cada, a Magistrada concedeu o provimento estabelecendo que a capacidade das construções deveria abranger, cada centro, 40 (quarenta) adolescentes.

Defende o processamento do presente agravo sob a modalidade instrumental, aduzindo, para tanto, que a concessão da liminar, condicionado o seu cumprimento ao exíguo prazo de 12 (doze) meses, trará prejuízos imediatos e de monta aos cofres públicos do Estado, que terá de retirar recursos de outros orçamentos sem o essencial planejamento.

Aduz, em síntese:

1) Que a área socioeducativa abrange 18 (dezoito) unidades localizadas nos municípios de Recife, Caruaru, Arcoverde, Garanhuns e Petrolina, restando evidente que nem o Poder Judiciário, nem o Ministério Público possuem uma visão global dos problemas enfrentados, nem tampouco competência para analisar qual unidade está mais necessitada de reformas;

2) Que a unidade do CASE/CENIP/CASEM – Garanhuns tem merecido toda a atenção que merece por parte do Estado de Pernambuco, porquanto está inserida em duas frentes de trabalho, consistente a primeira na ampliação do CENIP, visando a construção de 04 (quatro) alojamentos com capacidade para 09 (nove) adolescentes cada, a ampliação do muro e da padaria da referida unidade e a segunda na ampliação do consultório odontológico, com previsão de finalização, respectivamente, nos meses de janeiro e março do corrente ano;

3) Que o decisum implicou invasão do Judiciário na esfera do Executivo, porque todos os seus termos consubstanciam a imposição de condutas típicas da atividade administrativa e que demandam grande volume de recursos públicos, olvidando-se da origem orçamentária de tais recursos e dos procedimentos legais de licitação;

4) Que é questionável o pedido de construção de novos prédios, eis que, em momento algum os relatórios das inspeções feitas nas unidades apontam para tal necessidade, recomendando tão só a reforma dos prédios já existentes;

5) Que a liminar ora vergastada ofende o princípio da legalidade, tendo em vista que impõe a realização de despesas, sem o respectivo respeito à inafastável necessidade de provisão orçamentária específica, não se admitindo improvisação, açodamento ou prevalência de meras convicções pessoais;

6) Que o respeito à reserva do possível é fundamental para o deslinde da lide, ante a necessidade de observância da viabilidade prática da prestação material imposta, hipótese na qual não se insere a hipótese fática em apreço.

Pugna, liminarmente, pela concessão de efeito suspensivo ao presente agravo e, no mérito, pelo seu provimento, com a integral reforma da decisão agravada.

Esta Relatoria, às fls. 508/514, deferiu o efeito suspensivo almejado, ressalvando, contudo, a obrigatoriedade do agravante em viabilizar as reformas e melhorias necessárias à viabilização dos programas de atendimento aos adolescentes nos centros socioeducativos de Garanhuns, previstas no Plano Estadual para o Reordenamento dos Sistemas protetivos e socioeducativos do Estado de Pernambuco.

Dessa decisão foi interposto agravo regimental, ao qual negou-se provimento.

Intimado, o recorrido ofertou suas contrarrazões às fls. 523/556, aduzindo:

1) Que se impõe a observância irrestrita à norma constitucional que assegura às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, à liberdade, dentre outros direitos fundamentais;

2) Que não há que se falar que a liminar deferida pelo Juízo a quo possui caráter satisfativo, porquanto o Código de Processo Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem a antecipação da tutela das obrigações de fazer e não fazer, medida esta que se mostra fundamental para a adequada tutela dos mais diversos direitos;

3) Que, diante da flagrante e continuada omissão do Poder Público frente aos comandos constitucionais quês estabelecem absoluta prioridade no atendimento das necessidades fundamentais das crianças e dos adolescentes, a concessão da liminar, nos exatos termos em que foi requerida pelo Ministério Público, é medida que se impõe;

4) Que, do mesmo modo que o Poder Judiciário pode suprir a omissão do administrador, obrigando-o ao fornecimento do medicamento mais moderno ou ao custeio de tratamento médico mais eficaz, não há óbice a que determine a adoção de medidas necessárias à construção dos centros de internamento, em defesa das garantias fundamentais asseguradas aos adolescentes infratores;

O Parquet ofertou cota às fls. 565/571, aduzindo que, diante da existência de órgão ministerial atuante no processo, não se justifica a sua intervenção para oferecimento de parecer.

É o que de relevante se tem a relatar.

Inclua-se em pauta.

Recife, 27 de setembro de 2010.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
____________________________________________________________________________________

Sétima Câmara Cível
Agravo de Instrumento nº: 0207.341-8 – Garanhuns
Agravante (s): Estado de Pernambuco
Agravado(s): Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

V O T O:

A decisão impugnada encontra-se acostada às fls. 432/443 dos autos.

Versa a liminar em apreço acerca da imposição da construção de novos centros de atendimento socioeducativo na cidade de Garanhuns, em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet com suporte em procedimento de investigação preliminar que apurou que as condições de salubridade, habitabilidade e segurança nas unidades de CASE/CENIP/CASEM daquela cidade estavam em desconformidade com as normas mínimas estabelecidas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE.

Do contexto probatório, mais precisamente dos Relatórios de Inspeção, confeccionados pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Adolescência (fls. 68/124) e pela Vigilância Sanitária do Município de Garanhuns (fls. 141/143), conclui-se que as instalações das atuais unidades de atendimento socioeducativo de Garanhuns não estão em absoluta conformidade com os parâmetros arquitetônicos adequados ao integral cumprimento das políticas e programas destinados à ressocialização dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

No que pertine à relevância do direito em questão, esta igualmente não se questiona, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, a exemplo das que garantem habitação em alojamentos com condições adequadas de higiene e salubridade; o acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal, bem assim a cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos, dentre tantos outros.

Destaque-se o primoroso trabalho desenvolvido pelas ilustres Magistrada e Promotora de Justiça em atuação na Vara da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes do município de Jaboatão dos Guararapes, merecem deferência desse Juízo ad quem.

É certo, outrossim, que compete ao Ministério Público, juntamente com o Judiciário e Conselhos Tutelares, exercer a fiscalização das entidades governamentais e não-governamentais de atendimento às crianças e adolescentes inseridas em programas de proteção e socioeducativas, nos moldes dos artigos 95 a 97 da Lei nº 8.069/90, sendo, pois, legitimado a ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada.

• Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.)
(…)
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Todavia, é igualmente correto que as liminares não devem ter caráter satisfativo, que impliquem esgotamento, no todo ou em parte, do objeto da ação, ante o risco da sua irreversibilidade e a temeridade dos seus efeitos.

• Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992 (Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências.)
“Art. 1°. Omissis.
(…)
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.”.

In casu, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pela Magistrada e o provimento final se equivalem indistintamente, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção de despesas de grande vulto, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento.

Frise-se, ademais, que, malgrado patente a existência de vícios nos referidos centros de atendimento socioeducativo e a necessidade de correção dos mesmos, em sede de liminar seria mais razoável se a Juíza de piso houvesse determinado a melhoria da higiene, segurança e salubridade das unidades mediante a realização de reforma da estrutura já existente, deixando a determinação da construção de novos centros para a oportunidade do julgamento final da ação, em caso de provimento do pleito, após final instrução processual e amadurecimento probatório.

Cumpre notar que, pelas conclusões dos laudos de vistoria pelos técnicos do Ministério Público e da Vigilância Sanitária, cujos excertos estão respectivamente infratranscritos, malgrado se apreenda que há necessidade de melhorias, não há indicação de emergência quanto à construção de novos prédios, razão pela qual se conclui pela suficiência da realização de reformas. Vejamos:

“9.1. A instituição educacional de adolescentes do sistema FUNASE (CASEM/CASE/CENIP) de Garanhuns, embora apresente perspectiva de bom funcionamento, não possui a quantidade de quartos adequados ao número de adolescentes acolhidos e também não atende a alguns dos parâmetros arquitetônicos do SINASE para a unidade de atendimento socioeducativa do SINASE e da Resolução 46/96 do CONANDA. Há necessidade de reformar o desenho e corrigir a construção que já se encontra em fase final de acabamento, dos quartos com 09 (nove) leitos (UH), baixando para 04 (quatro), no máximo, como mandam as normas.”.

“No momento da inspeção, constatamos a necessidade de algumas melhorias nas áreas inspecionadas (CENIP e CASE), como a troca das portas quebradas dos banheiros, colocação de tampas para sanitários e pias, além da falta de lâmpadas em algumas salas, telas nas janelas da cozinha e a troca de todos os utensílios domésticos. O abastecimento de água é feito pela COMPESA, existem dois reservatórios de água com 16.000L e 8.000L, todos dois com vazamento e tampas inadequadas, onde pode acontecer contaminação. OBS: será realizada a coleta d’água pela APEVISA para exames bacteriológico e físico-químico. Conclusão: em face do exposto, faz-se necessário a realização destas melhorias e também será preciso realizar uma nova inspeção após o término da reforma do prédio.”

Note-se, ainda, que o decisum ora impugnado, ante o caráter cominatório de seus termos, em sede de provimento liminar, consistiu em invasão do Poder Judiciário sobre a competência do Poder Executivo, obrigando-o a escalonar suas prioridades e olvidando da necessidade de planejamento orçamentário.

Registre-se que o posicionamento segundo o qual ao Judiciário não é dado compelir o Poder Executivo a dar cumprimento a obrigações de fazer consistentes na construção de locais em que serão prestados serviços que possuem previsão constitucional, mas tão somente a prestá-lo dentro dos padrões mínimos de qualidade estabelecidos por lei, não é recente. Leia-se trecho de sentença exarada por mim, então juiz de direito da 2ª Vara da Infância e Juventude da capital, nos idos de 1996, nos autos da ACP nº 00195051333-5:

“(…) É de se argumentar ainda que o fato do Estado não executar todos os serviços educacionais próprios em padrões mínimos de qualidade, por si só, não seria suficiente para uma condenação. Bastaria que ficasse cabalmente demonstrado a absoluta inviabilidade financeira para cumprir suas obrigações. Por exemplo, apontando o percentual orçamentário para educação; O Percentual efetivo da prestação de Contas do exercício anterior; A programação financeira do semestre em curso; O número total das escolas estaduais em todas as regiões; O custo “per capita” de cada uma delas; um eventual desequilíbrio neste “per capita” que privilegiasse as escolas de Brasília Teimosa, em detrimento das demais escolas da rede estadual. Nada disso foi feito. Ao contrário, o que se vê na imprensa é a alocação de dotações para publicidade em volume maior que os ricos Estados de São Paulo e Minas Gerais, e até mesmo do que grandes bancos que precisam da divulgação dos seus serviços para angariar clientes. O Governo Estadual propor à Assembléia Legislativa assumir débitos do Bandepe (que tem obrigação de concorrer no mercado e ser lucrativo), socializando prejuízos com todos os contribuintes, enquanto não pagou ainda o 13º salário (gratificação natalina) a uma parcela ponderável do seu funcionalismo.
Tenho a nítida sensação de que nesta gestão está faltando aos assessores governamentais aquilo que sempre sobrou naquele que os lidera e chefia por escolha soberana da esmagadora maioria dos Pernambucanos: “COERÊNCIA”. É preciso diminuir a distância entre o verbo e a ação.
Se os argumentos de mérito da defesa são inacolhíveis, é de se reconhecer a procedência do pedido. Entretanto, este reconhecimento não pode desconsiderar circunstâncias e legislações outras que mantêm “interface” com a questão posta a deslinde. Além disso, é preciso se balizar a intervenção do Judiciário, para que não extrapole e invada o âmbito da questões puramente da conveniência e de oportunidade do administrador.
Neste aspecto, cuido que me excedi na liminar de fls. 198/199, no item c, quando determinei a elaboração de projeto arquitetônico para edificar, em terreno pertencente a terceiro, um imóvel a ser destinado a instalação de uma escola. A obrigação do Estado é prestar o ensino, repita-se, em padrões mínimos de qualidade. É pura conveniência sua querer ou não construir um prédio novo para abrigar a escola, mesmo que o terreno lhe seja doado. Trata-se de doação com encargo, que, segundo a Constituição Federal, precisa de prévia autorização legislativa. Além disso, eventualmente o custo de edificação pode ser muito alto, etc.
Não me cabe dizer “se eu fosse o secretário pegava o terreno e construía”, pois isso seria mero “achismo ” do que é bom ou ruim em um determinado momento histórico. A preocupação do Judiciário deve se dirigir apenas a determinar a prestação do ensino qualitativo, nos limites das obrigações do Executivo, previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e no Estatuto, as quais não estão sendo devidamente cumprida.(…). (grifos nossos).”.

Ante o exposto, VOTO PELO PROVIMENTO PARCIAL DO PRESENTE RECURSO, mantida a ressalva feita em sede de liminar, no tocante à obrigatoriedade do agravante de viabilizar as reformas e melhorias necessárias à viabilização dos programas de atendimento aos adolescentes nos centros socioeducativos de Garanhuns, previstas no Plano Estadual para o Reordenamento dos Sistemas protetivos e socioeducativos do Estado de Pernambuco, no prazo máximo de 06 (seis) meses, incluindo-a na dotação financeira para entrar no Orçamento do Estado e na execução orçamentária do primeiro semestre de 2011.

Recife, 23 de novembro de 2010.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
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Sétima Câmara Cível
Agravo de Instrumento nº: 0207.341-8 – Garanhuns
Agravante (s): Estado de Pernambuco
Agravado(s): Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICO. CONSTRUÇÃO DE CENTROS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO. EFETIVIDADE DOS PROGRMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DOS ADOLESCENTES INFRATORES. ESGOTAMENTO. CARÁTER COMINATÓRIO. INVASÃO DO JUDICIÁRIO SOBRE COMPETÊNCIAS DO ADMINISTRADOR. OBRIGATORIEDADE DA VIABILIZAÇÃO REFORMAS E MELHORIAS. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.
1. Versa a liminar em apreço acerca da imposição da construção de novos centros de atendimento socioeducativo na cidade de Garanhuns, em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet com suporte em procedimento de investigação preliminar que apurou que as condições de salubridade, habitabilidade e segurança nas unidades de CASE/CENIP/CASEM daquela cidade estavam em desconformidade com as normas mínimas estabelecidas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Do contexto probatório, mais precisamente dos Relatórios de Inspeção, confeccionados pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Adolescência (fls. 68/124) e pela Vigilância Sanitária do Município de Garanhuns (fls. 141/143), conclui-se que as instalações das atuais unidades de atendimento socioeducativo de Garanhuns não estão em absoluta conformidade com os parâmetros arquitetônicos adequados ao integral cumprimento das políticas e programas destinados à ressocialização dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
2. No que pertine à relevância do direito em questão, esta igualmente não se questiona, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, a exemplo das que garantem habitação em alojamentos com condições adequadas de higiene e salubridade; o acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal, bem assim a cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos, dentre tantos outros. Destaque-se o primoroso trabalho desenvolvido pelas ilustres Magistrada e Promotora de Justiça em atuação na Vara da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes do município de Jaboatão dos Guararapes, merecem deferência desse Juízo ad quem.
3. É certo, outrossim, que compete ao Ministério Público, juntamente com o Judiciário e Conselhos Tutelares, exercer a fiscalização das entidades governamentais e não-governamentais de atendimento às crianças e adolescentes inseridas em programas de proteção e socioeducativas, nos moldes dos artigos 95 a 97 da Lei nº 8.069/90, sendo, pois, legitimado a ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada. Todavia, é igualmente correto que as liminares não devem ter caráter satisfativo, que impliquem esgotamento, no todo ou em parte, do objeto da ação, ante o risco da sua irreversibilidade e a temeridade dos seus efeitos:( Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992 (Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências.)”Art. 1°. Omissis.(…)§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.”.
4. In casu, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pela Magistrada e o provimento final se equivalem indistintamente, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção de despesas de grande vulto, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento. Frise-se, ademais, que, malgrado patente a existência de vícios nos referidos centros de atendimento socioeducativo e a necessidade de correção dos mesmos, em sede de liminar seria mais razoável se a Juíza de piso houvesse determinado a melhoria da higiene, segurança e salubridade das unidades mediante a realização de reforma da estrutura já existente, deixando a determinação da construção de novos centros para a oportunidade do julgamento final da ação, em caso de provimento do pleito, após final instrução processual e amadurecimento probatório.
5. Pelas conclusões dos laudos de vistoria pelos técnicos do Ministério Público e da Vigilância Sanitária, cujos excertos estão respectivamente infratranscritos, malgrado se apreenda que há necessidade de melhorias, não há indicação de emergência quanto à construção de novos prédios, razão pela qual se conclui pela suficiência da realização de reformas. Vejamos: “9.1. A instituição educacional de adolescentes do sistema FUNASE (CASEM/CASE/CENIP) de Garanhuns, embora apresente perspectiva de bom funcionamento, não possui a quantidade de quartos adequados ao número de adolescentes acolhidos e também não atende a alguns dos parâmetros arquitetônicos do SINASE para a unidade de atendimento socioeducativa do SINASE e da Resolução 46/96 do CONANDA. Há necessidade de reformar o desenho e corrigir a construção que já se encontra em fase final de acabamento, dos quartos com 09 (nove) leitos (UH), baixando para 04 (quatro), no máximo, como mandam as normas.”. “No momento da inspeção, constatamos a necessidade de algumas melhorias nas áreas inspecionadas (CENIP e CASE), como a troca das portas quebradas dos banheiros, colocação de tampas para sanitários e pias, além da falta de lâmpadas em algumas salas, telas nas janelas da cozinha e a troca de todos os utensílios domésticos. O abastecimento de água é feito pela COMPESA, existem dois reservatórios de água com 16.000L e 8.000L, todos dois com vazamento e tampas inadequadas, onde pode acontecer contaminação. OBS: será realizada a coleta d’água pela APEVISA para exames bacteriológico e físico-químico. Conclusão: em face do exposto, faz-se necessário a realização destas melhorias e também será preciso realizar uma nova inspeção após o término da reforma do prédio.”
6. O decisum do primeiro grau, ante o caráter cominatório de seus termos, em sede de provimento liminar, consistiu em invasão do Poder Judiciário sobre a competência do Poder Executivo, obrigando-o a escalonar suas prioridades e olvidando da necessidade de planejamento orçamentário.
7. Registre-se que o posicionamento segundo o qual ao Judiciário não é dado compelir o Poder Executivo a dar cumprimento a obrigações de fazer consistentes na construção de locais em que serão prestados serviços que possuem previsão constitucional, mas tão somente a prestá-lo dentro dos padrões mínimos de qualidade estabelecidos por lei, não é recente.
8. À unanimidade de votos, deu-se provimento parcial ao presente recurso, mantida a ressalva feita em sede de liminar, no tocante à obrigatoriedade do agravante de viabilizar as reformas e melhorias necessárias à viabilização dos programas de atendimento aos adolescentes nos centros socioeducativos de Garanhuns, previstas no Plano Estadual para o Reordenamento dos Sistemas protetivos e socioeducativos do Estado de Pernambuco, no prazo máximo de 06 (seis) meses, incluindo-a na dotação financeira para entrar no Orçamento do Estado e na execução orçamentária do primeiro semestre de 2011.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0207.341-8, da Comarca de Garanhuns, em que figuram, como Agravante, o Estado de Pernambuco e, como agravado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco, Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao presente recurso, mantida a ressalva feita em sede de liminar, no tocante à obrigatoriedade do agravante de viabilizar as reformas e melhorias necessárias à viabilização dos programas de atendimento aos adolescentes nos centros socioeducativos de Garanhuns, previstas no Plano Estadual para o Reordenamento dos Sistemas protetivos e socioeducativos do Estado de Pernambuco, no prazo máximo de 06 (seis) meses, incluindo-a na dotação financeira para entrar no Orçamento do Estado e na execução orçamentária do primeiro semestre de 2011, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

Recife, 23 de novembro de 2010.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator