“Já dizia Rui Barbosa: justiça tardia não é justiça”

21-03-2020 Postado em Entrevistas por Luiz Carlos Figueirêdo

ENTREVISTA

Já dizia Rui Barbosa: justiça tardia não é justiça

Publicação: 07/03/2020 09:00 – Diário de Pernambuco

O desembargador Luiz Carlos de Barros Figueiredo, 67 anos, empossado no cargo de corregedor-geral de Justiça, no início de fevereiro, caminhou por uma longa estrada antes de assumir o posto, um dos mais importantes da Justiça em Pernambuco. Antiguidade no Judiciário é, inclusive, uma das características para ocupar a função. Por 38 anos, foi juiz e, há 14 anos, é desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. O magistrado, com larga experiência na área de infância e juventude, conversou com a repórter Marcionila Teixeira em sua sala, um espaço amplo no Fórum Thomaz de Aquino, no bairro de Santo Antônio, no Recife. Disse ter planos de estimular o andamento de processos, de agilizar a conclusão de procedimentos disciplinares, de estimular premiações por desempenho e de ouvir sugestões de juízes do interior. Falou, ainda, sobre audiências de custódia, déficit de juízes e temas polêmicos como salários e liberdade de expressão de magistrados.

Entrevista: Luiz Carlos de Barros Figueiredo // corregedor-geral de Justiça

Processos parados
A Corregedoria tem funcionado com muita competência. Tem pouca coisa para inventar. Tem para aperfeiçoar. Nós temos um mecanismo de acompanhamento da produção  do andamento dos processos, o SiCor. Um sistema de alta qualidade para saber quantos processos estão andando, quantcoisas o tempo estão parados, quais são os juízes e funcionários trabalhando nele. Com isso, eventualmente será necessário um contato ou até uma visita in loco para os casos que estão com desvio padrão, com mais de cem dias sem despacho, por exemplo. É preciso aperfeiçoar esse sistema. Todos os juízes têm acesso também e sabem administrar suas unidades e aqui a gente tem uma visão panorâmica do estado. Diminui custos para não ter tanto deslocamento físico com diária. Mas, com certeza, esse sistema, apesar de ser muito bom, está precisando de um óleo para azeitar. Por exemplo, aumentar a capacidade de armazenagem, melhorar as correções de eventuais falhas. Tem sido lenta a capacidade de resposta. Estamos em articulação com o presidente, que é ex-corregedor, e foi na gestão dele que se instalou. Porque a situação de Pernambuco no cenário nacional não é das melhores. Por ocasião da divulgação do Justiça em Números, do CNJ, a gente pode ter um perfil comparativo com o resto do país e há anos Pernambuco vive mais ou menos na metade do caminho. Nunca está entre os piores  e nunca está entre os melhores em número de processos julgados, em demora, tema que eles colocam como prioridade. Por exemplo, julgar processos antigos, não deixar esses processos parados. Já o trabalho com sustentabilidade, padrão de atendimento da informática, nesses aí Pernambuco anda melhor já há algumas administrações.

Procedimentos disciplinares

Eu ainda não tenho diagnóstico exato de qual é a realidade na Corregedoria. A impressão que tenho é que temos gargalos em todos os segmentos. São coisas que precisam ser melhor ajustadas. Procedimentos disciplinares instaurados porque os servidores não apresentaram a declaração de bens de Imposto de Renda. É uma obrigação e isso não pode estar ocupando tanto tempo da máquina. Você acelera e pune. Estou com ideia de tentar, com o apoio do Sindicato dos Servidores e da Amepe, fazer um grande mutirão. Chamar esses devedores, trazer, na hora certificar, acabar esses procedimentos disciplinares ou preliminares de não apresentação da declaração de bens do Imposto de Renda. Coisas realmente importantes, falhas relevantes, estão deixando de ser apuradas. O servidor ou juiz que estiver errando é orientado. Corrigir para não repetir a falha. Tem processo que precisa de mais celeridade, como os criminais com réu preso, ou seja, que já passaram pela audiência de custódia e não foram liberados; processo de adolescente autor de ato infracional, que o prazo é muito rígido quando está internado sem julgamento. Tem coisas que precisam de acompanhamento mais rigoroso. Já dizia Rui Barbosa: justiça tardia não é justiça.

Déficit de juízes

Em algumas unidades não há estrutura física e pessoal de atendimento. Como faltam muitos juízes, é frequente estarem acumulando várias unidades judiciárias. Quando acumula Olinda e Recife, ele desce um andar, anda 200 metros e chega ao destino. Mas quando o sujeito está no interior, principalmente no Sertão, as cidades ficam a 120 quilômetros. Terminam chamados de juízes do asfalto. Se acumula três comarcas, o juiz passa mais tempo na estrada que despachando ou decidindo. A população tem direito à ação jurisdicional e não quer saber disso. Só pode melhorar as condições tendo um quadro de funcionários adequado e de juízes. Segundo li em matéria de jornal, esse déficit oscila em 150 juízes. Mas essa é uma questão da presidência, não da corregedoria. Nesse meio tempo, você tem pessoas que já não querem mais ocupar o cargo, passou em outro concurso, se adaptou onde está. Carreira de juiz nunca foi carreira muito desejada porque a remuneração ainda não é compatível com as responsabilidades do cargo. Os outros cargos similares ao de juiz, por afinidade, têm carga de trabalho menor e responsabilidade menor, como o promotor, o procurador. Com todo respeito porque são essenciais à Justiça. É um parecer. Opino que. O outro pede. Jamais a responsabilidade será equivalente. A responsabilidade de quem decide tem interesses colidentes e você tem responsabilidade de julgar de forma isenta, segundo a jurisprudência. É carga emocional muito grande, desgaste intenso, sob pressão e olhares de todo mundo a todo tempo, principalmente nas pequenas cidades. Uma carga normalmente de trabalho sobre-humana. Já nunca foi uma grande atração, aí hoje o que se vê nesses novos tempos é falar em qualquer vantagem econômica o que se tem é uma reclamação, é um grito, tem alguém dizendo que é marajá.

Salários

Não existe nenhum megassalário. Exatamente porque tem ausência de juízes é comum não se tirar férias. Entra de férias e daqui a pouco tem alguém dizendo: volta. Aí tirou quinze dias e vai ficando. Para um dia gozar essas férias ou esperar para aposentar e receber em pecúnia. Quando menos se espera tinha gente aqui – eu tinha umas cinco férias vencidas – com mais de dez férias vencidas. O trabalhador, em qualquer canto, se ele não gozar as férias ele recebe em pecúnio. Por que só o juiz não pode receber? Havia autorização do CNJ para pagar essas férias não gozadas. O que aconteceu e chamou a atenção foi, primeiro, exatamente porque passaram muito tempo sem tirar férias os valores foram mais elevados. Se você se sacrifica, não tira as férias e fica trabalhando, é esquizofrênico isso. Aconteceu também caso específico de uma determinada juíza que já tinha sido afastada e depois reintegrada e passou um tempo sem receber salário. Não estava dentro da autorização dada pelo CNJ. Mas como o Tribunal não tinha como pagar, o Tribunal estava praticamente pagando a ela o equivalente aos juros, que no caso ela teria, diferentemente das férias vencidas, que ninguém recebeu com juros nem correção monetária.. Do ponto de vista da economicidade, era uma vantagem para o Tribunal. Já que estava com crédito, resolvia o problema e não deixava a herança do débito para a nova administração. Tinha caixa e ela tinha direito já assegurado pelos tribunais superiores. Agora, expressamente, estava autorizado pelo CNJ esse caso? Não.  O CNJ adiou o julgamento que seria na primeira terça feira de fevereiro. Deve ir para julgamento em  março. Acho que simplesmente se fez escândalo e está se apurando que valores foram esses e se as pessoas tinham direito.

Desempenho premiado

Existem no Tribunal algumas coisas que por razões diversas premiam juízes e servidores que produziram mais e melhor. Não é prêmio em dinheiro. Se tiver curso fora, vai um juiz e um funcionário. Todo mundo gosta. E essas premiações, embora sejam por razões diferentes, algumas levam em conta só a quantidade da produção, que é tentar passar a meta que o CNJ estabeleceu. Outras são realmente determinadas ações que precisam ser priorizadas pela sua natureza e repercussão social. A escola judicial faz cursos. Já eu estou propondo à presidência, primeiro a unificação, segundo a criação de um comitê gestor composto por assessores da presidência e Corregedoria, pelo representante da Amepe, enfim, bem horizontal, para acompanhar quais os critérios. Você precisa ter uma noção mais proporcional. A Vara da Fazenda Municipal tem 750 mil processos. Se o juiz der cinco mil sentenças, não fez nada. Aí tem comarca com 500 processos. Então se o juiz der 50 sentenças no mês, ele julgou 10% de todo acervo. Você precisa analisar.

Sugestões do interior

Estamos, junto com a presidência, com a ideia de irmos ao interior para quatro encontros. Na capital seria um, com juízes e servidores. Vamos identificar a visão que eles têm dos problemas. Apanhar sugestões. E a gente precisa de boa parte dessas sugestões, partindo de quem está com a mão na massa e que normalmente tem correlação mais direta com a realidade.  Às vezes você tem um juiz que sempre trabalhou muito, tem produtividade altíssima e de repente afundou. O que está havendo? Nós não estamos trabalhando com máquina não, trabalhamos com seres humanos. Que tipo de apoio está precisando? Cada comarca tem seu problema. Mataram alguém na rua. Aí a pessoa diz: queremos justiça. Ninguém diz: queria que o promotor denunciasse, a polícia investigasse e entregasse ao promotor em tempo hábil; queria que fizesse audiência de custódia na hora. As pessoas não têm essa visão complexa do sistema e termina sobrando para o Judiciário.

Audiências de custódia

As pessoas criticam as audiências de custódia porque elas não ouviram uma frase de Jesus Cristo que na hora de morrer disse: pai, perdoai porque eles não sabem o que fazem. A maioria esmagadora das pessoas presas em flagrante não precisa ficar presa porque não será condenada à privação de liberdade. Ou porque o delito é de pequeno potencial ofensivo ou porque a qualidade da prova é insuficiente ou porque não há risco para a instrução penal se o indivíduo estiver em liberdade. Isso acontece nos crimes de ocasião. As prisões em flagrante, 60% delas permanecem após a audiência de custódia. O restante, os 40%, ficaria à mercê de marginais contumazes se fosse para a prisão. Não está se soltando a rodo.

Direito de se expressar

O direito de liberdade de expressão não é um direito absoluto para ninguém. Sempre que eu ofender alguém, se eu cometer uma injúria ou difamação, eu posso vir a ser processado ou criminalmente ou em uma reparação de danos. Ninguém é obrigado a ser padre. Vai ser se quiser. Mas aquilo que obtém no confessionário, não pode passar adiante. A autoridade policial e judicial também sabe disso. Não posso sair dizendo no jornal, nas redes sociais que o CNJ erra, que o juiz erra. Mas as redes sociais têm dado voz às pessoas e alguns atuam nela desenfreadamente. Mas dizer que juiz não pode estar nas redes isso é besteira. É o mundo moderno. Mas sempre tem que ter alguém que fiscalize porque alguns passam da conta. No geral, é ser humano como outro qualquer e tem direitos como outras pessoas Se passar do  limite nas redes, se recebermos a denúncia e é constatada, responde procedimento disciplinar.