Mais um falso conflito

13-01-2021 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

 

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Publicado em: 13/01/2021 03:00 Atualizado em: 13/01/2021 06:44

 

Os que convivem no universo da adoção, desde sempre, se deparam com um falso conflito sustentado pelos biologistas que, de forma vampiresca, invocando laços sanguíneos, supostamente a família adotiva estaria em conflito com a família biológica. Nada mais falso. A luta é em favor das crianças e dos adolescentes abandonados e/ou maltratados pela família natural e que se encontram, aos milhares, nas instituições de acolhimento, ou, quando muito, em famílias acolhedoras, ambas formas excepcionais e transitórias, mas sem uma família verdadeira para chamar de sua.

Nesses tempos pandêmicos, com o aumento exponencial de crianças e adolescentes em acolhimento institucional, faz-se indispensável medidas que agilizem os processos de decretação de perda do poder familiar, ou declaração de inexistência dos pais para viabilizar a adoção dos mesmos. Tal matéria está contida no Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 4.114/2020 de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho, mas ainda não levado à votação naquela casa legislativa.

Em artigo publicado no Diario de Pernambuco de 06.01.2021, abordei o descaso com a vida desses infantes e jovens, já fragilizados por não estarem em suas famílias, quando são entregues a pretendentes à adoção sem um mínimo de segurança jurídica, com mera suspensão do poder familiar dos pais. Tal situação ocasiona, com relativa frequência, devoluções, ou mesmo reforma das decisões do 1º grau nos tribunais, destruindo a vida de todos os envolvidos, apontando que só a celeridade processual poderia resolver o problema.

Centenas de manifestações de adesão ao que ali se propugnava, só que, em dois casos, havia a ressalva em relação à celeridade, dizendo que os estudos tinham que ser amplos, verticalizados, por isso mesmo, demorados, e, pasmem, “para garantir a segurança dos adotantes e dos adotandos”. Melhor que tivessem detestado o texto, pois estão contra aquilo que é o cerne da minha proposição. Será que acham que o atual cenário está garantindo segurança jurídica aos adotandos, aos adotantes, aos genitores biológicos, aos demais parentes e à sociedade como um todo?; será que a celeridade não conduz a uma adoção segura e para sempre?

Para essas pessoas, é como se agilidade fosse sinônimo de açodamento. Difícil, pelo menos para mim, entender tanta “ciência” em detrimento dos interesses de quem precisa ser protegido.

Ninguém em sã consciência está a defender que os genitores sejam destituídos do poder familiar sem que lhes seja assegurado o devido processo legal, a ampla defesa. Muito menos que os estudos técnicos não comprovem a existência no caso concreto das causas ensejadoras dessa medida extrema estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil. É óbvio que em alguns casos, necessariamente, os estudos devam ser aprofundados, quando pairem dúvidas se deve ou não se tomar a decisão da ruptura dos laços familiares. Mas, para quem atua na área, sabe muito bem que, na esmagadora maioria dos casos, o material encaminhado pelo Conselho Tutelar, pelos dirigentes de casas de acolhida e pela Polícia, que embasaram o ajuizamento da ação, já não deixam dúvidas da existência do fato. Afinal de contas, abandono (que sustenta quase a totalidade das ações) é abandono aqui no Brasil ou em qualquer outro país do mundo. Maus-tratos, físicos e psicológicos, e descumprimento injustificado/reiterado do exercício do poder familiar, também.

A criança e o adolescente têm constitucionalmente assegurado o direito à prioridade absoluta. É o seu interesse, e não o dos adultos, que deve ser preservado. Se as hipóteses autorizativas estão presentes, decreta-se a perda do poder familiar, caso negativo, julga-se improcedente o pedido, devolvendo-se os acolhidos aos pais. Ponto.

A família extensa deve ter preferência sobre a família substituta, sim. Desde que comprovado afinidade e afetividade preexistente e não somente pelo sangue.

A questão, portanto, é de vontade política e de determinação para tirar alguns profissionais da zona de conforto. A redução de prazos não afeta inúmeras comarcas do país nas quais isto já é observado. Juízes, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e grupos de adoção precisam se irmanar nessa luta. Em maior ou menor grau, têm eles suas famílias, suas casas, seus amigos, seus alimentos e seu lazer, podendo influenciar positivamente na vida sofrida dessas crianças e desses adolescentes e dedicar um pouco mais de sua inteligência e força de trabalho em prol de quem nada, ou quase nada possui.

O Judiciário, o Executivo e o Legislativo também precisam priorizar de verdade os infantes e jovens em suas ações com unidades judiciais especializadas, pessoal qualificado e em quantidade necessária; instituições de acolhimento humanizadas; e legislação atualizada para permitir celeridade. Como sempre repito, “lugar da criança é nos orçamentos públicos”, pois sem recursos financeiros fica quase impossível se modificar esse quadro caótico.

Sobre guarda provisória e adoção #FicaVivi

06-01-2021 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

 

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Publicado em: 06/01/2021 03:00

A propósito de recente caso noticiado pela mídia e redes sociais, pelo que se noticia, um casal adotante cumpriu os trâmites processuais, estando legalmente cadastrado no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e sendo chamado para adoção de criança cujos pais apenas tiveram o poder familiar suspenso, mas o processo de decretação da perda do poder familiar ainda não se ultimou. Embora passados seis anos da guarda provisória entregue para fins de adoção, o casal recebeu a notícia de que deve entregar a criança à avó paterna – uma vez que o genitor está preso por haver cometido homicídio contra o próprio pai, e a genitora, usuária de drogas, está com endereço desconhecido – e pelo fato de essa mesma avó ter apresentado duas petições nos autos, pedindo a guarda da neta, no início do processo, que não foram apreciadas no juízo natural. Diante desse contexto, é de se perguntar:

1. O casal sabia dos riscos ao receber a guarda provisória de criança cujos pais não haviam sido destituídos do poder familiar? Se sabia, declarou isso por escrito?

2. Qual o erro, ou eventual má-fé do casal, além de ter acreditado que estava realizando uma adoção “legal e para sempre”?

3. O melhor interesse da criança está sendo respeitado, ao se ordenar a ruptura de sua convivência com aqueles com quem convive como sendo seus pais por seis anos, deixando-a em uma espécie de limbo jurídico, sem se falar do risco de chacotas e agressões de coleguinhas em escola, clubes, etc.?

4. O erro da não apreciação das petições da avó paterna pode justificar um erro maior de tirar a criança dos pais que ela conhece?

Reitero posições já defendidas em casos análogos, ou apenas academicamente em livros e artigos: enquanto insistirem em entregar as crianças aos pretendentes com base em mera suspensão do poder familiar dos genitores, tal desgastante fato continuará acontecendo, ou até se agravando. A pressa aniquila o verso, já disse o poeta. Os adotantes estão ansiosos e com pressa para receber um filho. Não sabem o risco que estão correndo e as consequências que podem advir. Qualquer erro processual, por mínimo que seja, pode levar o tribunal a anular a decisão do primeiro grau. Quando tal ocorre, o sofrimento é suportado pelos adotantes e seus parentes, pela criança, por vezes, pelos genitores e parentes, mas não consta que qualquer sanção tenha sido aplicada aos responsáveis pela precipitada entrega em canto nenhum do Brasil. Por isso, o problema se repete.

A solução é agilizar a tramitação das ações de decretação da perda do poder familiar e cumprir os prazos legais. Já os casos excepcionais, que obriguem a dilatação dos prazos, precisam ser bem justificados nos autos. Nesse contexto, por que, em algumas comarcas, com grande movimento, isso é possível e, em outras, não? Por que o Projeto de Lei do Senado (PLS), de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho, que objetiva agilizar a tramitação das declarações de perda de poder familiar, através da redução de prazos e de burocracias, ao deixar claro que a preferência da família extensa também está jungida à regra geral da prévia existência de afetividade e afinidade, não é incluído na pauta? Por que ele não é votado no Senado Federal, encaminhado à Câmara dos Deputados e, depois, à sanção do presidente da República?

Ainda a partir do ocorrido, quantos casos desses ainda teremos que ver até que se resolva de uma vez por todas as questões processuais e operacionais? Quantos casais e crianças precisarão passar por isso novamente? Chega! Basta! A solução desse problema é para ontem!