Manutenção dos efeitos previdenciários da guarda – Oposição ao entendimento do STJ e STF

22-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL – 24.03.2009

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 97609-8 – RECIFE

IMPETRANTE  :  INSTITUTO DE RECURSOS HUMANOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – IRH/PE

IMPETRADA     :  JUÍZA DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL

RELATOR        :  DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO

RELATÓRIO

 

(O relatório encontra-se às fls. 107/108 dos presentes autos).

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Excelentíssimo Senhor Desembargador João Bosco Gouveia de Melo, Excelentíssimos Senhores Desembargadores Fernando Cerqueira e Luiz Carlos Figueiredo,

 

A questão em debate nos autos é bastante conhecida desta Casa, há decisões inclusive divergentes entre a Sétima e a Oitava Câmaras, tanto em sede de mandado de segurança em si quanto em outras espécies de provimentos processuais, recursos como apelações e agravos de instrumento. E diz respeito na verdade a um único ponto: o confronto aparente entre o art. 33, § 3º do Estado da Criança e do Adolescente, que reza caber o instituto da guarda as consequências inclusive de natureza previdenciária e alterações realizadas tanto na esfera federal quanto na esfera estadual. Na esfera estadual, nas leis previdenciárias respectivas; na esfera federal pela Lei 9.528/97, no que foi repetida no âmbito do Estado, em relação à Funape, através da Lei Complementar nº 41/2003. Ambas as leis, tanto a federal quanto a estadual modificaram o rol de beneficiários dependentes passíveis de inscrição para fins de todos os efeitos dos benefícios da Previdência. Nessa modificação excluiu a figura do menor sob guarda, mantendo unicamente a figura do menor sob tutela.

 

A razão histórica dessa alteração, tanto federal quanto à estadual, se deu pelo fato de que os institutos previdenciários verificaram que havia uma certa facilidade e uma certa impossibilidade, na verdade, de coibir abusos e até mesmo fraudes, na concessão de guarda de determinados menores, apenas única e exclusivamente para fins previdenciários. Na verdade, era impossível aos entes previdenciários efetuar uma fiscalização precisa e, além disso, ir de encontro ao que estava se discutindo num processo, que grande parte das vezes corre em segredo de justiça, sem acesso inclusive ao entre previdenciário para verificar se realmente havia a necessidade ou não de ser deferida a guarda naquele momento, e quais as consequências em relação à caracterização da dependência econômica que essa assunção da guarda traria.

Com esse antecedente histórico, foram efetuadas essas modificações. A do Estado de Pernambuco através da Lei Complementar 41/2003, que retirou do rol de beneficiários e dependentes a figura do menor sob guarda.

 

A matéria também se encontrava em divergência perante o Superior Tribunal de Justiça. Havia decisões diametralmente opostas, com base nos mesmos fatos, chegando a conclusões diversas.

 

O motivo da sustentação oral realizada neste momento é para que se possa analisar com mais profundidade um julgamento extremamente relevante para a causa, acontecido no ano passado, que diz respeito ao Embargo de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido. Nesse julgado, o STJ pacificou o entendimento de que o art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente foi considerado revogado pela legislação posterior previdenciária. Então, não se pode impor essa legislação para fins de garantir ao menor sob guarda benefícios previdenciários. A ementa, peço vênia para lê-la, diz:

 

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. INCABIMENTO.

Esta Corte já decidiu que, tratando-se de ação para fins de inclusão de menor sob guarda como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS, não prevalece o disposto no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente em face da alteração introduzida pela Lei nº 9.528/97. Embargos de Divergência acolhidos”.

 

Também peço vênia para ler um trecho de um voto vista da Ministra Laurita Vaz, que esboça de maneira bastante lúcida e concisa a evolução no entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria. Diz a ministra que:

 

A princípio era pacífico no âmbito deste tribunal o entendimento segundo o qual o Estatuto da Criança e Adolescente não garante a qualidade de dependente do menor sob guarda judicial, por ser norma de cunho genérico, inaplicável aos benefícios mantidos pelo Regime Geral da Previdência Social, os quais por sua vez são regidos por lei específica. Deveria, portanto, prevalecer o art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91, alterado pela lei 9.528/97, que suprimiu o menor sob guarda do rol dos dependentes do segurado.

Posteriormente a matéria ficou bastante controvertida no âmbito desta Corte Superior de Justiça, tendo como ponto nodal a aparente antinomia entre o art. 16, § 2º, da Lei 8.213 e o art. 33, § 3º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente. Assim, havia julgados que mantiveram o entendimento acima e outros que o reformularam, dentre os quais se encontram da minha relatoria.

Entendia-se que era assegurado ao menor sob guarda o direito de pensão por morte devido ao falecimento do seu guardião, levando-se em conta as regras da legislação de proteção ao menor, a Constituição Federal, dever do poder público e da sociedade na proteção à criança e ao adolescente (art. 227, caput, § 3º, inc. II) e o Estatuto da Criança e Adolescente, que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei nº 8.069/90).

Ocorre que, diante da relevância social, jurídica e econômica da questão, bem como do atual posicionamento predominante dos meios que compõem esta Terceira Egrégia Seção, melhor analisando a matéria, concluo que razão assiste ao Instituto Previdenciário.

 

É assente na jurisprudência deste tribunal que o fato gerador para a concessão do beneficio de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo ser aplicado a lei vigente à época de sua ocorrência. Este por sinal é o enunciado da recente Súmula nº 340 desta Corte, in verbis: A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.

Dessa forma, não é possível a concessão de pensão por morte, quando o óbito do guardião ocorreu sob império da Lei nº 9.528/97, uma vez que o menor sob guarda não mais detinha condição de dependente, conforme a lei previdenciária vigente.

Ante o exposto, acompanho o eminente relator para acolher os embargos, a fim de dar provimento ao recurso especial interposto pelo INSS.

 

No caso específico dos autos, é ainda mais evidente a questão do marco temporal da lei, qual lei seria aplicável na época, porque não se trata nem do falecimento do guardião. A própria ação de guarda foi proposta em 2002, enquanto a alteração que suprimiu a figura do menor sob guarda, dentre os possíveis dependentes previdenciários, foi a Lei Complementar nº 43/2001.

 

Portanto, não há como se inscrever o menor sob a guarda da servidora segurada, sem que se afronte a legislação estadual. Esse foi o motivo do indeferimento administrativo e esse também o motivo da impetração do mandado de segurança contra a determinação, um ofício expedido diretamente pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude, à Funape para que acatasse o pleito administrativo formulado.

 

Com essas considerações e tendo em vista a pacificação da matéria no Superior Tribunal de Justiça, rogamos pela concessão da segurança para que se afaste a determinação do Juiz da Vara da Infância e da Juventude.

 

Muito obrigado!

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Senhor Presidente, jocosamente havia dito no julgamento anterior que, aqui, a Câmara da sempre convergência virou Câmara de divergência, repete-se o fato. Com muita tristeza tenho que votar contra o voto de Vossa Excelência, não vejo como.

 

Começo até fazendo uma referência que tenho feito a várias pessoas. Gosto muito quando chego aqui e encontro o Dr. Fernando e o Dr. Henrique, porque como cidadão me sinto defendido por eles, porque entram em todas as bolas divididas, ainda que não tenham sido os procuradores signatários das diversas demandas. Eles defendem à última instância o direito do Estado, e como cidadão fico muito feliz de saber que há pessoas com essa postura. Isso é importante para o convívio social, para a prevalência do interesse do bem comum. Às vezes levam a bolas mais do que divididas.

 

No meu modo de ver, data máxima vênia, não só de Sua Excelência o Dr. Fernando, mas de todos os julgadores aqui citados, inclusive o voto de Vossa Excelência, respeito a todos, mas não há sustentação, nem no plano ético nem no plano jurídico, para este mandado de segurança que o Estado não tem direito nenhum, quanto mais líquido e certo, e vou dizer por que.

 

O art. 33 do ECA estabelece quais são as condições, pré-condições no caput, para que haja guarda. Ela começa, e é fundamental, com a questão da posse de fato: tem ou não tem posse de fato. Isso não está questionado aqui. É pré-condição da ação: posse de fato.

 

A segunda questão que está em jogo é que o guardião seja o mantenedor de educar, alimentar, vestir, cumprir e fazer cumprir as decisões judiciais, mas essa matéria não foi nem de longe aventada no Writ.

 

A terceira questão que está em jogo é que para que haja uma guarda como uma ação autônoma, é que se caracterize excepcionalidade. Como não foi matéria do embate, eu suponho que a situação seja excepcional. Suponho. Não tenho outro elemento que não supor.

 

Cada vez que um desses elementos refoge é lícito a qualquer das partes se opor, inclusive ao interesse dos pais ou terceiro interessado, pela natureza de ação continuativa que é a ação de guarda, mudada a situação de fato modifica-se a situação de direito, modificá-la. Não foi isso o que aconteceu aqui no caso.  Não se questionou nada disso. Os pressupostos de admissibilidades da ação e os pressupostos de validade para a sua continuação não foram nem de longe arranhados.

 

Nós tínhamos no regime jurídico brasileiro, não é propriamente a Lei nº 9.528/92, mas porque isso vem de medida provisória que chegou a ser renovada acho que vinte e tantas medidas provisórias até virar lei. Nós tínhamos uma situação interessantíssima do Brasil. A lei dos benefícios da Previdência Social incluía no rol dos beneficiários o guardado e o ECA incluía, no 33, § 3º, como decorrência da guarda, a dependência previdenciária; ou, por outras palavras, nos tínhamos duas leis para dizer a mesma coisa.

 

Pode parecer uma situação absolutamente estranha, esdrúxula, mas num país que tantas leis tem, não é de se estranhar tanto que tenha duas para dizer duas vezes a mesma coisa. Era assim que com a vigência da lei nova excluiu-se da listagem da Lei do Benefício da Previdência Social, da 9528, a figura do menor sob guarda, que, aliás, até com a atecnia da expressão menor, meno male, excluiu-se.

 

Esta lei, aos que se deram ao cuidado de lê-la, ela tem acho que três ou quatro artigos. No artigo que diz: revogam-se as seguintes leis e artigos, quer dizer, fica alterado o artigo tal, revoga-se o seguinte. Só não conseguiu se revogar ali a lei da gravidade, porque o legislador incluiu tudo e mais 10% (dez por cento) do garçom para revogar, e não ousou revogar o § 3º, do art. 33 do ECA. E por que não ousou? Porque não havia por que revogar. Então, com a retirada da lista da dependência previdenciária, nós ficamos com uma lei dizendo que ser guardado judicialmente é igual à dependente previdenciário.

 

Ora, tinha duas leis, agora tem uma. Nenhum problema até aí, continua existindo a lei, continua amparado numa lei que não foi revogada e que não há colisão, porque não há nem aqueles princípios gerais da lei de introdução ao Código Civil aqui, não. Não há colisão, não. Havia duas leis dizendo a mesma coisa, uma deixou de dizer. Nem por vias indiretas tenta revogar o art. 33, § 3º. Não existe nada disso. O que existe é uma situação fática, horrenda, para a União e para a Previdência dos Estados, de fraudes – aliás, foi sustentado oralmente isso aqui –, de simulações de guarda, onde a guarda de fato não existe; as chamadas guardas previdenciárias, as diretas ou aquelas por vias indiretas.  Essa situação, precisa-se se dá cobro a ela, precisa-se punir aqueles que utilizam o instituto jurídico de forma indevida. Isso é outra coisa, não se retirar da incidência da norma a capacidade de absorção dos guardados.

 

O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos os países do mundo, exceto Somália e Estados Unidos, são signatários da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos, menos os dois que acabo de nominar. Lá existem cláusulas interessantíssimas. É a primeira norma que diz, expressamente, que não se auto-intitula de ter supremacia sobre a norma local. Talvez seja a primeira e única norma internacional que assim disciplina. Ela diz expressamente: se a lei local der mais direitos do que esses que estão assegurados nessa Convenção Internacional, prevalece a lei local. Acho que não há outro precedente. Esta lei diz que os direitos assegurados às crianças – e ali trata como criança quem tem até 18 anos – não podem ser suprimidos

 

Todos os senhores e as senhoras presentes conhecem muito mais de Direito Internacional Público do que eu.

 

O Brasil tem todo direito de não querer mais – porque tem algumas pessoas burlando, sob esse fundamento fático, a norma –, de não querer mais a abrangência da guarda como ensejadora do beneficio previdenciário. Tem todo direito. Tem que se dirigir ao bureau gestor da Convenção Internacional, denunciar essa cláusula e sair do âmbito da Comunidade Internacional, repita-se, de uma Convenção onde todos os países do mundo são signatários. Tem o direito. O Brasil não é obrigado a se curvar à Normativa Internacional, não. O Brasil pode sair de lá. É uma questão realmente de autonomia. Agora, para sair é pela porta da frente. É feito na música quando Miguel Arraes voltou a ser Governador do Estado: volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu. Se tiver de sair do acordo internacional, o Brasil tem que sair pela porta da frente, denunciando a sua assinatura, esperando o prazo de vacatio de um ano e depois deixar de cumprir. Não podia e não pode, nem por interpretação pretoriana e nem por norma geral, alteração legislativa, sem que antes tome as providências em relação ao Direito Internacional.

 

Este é um ponto. Mas há um ponto maior ainda – é por isso, com o devido respeito ao Ministro Hamilton Carvalhido e à Ministra Laurita Vaz, que por si só já afasta no meu modo de ver a questão em relação à matéria pelo STJ –, é no plano do Direito Constitucional. A universalização dos benefícios sociais e dos direitos sociais estão contidos na Carta Magna da República. É um princípio constitucional. E como qualquer princípio, todos nós sabemos, é um dever-ser. É um horizonte, é uma busca, é uma tentativa.

 

O Estado – aí estou falando como ente público –, o Estado Brasileiro deu um passo a favor da universalização do atendimento da Previdência, quando incluiu a guarda como uma das hipóteses de Direito Previdenciário. Poderia não tê-lo dado, sob a arguição das teses doutrinárias, do limite do possível: não haveria recurso financeiro para bancar isso. Poderia. Como é princípio, princípio é um dever-ser, uma busca. Mas transformou o princípio em norma e aonde chega a norma cessa o princípio. Transformou o princípio em norma. Poderia não ter feito a opção de incluir esse direito social – e o incluiu. A partir do momento que o incluiu, não pode dar volta atrás, não. A matéria é constitucional e o STJ não é o órgão competente para fazer aquilo que Sua Excelência o Procurador do Estado disse: pacificar a matéria, porque a matéria é constitucional, está na alçada do Supremo Tribunal Federal.

 

Decidiram, no meu modo de ver, com a devida vênia, equivocadamente. Equivocadamente porque na Lei da Previdência hoje se retirou a guarda, mas se manteve e foi dito aqui oralmente o tutelado, o pupilo foi mantido.

 

Ora, como é que se tem guarda? Como é que se tem tutela? Guarda, acabei de falar aqui, é posse de fato, uma situação concreta, modificável. Tutela se tem por morte dos pais, destituição do poder familiar dos pais, abandono ou declaração judicial de ausência. Na guarda não. Faça o seguinte: vai na sua casa, mate seu pai e sua mãe, porque aí o seu guardião se transforma em tutor e morte dois é hipótese de tutela, e aí como tutor você vai ser dependente. Não! Não precisa matar, não! Você diz que seu pai o espancava imoderadamente, eles vão ser destituídos do poder familiar, ainda que isso não seja lá verdade, e aí como decaído do pátrio poder, diz que ele estava na lista desse avião que caiu, abre-se o processo de declaração judicial de ausência, por comorience, e depois você tem direito à guarda.

 

Ora, isso é eticamente insustentável. Isso é uma coisa abjeta. E é mais ainda: na lista que permaneceu, pela dependência, na Lei nº 9.528 está lá: enteado. Enteado é feito aquela história de Brizola: Cunhado não é parente, Brizola para Presidente. O enteado não tem nenhum grau de parentesco, ao contrário, denota um mau sinal. Por exemplo: se um homem casa-se com uma mulher que já tem um filho e ele não busca nem a guarda daquela criança, algo no plano afetivo está moendo troncho, para usar o linguajar do matuto. Algo não está indo bem, não. Ele é só enteado. Agora a Câmara deu para correr com um processo, com a morte do Clodovil Hernandes que tinha um processo para usar o patronímico do enteado, isso sem nenhuma sustentação constitucional, mas da noite para o dia foi aprovado lá na Câmara. Quero ver o que é que o Senado vai dizer.

 

Mas o fato é que não há sustentação no nosso ordenamento jurídico, tanto que estão tentando incluir agora para o enteado, mas lá deixaram. Por quê? Porque a razão não é jurídica, a razão é econômica. Enteado é um ou outro. Vá na lista do Funape ou da Funafin, vá ver quem são os dependentes, e são poucos. Ser enteado vai contar na ponta dos dedos, mas guarda tem muita. E para provar as guardas fraudadas dá trabalho, e a lei do menor esforço é retirar da lista da norma a figura do guardado como dependente previdenciário.

 

A Doutora Valéria, deve ter sido ela a julgadora, foi minha Juíza Auxiliar por muitos anos. É muito zelosa, muito cuidadosa, aprendeu com o pai, o grande Desembargador Itamar Pereira da Silva. A equipe técnica dela também. O Ministério Público que atua na área da Infância, sem nenhum demérito aos que atuam nos outros setores, é top de linha, é ponta mesmo em qualquer lugar do Brasil. O cuidado para que se conceda uma guarda rigorosamente dentro das regras, para que não haja essa guarda fraudada e não existe guarda fraudada, guarda previdenciária ainda que disfarçada, no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude do Recife; eu assumo a responsabilidade pelo serviço dos outros, pelo que estou aqui a declarar. Pode ser que nos outros cantos tenha. A gente sabe, ouve denúncia e sabe que isso gera prejuízo. Na Vara da Infância do Recife não.

 

O que estou a dizer é que há malferirmento a princípio constitucional, princípio que se transformou em norma, porque foi por lei que foi concedido, não foi por interpretação pretoriana. Foi por lei. E agora simplesmente porque se tenta, com uma lei que continua em vigor – tirou a outra, um item, o inciso VII da listagem –, tenta se dizer que não é mais dependente previdenciário, salta aos olhos, no meu modo de ver, que a controvérsia, no mínimo, para ser parcimonioso, está para lá de instalada essa controvérsia. E se está para lá de instalada, eu digo que não tem direito nenhum. Ofende normativa internacional, ofende a Constituição, ofende lei em vigor, porque se interpretou lei como se houvesse colisão e não existe.

 

Mas abstraia tudo isso, simplesmente está caracterizado: há controvérsia. E se há controvérsia não há direito líquido e certo.

 

Direito líquido e certo é aquele translúcido, inquestionável, indubitável, e o Estado e a Funape não têm o direito líquido e certo de não pagar. Têm o direito líquido e certo, sim, de intervir como terceiro interessado no processo e, se for o caso de haver algum descumprimento anterior, durante ou a posteriori da concessão da guarda, tentar a sua revogação. Nunca, jamais se colocar como detentor de um direito líquido e certo de que não deva, não pode e não precisa incluir como dependente esse guardado.

 

Por esta razão, com todas as vênias do mundo, insisto, lamento a demora, mas acho que tinha que ser feito assim, voto pela denegação da segurança.

 

É assim que voto.

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

Senhor Presidente, gostaria de levantar uma questão de ordem, de fato.

 

Muito embora o parecer do Ministério Público tenha sido na mesma direção do voto do Relator, mas o que me chamou a atenção foi uma curiosidade. O pedido do mandado de segurança é porque o IRH não fora citado na ação como terceiro interessado e a decisão alcançou a esfera da Procuradoria do Estado.

 

Fiquei preocupada com esse ponto, porque acho que dá uma digressão bem diferente, bem distinta nesse julgado, pois o pedido da segurança é porque o Estado não se fez presente durante o processo de guarda. E essa guarda foi concedida, alcançou a esfera do Estado no que diz respeito à inclusão dos menores. Creio que o objeto do mandado de segurança não é discutir se pode ou não ser concedida a guarda nesse patamar, mas o pedido ele tem esse viés e isso me preocupou lendo o parecer do Ministério Público no Segundo Grau.

 

Gostaria que fosse esclarecido isso.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Pessoalmente me coloco à disposição para prestar esclarecimento, mas acho que o nobre Procurador tem questão de fato.

 

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Só um esclarecimento. Há os dois fundamentos na verdade. Há o fundamento processual de o Estado não ser parte no processe e por isso sofrer as consequências de uma determinação sem a possibilidade de havê-la discutido previamente, como também a própria questão da aplicação da norma em si.

 

Há os dois fundamentos no mandado de segurança.

 

Na sustentação oral só abordei o segundo, porque entendo que é realmente o ponto em que há divergência e que haverá a discussão mais propriamente dita.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Dra. Daisy, nós ouvimos a sustentação oral e, eu diria que a sensação que tenho em relação ao não chamamento como terceiro interessado para integrar a lide é penduricalho na argumentação do Estado. Tanto é que na sustentação oral não foi objeto. O Estado apostou e continua apostando as fichas no mérito, por conta da decisão do STJ no ano passado. Mas independente disso, gostaria de fazer o registro seguinte.

 

A ação de guarda ela se sustenta basicamente nas regras do art. 33. Logo após aquela história de posse de fato, exercício daqueles atributos do que ele chama, ainda lá, de poder familiar, como essa história da excepcionalidade e tal, no 33, § 3º, ele diz que o guardado tem todos os direitos, vírgula, inclusive previdenciário. Aliás, não precisava nem ter passado em vírgula, porque quando ele disse que fica assegurado ao guardado todos os direitos, é evidente que o previdenciário está contido. Isso é o que se chama em técnica legislativa de realce, acrescentar.  Quer dizer, isso é uma mera decorrência, não é da essência da ação.

 

E todas as decisões do STJ e do STF a respeito dessa matéria dizem da desnecessidade do chamamento ao processo da Previdência – seja do Estado, da União ou do Município. Eles não precisam porque é uniforme a orientação. No caso de eventual prejuízo, quer dizer, no caso da não caracterização das regras do art. 33, da burla, que, insisto: nisso aí o Estão tem razão, é freqüente a tentativa de burla. Para estes casos o Estado ingressa no processo, ou a União ou o Município, no estado em que ela se encontra, e pode, por ser ação continuativa, mudar. Não há obrigação, nem há normativa expressa nesse sentido, e a jurisprudência tem entendido da desnecessidade desse chamamento por obrigação. Alguns juízes o fazem por liberalidade.

 

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

O Ministério Público se posicionou exatamente assim, Excelência, tanto no Primeiro Grau quanto no Segundo Grau. A minha preocupação foi só para ordenar o julgado.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Continua em discussão.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente, se Vossa Excelência não se importa, gostaria de pedir vista em Mesa dos autos.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Pois não. Então, declaro suspensa a sessão por dez minutos.

 

REABERTA A SESSÃO.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência já tem condições de proferir o seu voto?

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Estou pronto, Senhor Presidente.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência está com a palavra.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente,

Senhor Desembargador,

Senhora Procuradora,

 

É de se ver que nós estamos diante de um mandado de segurança em que se exige direito líquido e certo e, a par do desenvolvimento da tese do Estado contida no mandado de segurança, o seu pedido está posto nos seguintes termos.

 

A correção da determinação expedida pela impetrada, que é a autoridade judiciária, ordenando a terceiro estranho ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, que é o IRH, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo na legislação de regência, tem clara configuração de ato coator ilegal. Por outro lado, o fato de se constranger autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiros que não tem direito a seus benefícios e para o qual não tem existe a respectiva previsão de custeio, configura facilmente dano de difícil reparação, mormente quando se considera que este é apenas um entre vários casos similares.

 

Este é o pedido. São dois pedidos basicamente. Primeiro, o ordenamento da autoridade judiciária a terceiro estranho, que é o IRH, ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência. Então a ilegalidade estaria nesse ato.

 

Por outro lado, quer dizer, número dois, o fato de se constranger a autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiro que não tem direito a seus benefícios e para o qual não existe a respectiva previsão de custeio. Essa questão é uma segunda situação que na verdade diz respeito ao mérito da ação que corre no Primeiro Grau. O ponto principal é a determinação expedida pela autoridade judiciária ordenando a terceiro, IRH, estranho ao processo no qual fora prolatado, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência.

 

Ouvi atentamente o voto de Vossa Excelência, Senhor Presidente, como Relator, baseado unicamente no princípio da legalidade, e ouvi aqui o voto do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que, na verdade, é uma aula e como especialista na matéria faz com que nós tenhamos a responsabilidade de parar, pensar, estudar e formar uma opinião, pode não ser a melhor, mas – eu certa vez estava em um julgamento no STJ, realmente não me lembro de que ministro, mas no julgamento alguém saiu com essa: não se espera que o Judiciário dê o direito, mas que dê a solução

 

Evidente que não concordo com essa máxima que ouvi, mas em determinados momentos a solução tem que ser dada para a prestação jurisdicional, e aí bate em relação ao mandado de segurança.

 

Ouvi do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que a Lei nº 9.528 é uma lei nova que excluiu a concessão do benefício previdenciário a guarda. É isso?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Tirou o item menor sob guarda da lista

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Mas remanesce?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

A lista sim, guarda lá não. Guarda remanesce no art. 33, § 3º do ECA.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Então a lei que excluiu, não excluiu a matéria guarda, quer dizer, ele revogou… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

O Artigo diz assim: considera-se dependente da Previdência Social para fins de efeito dos benefícios previdenciários: I – a esposa, companheira (…), filho até 21 anos, menor sob guarda.

 

Tirou esse item, acho que é o item VII, menor sob guarda; e a lei estadual repetiu só isso.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Isso é o que reza o ECA?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não, isso é o que reza a Lei Federal dos beneficiários da Previdência.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual copiou.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí vem a lei estadual e revoga.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Faz a mesma coisa a lei estadual, vai e tira da lista dos beneficiários o menor sob guarda.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Revoga esse ponto em relação… (interrompido).

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Nem diz revoga. Ele apresenta a lista e não aparece mais.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Retira, não é isso?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Exato.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí se mantém a lei federal.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Qual lei federal? Indaga-se. A Lei dos Benefícios da Previdência tirou da lista o menor sob guarda. A Lei Federal nº 8.069, que é o ECA, mantém, no art. 33, § 3º que o menor sob guarda é dependente previdenciário.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual acompanhou a lei federal, retirando também.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

O ECA é Lei Complementar ou tem força de Lei Complementar?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não. É considerada como Lei Complementar materialmente e foi até votada com o quorum de Lei Complementar, mas não está na reserva de Lei Complementar, segundo a lista do art. 227.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

A questão necessariamente, eu vejo pelo prisma, Senhor Presidente, que não se trata em si de uma declaração de inconstitucionalidade de lei. Longe disso. Está muito longe disso, até porque a lei estadual reverbera a mesma situação da lei federal, quer dizer, suprime e mantém-se o ECA, que é o Estatuto de Proteção à Criança e ao Adolescente, e aí vou adiante.

 

A Constituição, em seu art. 4º, na regência das relações internacionais, pugna pela prevalência dos direitos humanos. No art. 6º, que trata sobre os direitos sociais, assegura os direitos sociais, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância.

 

O art. 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, etc, etc, e salvo de toda forma de negligência e discriminação.

 

O art. 227, § 3º, inc. II, assegura que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários; e, no inciso VI, o estímulo do Poder Público ao acolhimento sob a forma de guarda.

O Código Civil, em sua lei de introdução, assegura a obediência aos tratados e convenções internacionais e, como trouxe o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, o Brasil é signatário da Convenção de Nova York que dá proteção plena e integral… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Se Vossa Excelência me permite um aparte.

 

Por força da Emenda 45 agora, agora por ser de direitos humanos, alçada à categoria de Emenda à Constituição. Não é mais simplesmente Lei Civil Extraordinária, não, agora é Emenda à Constituição.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Sim, exatamente. Por força do 45, também. Mas é porque na verdade deveria estar dentro do art. 4º, que rege as relações internacionais do país e o respeito às relações internacionais. Não está.

 

O fato é que o Brasil se rege especialmente pelo respeito aos tratados e às convenções internacionais dos quais é signatário. E o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo foi bem enfático em trazer que o Brasil é signatário da Convenção de Nova York. Pode parecer até um absurdo tudo isso que estou trazendo, mas o fato é que nós estamos aqui diante de direito e de uma supressão.

 

Direito em que o Estado busca, que é exatamente demonstrar que não está incluído no rol dos segurados da Previdência a criança ou o adolescente em situação de guarda, acolhido ou amparado pela guarda; e o direito realmente que ele reclama nesse sentido, quer dizer, que o direito perante a Lei Previdenciária não contempla a criança ou o adolescente em situação de guarda. Esse é o ponto do Estado, e por isso seria ilegal o ato da Dra. Juíza que determinou ao IRH que fosse pago o benefício previdenciário quando ele não se encontra na legislação de regência.

 

Ocorre que na verdade o ECA dá amparo a essa situação e a própria Constituição assegura o amparo à infância e à juventude em relação à guarda, e o Desembargador Luiz Carlos colocou muito bem: a guarda de fato e a guarda concedida por ordem judicial.

 

Nesse aspecto, face à determinação contida no ECA e também com respaldo nos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal, entendo que não cabe em termos de mandado de segurança coibir o ato da Juíza de Primeiro Grau que determinou, no presente caso, que os beneficiários tivessem o benefício previdenciário por falecimento de quem detinha a sua guarda e dentro de um processo regular.

 

Peço vênia a Vossa Excelência por dissentir do entendimento do voto do Relator e me filio ao entendimento do Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, dando realmente ênfase ao direito assegurado perante o ECA e perante a Constituição Federal. Por esse motivo, o meu voto é denegando a segurança.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

O meu voto já foi lançado e, conforme bem frisou Vossa Excelência, não tenho a menor dúvida de que o voto do Desembargador Luiz Carlos é de uma abrangência descomunal, mas dentro do ponto de vista, conforme Vossa Excelência inclusive enfatizou, da legislação e da jurisprudência dominante a nível de Superior Tribunal de Justiça, o meu voto já proferido é no sentido da concessão da segurança pleiteada.

 

 

DECISÃO

 

“POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGOU-SE A ORDEM, FICANDO DESIGNADO O EMINENTE DES. LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO PARA LAVRAR O ACÓRDÃO”.

 

 

 

Sétima Câmara Cível

Mandado de Segurança Nº: 0097.609-8- Recife

Impetrante(s): Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE

Impetrado(s): Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

Relator: Des. João Bosco Gouveia de Melo

Relator do Acórdão: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. AÇAO DE GUARDA. GUARDA PROVISÓRIA. AVÓ. HABILITAÇÃO DAS CRIANÇAS COMO BENEFICIÁRIAS DA GUARDIÃ. IRH. INDEFERIMENTO DO PLEITO ADMINISTRATIVO. PETIÇÃO NOS AUTOS DA AÇÃO DE GUARDA. DEFERIMENTO PELO JUÍZO SOB ARGUMENTO DE QUE A GUARDA ABRANGE FINS PROVIDENCIÁRIOS. GUARDIÃO É O MANTENEDOR. NATUREZA EXCEPCIONAL DA AÇÃO DE GUARDA. CRITÉRIOS LEGAIS RIGOROSOS. ÂMBITO FEDERAL. LEI Nº 8.213/91. LEI Nº 9.528/97. ARTIGO 33, §3º DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE COLISÃO ENTRE LEIS.  CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA DE NOVA YORK. BRASIL SIGNATÁRIO. LEI LOCAL TEM SUPREMACIA SOBRE NORMA INTERNACIONAL APENAS QUANDO CONFERIR MAIS DIREITOS. INADMISSIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO PRETORIANA OU NORMA GERAL QUE SUPRIMA DIREITOS RESGUARDADOS POR NORMA INTERNACIONAL A QUE ADERIU ESPONTANEAMENTE, SALVO SE HOUVER DENÚNCIA DE ADESÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. TRANSMUDAÇÃO DO PRINCÍPIO EM NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROCESSO, MORMENTE QUANDO O BENEFICIÁRIO DA TUTELA FOR MENOR DE 18 ANOS QUE GOZA DE PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORIDADE ABSOLUTA, NOS MOLDES DO ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ÂMBITO ESTADUAL. LC Nº 28/00. LC Nº 41/01. ENUMERAÇÃO DOS DEPENDENTES DO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CRIANÇA/ADOLESCENTE SOB GUARDA NÃO INCLUSO NO ROL. ENTENDIMENTO DO STJ, ADOTADO PELO IMPETRANTE, QUE NÃO DEVE PREVALECER, POR VIR DE ENCONTRO AO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE PACIFICAÇÃO DA MATÉRIA PELO STJ. ALÇADA DO STF. CONTROVÉRSIA. ADMISSIBILIDADE DE BUSCAR REVOGAÇÃO DA GUARDA, COMO TERCEIRO INTERESSADO. IMPOSSIBILIDADE DE SE INTITULAR COMO DETENTOR DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE NÃO INCLUIR GUARDADO COMO DEPENDENTE. SEGURANÇA DENEGADA POR MAIORIA DE VOTOS.

1. Mandado de Segurança que não possui suporte, quer ético, quer jurídico, para sua sustentação, dada a ausência de direito líquido e certo do demandante.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece, prévia e taxativamente, quais as condições para concessão da guarda, conferindo à ação autônoma de guarda natureza excepcional, pressupostos estes que sequer foram alvo do presente mandamus.

3. A Lei Federal nº 9.528/97, que revogou e alterou a redação de inúmeros dispositivos legais, não obstante tenha excluído do rol de beneficiários do RGPS a figura do “menor” sob guarda, manteve incólume o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que continuou a amparar o guardado judicialmente como dependente previdenciário.

4. Impõe-se que prevaleça o entendimento segundo o qual inexiste de conflito de normas regentes da matéria, porquanto, antes da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97, existiam duas leis (Lei nº 8.213/91 e ECA) que garantiam à criança/adolescente guardado direitos previdenciários e, após sua edição, muito embora mantida em vigor apenas o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, este guarda absoluta consonância com a norma constitucional, bem assim respeito aos princípios gerais da Lei de Introdução ao Código Civil.

5. A necessidade de se coibir a utilização indevida do instituto da guarda não pode servir de fundamento para se excluir, generalizadamente, os guardados que efetivamente estão em situação de dependência econômica da incidência da norma previdenciária.

6. As razões econômicas, a lei do menor esforço, alcançável mediante a simples retirada da figura do guardado do rol dos beneficiários previdenciários para se lograr redução de prejuízos decorrentes das guardas fraudulentas, não deve prevalecer sobre as razões jurídicas de garantia de direitos de ordem constitucional.

7. A cautela e o zelo adotados pelos Magistrados, membros do Ministério Público e servidores das Varas de Infância e Juventude da Comarca do Recife, observadores dos critérios legais necessários à concessão das guardas, obstam a ocorrência das “guardas previdenciárias disfarçadas”.

8. Sendo o Brasil signatário da Convenção da Criança de Nova York, à qual aderiram a quase totalidade dos países do mundo e que afirma que os direitos assegurados às crianças – abrangidos os jovens até 18 anos – não podem ser suprimidos, devendo a lei local prevalecer apenas se conferir mais garantias que a norma internacional, é inadmissível que, quer por interpretação pretoriana, quer por norma geral, sejam afastados direitos tutelados às crianças/adolescentes, salvo se houver denúncia espontânea da Convenção, observado o prazo de vacatio legis.

9. No plano do Direito Constitucional, deve-se atentar para a universalização dos direitos e benefícios sociais, que, como qualquer princípio, possui natureza de dever-ser, o que ganha relevo como argumento hábil a afastar tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, Embargos de Embargos Divergência em Recurso Especial nº 0110332-7, Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 0000548-7) e acolhida pela 8ª Câmara Cível desta Corte de Justiça (AI 138595-7 e AP 145.758-5), adotada pelo impetrante, no sentido da aplicabilidade da lei previdenciária vigente à época do fato gerador.

10. Ao incluir o instituto da guarda como uma das hipóteses garantidoras de benefícios previdenciários o Estado brasileiro deu um passo a favor da efetivação do princípio da universalização da Previdência, transformando o princípio em norma.

11. Impende ressaltar a regra segundo a qual o beneficiário da tutela, quando menor de 18 anos, goza de proteção integral e prioridade absoluta, nos moldes do caput do artigo 227 da Constituição Federal, sendo certo, ademais, que, no inciso II do §3º do referido dispositivo, assegura-se que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários e, no inciso VI, alberga-se o estímulo do Poder Público à promoção do acolhimento sob a forma de guarda.

12. Sendo a matéria em litígio de natureza constitucional, da alçada do Supremo Tribunal Federal, portanto, não há que se falar em consolidação da tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça e utilizada como suporte jurídico no presente pleito.

13. Não há obrigatoriedade de intimação do órgão previdenciário nos processos de guarda, conforme amplamente reconhecido em nossos Tribunais, por ser apenas um dos efeitos decorrentes da guarda; podendo o mesmo, contudo, integrar a lide em qualquer fase como terceiro interessado.

14. Malgrado seja admissível que o IRH/PE, como terceiro interessado, busque a revogação da guarda, é inadmissível que o mesmo se intitule como detentor de direito líquido e certo de vedar às crianças sob guarda a inclusão como dependentes de sua guardiã, segurada do impetrante.

15. Por maioria de votos, denegou-se a segurança.

 

ACÓRDÃO                                                                                                               01

 

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 0097.609-8, da Comarca de Recife, em que figura, como impetrante, o Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE e, como impetrado, a MM. Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por maioria de votos, em denegar a segurança, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado. 

 

 

 

 Recife, __________ de ___________________ de 2009.

 

 

 

 

                            ______________________________________

                                                    Presidente

 

 

 

                          _______________________________________

        Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

                                               Relator do acórdão

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