Razões para a contrariedade ao Quinto Constitucional

23-04-2009 Postado em Notícias por Luiz Carlos Figueirêdo

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

 

S E S S Ã O    E X T R A O R D I N Á R I A

 

Ata da Sessão Extraordinária do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, realizada aos 06 (seis) dias do mês de agosto do ano de dois mil e oito (2008), às 10h (dez horas). Assumiu a presidência o Desembargador Jones Figueirêdo Alves e, havendo número legal, declarou abertos os trabalhos, estando presentes os senhores Desembargadores José Fernandes de Lemos, Bartolomeu Bueno de Freitas, Eloy D’Almeida Lins, Jovaldo Nunes Gomes, Helena Caúla Reis, Fernando Eduardo de Miranda Ferreira, Milton José Neves, Frederico Ricardo de Almeida Neves, Eduardo Augusto Paurá Peres, Leopoldo de Arruda Raposo, Silvio de Arruda Beltrão, Alderita Ramos de Oliveira, Marco Antônio Cabral Maggi, Roberto Ferreira Lins, Adalberto de Oliveira Melo, João Bosco Gouveia de Melo, Antônio Fernando Araújo Martins, Luiz Carlos de Barros Figueiredo, Cândido José da Fonte Saraiva de Moraes, Alberto Nogueira Virgínio, Romero de Oliveira Andrade, Ricardo de Oliveira Paes Barreto, Fernando Cerqueira Norberto dos Santos, Gustavo Augusto Rodrigues de Lima, Antônio de Melo e Lima, Francisco José dos Anjos Bandeira de Mello, Antenor Cardoso Soares Júnior, José Carlos Patriota Malta, Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, Eurico de Barros Correia Filho, Mauro Alencar de Barros, Fausto de Castro Campos, Francisco Manoel Tenório dos Santos e Cláudio Jean Nogueria Virgínio. Iniciando, o Des. Presidente passou a ler o expediente encaminhado pela Seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil comunicando a lista sêxtupla, do Quinto Constitucional, para preenchimento da vaga de Desembargador destinada à classe de Advogados, formada na ordem seguinte: Izael Nóbrega da Cunha – 1.155 votos; Edgar Moury Fernandes Neto – 1.154 votos; Virgínia Torres da Costa Ramos Galvão – 998 votos; Francisco Eduardo Gonçalves Sertório Canto – 926 votos; Rogério Neves Baptista – 848 votos e Flávio Cesário Regis de Carvalho – 666 votos. Em seguida, passou-se a votação para a escolha e a formação de lista tríplice de representantes dos Advogados no Quinto Constitucional. No transcorrer da votação o Des. Luiz Carlos fez o seguinte pronunciamento: “Senhor Presidente, Senhores Desembargadores, Senhoras e Senhores, especialmente os candidatos. Eu peço um pouco de paciência de todos pelo fato de, necessariamente, ter de alongar em meu voto. É que não haverá outra oportunidade para fazer o que farei aqui e agora. Solicito à Taquigrafia que, por favor, façam o apanhado completo de todas as minhas palavras para que amanhã as minhas razões não apareçam na Ata da sessão de forma resumida ou distorcida ou mesmo que eu tenha que vir a requerer cópia da fita de gravação. É que eu assumo inteira responsabilidade por tudo que direi, mas, também, não desejo constatar alterações ao que eu disser, nem mais nem menos. Com efeito, desde o primeiro semestre de 1988, mais de vinte anos, portanto, que venho defendendo a extinção do instituto do denominado Quinto Constitucional, o que pode ser comprovado com a leitura da tese que foi por mim apresentada e aprovada em conjunto com outras que versaram sobre o mesmo tema em congresso da AMB, portanto, antes da promulgação da Constituição de 88, lógico que, sob a égide da Constituição da época, que era a Constituição da época de 67 com emenda constitucional 1 de 69. Quem tiver dúvida de que eu estou dizendo a mesma coisa é só ir lá no meu site www.luizcarlosfigueiredo.com, está lá o que eu já digo desde 88. Os candidatos às vagas, constitucionalmente reservadas para o Ministério Público e a OAB, em ocasiões anteriores e nesta também, tiveram a oportunidade de ouvir ao vivo e a cores minha verdadeira aversão ao instituto do Quinto Constitucional e as razões dessa ojeriza. O público em geral, não, por isso mesmo, após maturar bem a situação, decidi que faria hoje um pronunciamento a respeito e para que não se alegassem surpresas votaria pela última vez, se Deus me der a ventura de continuar tendo assento nesta Casa na época de todas as votações em pretendentes aos cargos de Desembargador pelo Quinto Constitucional, portanto, no futuro, os pretendentes se poupem e me poupem em pedir voto para tal desiderato. Um santo da igreja já disse que sua luta era contra o pecado e não contra o pecador, tal frase já foi parafraseada no Brasil quando alguém disse ser contrário ao comunismo e não aos comunistas. Aproveito, também, para frasear a máxima, assegurando que nada tenho contra os que pleitearam, pleiteiam ou pleitearão, conseguindo ou não, chegar ao Tribunal pela via transversa, fora do concurso público. Minha restrição total se dá contra o instituto do Quinto Constitucional, ao inverso, tomo como exemplo o caso do próprio TJPE, onde o histórico recente aponta o nome notável de Augusto Duque. A composição atual aponta sete excelentes profissionais. Apenas para realçar, destaco, dentre eles, o Desembargador Fernando Eduardo, de grande saber jurídico, de trato agradável, a quem nem conhecia antes de ingressar neste Tribunal, mas, que hoje, não tenho dúvidas de afirmar que foi uma das mais caras amizades que fiz nos últimos tempos. As pessoas, normalmente, são pródigas em apresentar críticas, raramente fazem elogios; e, assim mesmo, nestas raras hipóteses o fazem em “petit comitê”. Pois bem, contrariando esta prática, amigo Fernando, publicamente anuncio a minha reverência e admiração por Vossa Excelência como cidadão e profissional. E claro que com a cautela que me foi ensinada por um dos seus melhores amigos neste Tribunal, o Desembargador Frederico Neves, de que não lhe pode ser permitido mais do que três minutos para argumentação sob pena de ser convencido até de que a Terra é quadrada. Os meus argumentos não são fulanizados ou falanizáveis, são todos dirigidos contra algo que nunca deveria ter existido, ou, pelo menos, deveria ter sido extinto o quanto antes. No plano político, o Presidente da AMB, Juiz Mozart Valadares, já iniciou debate. Nos Tribunais, a boca miúda, a esmagadora maioria dos Magistrados de carreira é totalmente contrária. Faltava, e não mais faltará, um pronunciamento vigoroso de algum integrante de uma Corte de Justiça para servir de pontapé inicial dessa nova Cruzada. Por enquanto é utopia, mas o que seria da humanidade se não fossem os sonhos. A propósito desta última afirmativa, quando eu e o Desembargador Fernando Cerqueira fomos os primeiros Desembargadores no Brasil a votar aberta e fundamentadamente para promoção e remoção de Magistrados, quinze dias antes da publicação da Resolução do CNJ que tornou tal transparência obrigatória, o fizemos por interpretação conjunta da Emenda Constitucional nº 45. Dizíamos, um ao outro, que não esperávamos seguidores em curto prazo, entretanto, naquela mesma sessão do Pleno do TJPE, com intensa movimentação horizontal e vertical de Juízes, lá pela última ou penúltima votação, tivemos a insuspeita adesão do saudoso Desembargador Nelson Santiago Reis, que com a frase “eu acho que os meninos estão certos”, passou a votar aberta e fundamentadamente. Seu gesto, na minha opinião, foi mais importante do que o meu e do que o do Desembargador Cerqueira, que estávamos agindo de caso pensado. Infelizmente, a mídia não lhe deu o devido valor, nem mesmo o jornalzinho da AMB fez referência, apenas destacando os votos precursores. Assim, passo, agora, a enumerar as minhas razões contrárias ao Quinto Constitucional: a primeira e fundamental, a regra geral da Constituição para provimento de cargos públicos é concurso público. Qualquer cargo público, e na Magistratura é mais, é prova e títulos. Então, esta regra geral, concurso, para que alguém assuma esse posto, ela só pode ser quebrada em situações excepcionalíssimas, só uma exceção justifica que esta regra se quebre. E, pergunto: onde se insere a excepcionalidade para justificar que alguém possa chegar ao mais alto degrau de um Órgão Julgador sem concurso? Onde, na história? Sabemos que a figura do Quinto Constitucional foi incluída na Constituição Federal de 1937, a denominada “polaca”, que é chamada assim porque copiou o modelo polonês. Da ditadura de Vargas, que já calava o Legislativo, dominava os Executivos Estaduais com interventores e que visava, apenas, aparelhar o Judiciário? É lá na história? É no propagar do arejamento ou oxigenação do Judiciário? Ora, posições mais vanguardistas e inovadoras não são privilégios oriundos ou não da carreira, ao contrário, pelo menos na ótica dos que nomeiam os Magistrados pelo Quinto Constitucional, sua exceção nos Tribunais se dá exatamente – na ótica deles – de que estes não venham a apresentar surpresas desagradáveis. A própria OAB cuidou de regulamentar gastos nesta eleição presente para evitar ou minimizar influência de grupos econômicos e de grandes escritórios de advocacia que foram denunciados em outros episódios. Quando se forma a lista sêxtupla pelo Órgão Classista, sabemos todos que a última palavra de escolha é do Chefe do Executivo, o verdadeiro dono do cargo. Inicia-se uma guerra surda, ora para alijar, a qualquer custo, da lista tríplice, o candidato preferido do Governo, ora para assegurar – isto não é aqui não, é em qualquer Tribunal – de todas as formas a presença do futuro ungido. Não precisa. Peguei a lista, aqui, agora. Nós temos no Governo anterior, nomeados pelo então Governador Jarbas Vasconcelos: Desembargadora Helena Caúla Reis, Desembargador Fernando Eduardo de Miranda Ferreira, Desembargadora Alderita, Desembargador Cândido José Saraiva, Desembargador Romero de Oliveira Andrade, Desembargador Gustavo Augusto Rodrigues de Lima, seis, quase um outro Quinto, ninguém discutiu e todos sabiam que esses nomes seriam acatados pelo  senhor então Governador do Estado. Lá pelas tantas, chegou um nome que o Governador queria, era um rapaz de trinta e poucos anos, acho que é Pedro Henrique o nome, se ele tivesse sido escolhido e se passasse de 70 para 75 anos, ele iria ter mais tempo aqui no Tribunal do que ele tem de vida hoje. Escolheu-se, aqui, na lista e foi escolhido pelo Governador o Desembargador Francisco Bandeira de Mello. O Desembargador Bandeira, Vossa Excelência sabe muito bem, eu sou transparente, eu não votei em Vossa Excelência. Hoje, eu posso dizer, realmente, é para mim aquela história de que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Vossa Excelência supera e muito as minhas expectativas. Não poderia haver outro nome melhor para vencer aquela disputa que o de Vossa Excelência.   Feita esta lista e findado o processo, o Governador ou o Presidente da República podem dizer: “Pronto! – ou o Presidente da República – É esta a pessoa adequada para me julgar”, baixa o ato, este ato é uma intromissão do Poder no outro Poder e este outro Poder deveria ser independente e harmônico como manda a Constituição. Com essa história de oxigenação: será oxigenação o caso de São Paulo, onde a OAB daquele Estado da federação indicou, em lista sêxtupla, um advogado que já havia sido reprovado em 10 (dez) concursos de Juiz Substituto? Como poderia ele revisar as decisões daqueles que foram aprovados nos concursos para os quais ele mesmo fora reprovado?  Outra excepcionalidade estaria incluída na possibilidade de outros segmentos sociais poderem ter acesso ao que chamam de “caixa preta” do Judiciário? Eis um argumento. E eu digo que ainda que, em passado recente, houvesse uma réstia de veracidade nessa argumentação, a “caixa preta” não tinha acesso para o povo, o certo é que, hoje, tal justificativa caiu por terra com a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com a participação da sociedade e de juízes e promotores em sua composição.  Este, sim, vem cumprindo (embora com pequenos senão, que, paulatinamente, estão sendo corrigidos), o seu papel institucional de controle externo do Judiciário. Se era para isso, o CNJ já supriu, não precisa mais. Eu acho que nunca precisou, mas se precisava, deixou de precisar com o  CNJ. A verdade é que a esmagadora maioria da população que, em tese, participa do grande “pacto político” que é a Constituição Federal, não sabe que parcela daqueles que a julga não são juízes de carreira, não foram treinados para julgar, sem que, com isto, esteja a se duvidar do saber jurídico dos que chegam aos Tribunais pelo chamado Quinto Constitucional. Apenas se realça que não foram afetos à arte e ao ofício de dirimir conflitos, de buscar composição, de decidir, sem tomar partido, entre o certo e o errado, o legal e o ilegal, o justo e o injusto. Será que haveria uma concordância social com isto acaso fosse promovido um grande plebiscito sobre o tema?  Indaga-se isso ao povo, se o povo concordaria que fosse assim, que pessoas não treinadas pudessem julgá-los em grau recursal.  Será que a população sabe que quase 2/3 (dois terços) das vagas do Superior Tribunal de Justiça – STJ são ocupadas por oriundos da OAB e do MP, quando deveria ser apenas 20% (vinte por cento), e que tal fato decorre de que, na disputa das vagas reservadas aos magistrados de carreira dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça Estaduais aos quais tiveram acesso pelo Quinto constitucional, eles ganham sempre e ganham porque detêm eles a tecnologia de obter apoios dos governantes e da classe política? Será que a população sabe que, nos órgãos fracionários mais relevantes dos Tribunais, no caso, as Cortes Especiais, a própria Constituição da República, pela Emenda 45, assegura o privilégio de uma participação obrigatória proporcional para os oriundos dos respectivos “órgãos de origem”, está lá escrito, descurando que, quando passam a integrar um Tribunal, deixam de ser promotores e advogados, passando a ser julgadores, descuram também que todos nós somos oriundos da OAB, ninguém aqui pôde fazer concurso público de Juiz de Direito sem ter sido inscrito como advogado pela Ordem de Advogados do Brasil. Então, se é a classe de origem, todos nós somos da OAB. Quem gostaria de fazer uma micro-cirurgia no cérebro, de elevado risco, com um médico residente, mesmo que fosse ele o melhor aluno de sua turma e não com um neurocirurgião especialista? Quem gostaria de entrar em um Boeing 737 pilotado por um piloto que tirara o seu brevê recentemente, mesmo que com louvor, ou que até aquela data só pilotava um pequeno avião monomotor? Digo isto porque mesmo reconhecendo que tal prática possa até dar certo, qualquer pessoa mentalmente sã não faria tal opção. Entretanto, quando o julgador em grau recursal é alguém alheio à carreira de Juiz, decidindo quem está certo ou errado, quem fica preso ou solto, é mais ou menos isto que ocorre. Pessoas que nunca participaram de uma Comissão de Inquérito ou mesmo de sindicância já são chamadas a decidir o destino da vida dos cidadãos, exatamente nos casos mais complexos. É óbvio que o “notório saber jurídico”, requisito constitucional, em muito minimiza o problema apontado, mas é a experiência do dia-a-dia, o iniciar em causas simples e em pequenas cidades, que traz o aperfeiçoamento do magistrado. Vejamos, a propósito, os casos de juízes de carreira que já começaram ou, com alguns meses de ofício judicante, já estavam na RMR, e todos sabem que isso existe. Comparemos os seus trabalhos com os dos colegas mais experientes que comeram “bode, barro e poeira”. Compare o trabalho deles mesmos, logo que chegaram – e chegaram para a Região Metropolitana –  e como melhoraram hoje, com a experiência do saber. Espero que tenha ficado bem claro que, doravante, não exista a mínima possibilidade de que venha este magistrado a votar em outros candidatos a vagas do Quinto Constitucional. Acabo de fazer a minha inscrição no programa “tolerância zero”. Não estou preocupado se este gesto vai repercutir favoravelmente ou não; se outros irão segui-lo, ou não. O tempo é senhor de todas as coisas. Ainda há algo a mencionar antes de adentrar-me à votação. Não tenho qualquer problema em votar aberta e fundamentadamente, tendo sido, como dantes dito, um dos precursores dessa prática transparente no Brasil, ao lado do Desembargador Cerqueira. Todavia, registro que, ao meu pensar, está ocorrendo um excesso de zelo do CNJ quando obriga a fundamentação na escolha dos que irão integrar lista do Quinto Constitucional. É que tal juízo valorativo já foi feito na votação dos próprios advogados, quando escolheram dentre tantos aqueles que pareceram ter melhor perfil para o cargo em disputa. No Tribunal, penso, trata-se de ELEIÇÃO. Digo isto porque é relativamente fácil se fundamentar o voto em um magistrado de carreira (número de sentenças, baixa de acervo, se mora na comarca, se tem ele cursos de especialização, sua conduta social e moral, etc), mas não há como se parametrar o voto em um advogado (Será a quantidade de ações ajuizadas? O número de vezes que pede prioridade para as causas que patrocina? As sustentações orais? Uma proporção entre as causas vencidas e vencedoras? As visitas aos gabinetes?).  Assim, por mera cautela, cabe alinhavar argumentos de escolha. Isto feito, eis o que penso da lista sêxtupla apresentada pela OAB-PE e não precisa maiores detalhes aqui, até porque elogios tantos já foram feitos a todos os seis. Izael da Nóbrega – Há um diferencial, passou em concurso de juiz. Se o primeiro e fundamental requisito é concurso público, como eu disse, para se ingressar  na  carreira de juiz, ele passou em concurso de provas e títulos e passou no concurso de promotor também, suprindo, assim, a 1ª restrição que dantes apontei. Não seguiu a carreira por razões sobejamente conhecidas. Foi Secretário de Estado, Procurador Geral do Estado, assessor especial do Governador. É Procurador do Município do Recife, por concurso público. Apesar de tantos cargos importantes, é um homem pobre, forte indicativo de sua honestidade. É profissional competente do direito. Atua com sucesso nas lides forenses pernambucanas. Eduardo Sertório – É o Príncipe dos advogados Pernambucanos. Incapaz de um gesto de deslealdade  pessoal ou profissional. Exemplar advogado e formador de geração de advogados éticos na Escola de Advocacia Professor  Ruy Antunes. Rogério Neves Baptista – Ex-vice Presidente da OAB e profissional de larga experiência no direito empresarial, meu colega de faculdade e amigo dileto. Flávio Régis – Gestor público de mão cheia, ex-vereador de capital e ex-chefe de gabinete do próprio TJPE, figura humana excepcional. Apesar de constar em seu currículo diversos cargos na área jurídica, pessoalmente, e peço até desculpas por isso, desconheço mais detalhes de sua militância forense. Outros já demonstraram aqui desconhecer. Edgar Moury Fernandes – Procurador do Estado e advogado excelente, integrando os quadros de um dos maiores escritórios do estado. Eu mesmo já tive oportunidade de sufragar o seu nome em eleição anterior. Virgína Galvão – jovem e excelente advogada com intensa militância forense. Deste quadro, devo destacar minha predileção, a priori, pelos três primeiros nomes que apontei (Izael, Sertório e Rogério). Quanto aos outros três grandes candidatos, ao Dr. Flávio, digo que, caso se candidate a qualquer cargo eletivo, já conta, de logo, com minha simpatia para obter meu voto. Se, no futuro, este julgador vier a ocupar algum cargo na mesa deste TJPE – parece improvável e impossível – será ele o primeiro nome que indicarei para compor a equipe administrativa. Aos jovens Edgar e Virgínia, a magistratura pernambucana os espera de braços abertos. Segundo o presidente Jones, no início de 2009, será realizado concurso para Juiz de Direito Substituto. Comecem por onde tantos começaram, acaso realmente tenham o sonho de integrar a magistratura deste Estado. Como são intelectualmente preparados e pessoas seríssimas, tenho certeza que serão aprovados e, de já, adianto que terei o maior prazer em votar nos seus nomes nas promoções e remoções de suas carreiras. Cônscio do tempo que já tomei deste auditório, ora com minhas diatribes, ora com os meus recibos laudatórios, prossigo para o momento de minha intervenção que para muitos será o único digno de atenção, por ser o único eleitoramento contabilizado, sem embargo dos justos elogios que aqui teci aos íntegros candidatos não os contemplarei meu voto a todos, aliás, sequer da maioria. Assistindo ao acirramento das rivalidades e a mídia divulgando a toda hora entre os grupos que almejam agradar ou desagradar o Governador, quero ressaltar que estranho esta porfia política, meu voto tem sido eminentemente pessoal. Voto com conhecimento de causa, movido pela noção da virtude de um candidato cujos predicados morais e intelectuais me são familiares, a fim de dar enchanças a concretização de sua vocação judicante, a qual, por imperativo de força maior, não pôde ser posto em prática, anos atrás, quando de sua aprovação em concurso para a Magistratura. Não vou fazer média com os amigos Rogério e Sertório. Se quiserem entender essa minha posição política, ótimo! Se não quiserem, paciência! É assim que eles me conheceram e é assim que eles sempre vão me conhecer porque eu não mudo onde estou. Assim, sufrago o nome do Dr. Izael da Nóbrega, deixando em branco as demais indicações. É esse o meu voto, senhor Presidente.” Após votação aberta, nominal e fundamentada, foram colhidos os votos, tendo como resultado: Rogério Neves Baptista – 31 (trinta e um) votos; Edgar Moury Fernandes Neto – 28 (vinte e oito) votos; Francisco Eduardo Gonçalves Sertório Canto – 27 (vinte e sete) votos; Izael Nóbrega – 14 (quatroze) votos; Virgínia Galvão – 02 (dois) votos; Em branco – 02 (dois) votos e Flávio Regis – 01 (um) voto. Assim. a lista tríplice foi formada sendo esta a Decisão: “INDICADA LISTA TRÍPLICE PARA PREENCHIMENTO DA VAGA DECORRENTE DA APOSENTADORIA DO DES. FAUSTO VALENÇA DE FREITAS, PARA NOMEAÇÃO PELO GOVERNADOR DO ESTADO, COMPOSTA PELOS ADVOGADOS: ROGÉRIO NEVES BAPTISTA, EDGAR MOURY FERNANDES NETO E FRANCISCO EDUARDO GONÇALVES SERTÓRIO CANTO”. Dando prosseguimento aos trabalhos, o Des. Presidente chamou o item II da pauta, o Edital de Acesso nº 02/2008, relativo à escolha de um Juiz de Direito ou substituto da 3ª Entrância (Capital), para promoção ao cargo de Desembargador, pelo critério de merecimento, na vaga decorrente da aposentadoria do Des. Antônio de Pádua Carneiro Camarotti Filho. Na ocasião, o Des. Presidente informou que figuravam como remanescentes, em lista de merecimento, os magistrados Dr. José Ivo de Paula Guimarães, duas vezes consecutivas e Dr. Antônio Carlos Alves da Silva, uma vez.  Após votação nominal, aberta e fundamentada, o resultado foi o seguinte: José Ivo de Paula Guimarães – 35 votos; Antônio Carlos Alves da Silva – 33 votos; Agenor Ferreira de Lima Filho –  29 votos, Jorge Américo Pereira de Lira – 04 votos e André Oliveira da Silva Guimarães – 04 votos. A lista tríplice foi formada pelos seguintes magistrados: José Ivo de Paula Guimarães, Antônio Carlos Alves da Silva e Agenor Ferreira de Lima Filho. Destarte, sendo incluído em lista de merecimento pela terceira vez consecutiva, o magistrado José Ivo de Paula Guimarães foi automaticamente escolhido para promoção ao cargo de Desembargador, ficando como remanescentes os magistrados Antônio Carlos Alves da Silva (por duas vezes consecutivas) e Agenor Ferreira de Lima Filho (uma vez). Decisão: “ESCOLHIDO O MAGISTRADO JOSÉ IVO DE PAULA GUIMARÃES PARA PROMOÇÃO AO CARGO DE DESEMBARGADOR, PELO CRITÉRIO DE MERECIMENTO, NA VAGA DECORRENTE DA APOSENTADORIA DO DES. ANTÔNIO DE PÁDUA CARNEIRO CAMAROTTI FILHO“. Na seqüência, o Des. Presidente passou ao item  III,  escolha de um Juiz de Direito ou Substituto da 3ª Entrância (Capital) para Promoção ao Cargo de Desembargador, pelo Critério De Antigüidade, na vaga decorrente da exoneração do Des. Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes (Edital de Acesso nº 03/08). Na oportunidade, o Des. Presidente informou que o candidato mais antigo era o Dr.  Nivaldo Mulatinho de Medeiros Correia Filho. Submetido o nome do magistrado ao Pleno, foi esta a Decisão: “ESCOLHIDO O MAGISTRADO NIVALDO MULATINHO DE MEDEIROS CORREIA FILHO PARA PROMOÇÃO AO CARGO DE DESEMBARGADOR, PELO CRITÉRIO DE ANTIGÜIDADE, NA VAGA DECORRENTE DA EXONERAÇÃO DO DES. GERALDO OG NICÉAS MARQUES FERNANDES“. Prosseguindo, o Des. Presidente passou ao item IV, escolha de um Juiz de Direito ou Substituto da 3ª Entrância (Capital) para Promoção ao Cargo de Desembargador, pelo Critério de Merecimento, na vaga decorrente da aposentadoria do Des. Ozael Rodrigues Veloso (Edital de Acesso nº 04/08). O Des. Presidente informou novamente os remanescentes de lista tríplice, que eram os mesmos do edital de merecimento acima.  Através de votação aberta, nominal e fundamentada, foram colhidos os votos, tendo como resultado: Antônio Carlos Alves da Silva – 34 votos;  Agenor Ferreira de Lima Filho – 33 votos,  Jorge Américo Pereira de Lira – 32 votos, André Oliveira da Silva Guimarães – 03 votos,  Roberto da Silva Maia – 01 voto e Itamar Pereira da Silva Júnior – 01 voto. Formada a lista tríplice pelos magistrados Antônio Carlos Alves da Silva,  Agenor Ferreira de Lima Filho e Jorge Américo Pereira de Lira, e  sendo incluído em lista de merecimento pela terceira vez consecutiva, o magistrado Antônio Carlos Alves da Silva, ficando o mesmo automaticamente escolhido para promoção ao cargo de Desembargador. Os os magistrados Agenor Ferreira de Lima Filho (por duas vezes consecutivas) e Jorge Américo Pereira de Lira  (uma vez). Decisão: “ESCOLHIDO O MAGISTRADO ANTÔNIO CARLOS ALVES DA SILVA PARA PROMOÇÃO AO CARGO DE DESEMBARGADOR, PELO CRITÉRIO DE MERECIMENTO, NA VAGA DECORRENTE DA APOSENTADORIA DO DES. OZAEL RODRIGUES VELOSO“. Por fim, não havendo outras matérias a discutir, o Des. Presidente encerrou a sessão. Do que e para constar, eu Sílvio Roberto Pessoa de Resende _____________________________, Secretário Judiciário, fiz lavrar a presente ata que, aprovada, vai assinada pelo Exmo. Sr. Des. Presidente do TJPE.

Licença para Farmácias – Inscrição no CNPJ

22-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível

Agravo de Instrumento Nº: 0173.440-9 – Recife

Agravante: Associação Pernambucana de Supermercados – APES

Agravado: Diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária – APEVISA

Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

 

 

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

 

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela Associação Pernambucana de Supermercados – APES em face do Diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária – APEVISA, impugnando decisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Recife, Dr. Luiz Gomes da Rocha Neto, no bojo do Mandado de Segurança tombado sob o nº 001.2008.025696-2.

 

A decisão impugnada (fl. 167) indeferiu a liminar almejada, face a inexistência do requisito do perigo da demora.

 

Agravo tempestivamente interposto e regularmente instruído.

 

Em uma remissão fática, noticia que, tendo sido fundada em julho de 1974, voltada à interação entre os empresários do setor supermercadista, empresas fornecedoras, autoridades e, especialmente, entre estes e a Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS, foi notificada, em meados de agosto de 2007, para providenciar, no prazo de 60 (sessenta dias), uma segunda inscrição junto ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), voltado ao exercício específico da atividade de drogaria, para que iniciasse ou desse início à comercialização de medicamentos nas farmácias internas dos supermercados associados.

 

Relata, ademais, que, não obstante tenha requerido aos órgãos competentes a re-análise da medida em apreço, bem assim o sobrestamento do prazo originariamente concedido, as licenças para instalação de drogarias internas vêm sendo sistematicamente negadas pela APEVISA aos supermercados em que as farmácias não operam com CNPJ próprio, o que a motivou a impetrar o mandamus.

 

Defende a autorização para que os seus associados comercializem medicamentos em farmácias próprias, localizadas dentro do mesmo estabelecimento onde funcionam os supermercados, porém de forma totalmente independente, fora da área onde se situam as gôndolas, em conformidade às exigências da legislação sanitária.

 

Aduz que, embora o agravado, ao prestar informações, tenha argüido a litispendência entre o mandamus originário e o mandado de segurança nº 001.1995.064572-0, tal alegação não deve prevalecer, pois neste discute-se a possibilidade dos supermercados comercializarem medicamentos anódinos no mesmo espaço destinado aos produtos postos à venda nas gôndolas e prateleiras e naquele pleiteia-se, como dito, pleiteia-se a abstenção da exigibilidade de uma segunda inscrição no CNPJ voltado ao exercício da atividade de drogaria.

 

Alega que muitos de seus associados já possuem a previsão, dentre os seus objetos sociais, da comercialização e dispensação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.

 

Assevera que a legislação não veda que um dado estabelecimento seja impedido de desempenhar atividades de farmácia/drogaria apenas porque não se dedica, exclusivamente, a tal objeto ou porque esta não é a sua atividade primária, matéria esta, inclusive, já apreciada pela Justiça Federal do Distrito Federal.

 

Afirma que a imposição de nova inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas implica restrição ao exercício da livre iniciativa econômica dos seus associados, sendo certo, ademais, que o fato das farmácias pertencentes aos seus associados não possuírem CNPJ distinto daquele dos supermercados onde funcional não enseja prejuízos à Administração Pública.

 

Acresce que, para fins de CNPJ, em se tratando de um único estabelecimento voltado à consecução de múltiplas atividades econômicas, como as redes de supermercados, é necessário obter, apenas, com base no registro já existente, o CNAE específico referente às atividades não-principais.

 

Finaliza argumentando que a exigência de múltiplas inscrições para cada atividade econômica secundária desempenhada por uma dada sociedade enseja um custo operacional vultoso e, conseqüentemente, inviabiliza o seu objeto social.

 

Por fim, pugna pela antecipação da tutela recursal e, no mérito, pelo provimento do recurso, com a integral reforma da decisão impugnada.

 

É o relatório. DECIDO.

 

A nova diretriz decorrente das inovações ao Código de Processo Civil conferida pela Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, que entrou em vigor em 17 de janeiro do corrente ano, impõe a forma retida como regra para interposição do recurso de agravo, ficando o agravo de instrumento restrito às seguintes hipóteses: 1) quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; 2) nos casos de inadmissão da apelação e 3) nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

 

Não se enquadrando a decisão vergastada nas hipóteses enunciadas nos itens 2 e 3 supra, resta-nos apreciar se se afigura como decisão apta a ensejar lesão grave e de difícil reparação, a autorizar o manejo do agravo de instrumento ou, contrariamente, a imediata conversão do mesmo em agravo retido.

 

A referência à causação de “lesão grave ou de difícil reparação” apta a ensejar o manejo do agravo sob a forma de instrumento, há de ser entendida como o provimento que requer urgência na sua apreciação.

 

In casu, a urgência na apreciação do presente recurso encontra-se patente, dado que a lide versa sobre imposição de condicionamento ao exercício de atividade mercantil, sendo certo que, acaso se protele seu julgamento para o momento da apreciação do eventual apelo interposto contra a sentença, poderão advir prejuízos vultosos.

 

Ante o exposto, deixo de converter o presente recurso em agravo retido.

 

De início, impende que se ressalte que a análise da suposta litispendência entre os Mandados de Segurança nº 001.1995.064572-0 e nº 001.2008.025696-2, em cujo bojo foi exarada a decisão ora impugnada, é vedada a este Juízo. Ora, tendo o Magistrado a quo se reservado para apreciar tal argüição após manifestação do Ministério Público, sendo essa discussão alheia aos limites da decisão objeto do presente recurso, vedada está sua apreciação por esta Relatoria, sob pena de supressão de instância.

 

Não obstante a impossibilidade já destacada dessa Relatoria apreciar, no bojo do presente recurso, a (in)ocorrência da aludida litispendência, impõe-se que se frise que o Eminente Des. Fernando Cerqueira, componente da Sétima Câmara desta Corte, no bojo da Apelação Cível nº 133.795-7, interposta em face da sentença proferida no referido MS nº 001.1995.064572-0, exarou decisão terminativa (contra a qual foram interpostos Recurso de Agravo e Embargos de Declaração, não providos, estando os autos conclusos ao Vice-Presidente para apreciação da admissibilidade do Recurso Especial interposto) manifestando-se sobre a matéria nos seguintes termos:

 

“(…)O cerne da impetração versa sobre a limitação divulgada na NOTA OFICIAL da Diretoria de Epidemiologia e Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, que determina a retirada dos estabelecimentos dos apelados, dos chamados medicamentos anódinos, ou seja, aqueles de composição menos potente e que podem ser comercializados sem prescrição médica e sem a assistência de profissional farmacêutico, relacionados no Anexo Único da Portaria nº 02, de 24.01.1995, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (fls. 57), ante a proibição de venda ou de fornecimento (doação) contida na Lei Federal nº 9.069, de 29 de junho de 1995, sendo o pedido da impetração formulado com fulcro no art. 52, da Medida Provisória nº 542, de 30.06.1995, que modificando os termos do art. 6º, da Lei Federal nº 5.991, de 17.12.1973, taxativamente inclui em seus comandos o § 1º, nele disciplinando que a dispensação de medicamentos em supermercados, é limitada ao fornecimento de drogas e medicamentos anódinos que não dependem de receita médica, assim, possibilitando o direito postulando, sem impor qualquer limitação ao direito do livre comércio.

 

Inicialmente merecem ser contemplados os termos da Lei Federal nº 5.991/1993, que tratando sobre o comércio farmacêutico (art. 5º), o define como o comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, e, assegura o seu exercício as empresas e estabelecimentos nele definidos, declinando o seu art. 6º, que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácia, drogaria, posto de medicamento e unidade volante e dispensário de medicamentos.

 

Com a edição da MP nº 542/1995, foram os supermercados – dentre outros estabelecimentos, acrescentados como autorizados a dispensação de medicamentos, sendo pelos termos do seu § 1º, limitados a dispensação de medicamentos anódinos que não dependem de receita médica.

 

Os termos da mencionada Medida Provisória foram transformados na Lei Federal nº 9.069, de 29 de junho de 1995 – vigente na data da impetração (22.08.1995), que não contemplam os supermercados como autorizados a dispensação postulada na via mandamental, assim legitimando a adoção da NOTA OFICIAL que nela é hostilizada, deixando os apelados, sem respaldo legal na postulação do direito perseguido.

 

Esses termos legais já foram temas de debates nos Tribunais Superiores (no STJ – em diversos recursos e no STF – numa ADIn, ainda em curso e no AgR conhecido e improvido por ausência de perigo de lesão grave), sendo pacificado o entendimento de que pelos termos legais, é impossível a dispensação de medicamentos anódinos ou não, em supermercados, preservando-se os aspectos legais da questão, estruturais dos estabelecimentos comerciais e sobretudo, as diretrizes da saúde pública.

 

Sobre o tema, anoto de forma ilustrativa:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei n] 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentoss e unidades volantes e dispensários de medicamentos, estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

II – A Medida Provisória nº 542/94, concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu do seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.”

(STJ – REsp 272736-SE, DJ de 27.06.2005, conversando o mesmo posicionamento ministrado no: REsp 341382-SP e REsp 745358-SP).

 

Posto isso, com base nas peças constantes dos autos, arrimado nas disposições do art. 557 do CPC, reconhecendo que os termos proferidos na decisão em reexame são manifestalmente contrários aos posicionamentos pacificado pelo STJ sobre o cerne da causa, e, incorporando os enunciados do judicioso parecer ministerial ofertado nesta instância recursal, monocraticamente conheço o recurso de ofício e dou-lhe provimento, para reformar a sentença proferida em todos os seus termos, denegando a segurança impetrada, ante a ausência de direito líquido e certo a ser nela amparado, tendo como prejudicados os recursos voluntários.(…)” (grifos nossos).

 

O realce conferido ao citado posicionamento ganha relevo na medida em que a pretensão veiculada pelo agravante pode, em seus efeitos práticos, por via transversa, implicar o alcance da mesma finalidade que esta Câmara, nos autos dos citados recursos, entendeu vedada aos supermercados.

 

De fato, o limiar entre as demandas é bastante tênue, pois, mesmo que não se fale em comercialização de drogas em gôndolas e prateleiras, como argumenta o agravante, ao se discutir a exigibilidade de inscrição própria no CNPJ para que as redes de hipermercados promovam a dispensação de medicamentos em “farmácias próprias, localizadas dentro do estabelecimento onde funcionam os supermercados, porém de forma totalmente independente destes” (nas palavras do agravante), desemboca-se igualmente no cerne da questão acerca da inclusão dos supermercados no rol dos estabelecimentos autorizados a vender drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, à luz dos dispositivos da Lei Federal nº 5.991/73.

 

Ora, exigir-se inscrição própria no CNPJ das farmácias localizadas nos estabelecimentos onde funcionam os supermercados permite a desvinculação entre aquelas e estes, individualizando-as na categoria de drogarias/farmácias, estas, sim, indubitavelmente inclusas no rol das empresas/estabelecimentos legitimados à dispensação de drogas. A contrario sensu, admitir a expedição de licença para seu funcionamento sob o mesmo CNPJ dos estabelecimentos dos hipermercados onde estão localizadas, seria o mesmo que permitir que a pessoa jurídica “supermercado” comercializasse medicamentos e congêneres, o que nos remete aos argumentos deduzidos pelo Des. Fernando Cerqueira na já referida decisão, bem assim à análise dos dispositivos da Lei Federal nº 5.991/73.

 

Embora referida lei, no caput do seu artigo 5º, disponha que o comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos nela definidos e do artigo 4º, inciso XVIII, conste a conceituação de supermercado, o legislador fê-lo definindo-o como “estabelecimento que comercializa, mediante auto-serviço, grande variedade de mercadorias, em especial produtos alimentícios em geral e produtos de higiene e limpeza”, aí não inclusos, ressalte-se, as drogas e medicamentos, sendo certo, ademais, que o artigo 6º explicita que a dispensação de medicamentos é privativa de farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos, rol este que deve ser classificado como taxativo, considerando a essencialidade da matéria, inerente à saúde dos cidadãos, de extrema relevância e responsabilidade.

 

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido da impossibilidade de comercialização de medicamentos pelos supermercados. Vejamos:

 

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. EXPEDIÇÃO DE LICENÇA. DROGARIAS E FARMÁCIAS. VENDA DE PRODUTOS ESTRANHOS ÀS SUAS ATIVIDADES. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, mercê de o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. O Direito Administrativo é regido, dentre outros, pelo princípio da legalidade, por isso que o particular somente pode atuar secundum legis. Sob esse enfoque, não havendo lei que abarque a pretensão da recorrente, não há como acolher a tese de que a norma 5.991/73 não proíbe a comercialização de outras mercadorias alheias à área de medicamento.

3. A Corte, ao revés, já assentou que: “Inexistente a regulamentação requerida – quer pela Lei n. 5991/73 ou pela Lei n. 6360/76 – no âmbito do Estado de São Paulo, a proteger o direito alegado pela impetrante, nesta ação mandamental, não pode o Estado-juiz inovar, por meio de uma interpretação extensiva, de todo descabida no campo da Administração Pública, em verdadeira atividade legislativa, nem mesmo substituir-se à Administração, para determinar o expedir de licença, sem observância a qualquer requisito ou exigência legal, necessários ao proteger dos cidadãos, quanto a aspectos de higiene e saúde. Sendo a licença ato administrativo vinculado, somente quando do cumprimento das exigências legais é que não pode a Administração deixar de concedê-la, hipótese em que o Judiciário poderia, por óbvio, determinar a sua expedição. A questão jurídica relevante, in casu, não é, pois, de forma alguma, a possibilidade de farmácias e drogarias comercializarem outros produtos que não medicamentos. Esta é inconteste. O que importa, todavia, é a ausência de respaldo normativo, a tornar líqüido e certo o direito das impetrantes de exercerem o comércio de produtos diversos, inclusive de limpeza de ambiente, em meio a medicamentos, e sem a satisfação de qualquer requisito, como decidido pela Corte Paulista.” (REsp. 341.386/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 08.10.2002).

4. Outrossim, é assente na doutrina que a licença “é ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos.” (in Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 17º Edição, pág. 402), por isto que irrepreensível a conduta da autoridade impetrada para cessar a venda dos produtos estranhos a atividade da recorrente, em vista a ausência de regulação estatal.

5. Deveras, o § 1º do artigo 5º na sua exegese dispõe acerca dos produtos os quais podem valer-se as drogarias para a comercialização, verbis: “O comércio de drogas, medicamentos e de insumos farmacêuticos é privativo das empresas e dos estabelecimentos definidos nesta Lei. § 1º – O comércio de determinados correlatos, tais como, aparelhos e acessórios, produtos utilizados para fins diagnósticos e analíticos, odontológicos, veterinários, de higiene pessoal ou de ambiente, cosméticos e perfumes, exercido por estabelecimentos especializados, poderá ser extensivo às farmácias e drogarias, observado o disposto em lei federal e na supletiva dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”

6. Ademais, o § 1º, do art. 5º, da Lei 5.991/73 condiciona a autorização para comercialização de determinados correlatos, à regulamentação por meio de lei federal e a supletivamente por normas dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios.

7. Inexistindo no Estado de São Paulo regulamentação necessária à venda dos produtos estranhos à atividade da recorrente, resta evidente a ausência de direito líquido e certo a ser tutelado nesta via mandamental, sendo certo também que descabe ao Judiciário, em flagrante interpretação extensiva da norma, determinar a expedição de alvará para satisfazer o pleito da recorrente, sob a mesma argumentação, ou seja, ante a ausência de regulamentação legal para tanto, sob a ótica do princípio da legalidade.

8. A Primeira Turma, sob o pálio do princípio da legalidade, decidiu causa análoga ao assentar: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei nº 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

III – A Medida Provisória nº 542/94 concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.” (REsp. 272.736 – SE, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, 1ª Turma, DJ 27 de junho de 2005)

9. Recurso Especial conhecido e desprovido.”

(REsp 745358/SP RECURSO ESPECIAL 2005/0069110-3  Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122)  T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 02/02/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 20.02.2006 p. 229)

 

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUTORIZAÇÃO PARA COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SUPERMERCADOS.

I – De acordo com a Lei nº 5.991/73, que regula o comércio de medicamentos, somente as farmácias, drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes e dispensários de medicamentos estão autorizados a comercializar estes produtos.

II – Os supermercados, por conseguinte, não estão incluídos no rol numerus clausus da referida lei.

III – A Medida Provisória nº 542/94 concedeu autorização aos supermercados para o aludido comércio, mas, ao ser convertida na Lei nº 9.069/95, suprimiu de seu texto a autorização para os supermercados comercializarem medicamentos.

IV – Recurso especial improvido.”

(REsp 272736/SE RECURSO ESPECIAL 2000/0082396-1 Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 05/10/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 27.06.2005 p. 226 RSTJ vol. 198 p. 111)

 

Vê-se, assim, que permitir o funcionamento de drogaria ou farmácia no mesmo estabelecimento em que funciona supermercado e com o mesmo CNPJ deste corresponderia a admitir tese contrária ao posicionamento jurisprudencial supratranscrito, o qual reputo consentâneo à interpretação que se deve conferir à lei que rege a matéria.

 

Frise-se, outrossim, o que estabelece o caput do artigo 15 da mesma lei, consoante o qual “a farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei” e o artigo 19, segundo o qual “não dependerá de assistência técnica e responsabilidade profissional o posto de medicamentos, a unidade volante e o supermercado, o armazém e o empório, a loja de conveniência e a ‘drugstore’”, cujos teores igualmente apontam para a razoabilidade da exigência de CNPJ próprio para as farmácias/drogarias que funcionam no mesmo estabelecimento dos supermercados.

 

No que pertine ao argumento de que bastaria a consecução de CNAE (Código Nacional de Atividade Econômica), relativo ao comércio de medicamentos no rol de atividades secundárias do estabelecimento supermercado, com base em registro de CNPJ já existente, para fins de atendimento da legislação sanitária vigente e obtenção de licença para funcionamento, verifica-se que, ainda que se admitisse tal alegação como plausível, o agravante não logrou êxito em demonstrar que os associados a quem representa possuem tais CNAE’s específicos para a dispensação de drogas e congêneres, o que se mostra indispensável em se tratando de demanda veiculada por meio de mandado de segurança, que requer demonstração de plano da liquidez e certeza do direito deduzido.

 

Ante todo o exposto, DENEGO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL ALMEJADA.

 

Publique-se.

 

Intime-se.

 

Intime-se o Agravado, nos termos do art. 527, III da lei Adjetiva, para que ofereça resposta, no prazo legal, observando-se a faculdade de trazer peças que julgar convenientes.

 

 

 

                Recife, 14 de agosto de 2008.

 

 

 

                    Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

                                         Relator

Manutenção dos efeitos previdenciários da guarda – Oposição ao entendimento do STJ e STF

22-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL – 24.03.2009

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 97609-8 – RECIFE

IMPETRANTE  :  INSTITUTO DE RECURSOS HUMANOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – IRH/PE

IMPETRADA     :  JUÍZA DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL

RELATOR        :  DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO

RELATÓRIO

 

(O relatório encontra-se às fls. 107/108 dos presentes autos).

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Excelentíssimo Senhor Desembargador João Bosco Gouveia de Melo, Excelentíssimos Senhores Desembargadores Fernando Cerqueira e Luiz Carlos Figueiredo,

 

A questão em debate nos autos é bastante conhecida desta Casa, há decisões inclusive divergentes entre a Sétima e a Oitava Câmaras, tanto em sede de mandado de segurança em si quanto em outras espécies de provimentos processuais, recursos como apelações e agravos de instrumento. E diz respeito na verdade a um único ponto: o confronto aparente entre o art. 33, § 3º do Estado da Criança e do Adolescente, que reza caber o instituto da guarda as consequências inclusive de natureza previdenciária e alterações realizadas tanto na esfera federal quanto na esfera estadual. Na esfera estadual, nas leis previdenciárias respectivas; na esfera federal pela Lei 9.528/97, no que foi repetida no âmbito do Estado, em relação à Funape, através da Lei Complementar nº 41/2003. Ambas as leis, tanto a federal quanto a estadual modificaram o rol de beneficiários dependentes passíveis de inscrição para fins de todos os efeitos dos benefícios da Previdência. Nessa modificação excluiu a figura do menor sob guarda, mantendo unicamente a figura do menor sob tutela.

 

A razão histórica dessa alteração, tanto federal quanto à estadual, se deu pelo fato de que os institutos previdenciários verificaram que havia uma certa facilidade e uma certa impossibilidade, na verdade, de coibir abusos e até mesmo fraudes, na concessão de guarda de determinados menores, apenas única e exclusivamente para fins previdenciários. Na verdade, era impossível aos entes previdenciários efetuar uma fiscalização precisa e, além disso, ir de encontro ao que estava se discutindo num processo, que grande parte das vezes corre em segredo de justiça, sem acesso inclusive ao entre previdenciário para verificar se realmente havia a necessidade ou não de ser deferida a guarda naquele momento, e quais as consequências em relação à caracterização da dependência econômica que essa assunção da guarda traria.

Com esse antecedente histórico, foram efetuadas essas modificações. A do Estado de Pernambuco através da Lei Complementar 41/2003, que retirou do rol de beneficiários e dependentes a figura do menor sob guarda.

 

A matéria também se encontrava em divergência perante o Superior Tribunal de Justiça. Havia decisões diametralmente opostas, com base nos mesmos fatos, chegando a conclusões diversas.

 

O motivo da sustentação oral realizada neste momento é para que se possa analisar com mais profundidade um julgamento extremamente relevante para a causa, acontecido no ano passado, que diz respeito ao Embargo de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido. Nesse julgado, o STJ pacificou o entendimento de que o art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente foi considerado revogado pela legislação posterior previdenciária. Então, não se pode impor essa legislação para fins de garantir ao menor sob guarda benefícios previdenciários. A ementa, peço vênia para lê-la, diz:

 

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. INCABIMENTO.

Esta Corte já decidiu que, tratando-se de ação para fins de inclusão de menor sob guarda como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS, não prevalece o disposto no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente em face da alteração introduzida pela Lei nº 9.528/97. Embargos de Divergência acolhidos”.

 

Também peço vênia para ler um trecho de um voto vista da Ministra Laurita Vaz, que esboça de maneira bastante lúcida e concisa a evolução no entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria. Diz a ministra que:

 

A princípio era pacífico no âmbito deste tribunal o entendimento segundo o qual o Estatuto da Criança e Adolescente não garante a qualidade de dependente do menor sob guarda judicial, por ser norma de cunho genérico, inaplicável aos benefícios mantidos pelo Regime Geral da Previdência Social, os quais por sua vez são regidos por lei específica. Deveria, portanto, prevalecer o art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91, alterado pela lei 9.528/97, que suprimiu o menor sob guarda do rol dos dependentes do segurado.

Posteriormente a matéria ficou bastante controvertida no âmbito desta Corte Superior de Justiça, tendo como ponto nodal a aparente antinomia entre o art. 16, § 2º, da Lei 8.213 e o art. 33, § 3º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente. Assim, havia julgados que mantiveram o entendimento acima e outros que o reformularam, dentre os quais se encontram da minha relatoria.

Entendia-se que era assegurado ao menor sob guarda o direito de pensão por morte devido ao falecimento do seu guardião, levando-se em conta as regras da legislação de proteção ao menor, a Constituição Federal, dever do poder público e da sociedade na proteção à criança e ao adolescente (art. 227, caput, § 3º, inc. II) e o Estatuto da Criança e Adolescente, que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei nº 8.069/90).

Ocorre que, diante da relevância social, jurídica e econômica da questão, bem como do atual posicionamento predominante dos meios que compõem esta Terceira Egrégia Seção, melhor analisando a matéria, concluo que razão assiste ao Instituto Previdenciário.

 

É assente na jurisprudência deste tribunal que o fato gerador para a concessão do beneficio de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo ser aplicado a lei vigente à época de sua ocorrência. Este por sinal é o enunciado da recente Súmula nº 340 desta Corte, in verbis: A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.

Dessa forma, não é possível a concessão de pensão por morte, quando o óbito do guardião ocorreu sob império da Lei nº 9.528/97, uma vez que o menor sob guarda não mais detinha condição de dependente, conforme a lei previdenciária vigente.

Ante o exposto, acompanho o eminente relator para acolher os embargos, a fim de dar provimento ao recurso especial interposto pelo INSS.

 

No caso específico dos autos, é ainda mais evidente a questão do marco temporal da lei, qual lei seria aplicável na época, porque não se trata nem do falecimento do guardião. A própria ação de guarda foi proposta em 2002, enquanto a alteração que suprimiu a figura do menor sob guarda, dentre os possíveis dependentes previdenciários, foi a Lei Complementar nº 43/2001.

 

Portanto, não há como se inscrever o menor sob a guarda da servidora segurada, sem que se afronte a legislação estadual. Esse foi o motivo do indeferimento administrativo e esse também o motivo da impetração do mandado de segurança contra a determinação, um ofício expedido diretamente pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude, à Funape para que acatasse o pleito administrativo formulado.

 

Com essas considerações e tendo em vista a pacificação da matéria no Superior Tribunal de Justiça, rogamos pela concessão da segurança para que se afaste a determinação do Juiz da Vara da Infância e da Juventude.

 

Muito obrigado!

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Senhor Presidente, jocosamente havia dito no julgamento anterior que, aqui, a Câmara da sempre convergência virou Câmara de divergência, repete-se o fato. Com muita tristeza tenho que votar contra o voto de Vossa Excelência, não vejo como.

 

Começo até fazendo uma referência que tenho feito a várias pessoas. Gosto muito quando chego aqui e encontro o Dr. Fernando e o Dr. Henrique, porque como cidadão me sinto defendido por eles, porque entram em todas as bolas divididas, ainda que não tenham sido os procuradores signatários das diversas demandas. Eles defendem à última instância o direito do Estado, e como cidadão fico muito feliz de saber que há pessoas com essa postura. Isso é importante para o convívio social, para a prevalência do interesse do bem comum. Às vezes levam a bolas mais do que divididas.

 

No meu modo de ver, data máxima vênia, não só de Sua Excelência o Dr. Fernando, mas de todos os julgadores aqui citados, inclusive o voto de Vossa Excelência, respeito a todos, mas não há sustentação, nem no plano ético nem no plano jurídico, para este mandado de segurança que o Estado não tem direito nenhum, quanto mais líquido e certo, e vou dizer por que.

 

O art. 33 do ECA estabelece quais são as condições, pré-condições no caput, para que haja guarda. Ela começa, e é fundamental, com a questão da posse de fato: tem ou não tem posse de fato. Isso não está questionado aqui. É pré-condição da ação: posse de fato.

 

A segunda questão que está em jogo é que o guardião seja o mantenedor de educar, alimentar, vestir, cumprir e fazer cumprir as decisões judiciais, mas essa matéria não foi nem de longe aventada no Writ.

 

A terceira questão que está em jogo é que para que haja uma guarda como uma ação autônoma, é que se caracterize excepcionalidade. Como não foi matéria do embate, eu suponho que a situação seja excepcional. Suponho. Não tenho outro elemento que não supor.

 

Cada vez que um desses elementos refoge é lícito a qualquer das partes se opor, inclusive ao interesse dos pais ou terceiro interessado, pela natureza de ação continuativa que é a ação de guarda, mudada a situação de fato modifica-se a situação de direito, modificá-la. Não foi isso o que aconteceu aqui no caso.  Não se questionou nada disso. Os pressupostos de admissibilidades da ação e os pressupostos de validade para a sua continuação não foram nem de longe arranhados.

 

Nós tínhamos no regime jurídico brasileiro, não é propriamente a Lei nº 9.528/92, mas porque isso vem de medida provisória que chegou a ser renovada acho que vinte e tantas medidas provisórias até virar lei. Nós tínhamos uma situação interessantíssima do Brasil. A lei dos benefícios da Previdência Social incluía no rol dos beneficiários o guardado e o ECA incluía, no 33, § 3º, como decorrência da guarda, a dependência previdenciária; ou, por outras palavras, nos tínhamos duas leis para dizer a mesma coisa.

 

Pode parecer uma situação absolutamente estranha, esdrúxula, mas num país que tantas leis tem, não é de se estranhar tanto que tenha duas para dizer duas vezes a mesma coisa. Era assim que com a vigência da lei nova excluiu-se da listagem da Lei do Benefício da Previdência Social, da 9528, a figura do menor sob guarda, que, aliás, até com a atecnia da expressão menor, meno male, excluiu-se.

 

Esta lei, aos que se deram ao cuidado de lê-la, ela tem acho que três ou quatro artigos. No artigo que diz: revogam-se as seguintes leis e artigos, quer dizer, fica alterado o artigo tal, revoga-se o seguinte. Só não conseguiu se revogar ali a lei da gravidade, porque o legislador incluiu tudo e mais 10% (dez por cento) do garçom para revogar, e não ousou revogar o § 3º, do art. 33 do ECA. E por que não ousou? Porque não havia por que revogar. Então, com a retirada da lista da dependência previdenciária, nós ficamos com uma lei dizendo que ser guardado judicialmente é igual à dependente previdenciário.

 

Ora, tinha duas leis, agora tem uma. Nenhum problema até aí, continua existindo a lei, continua amparado numa lei que não foi revogada e que não há colisão, porque não há nem aqueles princípios gerais da lei de introdução ao Código Civil aqui, não. Não há colisão, não. Havia duas leis dizendo a mesma coisa, uma deixou de dizer. Nem por vias indiretas tenta revogar o art. 33, § 3º. Não existe nada disso. O que existe é uma situação fática, horrenda, para a União e para a Previdência dos Estados, de fraudes – aliás, foi sustentado oralmente isso aqui –, de simulações de guarda, onde a guarda de fato não existe; as chamadas guardas previdenciárias, as diretas ou aquelas por vias indiretas.  Essa situação, precisa-se se dá cobro a ela, precisa-se punir aqueles que utilizam o instituto jurídico de forma indevida. Isso é outra coisa, não se retirar da incidência da norma a capacidade de absorção dos guardados.

 

O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos os países do mundo, exceto Somália e Estados Unidos, são signatários da Convenção dos Direitos da Criança de Nova York. Todos, menos os dois que acabo de nominar. Lá existem cláusulas interessantíssimas. É a primeira norma que diz, expressamente, que não se auto-intitula de ter supremacia sobre a norma local. Talvez seja a primeira e única norma internacional que assim disciplina. Ela diz expressamente: se a lei local der mais direitos do que esses que estão assegurados nessa Convenção Internacional, prevalece a lei local. Acho que não há outro precedente. Esta lei diz que os direitos assegurados às crianças – e ali trata como criança quem tem até 18 anos – não podem ser suprimidos

 

Todos os senhores e as senhoras presentes conhecem muito mais de Direito Internacional Público do que eu.

 

O Brasil tem todo direito de não querer mais – porque tem algumas pessoas burlando, sob esse fundamento fático, a norma –, de não querer mais a abrangência da guarda como ensejadora do beneficio previdenciário. Tem todo direito. Tem que se dirigir ao bureau gestor da Convenção Internacional, denunciar essa cláusula e sair do âmbito da Comunidade Internacional, repita-se, de uma Convenção onde todos os países do mundo são signatários. Tem o direito. O Brasil não é obrigado a se curvar à Normativa Internacional, não. O Brasil pode sair de lá. É uma questão realmente de autonomia. Agora, para sair é pela porta da frente. É feito na música quando Miguel Arraes voltou a ser Governador do Estado: volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu. Se tiver de sair do acordo internacional, o Brasil tem que sair pela porta da frente, denunciando a sua assinatura, esperando o prazo de vacatio de um ano e depois deixar de cumprir. Não podia e não pode, nem por interpretação pretoriana e nem por norma geral, alteração legislativa, sem que antes tome as providências em relação ao Direito Internacional.

 

Este é um ponto. Mas há um ponto maior ainda – é por isso, com o devido respeito ao Ministro Hamilton Carvalhido e à Ministra Laurita Vaz, que por si só já afasta no meu modo de ver a questão em relação à matéria pelo STJ –, é no plano do Direito Constitucional. A universalização dos benefícios sociais e dos direitos sociais estão contidos na Carta Magna da República. É um princípio constitucional. E como qualquer princípio, todos nós sabemos, é um dever-ser. É um horizonte, é uma busca, é uma tentativa.

 

O Estado – aí estou falando como ente público –, o Estado Brasileiro deu um passo a favor da universalização do atendimento da Previdência, quando incluiu a guarda como uma das hipóteses de Direito Previdenciário. Poderia não tê-lo dado, sob a arguição das teses doutrinárias, do limite do possível: não haveria recurso financeiro para bancar isso. Poderia. Como é princípio, princípio é um dever-ser, uma busca. Mas transformou o princípio em norma e aonde chega a norma cessa o princípio. Transformou o princípio em norma. Poderia não ter feito a opção de incluir esse direito social – e o incluiu. A partir do momento que o incluiu, não pode dar volta atrás, não. A matéria é constitucional e o STJ não é o órgão competente para fazer aquilo que Sua Excelência o Procurador do Estado disse: pacificar a matéria, porque a matéria é constitucional, está na alçada do Supremo Tribunal Federal.

 

Decidiram, no meu modo de ver, com a devida vênia, equivocadamente. Equivocadamente porque na Lei da Previdência hoje se retirou a guarda, mas se manteve e foi dito aqui oralmente o tutelado, o pupilo foi mantido.

 

Ora, como é que se tem guarda? Como é que se tem tutela? Guarda, acabei de falar aqui, é posse de fato, uma situação concreta, modificável. Tutela se tem por morte dos pais, destituição do poder familiar dos pais, abandono ou declaração judicial de ausência. Na guarda não. Faça o seguinte: vai na sua casa, mate seu pai e sua mãe, porque aí o seu guardião se transforma em tutor e morte dois é hipótese de tutela, e aí como tutor você vai ser dependente. Não! Não precisa matar, não! Você diz que seu pai o espancava imoderadamente, eles vão ser destituídos do poder familiar, ainda que isso não seja lá verdade, e aí como decaído do pátrio poder, diz que ele estava na lista desse avião que caiu, abre-se o processo de declaração judicial de ausência, por comorience, e depois você tem direito à guarda.

 

Ora, isso é eticamente insustentável. Isso é uma coisa abjeta. E é mais ainda: na lista que permaneceu, pela dependência, na Lei nº 9.528 está lá: enteado. Enteado é feito aquela história de Brizola: Cunhado não é parente, Brizola para Presidente. O enteado não tem nenhum grau de parentesco, ao contrário, denota um mau sinal. Por exemplo: se um homem casa-se com uma mulher que já tem um filho e ele não busca nem a guarda daquela criança, algo no plano afetivo está moendo troncho, para usar o linguajar do matuto. Algo não está indo bem, não. Ele é só enteado. Agora a Câmara deu para correr com um processo, com a morte do Clodovil Hernandes que tinha um processo para usar o patronímico do enteado, isso sem nenhuma sustentação constitucional, mas da noite para o dia foi aprovado lá na Câmara. Quero ver o que é que o Senado vai dizer.

 

Mas o fato é que não há sustentação no nosso ordenamento jurídico, tanto que estão tentando incluir agora para o enteado, mas lá deixaram. Por quê? Porque a razão não é jurídica, a razão é econômica. Enteado é um ou outro. Vá na lista do Funape ou da Funafin, vá ver quem são os dependentes, e são poucos. Ser enteado vai contar na ponta dos dedos, mas guarda tem muita. E para provar as guardas fraudadas dá trabalho, e a lei do menor esforço é retirar da lista da norma a figura do guardado como dependente previdenciário.

 

A Doutora Valéria, deve ter sido ela a julgadora, foi minha Juíza Auxiliar por muitos anos. É muito zelosa, muito cuidadosa, aprendeu com o pai, o grande Desembargador Itamar Pereira da Silva. A equipe técnica dela também. O Ministério Público que atua na área da Infância, sem nenhum demérito aos que atuam nos outros setores, é top de linha, é ponta mesmo em qualquer lugar do Brasil. O cuidado para que se conceda uma guarda rigorosamente dentro das regras, para que não haja essa guarda fraudada e não existe guarda fraudada, guarda previdenciária ainda que disfarçada, no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude do Recife; eu assumo a responsabilidade pelo serviço dos outros, pelo que estou aqui a declarar. Pode ser que nos outros cantos tenha. A gente sabe, ouve denúncia e sabe que isso gera prejuízo. Na Vara da Infância do Recife não.

 

O que estou a dizer é que há malferirmento a princípio constitucional, princípio que se transformou em norma, porque foi por lei que foi concedido, não foi por interpretação pretoriana. Foi por lei. E agora simplesmente porque se tenta, com uma lei que continua em vigor – tirou a outra, um item, o inciso VII da listagem –, tenta se dizer que não é mais dependente previdenciário, salta aos olhos, no meu modo de ver, que a controvérsia, no mínimo, para ser parcimonioso, está para lá de instalada essa controvérsia. E se está para lá de instalada, eu digo que não tem direito nenhum. Ofende normativa internacional, ofende a Constituição, ofende lei em vigor, porque se interpretou lei como se houvesse colisão e não existe.

 

Mas abstraia tudo isso, simplesmente está caracterizado: há controvérsia. E se há controvérsia não há direito líquido e certo.

 

Direito líquido e certo é aquele translúcido, inquestionável, indubitável, e o Estado e a Funape não têm o direito líquido e certo de não pagar. Têm o direito líquido e certo, sim, de intervir como terceiro interessado no processo e, se for o caso de haver algum descumprimento anterior, durante ou a posteriori da concessão da guarda, tentar a sua revogação. Nunca, jamais se colocar como detentor de um direito líquido e certo de que não deva, não pode e não precisa incluir como dependente esse guardado.

 

Por esta razão, com todas as vênias do mundo, insisto, lamento a demora, mas acho que tinha que ser feito assim, voto pela denegação da segurança.

 

É assim que voto.

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

Senhor Presidente, gostaria de levantar uma questão de ordem, de fato.

 

Muito embora o parecer do Ministério Público tenha sido na mesma direção do voto do Relator, mas o que me chamou a atenção foi uma curiosidade. O pedido do mandado de segurança é porque o IRH não fora citado na ação como terceiro interessado e a decisão alcançou a esfera da Procuradoria do Estado.

 

Fiquei preocupada com esse ponto, porque acho que dá uma digressão bem diferente, bem distinta nesse julgado, pois o pedido da segurança é porque o Estado não se fez presente durante o processo de guarda. E essa guarda foi concedida, alcançou a esfera do Estado no que diz respeito à inclusão dos menores. Creio que o objeto do mandado de segurança não é discutir se pode ou não ser concedida a guarda nesse patamar, mas o pedido ele tem esse viés e isso me preocupou lendo o parecer do Ministério Público no Segundo Grau.

 

Gostaria que fosse esclarecido isso.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Pessoalmente me coloco à disposição para prestar esclarecimento, mas acho que o nobre Procurador tem questão de fato.

 

 

DR. FERNANDO ANTÔNIO W. CAVALCANTI JÚNIOR – OAB 21715/PE (PROCURADOR DO ESTADO)

Só um esclarecimento. Há os dois fundamentos na verdade. Há o fundamento processual de o Estado não ser parte no processe e por isso sofrer as consequências de uma determinação sem a possibilidade de havê-la discutido previamente, como também a própria questão da aplicação da norma em si.

 

Há os dois fundamentos no mandado de segurança.

 

Na sustentação oral só abordei o segundo, porque entendo que é realmente o ponto em que há divergência e que haverá a discussão mais propriamente dita.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Dra. Daisy, nós ouvimos a sustentação oral e, eu diria que a sensação que tenho em relação ao não chamamento como terceiro interessado para integrar a lide é penduricalho na argumentação do Estado. Tanto é que na sustentação oral não foi objeto. O Estado apostou e continua apostando as fichas no mérito, por conta da decisão do STJ no ano passado. Mas independente disso, gostaria de fazer o registro seguinte.

 

A ação de guarda ela se sustenta basicamente nas regras do art. 33. Logo após aquela história de posse de fato, exercício daqueles atributos do que ele chama, ainda lá, de poder familiar, como essa história da excepcionalidade e tal, no 33, § 3º, ele diz que o guardado tem todos os direitos, vírgula, inclusive previdenciário. Aliás, não precisava nem ter passado em vírgula, porque quando ele disse que fica assegurado ao guardado todos os direitos, é evidente que o previdenciário está contido. Isso é o que se chama em técnica legislativa de realce, acrescentar.  Quer dizer, isso é uma mera decorrência, não é da essência da ação.

 

E todas as decisões do STJ e do STF a respeito dessa matéria dizem da desnecessidade do chamamento ao processo da Previdência – seja do Estado, da União ou do Município. Eles não precisam porque é uniforme a orientação. No caso de eventual prejuízo, quer dizer, no caso da não caracterização das regras do art. 33, da burla, que, insisto: nisso aí o Estão tem razão, é freqüente a tentativa de burla. Para estes casos o Estado ingressa no processo, ou a União ou o Município, no estado em que ela se encontra, e pode, por ser ação continuativa, mudar. Não há obrigação, nem há normativa expressa nesse sentido, e a jurisprudência tem entendido da desnecessidade desse chamamento por obrigação. Alguns juízes o fazem por liberalidade.

 

 

DRª  DAISY MARIA DE ANDRADE C. PEREIRA (PROCURADORA DE JUSTIÇA)

O Ministério Público se posicionou exatamente assim, Excelência, tanto no Primeiro Grau quanto no Segundo Grau. A minha preocupação foi só para ordenar o julgado.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Continua em discussão.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente, se Vossa Excelência não se importa, gostaria de pedir vista em Mesa dos autos.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Pois não. Então, declaro suspensa a sessão por dez minutos.

 

REABERTA A SESSÃO.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência já tem condições de proferir o seu voto?

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Estou pronto, Senhor Presidente.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

Vossa Excelência está com a palavra.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Senhor Presidente,

Senhor Desembargador,

Senhora Procuradora,

 

É de se ver que nós estamos diante de um mandado de segurança em que se exige direito líquido e certo e, a par do desenvolvimento da tese do Estado contida no mandado de segurança, o seu pedido está posto nos seguintes termos.

 

A correção da determinação expedida pela impetrada, que é a autoridade judiciária, ordenando a terceiro estranho ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, que é o IRH, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo na legislação de regência, tem clara configuração de ato coator ilegal. Por outro lado, o fato de se constranger autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiros que não tem direito a seus benefícios e para o qual não tem existe a respectiva previsão de custeio, configura facilmente dano de difícil reparação, mormente quando se considera que este é apenas um entre vários casos similares.

 

Este é o pedido. São dois pedidos basicamente. Primeiro, o ordenamento da autoridade judiciária a terceiro estranho, que é o IRH, ao processo no qual fora prolatada a respectiva decisão, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência. Então a ilegalidade estaria nesse ato.

 

Por outro lado, quer dizer, número dois, o fato de se constranger a autarquia previdenciária a acolher entre seus beneficiários terceiro que não tem direito a seus benefícios e para o qual não existe a respectiva previsão de custeio. Essa questão é uma segunda situação que na verdade diz respeito ao mérito da ação que corre no Primeiro Grau. O ponto principal é a determinação expedida pela autoridade judiciária ordenando a terceiro, IRH, estranho ao processo no qual fora prolatado, o pagamento de benefício previdenciário que não encontra respaldo em legislação de regência.

 

Ouvi atentamente o voto de Vossa Excelência, Senhor Presidente, como Relator, baseado unicamente no princípio da legalidade, e ouvi aqui o voto do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que, na verdade, é uma aula e como especialista na matéria faz com que nós tenhamos a responsabilidade de parar, pensar, estudar e formar uma opinião, pode não ser a melhor, mas – eu certa vez estava em um julgamento no STJ, realmente não me lembro de que ministro, mas no julgamento alguém saiu com essa: não se espera que o Judiciário dê o direito, mas que dê a solução

 

Evidente que não concordo com essa máxima que ouvi, mas em determinados momentos a solução tem que ser dada para a prestação jurisdicional, e aí bate em relação ao mandado de segurança.

 

Ouvi do eminente Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo que a Lei nº 9.528 é uma lei nova que excluiu a concessão do benefício previdenciário a guarda. É isso?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Tirou o item menor sob guarda da lista

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Mas remanesce?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

A lista sim, guarda lá não. Guarda remanesce no art. 33, § 3º do ECA.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Então a lei que excluiu, não excluiu a matéria guarda, quer dizer, ele revogou… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

O Artigo diz assim: considera-se dependente da Previdência Social para fins de efeito dos benefícios previdenciários: I – a esposa, companheira (…), filho até 21 anos, menor sob guarda.

 

Tirou esse item, acho que é o item VII, menor sob guarda; e a lei estadual repetiu só isso.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Isso é o que reza o ECA?

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não, isso é o que reza a Lei Federal dos beneficiários da Previdência.

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual copiou.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí vem a lei estadual e revoga.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Faz a mesma coisa a lei estadual, vai e tira da lista dos beneficiários o menor sob guarda.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Revoga esse ponto em relação… (interrompido).

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Nem diz revoga. Ele apresenta a lista e não aparece mais.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Retira, não é isso?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Exato.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Aí se mantém a lei federal.

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Qual lei federal? Indaga-se. A Lei dos Benefícios da Previdência tirou da lista o menor sob guarda. A Lei Federal nº 8.069, que é o ECA, mantém, no art. 33, § 3º que o menor sob guarda é dependente previdenciário.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

E a lei estadual acompanhou a lei federal, retirando também.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

O ECA é Lei Complementar ou tem força de Lei Complementar?

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Não. É considerada como Lei Complementar materialmente e foi até votada com o quorum de Lei Complementar, mas não está na reserva de Lei Complementar, segundo a lista do art. 227.

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

A questão necessariamente, eu vejo pelo prisma, Senhor Presidente, que não se trata em si de uma declaração de inconstitucionalidade de lei. Longe disso. Está muito longe disso, até porque a lei estadual reverbera a mesma situação da lei federal, quer dizer, suprime e mantém-se o ECA, que é o Estatuto de Proteção à Criança e ao Adolescente, e aí vou adiante.

 

A Constituição, em seu art. 4º, na regência das relações internacionais, pugna pela prevalência dos direitos humanos. No art. 6º, que trata sobre os direitos sociais, assegura os direitos sociais, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância.

 

O art. 227 diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, etc, etc, e salvo de toda forma de negligência e discriminação.

 

O art. 227, § 3º, inc. II, assegura que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários; e, no inciso VI, o estímulo do Poder Público ao acolhimento sob a forma de guarda.

O Código Civil, em sua lei de introdução, assegura a obediência aos tratados e convenções internacionais e, como trouxe o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, o Brasil é signatário da Convenção de Nova York que dá proteção plena e integral… (interrompido).

 

 

DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO

Se Vossa Excelência me permite um aparte.

 

Por força da Emenda 45 agora, agora por ser de direitos humanos, alçada à categoria de Emenda à Constituição. Não é mais simplesmente Lei Civil Extraordinária, não, agora é Emenda à Constituição.

 

 

DESEMBARGADOR FERNANDO CERQUEIRA

Sim, exatamente. Por força do 45, também. Mas é porque na verdade deveria estar dentro do art. 4º, que rege as relações internacionais do país e o respeito às relações internacionais. Não está.

 

O fato é que o Brasil se rege especialmente pelo respeito aos tratados e às convenções internacionais dos quais é signatário. E o Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo foi bem enfático em trazer que o Brasil é signatário da Convenção de Nova York. Pode parecer até um absurdo tudo isso que estou trazendo, mas o fato é que nós estamos aqui diante de direito e de uma supressão.

 

Direito em que o Estado busca, que é exatamente demonstrar que não está incluído no rol dos segurados da Previdência a criança ou o adolescente em situação de guarda, acolhido ou amparado pela guarda; e o direito realmente que ele reclama nesse sentido, quer dizer, que o direito perante a Lei Previdenciária não contempla a criança ou o adolescente em situação de guarda. Esse é o ponto do Estado, e por isso seria ilegal o ato da Dra. Juíza que determinou ao IRH que fosse pago o benefício previdenciário quando ele não se encontra na legislação de regência.

 

Ocorre que na verdade o ECA dá amparo a essa situação e a própria Constituição assegura o amparo à infância e à juventude em relação à guarda, e o Desembargador Luiz Carlos colocou muito bem: a guarda de fato e a guarda concedida por ordem judicial.

 

Nesse aspecto, face à determinação contida no ECA e também com respaldo nos direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal, entendo que não cabe em termos de mandado de segurança coibir o ato da Juíza de Primeiro Grau que determinou, no presente caso, que os beneficiários tivessem o benefício previdenciário por falecimento de quem detinha a sua guarda e dentro de um processo regular.

 

Peço vênia a Vossa Excelência por dissentir do entendimento do voto do Relator e me filio ao entendimento do Desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, dando realmente ênfase ao direito assegurado perante o ECA e perante a Constituição Federal. Por esse motivo, o meu voto é denegando a segurança.

 

 

DESEMBARGADOR JOÃO BOSCO (PRESIDENTE E RELATOR)

O meu voto já foi lançado e, conforme bem frisou Vossa Excelência, não tenho a menor dúvida de que o voto do Desembargador Luiz Carlos é de uma abrangência descomunal, mas dentro do ponto de vista, conforme Vossa Excelência inclusive enfatizou, da legislação e da jurisprudência dominante a nível de Superior Tribunal de Justiça, o meu voto já proferido é no sentido da concessão da segurança pleiteada.

 

 

DECISÃO

 

“POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGOU-SE A ORDEM, FICANDO DESIGNADO O EMINENTE DES. LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO PARA LAVRAR O ACÓRDÃO”.

 

 

 

Sétima Câmara Cível

Mandado de Segurança Nº: 0097.609-8- Recife

Impetrante(s): Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE

Impetrado(s): Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

Relator: Des. João Bosco Gouveia de Melo

Relator do Acórdão: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

 

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. AÇAO DE GUARDA. GUARDA PROVISÓRIA. AVÓ. HABILITAÇÃO DAS CRIANÇAS COMO BENEFICIÁRIAS DA GUARDIÃ. IRH. INDEFERIMENTO DO PLEITO ADMINISTRATIVO. PETIÇÃO NOS AUTOS DA AÇÃO DE GUARDA. DEFERIMENTO PELO JUÍZO SOB ARGUMENTO DE QUE A GUARDA ABRANGE FINS PROVIDENCIÁRIOS. GUARDIÃO É O MANTENEDOR. NATUREZA EXCEPCIONAL DA AÇÃO DE GUARDA. CRITÉRIOS LEGAIS RIGOROSOS. ÂMBITO FEDERAL. LEI Nº 8.213/91. LEI Nº 9.528/97. ARTIGO 33, §3º DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE COLISÃO ENTRE LEIS.  CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA DE NOVA YORK. BRASIL SIGNATÁRIO. LEI LOCAL TEM SUPREMACIA SOBRE NORMA INTERNACIONAL APENAS QUANDO CONFERIR MAIS DIREITOS. INADMISSIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DE INTERPRETAÇÃO PRETORIANA OU NORMA GERAL QUE SUPRIMA DIREITOS RESGUARDADOS POR NORMA INTERNACIONAL A QUE ADERIU ESPONTANEAMENTE, SALVO SE HOUVER DENÚNCIA DE ADESÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. TRANSMUDAÇÃO DO PRINCÍPIO EM NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE RETROCESSO, MORMENTE QUANDO O BENEFICIÁRIO DA TUTELA FOR MENOR DE 18 ANOS QUE GOZA DE PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORIDADE ABSOLUTA, NOS MOLDES DO ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ÂMBITO ESTADUAL. LC Nº 28/00. LC Nº 41/01. ENUMERAÇÃO DOS DEPENDENTES DO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO. CRIANÇA/ADOLESCENTE SOB GUARDA NÃO INCLUSO NO ROL. ENTENDIMENTO DO STJ, ADOTADO PELO IMPETRANTE, QUE NÃO DEVE PREVALECER, POR VIR DE ENCONTRO AO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE PACIFICAÇÃO DA MATÉRIA PELO STJ. ALÇADA DO STF. CONTROVÉRSIA. ADMISSIBILIDADE DE BUSCAR REVOGAÇÃO DA GUARDA, COMO TERCEIRO INTERESSADO. IMPOSSIBILIDADE DE SE INTITULAR COMO DETENTOR DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE NÃO INCLUIR GUARDADO COMO DEPENDENTE. SEGURANÇA DENEGADA POR MAIORIA DE VOTOS.

1. Mandado de Segurança que não possui suporte, quer ético, quer jurídico, para sua sustentação, dada a ausência de direito líquido e certo do demandante.

2. O Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece, prévia e taxativamente, quais as condições para concessão da guarda, conferindo à ação autônoma de guarda natureza excepcional, pressupostos estes que sequer foram alvo do presente mandamus.

3. A Lei Federal nº 9.528/97, que revogou e alterou a redação de inúmeros dispositivos legais, não obstante tenha excluído do rol de beneficiários do RGPS a figura do “menor” sob guarda, manteve incólume o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que continuou a amparar o guardado judicialmente como dependente previdenciário.

4. Impõe-se que prevaleça o entendimento segundo o qual inexiste de conflito de normas regentes da matéria, porquanto, antes da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97, existiam duas leis (Lei nº 8.213/91 e ECA) que garantiam à criança/adolescente guardado direitos previdenciários e, após sua edição, muito embora mantida em vigor apenas o §3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, este guarda absoluta consonância com a norma constitucional, bem assim respeito aos princípios gerais da Lei de Introdução ao Código Civil.

5. A necessidade de se coibir a utilização indevida do instituto da guarda não pode servir de fundamento para se excluir, generalizadamente, os guardados que efetivamente estão em situação de dependência econômica da incidência da norma previdenciária.

6. As razões econômicas, a lei do menor esforço, alcançável mediante a simples retirada da figura do guardado do rol dos beneficiários previdenciários para se lograr redução de prejuízos decorrentes das guardas fraudulentas, não deve prevalecer sobre as razões jurídicas de garantia de direitos de ordem constitucional.

7. A cautela e o zelo adotados pelos Magistrados, membros do Ministério Público e servidores das Varas de Infância e Juventude da Comarca do Recife, observadores dos critérios legais necessários à concessão das guardas, obstam a ocorrência das “guardas previdenciárias disfarçadas”.

8. Sendo o Brasil signatário da Convenção da Criança de Nova York, à qual aderiram a quase totalidade dos países do mundo e que afirma que os direitos assegurados às crianças – abrangidos os jovens até 18 anos – não podem ser suprimidos, devendo a lei local prevalecer apenas se conferir mais garantias que a norma internacional, é inadmissível que, quer por interpretação pretoriana, quer por norma geral, sejam afastados direitos tutelados às crianças/adolescentes, salvo se houver denúncia espontânea da Convenção, observado o prazo de vacatio legis.

9. No plano do Direito Constitucional, deve-se atentar para a universalização dos direitos e benefícios sociais, que, como qualquer princípio, possui natureza de dever-ser, o que ganha relevo como argumento hábil a afastar tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 642.915/RS, Embargos de Embargos Divergência em Recurso Especial nº 0110332-7, Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 0000548-7) e acolhida pela 8ª Câmara Cível desta Corte de Justiça (AI 138595-7 e AP 145.758-5), adotada pelo impetrante, no sentido da aplicabilidade da lei previdenciária vigente à época do fato gerador.

10. Ao incluir o instituto da guarda como uma das hipóteses garantidoras de benefícios previdenciários o Estado brasileiro deu um passo a favor da efetivação do princípio da universalização da Previdência, transformando o princípio em norma.

11. Impende ressaltar a regra segundo a qual o beneficiário da tutela, quando menor de 18 anos, goza de proteção integral e prioridade absoluta, nos moldes do caput do artigo 227 da Constituição Federal, sendo certo, ademais, que, no inciso II do §3º do referido dispositivo, assegura-se que o direito à proteção especial abrangerá a garantia de direitos previdenciários e, no inciso VI, alberga-se o estímulo do Poder Público à promoção do acolhimento sob a forma de guarda.

12. Sendo a matéria em litígio de natureza constitucional, da alçada do Supremo Tribunal Federal, portanto, não há que se falar em consolidação da tese desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça e utilizada como suporte jurídico no presente pleito.

13. Não há obrigatoriedade de intimação do órgão previdenciário nos processos de guarda, conforme amplamente reconhecido em nossos Tribunais, por ser apenas um dos efeitos decorrentes da guarda; podendo o mesmo, contudo, integrar a lide em qualquer fase como terceiro interessado.

14. Malgrado seja admissível que o IRH/PE, como terceiro interessado, busque a revogação da guarda, é inadmissível que o mesmo se intitule como detentor de direito líquido e certo de vedar às crianças sob guarda a inclusão como dependentes de sua guardiã, segurada do impetrante.

15. Por maioria de votos, denegou-se a segurança.

 

ACÓRDÃO                                                                                                               01

 

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 0097.609-8, da Comarca de Recife, em que figura, como impetrante, o Instituto de Recursos Humanos do Estado de Pernambuco – IRH/PE e, como impetrado, a MM. Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por maioria de votos, em denegar a segurança, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado. 

 

 

 

 Recife, __________ de ___________________ de 2009.

 

 

 

 

                            ______________________________________

                                                    Presidente

 

 

 

                          _______________________________________

        Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

                                               Relator do acórdão

JUSTIÇA SEJA FEITA

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

APRESENTAÇÃO

O Prefeito, o Padre, o Juiz – são três pessoas que tradicionalmente são temidas pelo povo brasileiro, um povo que na maioria tem suas raízes essencialmente no campo, na cidade pequena, no interior O Prefeito manda e desmanda na cidade; o Padre pode mandar para o inferno; o Juiz, pior ainda, manda para a cadeia Na verdade não deveria ser eu o escolhido para apresentar o autor desse livro Deveria ser Dão, Galeguinho, Doidinho, Caboclinho, Rei, ou qualquer outro menino que na sua breve passagem por este mundo nosso conheceram o Luiz Carlos Figueiredo, que por vários anos foi o Juiz de Menores na Comarca de Olinda – PE Esses meninos, como muitos outros, passaram pouco tempo aqui, pois nosso mundo não tinha lugar para eles, nem tinha o que oferecer-lhes, se não uma morte súbita – muitos tiros disparados – provocada por homens que agem como querem, pois sabem que não serão punidos Esperamos que eles já se encontrem na presença do Grande Juiz de Todos – num lugar de paz e fartura – algo que eles não conheciam aqui Na presença de nosso Grande Juiz, eles devem estar “batendo um papo” – inclusive, refletindo e conversando sobre o juiz de Menores que eles conheciam aqui em Olinda Posso confirmar que apesar de serem chamadas de “marginais” e se sentindo totalmente desprezados, esses meninos encontraram na pessoa de Luiz Carlos um juiz que compreendia que eles estavam nesta vida de assalto, roubo, vício, porque nunca conheceram outra coisa – não tiveram escolha. Os meninos levaram com eles a lembrança de um juiz que soube conversar, escutar, dar uma palavra de apoio, uma palavra amiga e conselho que tantas vezes lhes faltava na vida. Que estas palavras minhas e este livro marquem mais um passo do compromisso do autor, que se juntando aos outros companheiros nos dão esperança e certeza que a “luta” não terminou, e que só terminará quando toda criança tiver outra saída e escolha na vida – não só aquela da marginalização e morte.

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ARTIGO DE DOM LUCIANO E E-MAIL COM COMENTÁRIOS

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Direito a viver com a família

O IMPORTANTE é a criança e sua dignidade à luz de Deus. Continua em tramitação o projeto de lei 6.222-05, que entende substituir o anteprojeto da lei sobre adoção.

O foco da questão é o melhor atendimento à vida da criança. Temos de insistir, de comum acordo, sobre o direito que toda criança tem à convivência familiar e comunitária. Conforme os artigos 226 e 227, tem precedência, como é óbvio, o núcleo familiar de origem. Em casos excepcionais, permanece o recurso ao regime de adoção a fim de que à criança possa ser garantida a família substituta.
O tema necessita de contínua reflexão. É preciso, no entanto, manter as conquistas do Estatuto da Criança e do Adolescente, privilegiando a convivência na família de origem.

Essa opção sadia requer políticas públicas acertadas a fim de que as famílias em dificuldade possam ser subsidiadas para conseguir conservar a criança em seu seio e assegurar-lhe as condições adequadas ao desenvolvimento. Compreendemos que, na falta dos pais, os parentes mais chegados são os que, pelos laços de origem, melhor podem oferecer à criança um ambiente familiar em que se encontre plenamente inserida.

As campanhas realizadas nos últimos tempos têm insistido no apoio das leis à família, com evidentes resultados de maior coesão familiar, salvando, assim, crianças do desenraizamento de origem e do risco do abandono.

A adoção permanece válida, com a manutenção de todas as garantias previstas em lei, desde que se preserve, com vigor inabalável, o direito prioritário da criança a seu núcleo familiar próprio.

A larga experiência de magistrados, da ação pastoral da Igreja e de entidades filantrópicas favorece a iniciativa de famílias que assumem a guarda provisória da criança e auxiliam a família de origem. O regime de adoção exige outras precauções; uma solução apressada provoca desajustes difíceis de corrigir.

Em relação à presença temporária em abrigos, há sempre a necessidade de melhorar o atendimento enquanto a criança aguarda a reinserção na própria família, amparada pelo apoio dos educadores, ou enquanto se prepara a criança -em casos mais raros- para ser acolhida em adoção por uma família substituta.

Não devem ser alteradas leis válidas. O que se necessita é colocá-las corretamente em execução. A atenção à criança é fruto de muito amor e de muita dedicação. almendescuria@yahoo.com.br

DOM LUCIANO MENDES DE ALMEIDA escreve aos sábados nesta coluna.

Recife, 17 de julho de 2006.

Reverendíssimo Dom Luciano Mendes de Almeida:

Meu nome é Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, sou desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco há pouco mais de 01 (um) ano, atuando em uma Câmara de Direito Público. Nos meus quase 24 anos de magistrado, fui Juiz de Menores Abandonados e Infratores de Olinda ( 1986 a 1989) e da Infância e da Juventude do Recife (1992 a 2005).
Participei das lutas pela implantação do ECA, sempre fui (e serei) mais “fermento” do que “alimento” nas causas da infância. Tenho, portanto, uma razoável experiência no assunto.
Publicamente já me declarei seu admirador, em especial pela sua luta pelos mais carentes, seus escritos e sua oratória, ao mesmo tempo com muita mansuetude e veemência.
Só hoje tive acesso ao texto “Direito a Viver com a Família”, veiculado na folha de São Paulo de 08 de julho de 2006, abordando a mudança legislativa em relação ao instituto da adoção. O fato de uma pessoa de renome nacional abordar o assunto, por si só, já é significativo e gratificante.
Se, de um lado, concordo com a maioria esmagadora dos conceitos ali emitidos (a- o importante é a criança e sua dignidade à luz de DEUS; b- o foco da questão é o melhor atendimento à vida da criança; c- o direito que toda criança tem à convivência familiar e comunitária; d- precedência do núcleo familiar de origem; e- adoção como recurso para garantir uma família à criança; f- É PRECISO MANTER AS CONQUISTA DO ECA; g- políticas públicas acertadas e subsidio às famílias em dificuldades para que mantenham seus filhos; h- NÃO DEVEM SER ALTERADAS LEIS VÁLIDAS, que precisam ser praticadas corretamente; i- a atenção à criança é fruto de muito amor e de muita dedicação), de outro fiquei com a sensação de que uma parte relevante do tema havia sido sonegada do conhecimento de Vossa Reverendíssima, razão pela qual, como defensor da mudança legislativa, inclusive tendo coordenado o grupo que redigiu o ante- projeto do PL nº 1756/03, me senti na obrigação de encaminhar- lhe a presente missiva.
Neste caso, de forma bem breve, apenas no ponto fulcral de sua argumentação. Se for do vosso interesse, no futuro poderei indicar textos mais específicos.
Em um estado democrático de direito, as leis gozam da presunção de que existem para propiciar o bem comum. No caso do ECA é bem mais do que mera presunção, pois já foi testado e aprovado, exceto por grupos mais consertadores que querem a volta do conceito da criança como objeto de intervenção dos pais e do Estado. Trabalhei na feitura do ECA e quero os seus conceitos (na realidade, da Doutrina da Proteção Integral) preservados.
Ocorre que em matéria de adoção A MAIORIA DOS DISPOSITIVOS DO ECA FORAM REVOGADOS- para pior – PELO NOVO CÓDIGO CIVIL. Tem que fazer revigorar urgentemente os conceitos originais do Estatuto.
Após a vigência do NCC, foram enormes as discursões entre duas correntes de juristas, uma achando que prevaleceria o princípio da especialização, o que implicaria na manutenção das regras do ECA, enquanto a outra dizia que se aplicava as regras da LICC, exigindo nova Lei para restabelecer os conceitos ou ter que se conviver com as maluquices do Código Civil.
A câmara dos Deputados desempatou o jogo ouvindo professores de Teoria Geral do Direito, restando claro que a ultima opção é a correta.
Por isso, é de se perguntar: se Vai ter que mudar para reaver as conquista, POR QUE NÃO FAZER A MAIS COMPLETA E MELHOR LEI POSSÍVEL?; POR QUE ESSE “FETICHE” DE QUERER QUE AS MUDANÇAS TENHAM QUE SER FEITAS NO CORPO DO PRÓPRIO ECA?
Portanto, embora também abomine mudanças desnecessárias em Leis boas, no caso concreta a mudança é indispensável, sob pena de levarmos este pecado de condenarmos milhares de crianças a “mofarem” nos abrigos até a maioridade(este é o verdadeiro dilema, e não uma suposta disputa entre família natural e família substituta).
No mais, Dom Luciano, como cristão, afilhado de São José(por escolha da minha mãe, e, depois, orgulhosamente assumido por mim), me sinto no dever de dizer que é preciso relativizar o entendimento de um trecho do seu artigo, quando prioriza a Guarda sobre a Adoção e acrescenta:”O regime de adoção exige outras precauções; uma solução apressada provoca desajustes difíceis de corrigir”.
Sobre isto, fiquei pensando: E se o Criador tivesse escolhido o início do século 21 para mandar o Messias? ; E se São José fosse um leitor da “Folha de São Paulo”, depois de ler o artigo em comento, será que continuaria firme no propósito de adotar Jesus, sendo o seu pai terreno, cuidadoso na formação do filho, mais ainda quando, no caso concreto, era sua própria esposa – ainda noiva- que estava gestante de uma criança que sabidamente não tinha sido gerada por ele?
Como pai biológico de 2(dois) filhos, e adotivo de 3(três)-independentemente das dificuldades naturais de criar filhos nos tempos atuais- biológicos ou não- e das faixas etárias elevadas nas ocasiões das adoções e das diferenças de raça, desconheço que desajustes são esses que o amor e a fé em DEUS não possam superar.
Sendo impossível a manutenção na família natural, a solução é a família substituta, e, nesse caso, a preferência tem de ser para a mais completa das 3(três) modalidades(ADOÇÂO).
Por fim, peço licença a vossa reverendíssima para divulgar este e-mail. É que o seu artigo pode está sendo utilizado (devida ou indevidamente) para contrariar o PL, como sendo a opinião da Igreja, e, como sobejamente sabido, sua posição tem o poder de influenciar muitas pessoas, sendo indispensável que os interessados no assunto saibam dos pontos de concordância que temos e de que, para mim, o único aspecto de divergência se deve mais à ausência de conhecimento sobre o problema do “conflito temporal de normas” que abordei a pouco.

Com os meus sinceros respeito e admiração, Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

CARTA AO PRESIDENTE DO CONANDA

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Prezado Fernando: estou de férias por 15 dias. Por isso, me desliguei por
completo de atividades profissionais. Em razão do prazo estabelecido pela
relatora do substitutivo aos diversos projetos de lei que tramitam no Congresso
Nacional sobre adoção(o ponto fulcral é o PL n°1.756/03, mas, pela órdem de
precedência regimental, o 1° dentre tantos é aquele simplório de n° 6.222/05)
para que fossem ofertadas sugestões para o seu texto final, também me desliguei
do tema, pois já havia entregue diretamente à relatora, Dep. Tetê Bezerra, uma
lista de ajustes indispensáveis.
Abrindo hoje o meu e-mail, me deparei, estupefato, com correspondência
encaminhada por Alexandre reis à qual estava “atachado” cópia de decisão do
CONANDA com o título: “Pelo Direito à Convivência Familiar e Comunitária”.
Explico as razões da minha estupefação!
Há 1 ano e vários meses, após manifestação contrária do Conselho ao PL
n°1.756/03, conversamos sobre o tema, quando falei que estranhava a decisão, à
luz de documentos em meu poder, nos quais facilmente se observa que um texto
preparado em organismo público de determinado estado do sul, com carater
meramente indicativo, foi transformado em deliberação assinada pelo então
ministro Nilmário Miranda.
Você afirmou desconhecer o fato, mas admitiu que o tema não fora debatido
devidamente no colegiado(para mim, o que houve foi instrumentalização para um
determinado e querido posicionamento), por não se ter dado espaço aos favoráveis
ao PL. Verbalmente combinamos que o debate aconteceria. Chegamos até a pensar
que eu faria a defesa do PL e o procurador paulista Paulo Afonso Garrido se
posicionaria em contrário. Aí sim o CONANDA estaria apto a tirar suas
conclusões.
Exatemente porque lhe conheço há vários anos, sabendo de sua seriedade e a do
organismo que você represente, e, através dele, chegou à presidência do CONANDA,
tenho certeza de que não houve qualquer má-vontade ou má-fé, mas O FATO É QUE O
DEBATE JAMAIS ACONTECEU.(acredito que os escândalos quase que diuturnos
ocorrentes em Brasília o ano passado devam ter influenciado negativamente).
A referência supra tem apenas a finalidade de deixar claro o seguinte: a) O
CONANDA não foi imparcial no 1° momento, quando decidiu olhando um só lado da
moeda;b) Pior ainda, tornou a se mostrar parcial sobre o mesmo tema, quando foi
alertado para a 1ª falha e tinha o compromisso de não deliberar sem ouvir os
dois lados em questão.
De toda sorte, permita-me o amigo que aponte algumas incongruêcias do aludido
documento:
I- É comezinho que a lei acompanha o fato social. No caso do PL 1.756/03, sua
razão básica foi a edição do novo código civil, também regulando, para pior, os
institutos da adoção e da perda do poder familiar. Este era (e é) o fato novo a
exigir o restabelecimento dos princípios da doutrina da proteção integral ( do
qual o ECA é apenas um dos repertórios legais, e não um “fetiche” como alguns
querem tranformá-lo). A regra interpretativa da prevalência da lei nova, mesmo
que pior, parecia óbvia. Entretanto, alguns juristas fetichistas passaram a
dizer que ao caso aplicava-se o chamado princípio da especialização (especial é
o instituto da adoção, regulado nos dois diplomas legais, e não há técnicamente
falando um “direito da criança”).
Foi preciso que a comissão especial levasse à Câmara um emérito professor de
teoria geral do direito da Universidade de Brasília, neutro, portanto, na
matéria de fundo, para que ficasse claro que a segunda tese não tinha
sustentação. Morta esta tese da especialidade, agora o CONANDA vem falar em
ajustes no ECA e no Código Civil. Ora, ou serão ajustes “meia boca” para manter
a estrutura de tais leis, ou, caso seja inserido tudo o que precisa, os
capítulos correspondentes ficaram enormes causando desajuste formal nas aludidas
legislações.
É o caso de se perguntar: por que se defende que é possível uma lei nacional da
execução das medidas sócio-educativas (filhote do ECA, portanto, que se debate
há quase 10 anos sem qualquer avanço legislativo) e não se acha possível uma lei
nacional da adoção? Penso que só a má vontade de alguns iluminados pode
justificar isto, pois é claro que se trata de 2 institutos cujas relevâncias
recomendam sejam tratados em leis específicas.
II- Também se quer condicionar à mudança legislativa a elaboração do “plano
nacional de promoção, defesa e garantia do direito de crianças e adolescentes à
convivência familiar e comunitária”. Parece que não se observa a contradição
contida no próprio texto, quando assume que há anos o tema vem sendo debatido.
Quantos anos mais vamos esperar? quantas gerações foram perdidas nos abrigos sem
possibilidade de conviver em uma família, mesmo que substituta? quantas mais
teremos que perder?
Se o plano, quando conclúido, vislumbrar necessidade de novas alterações
legislativas, elas serão propostas independetemente da norma a ser modificada se
encontrar na CF, CC, ECA, LNA, etc. É muito triste que se pretenda “congelar” a
situação das crianças até que este bendito plano seja editado.
III- Absolutamente sofismatica é a expressão “apelos de inspiração menorista que
resultariam em maior institucionalização e desfiliação arbitrária das crianças e
adolescentes nascidos em famílias pobres deste país”, contida no item 5 do
documento do CONANDA. De onde tiraram tal idéia? qual o dispositivo do PL
original ou do substitutivo que permite que os absurdos ali apontados possam ser
postos em prática? obviamente nenhum. Aquilo são meras palavras de ordem para
enganar incaltos. Não resiste à dialética do democrático debate de idéias.
Pessoalmente me sinto ofendido porque fui um dos primeiros magistrados
brasileiros a me rebelar contra as regras do revogado código de menores,
deixando de cumpri-las, lutando abertamente pela aprovação do ECA, com cujo
texto colaborei na redação.
IV – Embora reconheça que se trata de mero “fellings” de minha parte, registro
que a leitura que fiz no novo texto do CONANDA me reportou automaticamente a um
documento paulista (foco principal das resistências corporativistas ao PL
1.756/03), onde a quase totalidade dos órgãos signatários nunca dedicaram um
minuto sequer de suas existências à questão da perda do poder familiar ou da
colocação da família substituta, bem como a maioria nunca trabalhou com abrigos,
mas, com total desconhecimento de causa se acharam com direito a responder um
texto sobre o qual não estavam aptos a se pronunciar (tenho muitos amigos nessas
instituições, mas nenhuma preocupação em me postar como “politicamente correto”,
para não desagradá-los. Meu compromisso, como magistrado há 23 anos e meio, a
maioria deste tempo na área da infância e como pai adotivo de 3 filhos é com as
crianças e com a verdade).
V- Embora ainda veja grandes falhas no subsitutivo, tenho que houve um grande
avanço em relação à proposta original. Retirou-se do texto questões colaterais
(relevantes, reconheço, como os detalhes sobre abrigo), que podem ser tratadas
em outras normas, assim como preceitos polêmicos a respeito do “subsídio-adoção”
e do acompanhamento técnico do estágio de convivência por organismos
credenciados. Penso que o CONANDA poderia contribuir muito mais para crianças e
adolescentes sem família caso se incorporasse ao que estão apresentando
sugestões para aprimorar o substitutivo. Acredito que o Congresso Nacional vai
ouvir melhor os anseios da nação do que os reclamos de grupos micro-localizados
insatisfeitos que querem manter tudo como está. Quem pensar que apenas sendo
contra o substitutivo, sem apresentar nada melhor em seu lugar, se encontra no
caminho correto, corre o risco de perder o bonde da história.
Por isso tudo, apresento meu total repúdio ao documento recente do CONANDA,
especialmente pela forma pouco democrática utilizada para a sua edição.
Continuo à disposição para ir debater o assunto com quem você quiser, quando
quiser, onde quiser e na hora que quiser.
Como estou recebendo constantes telefonemas para me posicionar sobre a decisão
do CONANDA e sendo esta de natureza pública, informo-lhe que vou divulgar esta
missiva. Fico triste por ter de tornar público a nossa conversa particular
anterior. Se falta há nisso, é bem menor do que a falta do prometido debate que
nunca ocorreu.
Esperando que a veemência do texto não comprometa a sólida amizade que
construimos conjuntamente na defesa dos interesses das crianças e adolescentes,
firmo-me,
atenciosamente,

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

DIA NACIONAL DA ADOÇÃO. ALGO A COMEMORAR?

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O dia 25 de maio foi instituído como o Dia Nacional de Adoção pela lei federal nº 10.447/02. Alguns estados, como Santa Catarina e Pernambuco, também editaram leis considerando a data como estadual da adoção.

Neste ano de 2006, depois de longo período na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, finalmente foi lido o relatório e o substitutivo da relatora, deputada Tetê Bezerra, do PL 1756/03 e outros correlatos, o qual deverá ser votado na Comissão e depois em Plenário, para em seguida ser encaminhado ao Senado Federal.

O caminho a percorrer ainda é longo, mas o passo dado agora foi crucial. Com efeito, o competente relatório apresentado afasta de vez insinuações, meias verdades e aleivosias dos detratores do projeto de lei, demonstrando cabalmente a necessidade urgente de edição de uma norma específica sobre o assunto, em vista dos retrocessos legais trazidos com o Código Civil, pois, em conflito com algumas disposições do ECA, prevalece a 1ª norma (lei posterior revoga anterior, além de ser ela lei complementar, com reserva de campo de incidência). Banida a interpretação de que se aplicaria ao caso o chamado princípio da especialização, pois o que é especial é o instituto da adoção, volta à baila a necessidade de juntarmos as mãos para aperfeiçoar o substitutivo, deixando-se de lado a tática de guerrilha de apenas jogar pedras e não oferecer alternativa melhor à proposta.

De parabéns, portanto, todos os que militam na causa da adoção, que fizeram o estrondoso sucesso do XI Encontro Nacional dos Grupos de Adoção – ENAPA, realizado em Niterói/RJ, entre 18 e 19 de maio, pelo importante passo dado, pois ninguém quer tomar crianças de ninguém, mas apenas assegurar de forma ágil e segura o direito constitucional à convivência familiar de crianças que vivem nos abrigos sem tal possibilidade.

Se antes cabia parabenizar um homem, o deputado João Matos, autor do projeto, o momento agora é de enaltecer duas mulheres, as deputadas Maria do Rosário e Tetê Bezerra, presidente e relatora da Comissão Especial, pela coragem cívica de resistir às pressões de todos os lados, não se intimidando com “lobbies” formados por pessoas e instituições, construindo uma proposta viável e factível, que representa um grande avanço legislativo, fixando o resto do percurso em uma posição eqüidistante daquela desejada pelas duas correntes de opinião existentes, deixando prevalecer o interesse das crianças sobre o dos adultos.

Luis Carlos de Barros Figueiredo
Desembargador do TJ/PE, 7ª Câmara Cível, Privativa de Direito Público.

Uniformização de Procedimentos em matéria de Adoção

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O Conselho das Autoridades Centrais, criado através do Decreto Federal Nº 3.147/99, diante da necessidade de instalação das Autoridades Centrais previstas na Convenção de Haia, durante o VI Encontro das CEJAS e CEJAIS realizado na cidade de Cuiabá-MT, deliberou pela criação de uma Comissão Nacional, grupo de trabalho formado pelos Presidentes das Comissões de Adoções dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio de Janeiro, para enfrentar o desafio de formular uma proposta de uniformização de procedimentos, sonho de há muito acalentado por todos aqueles que militam na área da Adoção Internacional.

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ADOÇÃO:O DIREITO À VIDA EM FAMÍLIA

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo – Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife/PE, pós-graduado em Direito público e Privado pela faculdade de Direito do Recife – UFPE, Coordenador do grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária da Frente Parlamentar da Adoção

I- Brevíssimos antecedentes históricos:

Em suas origens mais remotas, nos primórdios da civilização humana, o instituto da adoção teve um caráter eminentemente privatista, com pouca ou nenhuma intervenção estatal, prevalecendo a autonomia de vontades das partes, resultando daí que sempre o que preponderava eram os interesses dos adultos, perdurando em tais moldes por séculos e séculos.
O Código Civil Brasileiro de 1916, notável obra do cearense Clóvis Beviláqua, fruto de sua época, por óbvio, preservava tal conceito secular. Paulatinamente, por influência doutrinária brasileira e alienígena, alterações de códigos civis de outros países e algumas tímidas jurisprudências, modificações de caráter publicista foram sendo a ele incorporadas, na maioria das vezes mera maquiagens sem direção para os aspectos fulcrais.
Esse movimento mundial de transmudação do Instituto da Adoção do campo do Direito Privado para o Direito Público, que ganhou força em vários países do continente europeu para controle das adoções internacionais irregulares, começa a adquirir seus contornos definitivos no Brasil com a promulgação da Carta Política de 1988, com a incorporação de dois aspectos básicos:
a) O princípio de prioridade absoluta para as crianças e adolescentes da Doutrina da Proteção Integral da Organização das Nações Unidas – ONU foi erigido, no art. 227, “caput”, CF, à condição de Princípio Constitucional, como já tive oportunidade de afirmar no livro da minha autoria, “Adoção para Homossexuais”.
b) O instituto da Adoção, quando direcionado para crianças e adolescentes, foi incluído expressamente como norma Constitucional (art.227, §5º e 6º, CF), e unificado, acabando-se com a odiosa discriminação entre as então chamada adoção simples e plena, distinguindo-se as adoções nacionais das Internacionais.

Na esteira da Nova Constituição, em 12 de julho de 1990, foi aprovada a Lei Federal nº8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) sendo que em seu bojo resta criado um “micro-sistema” jurídico específico para à adoção, tratando adequadamente das questões substantivas e adjetivas do instituto, de boa qualidade legislativa neste aspecto, quando muito carecendo de pequenos ajustes, nada que as orientações doutrinárias e jurisprudências e pontuais reformas legislativas não pudessem corrigir.
Por refugir aos objetivos deste trabalho, não aprofundo a análise desta questão, remetendo o leitor à consulta de outra obra de minha autoria, denominada de “Adoção Internacional: Doutrina e Prática”, sendo o objetivo do registro apenas consignar que a partir do ECA o instituto de adoção, para crianças e adolescentes, no Brasil assume contornos marcantes de Direito Público.
A grande produção doutrinária pós-Estatuto, por certo, foi o lastro da mudança de várias e várias orientações jurisprudenciais, assim como motivou a que muitos pais e filhos adotivos saíssem dos guetos onde viviam escondendo suas relações afetivas. Igualmente observou-se a proliferação de grupos de apoio e incentivo à adoção, com a participação de profissionais dos diversos campos dos saberes, dantes desinteressados e incentivadores da chamada “adoção à brasileira”, fenômeno que só existia em larga escala porque a lei estava completamente afastada do fato social (É verdade que hoje já está de tal maneira introjetado na cultura brasileira que ainda levaremos algum tempo para que as pessoas mais desinformadas passem a acreditar mais na Justiça e procurem os caminhos legais para a adoção, mas também é inquestionável que cada vez mais tais adoções à margem da lei estão diminuindo).
Reforçando mais ainda este quadro, através do Decreto legislativo nº01/99, promulgado pelo Decreto nº3.087/99, o Brasil ratificou a Convenção relativa à proteção das crianças e cooperação em matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29.05.93. Em 16/09/99, editou-se o Decreto Presidencial nº3.174/99, definindo as grandes questões a respeito da Adoção Internacional.
Naquele mesmo ano, começara a ser implantado em várias capitais brasileiras um sistema único de controle das adoções, denominado de Infoadote, dando mais confiança e credibilidade aos adotantes em potencial, , de sorte que, como em um conto de fadas, parecia que tudo caminhava para um “happy-end” e que todos estávamos condenados a ser felizes para sempre em matéria da adoção. Ledo engano!
Concebido em 1969 e desde 1975 no Congresso Nacional, “a passo de cágado”, tramitava um projeto de mudança completa e radical do Código Civil, que ninguém acreditava que um dia pudesse ser transformado em Lei.
Anterior à “Constituição – Cidadã” de 1988, não incorporava os grandes avanços sociais nela trazidos. Não assumia as modernidades tecnológicas, econômicas, genéticas, etc, ocorridas no mundo nestes quase trinta anos, para regular as relações jurídicas decorrentes.
Duvido que qualquer leitor possa mencionar um único país sério do mundo que, nos últimos 100 (cem) anos, tenha jogado seu Código Civil na lata de lixo para editar um novo Código completamente diferente, mais ainda quando o anterior era reconhecido universalmente como uma obra jurídica portentosa. O que sempre ocorreu, em qualquer pais civilizado, pela lei natural das coisas, é que as evoluções das relações humanas recomendam permanentes alterações legislativas para aperfeiçoamento. Era este o discurso inicial de todos os grandes civilistas convocados para a coordenação dos notáveis que estudavam a reformulação do Código Civil, infelizmente abandonado logo após, somente se explicando pela natural vaidade humana de ser o “Novo pai do Código Civil”, um Rui Barbosa ou mesmo um Clovis Beviláqua redivivo.
Mais ainda, o Senado Federal modificou completamente (na maioria das vezes para melhor, registre-se), pelo relator – Senador José Fogaça – a versão originalmente aprovada na Câmara dos Deputados, fato que, pelas regras constitucionais e regimentais que regem o processo legislativo, implicaria na necessidade de retorno à Câmara para reapreciação.
Nesta ocasião, é escolhido como relator o Deputado Federal pernambucano Ricardo Fiúza. Sejam correligionários ou adversários políticos, identificados ou antagônicos ideologicamente, é unânime o conceito de que se trata de um homem obstinado. Expoente do “centrão” na reforma constitucional, líder do governo e ministro da era Collor, a quem foi leal até o último minuto, quase afastado da vida pública, inclusive não concorrendo à reeleição logo após a queda do Presidente Fernando Collor, penso eu, o insigne deputado viu nesta relatória a possibilidade de mudar para sempre a sua imagem de parlamentar, passando a ser destacado como jurista, dedicando-se de corpo e alma a esta nova missão. Assessorado de grandes juristas, dentre os quais o professor Mário Delgado e o Desembargador pernambucano Jones de Figueirêdo Alves, criou e conseguiu aprovar em ambas as Casas um Decreto Legislativo dando uma nomenclatura de “Emenda de Aglutinação” ou similar, pela qual as mudanças constitucionais e infra-contitucionais posteriores estariam automaticamente incorporadas ao novo texto, encontrando neste artifício o remédio jurídico e político para fazer desencalhar a tramitação legislativa.
Quando menos se esperava, o projeto estava votado e aprovado, com pouco ou nenhum debate, e a nação vivendo a expectativa do período de “vacatio legis”, que se findou em 10 de janeiro de 2003.
Não acredito que na história mundial das aprovações de leis exista um caso similar, com tamanho paradoxo. Mais de 25 (vinte e cinco) anos de tramitação e desconhecimento completo daquilo que foi aprovado.
A festa das editoras de livros jurídicos estava completa. Todas as obras comentando o novo Código Civil esgotavam suas primeiras edições em questão de meses, nem sempre pela excelência jurídica dos comentários, e muito mais para servir de vela para iluminar um pouco os caminhos dos operadores do direito. A propósito, este baile já tem a próxima sessão prevista, na medida em que o próprio relator do Código Civil, em uma louvável atitude de reconhecer erros, ainda em setembro de 2002, apresentou o Projeto lei nº6.960/02, através do qual pretende mudar nada mais nada menos do que 208 (duzentos e oito) artigos do novo Código Civil, tornando, assim, obsoleta toda a doutrina hoje disponível. Até então, só os editores de livros didáticos no Brasil gozaram da privilegiatura de a cada ano letivo mudar questiúnculas nos livros para evitar que fossem eles reaproveitados.
Nem é este o objetivo do presente estudo, nem me sinto capacitado a analisar o impacto causado pelo novo Código Civil em outros institutos jurídicos, mas, no campo da adoção, sem qualquer exagero, e como se um gigantesco incêndio tivesse queimado metade da floresta Amazônica. Se o Projeto da Lei 6.960/02 vier a ser aprovado, a outra metade também estaria incendiada e o rio amazonas sem uma gota d’água.
É sobre essa nova realidade (convivência do ECA e o NCC) e a perspectiva da revogação dos artigos do ECA que tratam da adoção, prevista no aludido Projeto de Lei nº6.960/02 que este trabalho finca suas raízes, para propor uma nova e duradoura solução para o instituto.

II – Os micro-sistemas jurídicos:

Independentemente das críticas de conteúdo que serão tecidas oportunamente, e mesmo dentre os que com ela concordem, sempre haverá quem acredite que a solução seria corrigir os artigos do Código Civil que tratam da adoção, deixando-o como depositário de todas as normas do Direito de Família e da Adoção, como de resto de todo o Direito Civil.
Além das questões antes apontadas sobre a boa qualidade do “micro-sistema” de adoção contida no ECA, análise praticamente irrelevante com a vigência do novo Código Civil, e totalmente fora de propósito se o projeto de lei nº6.960/02, vier a ser aprovado na forma original, revogando os arts. 39 e 52 do ECA, quero crer que os defensores de tal unicidade em matéria civil labutam em equívoco, seja pela autonomia e caráter publicista que o instituto ganhou com o passar dos tempos, seja pela sua inserção no texto constitucional, seja em função dos Tratados e Convenções internacionais firmados pelo Brasil nesta matéria.
Sobre esses micro-sistemas jurídicos, veja-se o que diz Caio Mário da Silva Pereira, indubitavelmente o maior civilista brasileiro vivo: “O Código Civil exerce hoje um papel residual, diante de uma nova realidade legislativa, onde os ‘micro-sistemas’ e leis especiais constituem polos autônomos, dotados de princípios próprios, impondo inovadora técnica interpretativa”. “Diante do Novo Código Civil, caberá aos operadores do Direito e aos juristas do novo milênio o desafio de conciliar novos parâmetros, prevalecendo o bom senso, criatividade, e, algumas vezes, muita imaginação”.
No mesmo sentido, Marco Aurélio Sá Viana expressa: “Devemos entender a questão em termos corretos: a generalidade de princípios numa lei geral não criar incompatibilidade com regra de caráter especial; a disposição especial disciplina o caso especial, sem afrontar a norma genérica da lei geral, que, em harmonia, vigorarão silmutaneamente”. De sua parte, Tânia Pereira da Silva pontifica: “O Código Civil deixa de constituir-se o centro geométrico da ordem jurídica, passando ao primado da Constituição.”
Antunes Varela afirma: “Micro-sistemas são satélites autônomos que procuram regiões próprias na órbita incontrolada da ordem jurídica”… “e reivindicam áreas privativas e exclusivas de jurisdição e que tendem a reger-se por princípios diferentes dos que inspiram a restante legislação.”
Em magnífica palestra proferida no Tribunal de Justiça de Pernambuco, sob o título “Transformações no novo Código Civil” em 19 de maio/2003, o mestre Paulo Luiz Netto Lobo fez as seguintes afirmações: “Novo Código surge e, ao lado dele, alguns micro-sistemas permanecem. Como estabelecer a relação entre o novo código e esses micro-sistemas? E esses micro-sistemas alguns ressaltam da importância como o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente…” “Esses micro-sistemas têm uma característica diferenciada, normalmente absorvem vários ramos do Direito, ao contrário da tradição das grandes codificações que eram monotemáticas, o Código Civil tratava de relações civis, o Código penal tratava de relações estritamente atinentes a crimes e contravenções e assim por diante. O que nós temos nessas micro-codificações são reuniões interdisciplinares de vários ramos que regulam uma mesma matéria e, por isso, a sua impossibilidade de inserção nas grandes codificações do mundo. Vejam o exemplo do ECA…, lá nós encontramos Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Administrativo e não há como separar essas áreas, elas são naturalmente imbricadas e daí essa grande dificuldade”.
“Se nós formos buscar os três mecanismos tradicionais, que Noberto Bobbio se refere, por exemplo, de superação das antinomias, nós lá encontraremos, o critério da hierarquia da normas, o critério cronológico e o critério da especialidade. Nenhum dos três rigorosamente ou os três podem resolver o problemas dessa interlocução entre um código novo que surge com a grandeza de destinação que tem o Código Civil, que envolve cada um de nós no seu dia a dia e estas micro-codificações ou esses micro-sistemas, e, por isso, a necessidade, porque sempre haverá a necessidade de uma interpretação em que há uma entrada e saída permanente de uma norma sobre outra, e, por isso que essa interlocução dessas normas só poderá se fazer a contento com a mediação da Constituição. Antes, nós tínhamos, ao longo de mais de um século, muito mais do que isso, nós tínhamos o Código Civil como a centralidade das relações jurídico-civis, e hoje esse papel ele já não pode mais desempenhar. Por que? Porque a Constituição permanece como a referência primária necessária daquilo que é mais importante no trato das relações civis.”
“Mas certamente o Código vai sofrer muitas alegações de inconstitucionalidade aqui e ali como a doutrina já vem apontando em determinados preceitos. Esse processo de interferência recíproca a partir da primazia da Constituição tem sido chamado no Brasil de Constitucionalização do Direito Civil.”
Inquestionavelmente, no mundo jurídico moderno, a tendência é legislar-se pela via dos “micro-sistemas”, abandonando-se a visão codicista da era napoleônica.
O micro-sistema da adoção estava bem legislado como se demonstrará a seguir, o novo Código Civil ou nada alterou na norma passada (no dizer popular “choveu no molhado”), praticamente nada somou, mas muito subtraiu, impondo-se uma analise pontual de cada caso, cotejar-se o impacto à luz dos princípios gerais do direito e das regras da Lei de Introdução ao Código Civil, medidas que fatalmente conduzirão a que se proponha a criação de um novo micro-sistema da adoção.

III – A análise dos dispositivos do Novo Código Civil que tratam da matéria:

A primeira constatação de uma leitura acurada da norma nova é que ela, como antes afirmado, apenas repete ou nada soma ao que já existia no mundo jurídico, de sorte que totalmente dispicienda sua edição, senão vejamos:

a) O novo Código Civil manteve (art. 1596) a igualdade absoluta, entre filhos biológicos (casamento ou não) e os adotivos (mera repetição da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e Adolescente e Leis sobre Planejamento Familiar); b) manteve (art.1619) a diferença de idade entre o adotante e o adotado em 16 anos, perdendo a chance de expressamente disciplinar que se for adoção conjunta basta que a diferença ocorra em relação a um dos adotantes (mesma omissão do ECA); c) manteve (art.1620)a mesma injustiça do ECA ao permitir que o tutor ou curador que alcançou o patrimônio do adotando possa adotá-lo se saldar o alcance (É vantagem para o adotando?); d) manteve (art. 1621) a regra geral da concordância dos pais (preservando a adoção “Intuito Personae”), mantendo a absurda exigência do ECA obrigando a concordância do maior de 12 anos, que é absolutamente incapaz segundo regra do artigo 3º do próprio Código Civil; e) manteve (art.1622) o princípio de que a adoção pode ser feita em conjunto por marido/mulher, união estável, divorciados e separados, mantendo nas duas últimas hipóteses, as exigências de que a convivência tenha se iniciada antes do desenlace , ao meu ver descabida, pois nada obsta que relações afetivas se formem entre a criança e o ex-conjuge ou companheiro, recomendando regra menos rígida, que permita a análise de cada caso concreto; f) No art.1626 repete regras do ECA ao desligar do parentesco biológico e admitir a adoção unilateral; g) repete (art.1628) regras do ECA sobre os efeitos da adoção, inclusive adoção “post mortem”; h) repete (art.1629) a Constituição Federal de 1988 e as regras do ECA sobre adoção por estrangeiros, remetendo para Lei específica, omitindo-se a respeito da função da Convenção de Haia sobre Adoção Internacional (equivalente a uma lei ordinária, por força de sua ratificação), além de perder a oportunidade de promover uma melhor redação do artigo 31, ECA, para evitar interpretações tendenciosas em favor de adotantes estrangeiros; i) Em matéria de omissões, pode-se dizer, ainda, que: o novo Código Civil perdeu a oportunidade de tratar sobre alguns temas polêmicos e atuais, dentre os quais:

I- Adoção por Homossexuais; II- Incentivos à adoção para casos particularmente difíceis.

Sintetizando, não tenho dúvidas de que tais omissões decorrem da constatação evidente de que a norma nova não assimilou o princípio constitucional da prioridade absoluta para crianças e adolescentes.
Além das omissões aludidas anteriormente, o NCC não explicita se ainda vale a regra do ECA sobre se continua tramitando na Justiça da Infância e da Juventude as adoções para pessoas entre 18 e 21 anos, até porque em uma interpretação harmônica os preceitos do ECA continuam vigorando, já que não houve revogação expressa.
Sintetizando as inovações, dignas de registro, cabe apontar, as seguintes: a)O novo Código Civil (art.1627) inova perigosamente as regras do ECA sobre inclusão do sobrenome e mudança do prenome do adotado, ao permitir que a opção possa ser feita pelo adotado, na medida em que filho biológico não escolhe o seu prenome e a regra constitucional busca a igualdade absoluta da filiação; b) Reduz a idade mínima para adotar para 18 (dezoito) anos de idade (por força da redução da maioridade civil), mantendo a lógica do ECA de que se em conjunto basta que um dos adotantes tenha esta idade. Eventual imaturidade do adotante deve ser analisada à luz dos quatro conceitos básicos do ECA (ambiente familiar adequado, não revelar incompatibilidade com a natureza da medida, o pedido fundar-se em motivos legítimos e apresentar real vantagem para o adotando); c) O novo Código Civil inova ao exigir adoção judicial para os maiores de 18 anos (finalmente algo novo e meritório para controlar fraudes), embora o antes aludido projeto de lei nº6.960/02, do próprio relator do NCC, proponha abolir esta inovação, criando uma figura caricata de homologação pelo Ministério Público.
Lamentavelmente, a maioria dos problemas não se circunscrevem no âmbito dessas repetições e omissões antes apontadas e sim no muito que foi subtraído dos direitos da criança e do adolescente e que já estavam adequadamente legislado no Estatuto.
Inicialmente, como a maioria esmagadora dos casos de adoções legais são direcionadas para crianças cujos pais perderam o poder familiar por sentença irrecorrível, impõe-se breves comentários sobre este instituto que antecede à colocação em família substituta.
A primeira substração se materializa no fato do novo Código Civil, no art. 1.635, haver tratado, indevidamente, a perda como uma espécie do gênero extinção do poder familiar, contra uniforme orientação doutrinária e jurisprudencial que vê a perda como punição, sendo, portanto, gênero próprio. Além disso, não diz quem é legitimado para propor a perda do poder familiar, tendo alguns dos seus defensores argumentado que a omissão foi deliberada, por se tratar de matéria processual. Mas, estranhamente, trata dessa “matéria processual” quando legisla sobre a suspensão do poder familiar, restringindo a legitimação ao Ministério Público e parente, o que materializa enorme retrocesso frente ao ECA, que fala em “quem detenha legítimo interesse” (portanto, moral, econômico e jurídico).
Não bastasse isso. o novo Código Civil, repetindo o Código revogado, em seu art. 1.637, limita a suspensão do poder familiar ao descumprimento, por parte dos pais, dos seus deveres, materializando conflito com os artigos 22/24 e 155 e seguintes do ECA, cujas redações são mais abrangentes, pois a sua prioridade é proteger as crianças e adolescentes e não os adultos.
Ao meu ver, um dos maiores equívocos do novo Código Civil, pode ser encontrado no art. 1.638, IV, o qual, ao contrário do ECA (art.24), diz que o descumprimento dos deveres do poder familiar só é causa para sua perda em caso de reiteração, quando o Estatuto usa expressão bem mais apropriada: injustificadamente. Já se disse que um exemplo vale por mil palavras, e, por tal razão, proponho que o leitor deste artigo medite sobre a solução jurídica adequada se for aplicada uma ou outra expressão (reiterada ou injustificada) nos dois exemplos a seguir: a) Pai pobre que não alimenta seu filho nas três refeições diárias; b) pai que joga filho no párabrisa do carro uma única vez.
O resultado dessa fórmula simples de hermenêutica confirma a teratologia da nova redação.
Embora sem a mesma gravidade, também é digno de registro o conflito terminológico entre as expressões justificadoras para a concessão da adoção contidas no art.43 do ECA (“real vantagem para o adotando”), substituída no NCC (art.1.625), por “efetivo benefício”, pois é óbvio a maior amplitude da terminologia da Lei nº8.069/90.
Não precisa ser nenhum especialista em hermenêutica jurídica para se constatar que os conflitos de normas são reais e não apenas aparentes, obrigando aos aplicadores da lei a fazerem opções claras por ocasião de análise de cada caso concreto frente as regras da LICC (Lei posterior em colisão com lei anterior não revogada expressamente) e o princípio da hierarquia das lei (NCC = Lei Complementar X ECA = Lei Ordinária).
Neste sentido, enquanto juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Recife, que detêm competência exclusiva para processar os feitos de decretação de perda do poder familiar e de adoção e seus incidentes, segundo a lei Complementar Estadual nº31/99, tenho aplicado os seguintes posicionamentos:
a) Para o caso da omissão dos legitimados a propor a perda do poder familiar, entendo ser perfeitamente possível uma interpretação harmônica, como conseqüência aplicando-se as hipóteses do ECA (art.155), até porque o NCC foi omisso na matéria;
b) Para a redução das hipóteses de suspensão e uso da reiteração em lugar do injustificado abuso do poder familiar: controle difuso de constitucionalidade, com declaração incidente, negando aplicação à norma nova, por violar os princípios constitucionais de prioridade absoluta (art.227 CF); Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); Objetivo fundamental de erradicar a pobreza e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 2º, III e IV); Prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II); Igualdade de todos perante a lei (art. 5º); Convivência familiar e comunitária (art.226 CF).
c) Para o conflito terminológico entre as expressões: efetivo benefício x real vantagem, estou convencido que pode ele ser resolvido por via de interpretação harmônica, pois não houve revogação expressa do artigo do ECA que trata da matéria.

Dentre os mais graves problemas trazidos pelo novo Código Civil destaca-se a disposição que diz que a ADOÇÃO se materializa por meio de simples averbação (art. 10, II), em conflito com o ECA (art.47), que manda cancelar o registro velho e lavrar registro novo. É evidente o prejuízo causado à criança na medida em que matou o conceito de “nascer de novo”. Ofendendo a Constituição Federal que determina prioridade absoluta e igualdade de filiação. A propósito, no meu site (www.abmp.org.br/sites/luizcarlos) a pessoa que estiver interessada pode ter acesso a sentenças fazendo o controle difuso de constitucionalidade, tanto na hipótese supra, como no caso da substituição da expressão injustificado por reiterado.
Também me parece gravíssimo o fato do novo Código Civil, no art.1.624, além de usar terminologia pejorativa (“menor exposto”), criar para os órfãos a espera obrigatória de um ano para eventual interesse de algum parente, norma que venho chamando de forma debochada de “cláusula geladeira”, a qual, para mim, é inconstitucional, pois o direito à convivência familiar e comunitária não se condiciona a nenhum lapso temporal, recomendando declaração incidente de inconstitucionalidade.

Conclusão:

Parece inquestionável que o caos se instalou por completo no sistema de adoção. É algo muito maior do que querelas de correntes jurídicas doutrinariamente antagônicas.
As dúvidas e diferenças de interpretação que, a bem da verdade, já eram perceptíveis antes do novo Código Civil, com pessoas evitando pleitear adoção em determinadas comarcas, em razão de interpretações gramaticais e inflexíveis de alguns juízes e promotores, multiplicaram-se por mil.
O resultado observável neste menos de um ano de vigência do NCC pode ser resumindo em: a) ignorância solene de nova lei, aplicando-se apenas o ECA; b) aplicação exclusiva do Código; c) tentativas de interpretações harmônicas; d) indefinição da Justiça adequado para as adoções de adultos; e) dilatação dos prazos das ações de decretação da perda do poder familiar; f) ampliação da permanência das crianças e adolescentes nos abrigos, todos eles cada vez mais superlotados, etc; g) técnicos dos juizados sem saberem orientar o pessoal dos abrigos ou potenciais adotantes, o mesmo se verificando nos grupos de apoio à adoção.

É provável que exista um lado invisível tenebroso, materializando-se no incremento das adoções à margem da lei (adoção à brasileira), ou, pior ainda, de pessoas e casais desistindo dos seus projetos adotivos, fato que só vai ampliar o número das crianças e adolescentes institucionalizados.
Urge recriar o micro-sistema de adoção.

Não se trata de ofender ao ECA, como pensam alguns. Isto já foi feito pelo novo Código Civil, à luz dos conceitos jurídicos antes analisados sobre revogação de leis contidas da Lei de Introdução ao Código Civil e no Princípio da hierarquia das leis.

Muito ao contrário. A idéia é devolver as bases filosóficas que norteiam o Princípio da Prioridade absoluta das Organizações das Nações Unidas – ONU, que perpassa e dá sentido ao Estatuto, restabelecendo os seus conceitos fundamentais, sendo irrelevante que tal ocorra no corpo da lei velha ou se materialize em uma lei nova.

Sob tal prisma, a hora é de se produzir uma lei que efetivamente enquadre os multifacetados aspectos da adoção, restabelecendo o que já era contido no ECA, agregando-se os bons aspectos de diversos projetos de lei que já tramitam no Congresso Nacional e inovando em aspectos que ainda não haviam sido objeto de quaisquer propostas legislativas.

Neste sentido, por iniciativa do Deputado catarinense João Matos, foi instalado em abril de 2003 a Frente Parlamentar de Adoção, a qual em meados de agosto do mesmo ano já contava com 102 integrantes de todas os partidos políticos com assento no Congresso, já sendo a segunda maior frente de todas as existentes no legislativo federal.

Igualmente por sua ação, constituiu-se a Comissão Nacional de Apoio à Convivência familiar e comunitária, formada por juristas, psicólogos, assistentes sociais, integrantes de grupos de adoção, etc, com a função de assessorar a referida Frente Parlamentar, da qual tenho a honra de ser o coordenador, por escolha dos demais integrantes.

Com denodo, perseverança e, principalmente, com o somatório dos saberes multidisciplinares, consultando-se demais pessoas interessantes no tema, colocando-se o texto básico para sugestões na Internet, resultou na produção de um ante-projeto consistente, assumido integralmente pelo Deputado João Matos, que o apresentou à Câmara dos Deputados para apreciação nessa Casa e depois no Senado Federal. (PL nº1756/02)

O processo democrático de sua elaboração, a base parlamentar sólida resultante da prévia formação da frente antes aludida, são os pilares técnicos, jurídicos e político com as quais se espera seja possível a aprovação do Projeto de Lei, transformando-o na “Lei Nacional da Adoção”, na máxima brevidade possível, quem sabe até em prazo hábil de ser submetido à sanção presidencial em 25 de maio de 2004 (Dia Nacional da Adoção, segundo a Lei nº 10.447/02, por sinal, também criado por iniciativa do mesmo deputado João Matos).

Apenas para servir de contra-ponto com as críticas por mim antes apontadas às normas vigentes, apresenta-se uma síntese apertada das diversas conquistas que poderão ser obtidas com a aprovação do novo texto: I- Definição conceitual do que seja adoção , estranhamente não contemplada em nenhuma legislação anterior; II- Identificação de quem pode adotar e quem podem ser adotado; III- Regras materiais específicas para a adoção de crianças, adolescentes e adultos; IV- Obrigatoriedade de criação de um banco de dados nacional de adoção, alimentado pelos bancos de dados estaduais e pelos cadastros de cada comarca do país, com sanções para as autoridades que não tomarem iniciativas de sua responsabilidade para sua implantação; V- Fixação de regras procedimentais próprias para todas as modalidades de adoção e seus incidentes; VI- Regras próprias para as adoções internacionais, compatíveis com a Convenção de Haia sobre a matéria e com os avanços já alcançados neste aspecto, em especial na fixação das competências das Autoridades Centrais Estaduais e na Autoridade Central Administrativa Federal; VII- Complementação das regras recursais estabelecidas no ECA, de moldes a assegurar agilidade na tramitação dos processos nos Tribunais de Justiça; VIII- Aperfeiçoamento das regras das “licença-maternidade” e “auxílio-maternidade”; IX – Criação da “licença-paternidade” para pais adotivos solteiros; X- Criação de “subsídio-adoção”, em favor dos servidores públicos que adotarem crianças que se encontrar institucionalizadas; XI- Incentivos fiscais, mediante duplicação do valor dedutível do Imposto de Renda de Pessoa Física -IRPF, para pessoas que adotarem crianças e adolescentes institucionalizadas, em casos particularmente difíceis, como grupos de mais de 03 (três) irmãos, com deficiência física e/ou mental severa, assim como portadores de vírus HIV; XII- Em matéria de abrigamento, mesmo não sendo o seu campo próprio de incidência, mas em função da íntima relação que tem com a questão da adoção, o Projeto de lei trata da criação de guia obrigatória para inclusão de crianças e adolescentes em abrigos, com cópia ao Ministério Público, visando a competente fiscalização; limita a capacidade de abrigados em cada entidade; obriga a presença de equipes técnicas nos abrigos; legitima seus dirigentes para proporem ações para decretação da perda do poder familiar, etc; XIII- Pelas mesmas razões do item anterior, a legislação proposta também cuida de fixar regras e prazos para reiserção na família natural, inclusão nas residências de parentes próximos, ou, se necessário, ajuizamento de ação para perda do poder familiar.

Como se vê, todos os passos dados até agora foram com competência e profissionalismo. As próximas etapas do processo legislativo, com votações em comissões específicas e no plenário, até a sanção e promulgação, ainda representam um longo caminho a percorrer.

Para que se consiga criar esta nova legislação que realmente atenda aos anseios dos adotantes, profissionais que trabalham com adoção, e, principalmente, das milhares e milhares de crianças que anseiam um dia ter uma família com alguém para chamar de “pai” e/ou “mãe”, faz-se indispensável uma imensa mobilização popular com contactos diretos com parlamentares, expedição de “e-mails”, apresentação de abaixo-assinados, etc. Se isto for possível de mobilizar, em breve tempo o Brasil terá a mais moderna legislação sobre adoção do Mundo.

QUE CONSELHO É ESTE?

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO RECIFE-PE

Em 1987, quando juiz de menores abandonados e infratores de Olinda, propus a criação do “Conselho dos Direitos do Menor”, que se transformou, por lei municipal, no primeiro do País, muito antes da Constituição de 1998 e do ECA, de 1990, que obriga a sua implantação em todas as cidades. Para este primeiro embrião dos atuais conselhos ser aprovado, expressivos nomes de Olinda se empenharam, como Roberto Franca, Marcelo Santa Cruz, José Arnaldo, Jacilda Urquisa, Joseph Mac’Arthy (Jô), etc. Parabéns, Olinda, por ser pioneira em mais este grito de liberdade.

Em 11 de setembro de 2003 foi sancionada pela prefeita Luciana Santos a Lei Municipal nº 5.370, dispondo sobre os Conselhos Tutelares, a qual, pela data da sanção e conteúdos explosivos e antidemocráticos merece ser chamada de “Lei Ozama Abin Laden”. Pêsames, minha querida Olinda, por ver a 1ªCâmara do Brasil, onde já militaram e militam tantos nomes ilustres, aprovar tamanha teratologia jurídica.

A carga horária de prestação de serviços estapafúrdia estabelecida no art. 18 e o desconhecimento que desde 11 de janeiro os maiores de 18 anos são aptos para todos os atos da vida civil (inclusive se candidatar a conselheiros), são problemas menores se comparados com o ensandecido parágrafo único do art. 2º que determina “para acompanhar as atividades e decisões de cada conselho tutelar serão indicados pelo presidente do Poder Legislativo, sem qualquer remuneração, 2 (dois) vereadores”.

A Constituição estabelece duas modalidades de democracia: a) a tradicional, ou representativa, onde o povo é representado pelos vereadores, deputados, etc; b) A direita, ou participativa, onde o exercício de democracia é feito diretamente pelo povo. Os CT’s, previstos no ECA, materializam uma das formas de democracia direta, como regulamentação dos arts. 1º, parágrafo único e 204, II da CF. É certo que a lei municipal que cria tais conselhos não tem o campo de incidência limitado às hipóteses contidas no ECA, cuja listagem é exemplificatica. Pode ela legislar sobre outras matérias de cunho local. Não pode, entretanto, ofender o conceito constitucional como esta lei 5.370 está ofendendo.

Li atentamente os debates ocorridos no Legislativo olindense, assim como expedientes do Cendhec à prefeita e ao presidente da Câmara, e a resposta do procurador jurídico Municipal. Salta aos olhos que não se pode falar em democracia direta sob a “supervisão” siamesa de um órgão próprio da democracia representativa. A primeira leitura é a da intervenção estatal, ou seja, democracia direta no antigo modelo albanês. A 2ªleitura, feita pelo procurador Isael da Nóbrega, é de que os vereadores serão “meros observadores”. Se for assim, de total inutilidade, sendo mais apropriado que os senhores edis dediquem seus respectivos tempos às tarefas típicas de sua função. Será que como o rei Pelé disse uma vez também acreditam que o povo não sabe votar? Será que os cidadãos eleitos conselheiros pelo povo precisam dessas “babás”, como criancinhas que estão aprendendo a andar? Será que terão tempo para estar presentes 24 horas por dia para acompanhar todas os casos afetos ao Conselho, participar de reuniões colegiadas etc? Será que resistirão à tentação de querer interferir nos encaminhamentos dados pelos conselheiros ou equipe técnica de apoio? Será que, quando a Prefeitura faltar com seus deveres de disponibilizar os meios para atuação do conselho, em breve nós não teremos veículos, motorista, material de expediente, etc pagos pelo parlamentar, junto com uma vistosa placa de “apoio do vereador fulano”, como já acontece nas ambulâncias?

A Câmara pode fiscalizar a si mesmo, à Prefeitura, obras públicas etc, inclusive os diversos conselhos locais, mas para isso não precisa colocar um vereador em cada quarteirão. É falacioso o argumento de que a Câmara tem representantes nos Conselhos Municipais de Educação, Saúde, Transportes, da Funeso, de Direitos da Criança etc. Estão confundindo laranja com banana. A natureza dos Conselhos Tutelares é completamente diferente desses outros conselhos que são consultivos ou deliberativos.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente, capitaneando diversas ong’s que atuam na área da Infância, representou ao procurador geral de Justiça solicitando providências sobre tal estultícia. Antes que prefeitos ou vereadores com vocação centralista resolvam imitar tão infeliz exemplo; antes que o Ministério Público ajuíze e seja reconhecida a inconstitucionalidade do referido dispositivo, por ferir aos arts. 1º, II, e parágrafo único e 204, II, CF, como amante de Olinda, cidade que escolhi para viver desde 1976 e seu ex-juiz de 1986/89, espero um gesto de grandeza da prefeita e dos vereadores corrigindo tal absurdo jurídico e político, revogando o parágrafo único do art. 2º da Lei 5.370, se possível aproveitando o ensejo para corrigir outras imperfeições na legislação.