A QUESTÃO DA PARIDADE NA COMPOSIÇÃO DOS CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Prof. Dr. Luis de la Mora
Conselho Municipal da Criança e do Adolescente do Recife.

Dr. Luiz Carlos Figueiredo
Juiz da 2a. Vara da Infância e da Juventude do Recife.

INTRODUÇÃO

Desde os tempos quando juristas, educadores, técnicos, gestores de políticas públicas e membros dos movimentos desenvolvidos no interior dos órgãos públicos e das organizações populares realizávamos discussões e debates visando a formulação dos princípios fundamentais das mudanças no panorama legal e a criação dos mecanismos do reordenamento institucional necessário para melhorar os padrões de atendimento às crianças e aos adolescentes, que se materializavam nos dispositivos da Constituição Federal, das Constituições Estaduais, das Leis Orgânicas Municipais, e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, além das legislações estaduais e municipais ordinárias para criação dos Conselhos de Direitos, dos Fundos e Conselhos Tutelares, que prevíamos ter de enfrentar resistências por parte de alguns setores contrários aos princípios que orientavam nossa ação: a descentralização político-administrativa, a articulação interinstitucional e a participação popular na formação e no controle das políticas, além da redefinição dos papeis do Poder Judiciário, do Ministério Público e das entidades governamentais e não governamentais promotoras e defensoras dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Sabíamos que “o dia seguinte”, à aprovação do Estatuto iria ser longo e difícil. Com efeito, os adversários têm sido persistentes e competentes na utilização dos meios de comunicação de massa, o que somado ao fato da omissão por parte de uma grande parcela da sociedade e da crise fiscal e gerêncial das políticas públicas, tem conseguido ampliar, no meio da maioria silenciosa da população, a idéia de que o modelo proposto pelo Estatuto não se aplicaria nas condições do nosso estágio de desenvolvimento econômico, social, cultural e institucional, e que a opção pelos seus princípios e mecanismos propostos deveria ser revisada.

Os defensores do novo modelo, inspirados nos fundamentos da Convenção das Nações Unidas, e na visão critica do funcionamento das nossas instituições, congregados numa frente , fomos gradativamente “desconstruindo” o ordenamento jurídico e institucional anterior para irmos colocar tijolo por tijolo, passo à passo, os alicerces legais e as estruturas organizacionais do novo modelo.

No do meio caminho, quando o reordenamento institucional ainda não foi concluído, uma vez que uma grande parcela dos Conselhos Estaduais de Defesa de Direitos não vem conseguindo formular as políticas, nem criar o Fundo da Criança, nem muito menos tem conseguido articular as ações dos órgãos públicos e das entidades não governamentais, ou porque os Conselhos de Direitos e Tutelares ainda não foram criados em todos os municípios, e ainda porque os que realmente estão dando passos efetivos e eficazes podem ser contados com os dedos da mão em cada Estado, porque os Fundos Municipais que estão captando e distribuindo recursos são ainda casos excepcionais dignos de ser colocados como exemplos nos eventos regionais e nacionais. Neste momento, a unidade do movimento é ameaçada, não mais pêlos opositores do estatuto, mas, pôr um grupo, que, inspirado na mais pura das intenções de fortalecer a ação dos conselhos, propõe mudanças na sua composição, alegando a “inconstitucionalidade” da participação de alguns representantes, que, no seu entender não deveriam constituir os conselhos.

Eles partem do princípio de que os Conselhos são frágeis e inoperantes porque estão incorreta e mesmo ilegalmente constituídos, e que, consequentemente, seu fortalecimento e dinamização deve começar pela sua recomposição, restabelecendo a sua paridade, comprometida, segundo esta corrente, pela presença entre as entidades governamentais, de representantes de outros locais: Legislativo, Judiciário e Ministério Público, ou de outras esferas de governo: órgãos federais ou estaduais nos Conselhos Municipais. Defendem assim, que a representação governamental nos Conselhos Estaduais e Municipais devera ficar restrita exclusivamente aos representantes do Poder Executivo do respectivo nível de governo.

Por discordar dos fundamentos jurídicos desta doutrina, e da oportunidade política da estratégia de dinamização dos Conselhos de Direitos à partir da sua recomposição, dispusemo-nos a escrever estas linhas, como contribuição ao debate, tentando, com isto, contribuir para a convergência nos princípios e na pluralidade das formas de exercitá-los.

Começaremos por questionar a oportunidade política desta iniciativa, para em seguida, baseados na avaliação da eficácia, tanto dos Conselhos “regularmente” constituídos, quanto naquela dos “ilegais”, criticarmos a estratégia proposta de “recompor” para dinamizar. Passaremos a defender, partindo da nossa experiência concreta, enquanto conselheiros estaduais e municipais, a participação de outros níveis de governo, e Poderes do Estado nos Conselhos, por considerarmos que, longe de por em risco sua identidade ou comprometer sua autonomia, conferem ao Conselho uma maior legitimidade por representar as instâncias que direta ou indiretamente influenciam na qualidade das ações locais, além de facilitar a articulação entre níveis de governo, preconizada no art. 86 do Estatuto. Continuaremos nossa argumentação, defendendo a autonomia das unidades federadas, estados e municípios, de criar as modalidades organizacionais mais adequadas à cultura política e às peculiaridades locais, para finalmente desenvolvermos uma série de considerações, baseadas na interpretação jurídica dos dispositivos constitucionais e legais, para afirmar a “constitucionalidade” da participação de outras instâncias de Poder nos Conselhos de Direitos.

A OPORTUNIDADE POLÍTICA DA ESTRATÉGIA PROPOSTA.

Independentemente da solidez da argumentação jurídica defendida por aqueles que propõem a exclusão dos representantes de outras instâncias do Poder Público nos Conselhos de Direitos, e mesmo que venhamos a reconhecer sua pertinência, e nos empenhemos na restruturação dos Conselhos “mal constituídos” ou “ilegais” não podemos que concordar que esta seja a estratégia mais adequada para iniciar o processo de dinamização, mas sim sua conclusão.

Com efeito, desde que iniciávamos nossa participação neste movimento, aprendemos com Antônio Carlos Gomes da Costa, na época Oficial de Projetos do UNICEF, que o processo de mudança das leis ou das instituições era o resultado conjugado de diversas qualidades da nossa ação: 1) Vontade Política, isto é, determinação de engajar-se ou pelo menos de aceitar que o processo aconteça; 2) Competência Técnica para orientar corretamente nossa ação, resultante da determinação de agir, e 3) Habilidade Política, para identificar nossos aliados, neutralizar os adversários, escolher o campo de ação e o momento mais favorável, para empreender a ação determinada e competente.

Agindo assim, os mecanismos legais, os recursos institucionais e financeiros terminarão por serem criados. À partir da nossa experiência, já como assessores dos movimentos populares, já como gestores das políticas públicas, temos podido verificar, com grande satisfação, a sabedoria desta estratégia. A determinação, a competência e a habilidade com que tem sido desenvolvido as ações, tem sido as pré-condições necessárias e imprescindíveis à criação de leis, à instalação de mecanismos e instituições: Conselhos, órgãos, programas, etc.., e mesmo para encontrar os recursos financeiros necessários à sua implementação e funcionamento.

Esta é a estratégia que aprendemos e temos seguido com maior fidelidade possível em todas as iniciativas que temos empreendido desde a instalação do primeiro “Conselho do Menor”, em 1987, em Olinda, e do Fórum Estadual da Criança e do Adolescente, em janeiro de 1988 no Recife, que vieram a constituir-se em verdadeiras antecipações das mudanças legais e institucionais introduzidas no nosso ordenamento jurídico, à partir da Constituição de outubro de 1988, e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

A determinação competente e hábil dos autores é quem cria ou modifica as leis, instala ou dinamiza os Conselhos, não o contrário. A dinâmica social cria e modifica as suas instituições. Ë o fluxo social que provoca a criação ou modificação do canal institucional, e não o contrário. A dinamização do Conselho, via capacitação e/ou estímulos à atuação decisiva dos seus participantes é quem levará, se assim se julgar necessário e pertinente, à sua re-estruturação. Jamais a re-estruturação pura e simples constituirá a estratégia eficiente e suficiente para dinamizar um Conselho. Não é existência da ponte que faz nascer a vontade de atravessar o rio, ao contrário, é a vontade de atravessar o rio que nos faz imaginar a forma de atravessa-lo mais convenientemente e acessível aos nossos meios. Podemos ir nadando, ou numa jangada, ou melhor ainda, podemos construir uma ponte pênsil de cordas, ou se assim for preciso, e dispomos dos recursos necessários, podemos mesmo construir uma ponte de concreto armado.

Os canais institucionais, os meios, os recursos são, evidentemente, necessários, porém não são imprescindíveis. Lembremos que, podemos, em última instância, atravessar o rio nadando. Neste caso, poderemos atravessa-lo cada vez por um lugar diferente, segundo nossas conveniências. Já a ponte oferece maior conforto e segurança, mas obriga-nos à cruzar o rio sempre pelo mesmo lugar. Cada uma das alternativas pode ser válida. Tudo é relativo, dependendo do que se pretenda privilegiar; a flexibilidade ou a institucionalização. Os que conhecem a história do Fórum Estadual da Criança e do Adolescente de Pernambuco, de onde surgiu toda a mobilização dirigida à sensibilização e capacitação de policiais civis e militares, a mobilização em prol da inclusão dos princípios defendidos pelo Estatuto nas Leis Orgânicas dos municípios, então promovida de forma centralizada pela FEBEM (a atual FUNDAC), as campanhas de combate à violência, a articulação da políticas estaduais e municipais sociais básicas a criação e a instalação do Conselho dos Diretos do Recife, e de inúmeros conselhos do interior do Estado, da articulação da política e das ações do Poder Judiciário e do Ministério Público e de outras muitas iniciativas que contribuíram, sem dúvida alguma, para as mudanças no panorama legal, o reordenamento institucional e melhoria do atendimento no Estado de Pernambuco, além da assessoria prestada à outros estados do Norte e Nordeste do Brasil, através da ação direta de alguns dos membros do Fórum. Os que conhecem a constituição desse Fórum, que com altos e baixos no ritmo de sua atividade, e nível de participação dos representantes das entidades-membro, sabem que existe de fato desde janeiro de 1988. Sabem também, que promoveu a articulação de ações eficientes, e, no entanto, nunca teve legalizada a sua existência, nem suas atividades foram regulamentadas. Jamais considerou-se necessária, nem oportuna sua regularização jurídica, não possui regimento interno, ele funciona e tem dado excelentes frutos, mesmo desprovido de mecanismos legais. No entanto, a equipe de coordenação era recebida e seus encaminhamentos eram atendidos pelo governador do Estado, com muito maior facilidade do que os pedidos de audiência e os encaminhamentos propostos pelo presidente da FEBEM agindo isoladamente. Explicamos sua força pela sua legitimidade e pela determinação e competência dos seus componentes, mesmo que, desprovida de qualquer forma de “legalidade”. Não queremos dizer com isto que deve-se cultivar o espontaneismo e a anarquia do ordenamento institucional, queremos apenas ilustrar, como um exemplo claro, que os mecanismos legais, mesmo sendo importantes subsídios à ação, não passam do nível de subsídio, sem converter-se em pré-condições imprescindíveis.

Desta argumentação decorre nossa estratégia: se por acaso chegarmos a considerar inadequada ou ilegal a composição de algum Conselho de Direitos, a estratégia recomendada pela nossa experiência é a de estimular a vontade política dos outros conselheiros, fornecer-lhes suficientes subsídios técnicos, estimular o exercício da habilidade política, para que, como decorrência desses pressupostos básicos, possam empreender a restruturação do Conselho. Tomar a palavra numa assembléia de representantes de vários municípios do estado e anunciar em alto e bom tom que a maioria desses Conselhos tem composição “anticonstitucional”, ou ainda, o CONANDA encaminhar oficio à todos os Conselhos Estaduais com conteúdo similar, é, na nossa opinião, prestar um desserviço à causa da dinamização dos Conselhos. O resultado dessas iniciativas inoportunas não tardou em manifestar-se: a retirada formal ou informal de alguns elementos, muitas vezes os elementos mais dinamizadores da ação do seu Conselho, criando um vazio ainda maior do que existia pela inanição da maioria dos seus membros. A estratégia defendida por nos, neste caso, é a de primeiro fortalecer os membros mais frágeis do Conselho, via capacitação e estímulo à sua determinação de participar, para num segundo momento, proceder-mos à substituição dos elementos cuja participação não seja considerada pertinente ou constitucional. Proceder de forma diferente acarretará, como de fato já está provocando, um enorme vazio em numerosos conselhos, pela retirada de alguns de seus elementos dinamizadores mais ativos. Lembremos a terceira das pré-condições descritas acima: Não é suficiente a determinação, nem mesmo a competência fundamentada em sólidos saberes jurídicos e técnicos, a habilidade política é outra qualidade que os artífices do Estatuto devemos cultivar. E habilidade política se traduz, neste caso, pela escolha do momento oportuno de levantar certos questionamentos, e proceder estrategicamente à promover certas modificações

FRAGILIDADE DOS CONSELHOS:
ILEGALIDADE OU LEGALIDADE?

A argumentação sobre a escolha do momento oportuno para processar modificações na composição dos conselhos desenvolvida no item anterior partia do pressuposto de que fossem realmente necessárias estas modificações. Nos não compartilhamos esta idéia, porque a avaliação do desempenho de grande número de conselhos cuja trajetória temos acompanhado nos mostra que sua fragilidade não decorre da suposta “ilegalidade” da sua composição, mas da sua ilegitimidade

Os que defendem a idéia de que os conselhos são frágeis e inoperantes porque estão “ilegalmente” constituídos, na nossa opinião estão presos dentro de uma visão ontológico-normativa. Afirmam que a realidade deve conformar-se às nossas idéias, que a realidade deve ser como a norma estabelece. “Se não há adequação entre a realidade e a norma”, dizem: “mude-se a realidade, porque a norma não deve mudar!”.

É curioso observar que as variáveis: composição ‘legal” composição “ilegal” não tem correlação significativa com a variável “consolidação e dinamismo do conselho”. Encontramos Conselhos atuantes tanto entre os constituídos “legalmente”, quanto em aqueles constituídos “ilegalmente”. A lógica hipotético-dedutiva nos leva assim a concluir que não é o fato de estar constituído “ilegalmente” de onde decorre a ineficiência dos Conselhos de Direitos. Se assim fosse, o Conselho de Direitos de Recife, instalado em 1993, e que conta entre seus membros governamentais: representantes da Câmara Municipal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, além dos cinco representantes da Prefeitura, totalizando oito membros governamentais, que com os oito membros eleitos pelas entidades não governamentais totalizam os dezesseis membros do Conselho, que não teria conseguido realizar toda uma série de atividades que passamos a listar como ilustração da sua eficácia: Elaborar seu regimento interno, amplamente discutido com entidades governamentais e não governamentais que atuam no município, elaborar a Lei de criação do Fundo, encaminha-la ao Prefeito acompanhada da reformulação da duração do mandato dos representantes da Prefeitura, para torna-lo coincidente com o mandato do Prefeito, realizar uma pesquisa sobre a situação da criança no município, e um levantamento e caraterização de 450 entidades não governamentais e órgãos públicos promotores da Políticas Sociais Básicas, Assistência e de atendimento especial, um seminário de quatro dias, no qual 390 participantes discutiram, por Região político-administrativa em que está dividida a cidade, auxiliados pela pesquisa e pela caraterização dos programas existentes em cada bairro, a situação das crianças e dos adolescentes, para formular propostas e aprovar diretrizes, que vierem a constituir a essência do Plano Municipal de Promoção e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujas diretrizes serviram de critérios para apreciar as propostas orçamentais da Secretarias municipais e a definição dos recursos públicos que deveriam compor as rubricas do Fundo da Criança no orçamento municipal, além de deslanchar um processo de informação e mobilização das entidades comunitárias visando a criação dos seis Conselhos Tutelares que serão instalados no primeiro quadrimestre de 1995, cujo anteprojeto de lei já foi apresentado ao Prefeito para encaminhamento legal à Câmara Municipal. O dinamismo e o entusiasmo dos Conselheiros do Recife tem sido tais que sua influência extrapola os limites municipais .os conselheiros de outros estados e municípios tem solicitado participar de alguns dos eventos relacionados acima, assim como membros do Conselho do Recife tem sido frequentemente convidados por outros Conselhos do Estado para prestar assessoria nos seus encontros de capacitação, avaliação e programação dos seus planos de ação.

Conhecemos outros Conselhos de cidades menores que mesmo estando também “ilegalmente” constituídos, vem demostrando dinamismo e resultados concretos, decorrentes, ai sim, de sua legitimidade.

Estamos convencidos a partir do conhecimento da composição e do desempenho de entorno de 50 Conselhos de Direitos, que não é a composição “ilegal” a causa das suas dificuldades, e sim a falta de legitimidade. Consideramos ilegítimo um Conselho que não está constituído por representantes das entidades e órgãos que tem maior influência na formulação e execução das Políticas de Promoção e de Defesa dos Direitos das Crianças. Ilegítimo é, para nos, o Conselho que não é conhecido e/ou reconhecido e respeitado pêlos Poderes Locais, sejam eles formais ou informais. Um Conselho ilegítimo não consegue apoio do Prefeito, nem do Juiz, nem do Promotor, do Delegado ou dos comerciantes, da associação dos feirantes ou do sindicato dos trabalhadores rurais. Um Conselho ilegítimo decide por um lado, e nada acontece, a cidade e a sociedade vão por outro lado.

É verdade que o conhecimento e respeito pelo Conselho não passa única e exclusivamente pelo fato de fazer parte dele. Uma entidade ou órgão pode perfeitamente conhecer e reconhecer a importância do Conselho, mesmo estando fora dele. Mas se não existem impedimentos legais à sua participação, como fundamentaremos mais adiante, não vemos porque desperdiçar a forma mais perfeita de conhecimento, reconhecimento e construção de corresponsabilidades que consiste na participação pleno no Conselho.

Para nos, Conselho legitimamente constituído é aquele que incorpora as forças mais importantes da cidade. Se a realidade local aponta para uma realidade onde a Câmara Municipal dispõe de um poder tão importante quanto o do próprio Prefeito, não julgamos inadequada uma constituição tripartite do Conselho, onde o número dos representantes da Câmara seja igual ao número de representantes do Executivo, como tem sido a constituição de alguns Conselhos em outros estados e municípios da federação. Ou ainda, se o movimento em prol da elaboração do Estatuto no Estado de Pernambuco foi iniciado do lado governamental por iniciativa do Movimento Nacional de Meninos e meninas de Rua, e do lado governamental, à partir de um encontro, promovido pela coordenação do Fórum da Criança, conjuntamente com o Tribunal de Justiça e o Instituto do Ministério Público, escassos vinte dias após a promulgação da Constituição de 1988, e se os grupos de trabalho que se criaram para elaborar emendas à Constituição do Estado e as propostas do Estatuto foram constituídos por militantes do MNMMR, por promotores, juizes, educadores e técnicos, nada mais natural que a Constituição do Estado de Pernambuco inclui-se no artigo que formula a política estadual de promoção dos direitos da criança e do adolescente a participação de representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, que no momento representavam, como ainda representam, pela ação de alguns dos seus membros mais notórios, um forte baluarte na implantação do Estatuto no âmbito estadual. Na Constituição do Estado não foi incluído entre os Conselheiros o representante do Poder Legislativo, a exemplo do que fez uma ano depois a legislação municipal, pela simples razão que neste último caso, o movimento em prol da criação do Conselho Municipal recebeu forte apoio de alguns vereadores, tornando-se esse Poder, no caso do Conselho Municipal, um forte aliado. A composição do nosso Conselho Estadual é diferente da concepção histórica da sociedade nos leva a respeitar as diferenças locais.

O capítulo da Criança e do Adolescente da nossa Constituição Estadual, a exemplo da Constituição Federal, foi a transcrição da emenda popular apresentada pelo Fórum, elaborada à partir do que se considerou o retrato mais fiel da nossa realidade socio-político-institucional. A nossa legalidade se fundamenta na nossa realidade. Nossos Conselhos são legais porque são constitucionais, e são constitucionais porque expressam a transição legal de uma realidade local. Se outros estados e outros municípios tem outras realidades, acreditamos que os seus ordenamentos institucionais devam ser também diferentes. Nos não consideramos equivocado aquilo que é diferente. Consideramos equivocado aquele ordenamento legal que não expressa verdadeira e fielmente a dinâmica da sociedade.

Neste sentido, acreditamos que o Estatuto, ao limitar-se à definir apenas que os Conselhos de Direitos seriam constituídos paritáriamente por representantes de entidades governamentais e não governamentais, e não quis detalhar formas especificas nem critérios universais de composição, foi porque os grupos de discussão que participaram da sua elaboração, com os quais nos, deste nosso Estado, estávamos articulados, não quiseram impor um modelo padronizado que viesse a asfixiar a criatividade e as peculiaridades locais. O Estatuto é muito meticuloso e detalhado em outras matérias, no entanto, deixa em aberto, no artigo nº 88, a forma de conceituar e de materializar sua composição governamental.

Querer impor um modelo único, padronizado, querer impedir que cada estado e cada município identifique as entidades governamentais que mais diretamente afetam a vida de suas crianças é querer ir além do que o próprio Estatuto define. É querer mudar a realidade para conforma-la às nossas idéias preconcebidas.

A PARTICIPAÇÃO DE PODERES E NÍVEIS DE GOVERNO
DIFERENTES ENRIQUECE A AÇÃO DOS CONSELHOS

A nossa experiência no exercício da função de Conselheiro de 1983 à 1986 (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano), membro do Fórum do PREZEIS (assentamentos populares do Recife), de 1989 à 1991 e mais recentemente no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, à partir de 1993, tem-nos mostrado que a participação de outras instâncias tem contribuído substancialmente na qualidade das deliberações e na rapidez dos encaminhamentos dos Conselhos.

Tomando como por exemplo o caso mais recente e mais pertinente à nossa argumentação: o caso do Conselho Municipal do Recife. A contribuição do representante do Juizado da Infância e da Juventude foi muito importante para a definição das modalidades do processo de criação e instalação dos Conselhos Tutelares, porque ele era portador do conhecimento vivenciado no dia-à-dia do Juizado, notadamente no exercício provisório das funções do Conselho Tutelar. Nenhum outro dos conselheiros conhecia tão bem quanto ele as exigências, a intensidade e o volume do trabalho, em fim todas as peculiaridades do serviço. O mesmo pode-se dizer da montagem do serviço de Liberdade Assistida Comunitária, supervisionada pelo Juizado e executada pelas entidades vinculadas ao Conselho.

No caso do processo de elaboração da Lei do Fundo, o Promotor, representante do Ministério Público no Conselho, colocou toda sua experiência de administrador do Fundo da Procuradoria Geral do Estado, para ajudar-nos a definir o modelo de gestão e os procedimentos administrativos, revestidos de uma formalidade legal suficiente para tramitar rapidamente, em forma de Projeto de Lei na Câmara Municipal.

Nessa instância, o papel do Vereador-Conselheiro foi de fundamental importância: sua participação na elaboração das minutas dos anteprojetos de Lei que enviamos ao Prefeito para encaminhamento à Câmara Municipal foi determinante da sua qualidade, bem como tem servido de canal de comunicação permanente entre o Conselho e a Câmara para acompanhamento dos Projetos de Lei de nosso interesse, informando todos os passos percorridos e alertando para as fases criticas, de maneira a podermos organizar uma ação de pressão junto aos outros vereadores, por ocasião da Lei do Fundo, Orçamento Municipal, Lei de criação dos Conselhos Tutelares, etc.

Nos longos anos que temos vivenciado o exercício da função de conselheiro, ou assessor à criação e funcionamento dos conselhos (1990-1994) não temos encontrado nenhuma evidência de conflito ou de dificuldades pelo fato dos mesmos estarem constituídos “irregularmente”. Em momento algum detectamos ingerência de Poderes ou perda da autonomia de qualquer um deles.

Parece-nos, pois, que a preocupação do CONANDA e de outros companheiros não passa de uma manifestação excessiva de zelo pela formalidade jurídica, esquecendo que a norma nasce da sociedade, e serve para alicerçar sua vontade, e jamais para asfixia-la. Desde nossa perspectiva epistemológica defendemos que se a prática está dando certo, e se a lei não acompanha, é a lei que deve ser mudada, e não a realidade. Inverter os termos do raciocino constitui, a nosso ver, a primazia da forma sobre o conteúdo. Da lei sobre o espirito da Lei.

O NOSSO MUNICÍPIO ADOTOU A GESTÃO DEMOCRÁTICA,
VIA CONSELHOS PARITÁRIOS, DELIBERADORES E CONTROLADORES,
EM TODAS AS POLÍTICAS MUNICIPAIS E EM TODOS OS CONSELHOS
SETORIAIS PARTICIPAM REPRESENTANTES DOS OUTROS PODERES
E NÍVEIS DE GOVERNO.

Desde que foi constituído o primeiro Conselho Municipal na Prefeitura da Cidade do Recife, o Conselho de Educação em 1971, conta entre seus membros com representantes do Conselho Estadual de Educação, da Câmara Municipal, e na reformulação que preparamos recentemente está prevista a participação de um representante da Universidades que mantém cursos de Pedagogia, localizados no município. Como duas delas são universidades federais, é possível que essa esfera possa vir a ocupar uma vaga no Conselho Municipal de Educação.

O segundo Conselho criado no âmbito do município foi o de desenvolvimento Urbano, em 1983. Nele participamos como representante da Universidade Federal de Pernambuco até 1986.

Logo em seguida vieram toda uma série de série de conselho cuja composição “írregular” passamos a descrever, para demonstrar que o ordenamento institucional da nossa municipalidade tem optado sempre pela universidade da representação, incluído outros Poderes e níveis de governo, cuja participação tem sido considerada uma importante contribuição para a gestão das políticas municipais; Turismo, Cultura, Meio Ambiente, Saúde, Direitos Humanos. Em nenhum destes casos o Poder Executivo Local aparece isoladamente como único representante governamental na gestão das políticas municipais, até porque elas estão estreitamente vinculadas às políticas estaduais e federais, no caso dos níveis de governo, e à Câmara Municipal, no caso dos Poderes Locais.

Assim sendo, a participação dos outros Poderes, tanto locais quanto do nível federal ou estadual, tem sido prática corrente na constituição dos Conselhos dos diversos setores municipais.

Esta opção não tem sido fortuita, nem indicativo de atraso, muito pelo contrario, porque longe de significar uma “interferência indesejável” no âmbito municipal, tem contribuído para facilitar as tomadas de decisão e para acelerar sua implementação. No caso específico do Estatuto, lembremos que o legislador foi sensível a esta preocupação articuladora das políticas quando estabelece no artigo 86 que a Política de Promoção e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente exige a articulação dos três níveis de governo.

Aqui novamente reconhecemos que a articulação não acontece apenas quando se participa de um Conselho. Reconhecemos que existem outras formas de articulação. Mas compor um Conselho é uma delas, e no nosso quadro institucional esta tem sido a prática corrente e aprovada pela experiência de longos anos de existência dos Conselhos. Se tivesse gerado situações indesejáveis de ingerência, sem dúvida alguma, a Lei Orgânica Municipal, verdadeira fundamentação da autonomia do Município teria vetado esta “ingerência”, o que não aconteceu, porque mesmo os Conselhos criados após sua promulgação continuam a incluir vereadores e representantes de outros níveis de governo entre seus membros.

Defendemos, pois, o direito de cada município escolher, de acordo com a correlação de forças e com as peculiaridades locais a melhor forma de definir a paridade governamental – não governamental. Pretender impor uma fórmula única para os cinco mil municípios do país parece-nos uma pretensão insensata e carente de qualquer fundamentação na intenção do Estatuto, que privilegiou a municipalização, também, no nosso entender, como garantia de organizar seus conselhos da maneira mais conveniente.

ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

Os argumentos fáticos antes expendidos pelo Prof. Luis de la Mora, fruto de uma experiência vivida, espero tenham sido suficientes para elidir definitivamente o entendimento vesgo (Embora partido de pessoas reconhecidamente comprometidas com a causa) de que “a forma deva se sobrepor ao conteúdo”. É a prática correta que altera a realidade para melhor. As ferramentas utilizadas em cada caso devem ser aquelas que melhor se adaptem à realidade local.

Entretanto, também oriundo de pessoas sérias e comprometidas, o que se observa é o surgimento de argumentos ditos jurídicos e supostamente irrefutáveis que “provam”(sic) que as composições dos Conselhos são ilegais e inconstitucionais , o que incorpora a “idéia força” de que o verdadeiro democrata atua sobre a égide da norma legal, e, como tal, tem o DEVER de lutar pelo rigoroso cumprimento da Constituição e das Leis Infra-constitucionais. Fruto do positivismo do direito, hoje tão combatido nas escolas de “direito alternativo”,“direito com os pés no chão”, etc., resulta no mesmo efeito da vitória da forma sobre o conteúdo. Ninguém desconhece os riscos da inexistência de uma norma preestabelecida para regular as relações sociais, ficando a critério da cada juiz definir aquilo que entende como justo. Ninguém desconhece também a existência de leis injustas, feitas de encomenda para beneficiar exclusivamente pessoas certa ou grupos sociais específicos. Sem entrar na polêmica, poderia se dizer que mesmo quem não reconhece o direito alternativo ha de reconhecer a “alternativa do direito”. O maior positivista que existe deve estar mais comprometido com “o que é justiça e não com o que está escrito na Lei”. Assim, no mínimo, deve juntar sua força intelectual e inteligência ao esforço de modificar as leis injustas. Foi dentro dessa ótica que parcela ponderável dos juristas se aliaram na luta pela revogação do injusto Código de Menores e substituição pelo estatuto da Criança e do Adolescente.

São contra a participação de representantes do Ministério Público e do Poder Legislativo, Embora sem muita veemência; são absolutamente intolerantes quanto à participação do representante do Poder Judiciário.

Dizem ainda que não existe paridade nas diversas representações, quando cotejados os representantes governamentais e não governamentais, pois pregam para que a representação da sociedade seja absolutamente análoga à dos representantes públicos, (p.ex: ao direito da escola pública deveria corresponder um dirigente de escola privada, etc.).

Neste sentido, se busca desmitificar dentro da Constituição e da Lei tal entendimento, para provar a sua inconsistência e que, na prática, trata-se de tese contrária à implementação do Estatuto.
Diz o art. 204 da Constituição Federal:

“As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução aos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficientes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Veja-se agora, como instrumento regulamentador deste dispositivo os arts. 86 e 88, II da Lei nº 8069/90:

“A política de atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios”, (art. 86).

“São diretrizes da política de atendimento:

….

II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos Direitos da Criança e do adolescente, órgãos deliberados e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federais, estaduais e municipais (art.88, II).

Será que o legislador constituinte e estatutário estavam querendo que ao diretor do Hospital da Prefeitura correspondesse uma diretor de um hospital privado? Ou será que a verdadeira teologia da Lei era assegurar que nos órgãos deliberados não existisse o “rolo compressor” do Poder Público a esmagar a vontade popular?, será que participando do Conselho Juizes, Promotores, Deputados ou Vereadores, que necessariamente não estão previamente vinculados com a vontade do Governador ou o Prefeito, as deliberações do Colegiado não são muito mais isentas?; Será que as experiências e o “saber especifico” de Juizes, Promotores e Parlamentares não enriquecem os debates nem facilitam a identificação de alternativas de solução mais adequadas?; Será que o conceito universalmente aceito há séculos de que o governo (Poder) é tripartido (Executivo, Legislativo e Judiciário) está errado e o certo é se entender governo apenas como Poder Executivo/; Será que seria algo bom que os representantes não governamentais fossem “iguais” aos do governo, no mais das vezes sem nenhuma história ou tradição de luta pela efetivação dos Direitos da Criança e do Adolescente?

Me parece que o legislador quis alargar a Participação Popular e não restringi-la. Vejo claro a diretriz do respeito às peculiaridades de cada caso, quando o Estatuto diz: “segundo Leis Federal, Estaduais e Municipais”. Não tenho dúvidas de que a participação desses agentes é salutar para o aprimoramento do PROCESSO de democrático.

Em outras palavras, do ponto de vista fático, político ou jurídico é um enorme equivoco defender-se essa exclusão.

No que pertine aos “impedimentos”(sic) da participação dos Magistrados, vejamos o art. 95, Parágrafo Único, 1, da Constituição Federal:

“aos juizes é vedado: Exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo um de magistério”.

Sendo este princípio bastante antigo, contemporâneo da fixação dos direitos de inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos (todos eles manifestações positivas ou negativas de garantias dos cidadãos e não da pessoa do juiz), já era encontrado regramento específico na denominada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, anterior à vigente Carta Magna, e cheia de vícios e autoritarismo, como amplamente reconhecido, a justificar a sua breve alteração legislativa, assim disciplinando:

Art. 26. “O Magistrado vitalício somente perderá do cargo:

I – Omissis

II – Em procedimentos administrativos para a perda do cargo nas hipóteses:

a) Exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo em cargo de Magistério Superior público ou particular.

b) e c) Omissis

§ 1º O exercício de cargo de Magistério Superior, público ou particular, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de direção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.

§ 2º Não se considera exercício de cargo o desempenho de função docente em curso geral de preparação para Judicatura ou aperfeiçoamento de Magistrados.

É inimaginável que os argumentos expostos pêlos “contrários” tomem como paradigma tais disciplinas legais.

A análise desapaixonada impõe que se busque previamente a “mens legis”, ou qual a vontade do legislador. É óbvio que pela importância do cargo que ocupa, pela influência que exerce sobre seus juridicionados, pêlos riscos de maus juizes (e até anti-juizes) seria indispensável este sistema incitativo-punitivo. De um lado o juiz não fica a mercê do poderoso, pois é assegurada a vitaliciedade, o direito de não ser transferido contra sua vontade de sua comarca ou um grotesco achatamento salarial. Mesmo em tese, às perseguições políticas. Se dentro dessas garantias ainda não é um bom e isento magistrado, paciência. Seria um mau profissional em qualquer ramo que abraçasse. Que se use os mecanismos legais próprios para remoção compulsória ou até afastamento da função. Em contrapartida, a Constituição aponta “freios” para danos eventuais de imposição da força do cargo, concorrência desleal, etc.

A Lei Federal apenas detalha o “freio” constitucional:

Os limites são taxativos e não meramente exemplicativos. Um juiz sócio de uma agência de automóveis ou de um posto de gasolina não poderá vender à Prefeitura? Lógico que sim, desde que em igualdade de condições da proposta e/ou sobre contrato de cláusulas adesivas.

Não poder o juiz ser síndico do seu edifício?, diretor de um clube social ou de serviço?, lecionar gratuitamente em escola de campanha da comunidade?, proferir palestras, etc.?

A vontade da lei é impedir privilegiaturas, imposição de vantagens, concentração de poderes, concorrência desleal, ganhos ilícitos.

Junto com isso, vedar novos ganhos pêlos cofres públicos é direcionar a judicatura como função principal, e não um simples “Bico”.

Nada disso ocorre com a função de membro do Conselho de Direitos, CONSIDERADO DE INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE E NÃO REMUNERADA.

Será que o Poder Judiciário é formado por “extraterrestres” e não faz parte da sociedade que representa?

No caso de Pernambuco será que os Desembargadores da Corte Especial, profissionais talentosos e experientes do direito, seriam tão ingênuos ao ponto de referendarem uma “incostitucionalidade” (sic), desde 1991, quando indicam juizes para representar o Poder Judiciário nos Conselhos Estadual e Municipal (Recife) de Direitos?

Há um argumento fático relevante que algumas vezes se aponta. Diz respeito à possibilidade de matéria votada no Conselho via à apreciação do Judiciário.

Pessoalmente concordo com o temor, tanto que ao assumir o exercício da 2ª vara da Infância e Juventude do Recife, em Julho de1992, solicitei por ofício ao Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco a minha substituição no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos, onde era Vice-presidente, como representante do Poder Judiciário, usando tal argumento.

Lembrava os riscos de ter que decidir de acordo com minhas convicções e eventualmente discordar do pensamento da maioria do Colegiado. Dizia que isto poderia ser interpretado como uma espécie de vindita pelo fato de meu ponto de vista não haver prevalecido na votação, já que inaceitável essa decisão judicial “contra legem” apenas para satisfazer a maioria.

Hoje, dois anos e quatro meses após o fato, faço questão de registrar o não ingresso de nenhuma demanda para apreciação de decisão do Conselho Estadual na Justiça da Infância e da Juventude. Consta que já foi ajuizado por uma ex-conselheira uma ação para anular o processo eleitoral, a qual, por óbvio, está sendo processada e julgada em Vara Cível. Exatamente por ser episódico, mesmo em Comarca de Vara única não haveria maiores contratempos, pois bastaria ao Juiz se averbar de suspeito/impedimento, conforme o caso, transferindo o processo ao substituto legal.

Além disso, lembro que em 1987, como já citado pelo Prof. Luis de la Mora, quando este Magistrado estava ocupando o cargo de Juiz de Menores, Abandonados e Infratores da comarca de olinda, ocasião em que não havia ainda nem nova Constituição, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, tomei a iniciativa de encaminhar ao então Prefeito Municipal um Anteprojeto de Lei criando o Conselho Municipal de Defesa do Menor, o qual foi transformado em Projeto de Lei pelo Executivo e aprovado por unanimidade pelo Legislativo. Ali era preciso a participação do Juizado e da Promotoria. Na forma de Lei, indiquei dois técnicos do Juizado como conselheiros, titular e suplente, respectivamente. Não exerci o “Munus”. Somente compareci ao Conselho em sessões festivas ou solenes. Todavia o Judiciário esteve presente, como força viva da sociedade que é. O conselheiro indicado serviu de elo de ligação entre a comunidade, o Poder Público e o Poder Judiciário. Todos reconheciam o seu trabalho e sua importância, como hoje reconhecem o seu papel no Conselho Municipal do Recife, para o qual foi indicado por votação da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Como se vê, ainda que se radicalize contra a participação do Juiz (sem justa causa, como vimos), é plenamente possível que o Judiciário, por representante designado, se faça presente nos Conselhos de Direitos.

Não há impedimento de ordem constitucional ou legal. Entraves operacionais práticos quanto a presença do próprio Juiz no Conselho são facilmente superáveis.

A construção de um futuro digno e a efetivação dos Direitos da Criança e do Adolescente exige os três aspectos apontados por Luis de la Mora. Querelas e questiúnculas formais apenas impedem ou dificultam o avanço. O verdadeiro caminho é a identificação dos problemas reais em cada caso para a construção de alternativas que resolvam os entraves observados nos casos concretos, e não a busca de uma “forma supostamente perfeita” mas dissociada da realidade.

Recife, 15 de novembro de 1994.

PROMOÇÃO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

A priorização da convivência familiar e comunitária é uma das pedras basilares da chamada Doutrina da Proteção Integral, incorporada à Convenção Internacional dos direitos das crianças, da qual o Brasil é signatário juntamente com os mais importantes Países do Mundo.

O legislador constituinte brasileiro trouxe para a nossa Carta Magna os seus conceitos fundamentais, os quais foram complementarmente detalhados no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90).

Infelizmente, como tantas outras coisas no Brasil, o que se observa é um profundo hiato entre a vontade da Lei e a realidade. Qualquer pessoa que circule nas grandes cidades brasileiras, ou mesmo nas de médio porte, sem precisar do apoio de pesquisa cientifica, observará um sem número de Crianças e Adolescentes perambulando sem qualquer perspectiva de um futuro digno. Muitos deles, eufemisticamente chamados de “Meninos de rua” já não têm qualquer referência familiar; outros tantos conhecidos como “Meninos na rua” quase não têm mais laços familiares, que paulatinamente vão se afrouxando até resultar na 1a. situação.

A indisponibilidade de educação, saúde, profissionalização emprego, alimentação adequada, transporte, lazer, moradia, etc., e de todos os direitos mínimos da cidadania, por si só, consubstanciam situação de marginalidade (no sentido de que estão à margem do patamar mínimo de sobrevivência com dignidade), e, como tal, inegavelmente, induzem à prática da delinqüência e de atos anti-sociais (marginal no sentido penal do termo).

Não é preciso lembrar as causas primária deste quadro, como o modelo econômico centralizador e inadequado, a falta de uma política rural e urbana que gera incentivo ao êxodo rural, distorção regionais, falta de políticas básicas e de geração de emprego e renda, etc. – Não basta denunciar esta situação grotesca. É preciso conjugar o “verbo” com a “ação”, mesmo que consciente se esteja que a atuação se dará muito mais nos efeitos que nas causas (a propósito, veja-se o magnífico exemplo que o gigante Betinho vem dando à sociedade brasileira em sua campanha contra a fome e pela cidadania).

Dentro deste contexto, se propõe um programa amplo envolvendo os poderes constituídos, em diferentes níveis e esferas, e a sociedade civil organizada, de moldes e se garantir que a promoção da convivência familiar e comunitária não seja “letra morta da lei”, mas uma realidade em nosso País. Como se observará em alguns pontos da proposta, em Pernambuco, aquelas de responsabilidade direta do Judiciário já estão sendo implantadas ou em vias de implantação.

O primeiro e fundamental passo diz respeito à instalação e funcionamento de um serviço de busca à família.

Como é óbvio, implica em discernir casuisticamente a situação de cada uma das crianças/adolescentes encontradas nas ruas (existência ou não de parentes próximos; prática ou não de atos infracionais; uso ou não de drogas; escolaridade; experiência anterior de trabalho, etc.). Existindo a família, o passo seguinte será a sua localização, gerando um trabalho de aproximação e convencimento de retorno ao lar e fortalecimento dos vínculos familiares. Disso decorrerá, por certo, a necessidade do uso de equipamento comunitários básicos para suprir as necessidades detectadas, tanto as emergências quanto as mais perenes (Postos de saúde para tratamento de doenças; escolas para ensino regular; cursos profissionalizantes; tratamento de drogadictos; identificação de meios geradores de empregos e renda, ou, até mesmo, em ações que não constituem medidas protetivas específicas, como regularização da posse de terra, de documentação pessoal, etc.).

Sendo preponderante a causa econômica, e nem sempre sendo possível a colocação do adolescente ou seus familiares (mercado retraído e/ou baixa qualificação), farse-á indispensável a inclusão em programa comunitário ou oficial de auxilio (vide Arts. 23 e 101, IV, do Estatuto) – A inexistência ou insuficiente oferta deste tipo de serviço não deve servir para esmorecer o verdadeiro atuante nessa área. Ao contrário, deve motivá-lo à busca de organizar as comunidades e para cobrar das autoridades constituídas a sua disponibilidade. Pergunta crucial diz respeito a “quem seria o agente executor deste programa, que engloba tanto atividades operacionais como de articulação?”.

A titulo de exemplo, referencio que em Porto Alegre-RS, esta tarefa vem sendo executada, com enorme sucesso, pelo Poder Judiciário. Em Curitiba-PR, o denominado programa “SOS-Criança” é gerido pela justiça, com a participação direta da Prefeitura.

Sem deixar de reconhecer o mérito das Ações em ambas as cidades, em especial no caso de Porto Alegre, não acredito que seja essa boa alternativa, quando confrontada com a lógica gerencial do sistema macro constante do estatuto.

A Lei nº 8069/90 prevê a criação dos denominados Conselhos Tutelares, “encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”.

No sistema legal anterior, tal tarefa era de competência da Justiça, Embora quase nunca exercida (some-se o poder inerente de julgar + o de executar + o de editar portarias de caráter geral, veja-se que a Justiça de menores queria ser, ao mesmo tempo, Judiciário, Executivo e legislativo). O fracasso do modelo e a convicção de que problemas sociais devem ser resolvidos na própria sociedade e que o papel do Judiciário é de equilibrar as divergências e decidir as pretensões resistidas levaram o legislador a incluir este novo colegiado no sistema gerencial do modelo.

Cientes das dificuldades de implantação, por contrariar tantos interesses estabelecidos, o legislador previu que enquanto não instalados suas atribuições fossem exercidas pela autoridade Judiciária. Lamentavelmente, na prática, a idéia de uma alternativa provisória pensada na lei tem servido de mais um obstáculo ao surgimento dos Conselhos Tutelares, pois enseja para alguns a manutenção do “STATUS QUO ANTE” e a conservação do Poder controlador. Dois bons exemplos não podem servir de paradigma de contraponto às centenas de casos em que o fracasso é patente.

A implantação dos Conselhos tutelares e a assunção por eles de todas as atribuições é marco importante no resgate da cidadania.

Os programas municipais e Estaduais com denominação de “SOS-Crianças” ou similar, as ações públicas ou não governamentais em medidas protetivas devem continuar, não autônomas e independentes como hoje, mas como linha auxiliar (espécie de Secretária Executiva dos Conselhos, quando forem instalados, ou do Judiciário enquanto tal não ocorrer). O sucesso das intervenções depende de uma política una e coerente com as necessidades de cada comunidade, que deve brotar do organismo encarregado de sua execução segundo a Lei.

O segundo passo diz respeito a um programa de manutenção de criança em abrigo.

Como é óbvio, o esforço do item anterior pode não resultar em êxito. Inexistência de familiares; sua não localização; ambiente familiar inadequado; incompatibilidades insuperáveis entre a criança/adolescente e a família sempre existirão, além daquelas vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, etc.. Para onde encaminha-los, enquanto não se acha uma solução definitiva para os seus casos, ou mesmo onde ficarão eles caso esta solução não seja encontrada?.

A alternativa de Lei é o abrigo.

Entretanto, é preciso se ter a consciência de que os abrigos configurados no Estatuto não podem mais continuar como os antigos “depósitos de menores”, governamentais ou não, encontrados em quase todas as cidades brasileiras.

Fazem parte de nova filosofia alguns conceitos básicos, como por exemplo: Abrigo deve ter características de provisoriedade e excepcionalidade, utilizável como forma de transição para colocação em família substituta; não pode funcionar como local de privação de liberdade (isto não quer dizer “porta aberta” e “liberou geral” como pensam alguns, pois, similarmente os nossos filhos estão abrigados nas nossas casas e se submetem, como pessoas em desenvolvimento, sem plena maturidade, às regras de convivência familiar, dentre as quais as de não se ausentar sem prévio acerto ou autorização. Apenas a lei não permite a contenção forçada e compulsória, sendo tarefa do educador convencer que a permanência é vantajosa para o abrigado); precisa ser previamente cadastrado; assegurar os direitos estabelecidos na lei e obedecer as regras específicas de funcionamento contidos no Estatuto (Além disso, seu dirigente se equipara para todos os efeitos legais ao guardião).

Tudo isso deve ser conjugado com a lógica da municipalização (e não prefeituralização) do atendimento. Dessa forma, no conjunto articulado de ações voltadas para a política de atendimento, deve se buscar paulatinamente o afastamento do Estado federado desta linha de atuação (não abertura de novas unidades para tal fim, por exemplo) e o fortalecimento de novas unidades; assunção das antigas com aporte financeiro de união e dos Estados, etc.). É importante o registro de que deve ser também abandonada a idéia dos grandes estabelecimentos que só geram promiscuidade e insuficiência da prestação dos serviços, para dizer o mínimo.

O terceiro passo diz respeito à busca de família substituta.

Sendo a convivência familiar um direito assegurado na Lei, e malogrando as tentativas para permanência na família natural, é vital para o sistema a existência de um vigoroso programa de colocação em família substituta, especialmente para os que se encontram abrigados em entidades de atendimento.

Disso decorre, em primeiro plano, o afastamento de conceitos arraigados, mas absolutamente incompatíveis, a saber: Adoção não pode ser encarado como ato de caridade; Adoção não vai resolver problema social de pobreza no País.

A adoção nada mais é do que uma fórmula legal para se dar uma família a quem não tem. Desta forma, a busca deve se dirigir para a melhor família para a melhor criança e vice-versa.

Isto implica na necessidade de um prévio cadastramento das crianças e dos pretendentes e na formulação de critérios objetivos que permitam identificar o melhor adotando para os melhores adotantes. Quanto maior a comarca, mais aperfeiçoado deve ser este sistema, não sendo aceitável que onde existem muitos candidatos ainda se utilize o injusto sistema da simples ordem de inscrição.

Nem sempre é possível aos Juízes disporem de equipes técnicas para fazerem as entrevistas, visitações, análises, acompanhamentos e emissão de pareceres. Neste particular, o apoio voluntário da sociedade civil, ou a participação de técnicos das prefeituras, etc., pode ser a alternativa viável.

No caso de Recife, encontra-se implantado um sistema informatizado, cujo nível de sofisticação é compatível com a realidade local. A Portaria conjunta nº 01/93 dos juízes de ambas as Varas da capital define criteriosamente as prioridades. A equipe técnica, embora diminuta, esta habilitada para a função – Não se concede Adoções para crianças cujos pais não foram previamente Destituídos do Pátrio Poder, nem para pessoas que não estejam cadastradas. Mesmo as exceções legais (adoção unilateral de filhos de companheiras/esposas; parentes próximos; guarda de fato de longo tempo, etc.) são submetidos a um cadastramento especial para evitar a burla.

Estas providências, além de assegurarem o critério justo de escolha, inibem a atuação de atravessadores e exploradores – Exatamente pela prévia decretação de perda de pátrio poder, a presença de advogado é facultativa, à falta de lide (pretensão resistida).

É básico também o entendimento de que se a Lei prevê 3 (três) formas de colocação em família substituta (Guarda, Tutela e Adoção), não parecendo ser lícito a imposição ao casal de apenas ter acesso à última das formas mencionadas. De um lado é comum que pessoas que apenas obtiveram Guarda ou Tutela voltem posteriormente para requererem a Adoção; De outro, inegavelmente é melhor que a criança fique no seio familiar na condição de guardada ou Tutelada, do que permanecer nas ruas ou em um abrigo. Mais uma vez vale aqui a competência e o profissionalismo para convencimento de que a Adoção e a solução mais completa.

Seja por razões sociais, culturais, econômica, climáticas, alimentares, religiosas etc., é indiscutível que a concessão deva priorizar o residente no município; não sendo possível, no Estado; na Região Geográfica; no Brasil e, por fim, em última instância, em Adoção Internacional.

Não é demais lembrar que a excepcionalidade de Adoção Internacional é matéria Constitucional e legal (Estatuto), também recomendada na normativa internacional (convenção da ONU) e nos Estatutos da Associação Internacional dos Juízes de Menores e de Família.

Quanto a este aspecto, apesar de restrição legal, o que sempre se observou foi não a exceção para o estrangeiro, mas, ao contrário, um certo favorecimento, especialmente quando se tratava de Crianças de tenra idade.

A utilização desbragada do sistema legal anterior (cumulação do verificatório simples + adoção), sem prévia destituição do Pátrio Poder, em uma interpretação meramente gramatical e apressada do Artigo 166 Parágrafo único do Estatuto (se esquecendo – SIC – dos Arts. 169 e 31) manteve as facilidades para os estrangeiros, com as mães se apresentando e dizendo que queriam entregar seus filhos aquele casal de outro País. Como se conheceram? Quais vantagens econômica receberam as mães e os intermediários?

Fazendo cessar esta aberração, em Pernambuco foi criada em 04/93 pelo Provimento nº 03/93 a Comissão Estadual Judiciária de Adoção, a CEJA-PE, instalada em 15 de Julho de 1993, da qual tenho a honra de ser seu primeiro Presidente.

Nenhum estrangeiro pode mais adotar em nosso Estado sem estar munido do Laudo de Habilitação da CEJA-PE.

Os brasileiros são cadastrados facultativamente, fato que serve para realmente se aplicar a ordem de prioridade antes aludida. (existência de pretendentes em Comarca distinta daquela onde a criança encontra-se disponível).

As Adoções se fazem apenas em favor dos estrangeiros habilitados, após exaustiva análise, e para crianças/adolescentes cadastradas.

Árduo vem sendo o trabalho, especialmente na 1a. fase, pois o Provimento assegurou o direito adquirido aos estrangeiros que já estavam cadastrados nas Comarcas, impedindo nova análise pela equipe técnica da CEJA-PE. O grau de exigências colocadas nos novos pedidos é um sinal vigoroso de que estes cadastramentos antigos, no mais das vezes, deixavam a desejar. Entretanto, agora no início de 1994, praticamente já não existem na lista de espera candidatos que haviam sido cadastrados nas Comarcas do interior, e, no caso da Capital, desde 1987, a análise para deferimento das inscrições já era criteriosa, de sorte que são mínimos os riscos de falha para estes casos.

As portas para os traficantes de crianças foram fechadas, mas a simples implantação de tais Comissões não é, por si só, assecuratória de banimento de irregularidades. É preciso a constante vigilância para se assegurar que não existem “válvulas de escape” para irregularidades. Notícias se tem de que em alguns Estados de federação a Comissão apenas criou uma aparência de legalidade, quando intermediários circulam pelas Comarcas munidos de Laudo de Habilitação (o que lhes dá uma força adicional), identificando criança especifica para casal certo. Em outro caso, o grau de interferência da CEJA é tão forte, que invade o campo do Juízo natural, eivado, assim, de inconstitucionalidade. De outra parte, cabe o registro que no Rio Grande do Sul, mesmo não existindo formalmente uma CEJA como preconizada no Art. 52 do Estatuto, um colegiado formado por Juizes tem cumprido satisfatoriamente este papel.

O sistema informatizado Pernambucano, fruto de análise dos erros e acertos das outras experiências, tem funcionando a contento, interligado ao sistema de colocação em família substituta da Capital, e recebendo informações mensais dos Juizes das Comarcas do interior.

A CEJA-PE também cadastra as entidades nacionais e internacionais que trabalham com Adoção, e a experiência tem demostrado um maior controle de qualidade nas Adoções intermediadas por Instituições sérias previamente cadastradas. Cabe referenciar que a Pré-convenção da ONU já indica aos Países signatários que apenas defiram Adoções internacionais para casos intermediados por Instituições regularmente inscritas em seus Países de origem.

Todo esse esforço no sentido de que a vontade de Lei de priorizar as permanência no Brasil deve ser concomitante a uma campanha de divulgação na mídia para estimular os brasileiros a se inscreverem como pretendentes a Adoção (tal foi feito em Olinda-PE, nos anos de 1987/1988, com excelentes resultados).

Além disso, Pernambuco, pelo seu Egrégio Tribunal de Justiça, encaminhou à Assembléia Legislativa um Projeto de Lei criando Varas Regionalizadas da Infância e da Juventude, seguindo os passos do Rio Grande do Sul, que, com certeza, pela especialização dos Magistrados, Promotores, técnicos e serventuários de Justiça, facilitarão as prestações Jurisdicional na área da Infância e da Juventude como um todo e na questão especifica de colocação em família substituta.

Finalmente, fora do âmbito do Judiciário, é importante o registro de êxito de programas denominados de “casas-lares”, nas quais devem prioritariamente ser incluídas crianças-adolescentes em vias de colocação em família substituta, pois a vivência em um ambiente familiar ou com aparência de família, serve maravilhosamente como estágio preparatório para o seu futuro estágio de Vida.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Juiz da 2a. Vara da Infância e da Juventude – Recife-PE

O ATO INFRACIONAL E AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS – UMA VISÃO GLOBAL

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O cumprimento dos preceitos legais contidos na Constituição Federal exige que se imponha nova forma de enfrentamento do problema da delinqüência infanto-juvenil, considerando-se que na realidade verifica-se uma prática freqüente de ameaça e/ou violação dos direitos que se quer assegurar: Por parte da família; que abandona os filhos, embora que, quase sempre, por não possuir condições sócio-econômicas para criá-los; Por parte da comunidade: Por ter sido excluída do processo decisório de seus direitos de cidadania, apesar da previsão Constitucional assecuratória dessa participação, baixa capacidade de reivindicação dos seus direitos, ausência de consciência da supremacia dos direitos coletivos sobre os individuais e excessiva tolerância (e até adesão e incentivo) à prática criminosa como as de extermínio e ações repressivas e marginalizadoras; Por parte do Estado: por conta de uma prática ineficiente, do desordenamento institucional para gerenciar ações de acordo com o novo panorama legal, e de ausência de políticas sociais básicas de prevenção e assistência. Muitas vezes, observa-se a falta de “vontade política’ para enfrentamento da grave problemática, encobrindo a circunstância com o manto protetor da crônica falta de verbas, quando se observa a existência de dotações financeiras para projetos não prioritários e não transformadores da realidade. Mais ainda, uma prática institucional centralizadora de decisões, desaparelhada, fragilmente comprometida com a Doutrina de Proteção Integral e conceitualmente apoiada na Doutrina de situação irregular, traduzida através da definição de objetivos de reintegração do adolescente infrator, como se a prática do ato infracional fosse prioritariamente motivada por fatores individuais, ou que através de “tratamento”, via instituição pudessem ser “sanados” (reeducados) e /ou existiria uma sociedade pronta a recebê-los (reintegrá-los), em contraposição ao conceito de “risco social e pessoal” de que trata o Estatuto (Lei nº 8069/90).

Como é óbvio, dentro desse contexto de “causa/efeito”, o que se observa é que conceitos basilares da normativa internacional (Convenção de direitos; Normas de Riad e Beijim) não foram adequadamente incorporados à prática cotidiana, enquanto se trata da questão do adolescente autor de ato infracional. Cabe destacar em relação a esses aspectos o seguinte: I) O baixo envolvimento da família e da comunidade em prevenir condutas desviantes e na reintegração do jovem que se inicia na prática de atos delitivos; II) O uso inadequado de mecanismos excludentes do processo, pois, embora seja princípio fundamental se evitar a sua inserção no Sistema de Justiça, há que se ter cautela de moldes a assegurar efetivos ganhos pedagógicos com sua aplicação, o que não parece ser possível se tratando o Instituto da Remissão como forma de “perdão” e não como hipótese de “transação”, e muito menos concedendo-se este benefício reiteiradamente a infratores contumazes, sem que cumulativamente lhes sejam aplicados medidas sócio-educativas ou protetivas; III) A não priorização das medidas sócio-educativas em meio aberto em relação à privação de liberdade; IV) Internação realizada em instalações físicas incompatíveis com a medida; não cumprimento das obrigações legais pelas unidades de internamento; ausência dos direitos assegurados na Lei a todos os adolescentes privados de liberdade; insuficiência de segurança externa a facilitar evasões e de atividades profissionalizantes que melhor permitiria a reintegração dos egressos do sistema.

Para um perfeito entendimento das dimensões que vêm assumindo o problema da delinqüência juvenil, a abordagem do tema requer considerações acerca das suas causas, através de uma análise conjuntural e suas determinantes sócio-econômicas e culturais presentes no perfil dos adolescentes autores de atos infracionais. Levantamentos realizados por entidades que se dedicam ao estudo do problema demonstram a predominância de indicadores comuns de suas características, tais como: originários dos bairros de periferia, desagregação familiar, pai ou mãe desconhecidos, desempregados ou subempregados, portadores de baixo nível de escolaridade, oriundos de família de prole numerosa, e de relações familiares desestruturadas, ausência de vínculos afetivos; vítimas de maus tratos e abandono, baixo índice de interesse, rendimento e aproveitamento escolar; alto índice de abandono e evasão; consumidores de drogas, com vivência de rua; propensos ao desenvolvimento de atividades que lhes tragam ganhos financeiros imediatos.

A ótica do Código de Menores considerava as causas da delinqüência como sendo provenientes de situação irregular, como se a privação de condições essenciais à sua subsistência conduzisse a esta situação, visualizando o adolescente como objeto de medidas judiciais, sem analisar as causas que geram as transgressões. O problema era abordado como uma soma de atos isolados e o adolescente responsabilizado pela sua situação, necessitando de tratamento punitivo ou repressivo, via internação judicial.

Em oposição a essa visão e em atendimento ao princípio humanizante da nova Lei, o Estatuto da Criança e do adolescente baseia-se na situação de risco pessoal e social, abordando o problema como fenômeno social, predominantemente determinado por pobreza, abandono e marginalização. Os adolescentes são vistos como sujeitos, que necessitam de proteção especial e integral da sociedade, do estado e do seu meio social para se desenvolverem e ingressarem num novo processo de conquista de seus direitos enquanto cidadãos.

De outra parte, para melhorar entendimento da questão, faz-se mister o registro de alguns conceitos legais básicos a ela respeitante, a saber:

I – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (Art. 103, Estatuto da Criança e do Adolescente). Portanto, para se identificar se o ato praticado pelo menor de 18 anos constitui-se infração penal é indispensável o seu cotejo com o Código Penal, Lei das Contravenções Penais e Leis Penais Extravagantes. Assimilando conceitos doutrinários do direito penal, a conduta deve consubstanciar Fato Típico e anti-jurídico (existência de prévia disposição legal considerando-o ilícito). Apenas não encontramos no conceito um dos elementos constitutivos do crime (culpabilidade), em razão de previsão Constitucional e legal sobre a faixa etária de imputabilidade. Entretanto, sendo fato tipificado e anti-jurídico, não perde a sua característica de reprovabilidade em razão de ter sido praticado por agente inimputável. Sendo ato reprovável, a ele corresponde a aplicação de medidas de cunho pedagógico (Art. 112, LECA), com finalidade socializante e educativa, sem o cunho de punição ou retributividade que também se observa na maioria das penas aplicadas aos adultos;

II – agente do ato infracional é o menor de 18 anos, considerando-se a idade à data do fato;

III – Quando se tratar de ato infracional praticado por menor de 12 anos não lhe pode ser aplicada medida sócio-educativa, e sim apenas medidas protetivas do Art. 101, LECA. Isto decorre da política legislativa adotada no Estatuto de entender que as pessoas em tal faixa etária estão em situação de risco social e pessoal, carecendo de proteção, não dispondo de discernimento qualquer a respeito da ilicitude do ato por elas praticado. Como tal, as medidas de proteção a eles aplicáveis ficam a cargo do Conselho Tutelar ou ao Juiz da Infância e da Juventude onde estes não existirem (Art. 262, LECA). Assim, não podem ser internados, muito menos a custódia provisória dos 45 dias, cabendo, se necessário, a sua inserção em unidade de abrigo;

IV – A Lei assegura direitos individuais e garantias processuais ao adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional (Art. 106 a 111, LECA);

V – As medidas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente e substituídas a qualquer época, devendo levar em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (Art. 113 c/c Arts. 99 e 100, LECA);

VI – Ao aplicar a medida deve o julgador levar em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e gravidade da infração. A personalidade do agente, seu maior ou menor envolvimento com condutas anti-sociais e eventual uso de drogas, possibilidade de entender efeitos pedagógicos da medida, entendimento da ilicitude do ato praticado e de suas conseqüências; injustificável descumprimento de medidas anteriores; reiteração em condutas delitivas devem ser sopesadas pelo Magistrado na escolha da medida sócio-educativa mais adequada para aplicação ou eventual substituição;

VII – A internação somente deve ser aplicada quando inexistir outra medida mais adequada, assim mesmo em local exclusivo para este fim, separando-se por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, sendo assegurado ao autor do ato infracional todos os direitos do Art. 124, nas estritas hipóteses legais, inclusive reavaliação periódica e limite temporal, e, como medida privativa de liberdade que é, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

O Poder Judiciário, dentro desses novos princípios trazidos com a Doutrina de Proteção Integral, apresenta-se com o “Poder/Dever” de um dos mais importantes papéis na resolução do problema da delinqüência juvenil e não mais como exclusivo autor de determinações a serem desencadeadas.

Deve, portanto, buscar em sua atividade judicante aplicar ao adolescente autor de ato infracional medidas sócio-educativas de caráter pedagógico que efetivamente possam conduzir o adolescente a não reiterar na prática de atos anti-sociais e a reintegrá-lo no seio familiar e comunitário.

No caso da prática do ato infracional por adolescente em que o Ministério Público ofereceu representação (portanto, não optou pelo arquivamento ou concessão da remissão como forma excludente do processo) e o Juiz não concedeu a remissão no curso do processo (ou se o fez concedeu cumulativamente a uma medida sócio-educativa como permite o Art. 127, LECA), nem ao final se reconheça qualquer das circunstâncias do Art. 189 do Estatuto, cabe ao Magistrado aplicar uma das medidas sócio-educativas do Art. 112 da Lei nº 8069.90 ao seu autor.

Não se tratando de medida de caráter punitivo ou retributivo, devem ser priorizadas aquelas que apresentem maiores ganhos de efeitos pedagógicos.

Sendo da própria essência da base doutrinária incorporada à legislação brasileira, o evitar do ingresso do adolescente nos sistemas de política e de Justiça, e a busca, para os que respondem a processos, de alternativas fortalecidas de vínculos familiares e comunitários, parece claro que o legislador aceitou a tese de que a aplicação de medidas sócio-educativas em meio aberto pode gerar melhores efeitos pedagógicos de que a privação de liberdade. Além disso, tal como ocorre com o sistema penitenciário dos adultos, a privação de liberdade dos menores de 18 anos também se materializa ao lado de inúmeros problemas que lhes são típicos, como por exemplo: não separação por gravidade de infração, compleição física; ausência de atividades laborativas, profissionalizantes e ludoterápicas; inadaptação e falta de capacidade técnica e gerencial dos servidores lotados nestas unidades; não remessa em prazo hábil de relatórios periódicos de reavaliação; instalações físicas inadequadas e insuficiência de segurança externa, facilitando evasões, o que retira qualquer efeito pedagógico da medida, pois a saída do adolescente ocorre ao seu talante e não quando técnica e juridicamente isto se torna recomendável; corrupção do sistema com “troca de favores’; violência física e psicológica contra os adolescentes, seja por parte de funcionários, seja por grupos organizados dos próprios internos; síndrome de internação e “hospitalite” entre vários adolescentes, etc.

Desta forma, recomenda-se rigorosa observância dos critérios estabelecidos pelos Art. 121 e 122 do Estatuto, aplicando-a nos casos em que comprovadamente outra medida não seja eficaz, ainda que o estabelecimento de internação se coadune com as regras do Art. 123 e assegure os direitos do Art. 124 da Lei nº 8069/90, devendo ser substituída tão logo caracterizada a sua desnecessidade.

Por outro lado, a esmagadora maioria dos estudiosos do assunto destacam que o regime de semi-liberdade não parece ser dos mais recomendáveis como medida inicial a ser aplicada ao adolescente, seja por trazer em seu bojo todos os malefícios da internação dantes apontados, seja pelos conflitos psicológicos que advém no adolescente na dificuldade em se localizar no ambiente como pessoa livre ou privada de liberdade, fato que, também, normalmente, diminui o apoio comunitário e familiar à sua pessoa. Entretanto, é importante o registro de que este instituto, como forma de transição para o meio aberto, dando-lhe um caráter de progressividade de medida, comprovadamente apresentada bons resultados, embora que, lamentavelmente, muitas vezes se observem dificuldades operacionais pelas distâncias físicas entre a casa de internação e locais para trabalho, lazer e residência dos adolescentes.

Em contrapartida, as medidas iniciais do Art. 112 (advertência e obrigação de reparar o dano) precisam ser bastantes contextualizadas para efetivamente representem ganhos pedagógicos. A primeira, embora se saiba de sua larga aplicação, tanto como ocorria no revogado Código de Menores, deve se restringir a casos de infrações leves e destinadas a adolescentes que tenham uma boa percepção da ilicitude do seu ato e o firme propósito de se afastar de condutas anti-sociais, que não estejam reiterando no cometimento de infrações ou no descumprimento de medidas anteriores e cujos familiares estejam empenhados em lhes apoiar na recuperação. A segunda, porque basicamente se destina apenas a uma parcela dos autores de atos infracionais, exatamente aqueles cujos pais tenham condições de ressarcir o dano. As outras fórmulas da medida apontam para dificuldades operacionais grandes. A restituição da coisa normalmente já se procedeu na fase policial, é “chover no molhado” não tem grande valor pedagógico. A compensação do prejuízo mais ainda, pois seria inimaginável que o infrator pobre cedesse à vitima qualquer outro bem ou direito que eventualmente tivesse (tirar algo de quem quase nada tem) ou que prestasse serviços a esta, seja pela dificuldade da convivência entre ambas, seja por consubstanciar “trabalho forçado”. Mesmo para os que dispõem de condições econômicas, recomenda-se que seja aplicada solenemente, em audiência, para que o adolescente perceba a importância do ato e que por via indireta casou prejuízo à sua própria família, preferencialmente ajustando com os familiares que procedam descontos nos ganhos do adolescente (mesadas, p. ex.), e que, no exercício do Pátrio Poder, imponham restrições aos direitos usuais concedidos ao jovem (saída para festas, cinemas, passeios, etc.), quase sempre cumulando a medida com a de advertência.

Estes rápidos comentários não têm o objetivo de meramente se criticar a previsão legal das medidas antes analisadas. Ao contrário, se reconhece a sapiência do legislador ao inclui-las no rol das medidas sócio-educativas e a importância de sua prática nos casos em que assim se recomenda. O que se pretende é que no cotidiano do Juizado seja a aplicação daquelas mais rigorosas ou excessivamente brandas destinadas a casos específicos, priorizando aquelas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade, que, como se buscará demonstrar adiante, normalmente resultam em maiores benefícios para o próprio adolescente, seus familiares e para a coletividade.

A liberdade assistida (Art. 118 e 119, LECA) constitui-se em medida de caráter sócio-educativo em que o adolescente encontra-se limitado em alguns dos seus direitos devido às condições impostas para que sejam atingidos os objetivos pedagógicos. Estará sujeito à medida durante o período mínimo de 6 (seis) meses, cumprindo-o na comunidade de origem, sem que seja segregado da família, trabalho e escola, devendo ser assistido por um orientador, que poderá ser recomendado por entidade ou programa de atendimento, com o apoio e supervisão da autoridade competente.

Ainda que se reconheça o esforço de vários Juizados em instituir e manter um programa para tal fim, o que se constata é um baixo envolvimento comunitário (de onde provém e para onde irá voltar o adolescente) e a repetição de práticas equivocadas que podem ser englobadas nas seguintes categorias:

I – Inexistência de um programa próprio, que acarreta, quase sempre, nos extremos da mera advertência ou internações desmedidas, ou nas aplicações da chamada “liberdade desassistida”;

II – Tentativas do Juizado assumir todas as fases de execução da medida, sem reconhecer que normalmente lhe falta os meios (instalações físicas, pessoal técnico e administrativo, veículos, materiais, equipamentos, etc.) e que não é do seu “carisma” atuar diretamente na comunidade física em que vive o adolescente infrator. Como tal, na prática, funciona como uma espécie de “sursis” dos adultos, não havendo acompanhamento e orientação sistemática, dependendo da “boa vontade” do adolescente e dos seus familiares, que muitas vezes não dispõem nem mesmo de numerário para as passagens de ônibus;

III – Delegação total da execução da medida a órgãos governamentais do Estado ou Município, ou mesmo a entidades não governamentais, acarretando em uma desobediência à Lei que fala na supervisão da autoridade competente; na absoluta falta de controle do Judiciário que aplicou a medida, e, como tal, está comprometido com os resultados que dela podem advir;

IV – Embora inconstitucionalmente, um dos mais nefastos efeitos gerados com os equívocos apontados nos itens II e III é a geração de um sentimento de posse, tipo “este menino é meu” nas equipes do Juizado e das entidades governamentais ou não, a quem os adolescentes estejam vinculados.

Em que pese todas estas falhas, os índices de reincidência entre os adolescentes que recebem tal medida não são elevados, fato que estimula a geração de uma nova concepção do Programa, eliminando os equívocos, o que, por certo, resultará em melhores resultados.

No que pertine à prestação de serviços à comunidade, faz-se relevante o registro de que guarda ela total similitude com previsão do Código Penal em relação a crimes cometidos por adultos. Tem esta medida todas as vantagens referenciadas anteriormente para a liberdade assistida. A elas se agrega o fato que a própria comunidade passa a ser beneficiária das ações executadas exatamente pelo agente que com sua conduta anterior a agrediu. Além disso, sempre haverá a tendência de que a comunidade tome ciência do fato, o que poderá contribuir na inibição de que outros jovens da localidade também venham a delinqüir.

O que se observa, entretanto, é sua baixa aplicação, e, mesmo quando isto ocorre, a total falta de controle e acompanhamento dos adolescentes, não havendo comunicações periódicas das instituições para as quais foram eles encaminhados, quando muito se recebendo um ofício ao final do prazo originalmente fixado.

É importante o registro de que para aplicar esta medida deve o juiz ou a equipe técnica, antecipadamente, dialogar com o adolescente e seus familiares, inclusive coletando sugestões sobre o (s) local (is) onde os serviços devam ser prestados. Sem o comprometimento do adolescente com a medida, sua importância pessoal e social, dificilmente resultará ela em efeitos positivos, levando a que muitas vezes seja indispensável a sua substituição por outra mais rigorosa.

PROGRAMA DE LIBERDADE ASSISTIDA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
À COMUNIDADE. UMA NOVA ABORDAGEM

Algumas experiências têm sido registradas a nível do País para execução das medidas sócio-educativas em meio aberto embora verifique-se que o referencial utilizado afasta-se dos preceitos legais instituídos sobre a matéria, direcionado o encaminhamento de sua execução através de abordagens fragmentadas e individualizadas, que acabam por expressar a continuidade (embora sob nova roupagem) do modelo de intervenção anterior ao Estatuto, cujos resultados, a despeito das intenções, não se converteram em mudanças substanciais de reversão do quadro que se nos apresenta.

A presente proposta do Juizado da Infância e da Juventude do Recife – PE apresenta-se inovadora, no sentido de que tenciona diligenciar à comunidade de origem do adolescente autor de ato infracional, submetido à medida sócio-educativa, a condução de sua execução, devolvendo-lhe, desta forma, o que lhe pertence: o direito e o dever de gerenciar os programas de promoção da cidadania e de integração social dos seus partícipes.

Em se tratando do programa de liberdade assistida, a participação comunitária dar-se-á através dos diversos segmentos da sociedade civil organizada, instituições, governamentais, ONGS, entidades públicas e privadas que desenvolvem trabalhos na área de assistência à criança e ao adolescente. A estes segmentos serão delegadas funções de indicar pessoas (agente institucional, ou comunitário identificado nos núcleos organizacionais das comunidades, alvo de sua atuação) que desempenhará as atribuições de orientador, previstas no Art. 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ao Poder Judiciário, além das funções judicantes típicas de processar e julgar o adolescente, aplicando-lhe a medida mais adequada, caberá, como previsto no Estatuto, a função de supervisão de sua operacionalização, fornecendo, através de sua equipe interprofissional, apoio, auxílio e assistência ao orientador no exercício de suas atribuições, assim como o acompanhamento, controle e avaliação do seu desempenho e da própria execução da medida pelo adolescente, inclusive substituindo-a quando se fizer necessário. Para tanto, serão celebrados termos de cooperação técnica com a entidade e de compromisso com o orientador.

No que pertine à prestação de serviços à comunidade a participação se dará mediante o prévio cadastramento de entidades elencadas no Art. 117 do Estatuto, levando em consideração a sua localização física, utilizando-se como critério as denominadas Regiões Político-Administrativas – RPA da Prefeitura da cidade do Recife, que, aliás, também se cogita seja utilizada como paradigma para a instalação dos futuros Conselhos Tutelares. Em seguida serão celebrados termos de compromisso, considerando as tarefas a serem atribuídas conforme as aptidões do adolescente e demais exigências do Parágrafo único do pré-falado Art. 117 da lei nº 8069/90 e a remessa de relatórios de acompanhamento.

Desta forma, dimensiona-se o compromisso, descentralizam-se as ações e divide-se as responsabilidades, atendendo-se aos pressupostos legais determinados pelo direito tutelar amplo, de co-responsabilidade da sociedade e do Estado (ao serem representados por organizações e instituições) e da família e comunidade (mediante o trabalho do orientador, em contato direto com o meio social do adolescente, visando o fortalecimento de vínculos, a formação de laços sólidos de solidariedade e cooperação).

Para tanto será proposta a modificação das fichas de entrevistas social e psicológica hoje utilizadas no Centro de Acolhimento Provisório – CAP da Fundação da Criança e do Adolescente – FUNDAC, para onde são dirigidos os adolescentes autores de ato infracional após a fase policial (auto de flagrante; boletim circunstanciado ou relatório) e antes do encaminhamento ao Órgão Ministerial Público e, se for o caso, decretação da internação provisória pelo juiz, de moldes a que ela contemple todas as informações indispensáveis a se fixar um perfil do adolescente. Em caso de representação, e permanecendo ele interno, deverá se buscar, pelo menos, a continuidade do atual cronograma que assegura que a audiência de apresentação ocorra no máximo em sua semana de sua apreensão. Tanto para estes como para os que foram liberados, na ocasião da audiência de apresentação, com base no seu depoimento pessoal e de seu responsável; informações do ato infracional formulados pela autoridade policial e nas fichas sócio-psicológicas, caberá ao Ministério Público e à autoridade judiciária analisar a possibilidade de ser concedida a remissão, cumulada com medidas sócio-educativas ora em estudo, como faculta os Art. 126, Parágrafo único e 127, LECA.

Em caso afirmativo, a decisão será prolatada, encaminhando-se às unidades gerenciais do sistema junto com a ficha psicossocial elaborada no início.

Em caso negativo, 2 (duas) alternativas se apresentam. A primeira diz respeito a indispensabilidade de audiência em continuação, com a manutenção de privação de liberdade, hipótese em que a 2a. audiência deverá se ajustar a um cronograma que não ultrapasse o prazo máximo de Custódia Provisória prevista na lei (45 dias), ocasião em que se definirá a melhor medida aplicável ao adolescente. A segunda em que, embora recomendável o aprofundamento, não se faz necessária a manutenção do internamento provisório. Neste caso, como a atual legislação acabou com a liberdade assistida como incidente do processo, mas levando em conta que para a maioria dos casos não é recomendável se deixar o adolescente sem qualquer controle de acompanhamento, o que pode induzir a um entendimento de “impunidade”, a estimular novas infrações, o programa sugere a aplicação incidental da medida protetiva do Art. 101, II, LECA (orientação, apoio e acompanhamento temporário), encaminhando de imediato o adolescente autor de ato infracional ao programa de liberdade Assistida, onde deverá se manter vinculado até a sentença que definir a medida sócio-educativa adequada, destacando-se que, assim procedendo, até pelos informes obtidos pelo sistema, a função do julgador será extremamente facilitada em discernir a permanência ou não em meio aberto.

ASPECTOS OPERACIONAIS

A implantação da presente proposta implica na substituição e/ou aperfeiçoamento de algumas atividades atualmente em prática no Sistema de Justiça, bem como a implantação de outras atividades indispensáveis, seja antes mesmo da formação do processo, seja no próprio aparelho do Judiciário, seja em relação às entidades cooperadoras e orientadoras selecionados, a saber:

1a. ATIVIDADE – ENTRADA DO ADOLESCENTE

Ocorrendo o encaminhamento do adolescente pela autoridade policial, junto com a respectiva peça infracional (auto de flagrante de ato infracional, Boletim de ocorrência circunstanciado ou relatório) ao Centro de Acolhimento provisório – CAP/Fundac (ou seja, nos casos em que a autoridade policial não providenciou a liberação mediante Termo de responsabilidade), a equipe técnica daquele Órgãoprovidenciará de imediato o preenchimento do novo formulário psicossocial em substituição ao então utilizado, em razão de no primeiro já estar contemplando informações relevantes, seja para facilitar o posicionamento do Ministério Público, seja para subsidiar uma decisão futura no caso de aplicação de medida.

À vista destas informações, contatos com familiares, entrevistas e eventuais diligências para aprofundamento do caso e na peça encaminhada pela autoridade policial, o Promotor Público que oficia junto à Central de Triagem deliberará sobre arquivamento, remissão ou representação.

No caso de optar pela representação, que interessa de perto à presente proposta, deverá ser esta incontinente levada à distribuição. Em ambas as varas da Capital deverá ser providenciada a designação de data para audiência de apresentação com maior brevidade: no máximo, em 1 (uma) semana após o recebimento da representação, como já vem ocorrendo; e, buscando-se o ajuste da pauta de audiências para se alcançar a meta de realizá-las nas primeiras 24 horas do recebimento da representação inicial do Ministério Público.

2a. ATIVIDADE – AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO (E EM CONTINUAÇÃO)

Inicialmente, com o recebimento da representação e conseqüente designação, deverá ser providenciada a transferencia do conteúdo da ficha psicossocial para o computador.

Ouvido o adolescente, seus pais ou responsável (na hipótese do § 2º do art. 184, LECA, nomear-se-á curador especial), e à vista dos demais elementos disponíveis no processo, caso verificado que os ganhos pedagógicos advindos da audiência em continuação serão de menor relevância (circunstâncias e conseqüências do ato; contexto social, personalidade do agente, não enquadramento em nenhuma das hipóteses do art. 122, LECA, ou, mesmo isso ocorrendo, fique caracterizada a existência de outras medidas mais adequadas), poderá o magistrado nesta ocasião, usando da faculdade lhe assegurada nos art. 126, Parágrafo único; 127; 186 § 1º e 188, conceder a remissão cumulada com medida sócio-educativa (no caso da presente proposta: liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade), sendo o adolescente encaminhado ao Núcleo de Gerenciamento Técnico das medidas em meio aberto, acompanhado de cópia da decisão e da sua ficha psicossocial.

Entretanto, casos existirão, como é óbvio, que tal não será possível, sendo imprescindível a realização de audiência em continuação (por exemplo, o adolescente nega a infração, mesmo que contra todas as evidências e/ou não aceita a medida sócio-educativa cumulada proposta, o que desnaturaria a sua essência de transação; indícios de envolvimento no ato infracional de terceiros, etc.), mas não há nos autos elementos que justifiquem a permanência da custódia provisória. Nestas hipótese, como é sabido, costuma-se simplesmente liberar o adolescente mediante termo de responsabilidade, o que em muitos casos transmite ao mesmo uma compreensão falsa da realidade (sentimento de que sua falta não pode ser alcançada pela Lei), levando-o a reincidir nas transgressões, pela absoluta falta de acompanhamento (registre-se que essa percepção de “impunidade”, – lato sensu – também é observada nos parentes, vítimas e testemunhas). De outro lado, também se observou em algumas cidades a aplicação da liberdade assistida como incidente do processo, prática prevista no Código de Menores, mas não acatada no Estatuto, salvo se a concessão da remissão se fizer como forma suspensiva do processo.

Para alguns doutrinadores toda vez que a concessão da remissão se fizer de forma cumulada com medida que não se esgote em si mesma ou constitua “perdão puro e simples” importará na suspensão do processo. Entretanto, data máxima vênia, parece que tal posicionamento apresenta algumas falhas interpretativas, a saber: I) aplicada a medida cumulada, ela se rege da mesma forma ao que ocorre com aquela decidida ao final da instrução (lapso de tempo, possibilidade de revisão e substituição); II) o art. 127 não limita a cumulação às medidas sócio-educativas, podendo, como reconhece a melhor doutrina, se fazer com medida protetiva (é princípio de hermenêutica jurídica que a lei não contempla palavras supérfluas e as únicas proibições legais são as de cumulação com semi-liberdade e internação); III) com a simples suspensão do processo pode se gerar problemas operacionais, pois se no futuro o processo tiver que prosseguir haverá enorme distanciamento entre as audiências de apresentação e de continuação. Assim, nada obstaria que a cumulação com determinadas medidas sócio-educativas (por exemplo, advertência, prestação de serviços e liberdade assistida) ocorresse na concessão como forma extintiva, pois a sua execução estaria sujeita às regras dos art. 128, 113, 100 e 99, LECA.

Exatamente pela duplicidade de entendimentos e problemas operacionais apontados, a presente proposta para esta hipótese (necessidade da audiência em continuação X desnecessidade da internação provisória) aponta para na audiência de apresentação se aplicar incidentalmente a medida de proteção do art. 101, II – ORIENTAÇÃO, APOIO E ACOMPANHAMENTO TEMPORÁRIOS, liberando-se o adolescente e engajando-o provisoriamente no programa de liberdade assistida (igualmente se encaminhando ao núcleo de coordenação técnica, junto com a cópia da decisão interlocutória e da ficha psicossocial). Desta forma se procedendo, são evidentes os ganhos, pois será possível a designação da audiência em continuação com relativa brevidade, e, por ocasião de sua realização, já se disporá de melhores elementos de convicção para se decidir sobre a possibilidade ou não de mantê-lo em meio aberto, ao mesmo tempo em que se afasta o falso entendimento de que o ato reprovável não recebe uma pronta iniciativa do “Estado-juiz”.

Para os casos em que fique caracterizada a necessidade da audiência em continuação, assim como a indispensabilidade de internação provisória, deverá ser urgenciada a 2a. audiência, de moldes a que em nenhuma hipótese e sob nenhum pretexto se ultrapasse o prazo legal dos 45 dias (registre-se que este é um problema praticamente eliminado no cotidiano de ambas as Varas da Capital, com raríssimas exceções provenientes da demora de aprofundamento de estudo de caso, e, consequentemente, do oferecimento da representação, ou intercorrências como evasões e regressos de um mesmo adolescente respondendo a vários processos). Caso a decisão final, seja aplicando Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade (abstraindo-se, assim, improcedência da representação ou aplicação de outras medidas não tratadas na presente proposta), será o adolescente, igualmente, encaminhado ao núcleo gerencial das medidas em meio aberto, junto com cópia da sentença e da ficha psicossocial.

3a ATIVIDADE – RECEBIMENTO DO ADOLESCENTE NO NÚCLEO GERENCIAL

Apresentando-se o adolescente à equipe técnica, caberá a mesma analisar a sentença e seus fundamentos e as informações contidas no formulário psicossocial, com especial ênfase nas questões relativas às causas e circunstâncias da infração, apoio familiar e comunitário, objetivando subsidiar o trabalho do futuro orientador ou do dirigente da instituição onde for prestar serviços. Em seguida, feito o seu cadastramento, identificará dentre as Entidades previamente cadastradas aquela que, em tese, se apresente como a mais recomendada para o acompanhamento do caso, levando em conta sua localização geográfica, atividades rotineiras e o perfil do adolescente. Igualmente no caso da Liberdade Assistida serão analisados os orientadores indicados anteriormente por esta mesma Instituição (também previamente cadastrada), fazendo-se uma pré-seleção a ser discutida posteriormente com a Entidade. Antes do encaminhamento, providenciará explicar ao adolescente, seus pais ou responsável sobre a natureza e importância da medida, forma como será ela desenvolvida e conseqüências que poderão advir do seu descumprimento. Inexistindo Entidade adequada para o caso concreto, na hipótese da medida aplicada haver sido a liberdade assistida, o núcleo de gerenciamento indicará pessoas que prestarão o compromisso de orientador, as quais ficarão diretamente ligadas à equipe, recaindo preferencialmente a indicação em pessoas da comunidade, integrantes do quadro de Agentes de proteção e defesa da Infância e da Juventude, ou mesmo técnicos e estagiários do juizado.

4a. ATIVIDADE – ENCAMINHAMENTO DO ADOLESCENTE À ENTIDADE/ORIENTADOR.

Em qualquer caso se fará através de ofício. em se tratando de Prestação de serviços à Comunidade, junto com o termo compromisso do dirigente da Entidade, no qual constará aptidões, horários disponíveis pelo adolescente, necessidade de relatórios, etc. No caso de Liberdade assistida, o ofício fará também a sugestão do nome do orientador. Se não acatada a sugestão, serão realizados entendimentos entre o núcleo e a entidade. Acatada a sugestão ou se chegando a outro nome de consenso, este será convocado para assinar termo de compromisso e receber o máximo de informes sobre o adolescente que deverá orientar ( inclusive síntese da ficha psicossocial). Na mesma ocasião se fará preleção sob suas responsabilidades, importância e conseqüências da medida.
5a. ATIVIDADE – ACOMPANHAMENTO/CONTROLE E AVALIAÇÃO DA MEDIDA.

AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO:

Observação do desempenho das atividades do orientador e do dirigente da Instituição, no caso da prestação de serviços, para que sejam acordadas com o adolescente, respeitando o seu direito de escolha por um novo projeto de vida; Atentar para as alterações e/ou modificações que se fizerem necessárias tanto em relação a pessoa do orientador (reforço capacitação, aconselhamento, etc.) como do adolescente e família; Estabelecimento de vínculo entre adolescente/orientador e família; Verificar níveis de envolvimento do adolescente, familiares e pessoas integrantes da Entidade onde foi designado para prestar serviços.

CONTROLE:

Apresentação de relatórios bimensais; Entrevistas, contatos do orientador e/ou dirigente do local de prestação de serviços à comunidade com à equipe técnica; Confecção de fichas individuais de desenvolvimento do trabalho; Laudo com respectivo parecer à Autoridade judiciária no final do período de execução da medida; Comunicação à Autoridade Judiciária da necessidade de substituir a medida, quando for o caso; Proposta para desligamento de Entidade/orientador, quando necessário; Treinamento e reciclagem para Entidades, orientador, adolescente e familiares; Análise de novas Entidades/orientadores a serem engajados ao programa.

DO ADOLESCENTE:

Receptividade, compromisso e engajamento com a medida; Relacionamento com o orientador; Avanços do processo evolutivo de rompimento da prática delituosa e de integração social.

AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR/INSTITUIÇÃO ONDE É PRESTADO O SERVIÇO À COMUNIDADE:

Compromisso, responsabilidade e engajamento com a medida; Capacidade de articulação com os recursos comunitários em prol da integração social e condução do adolescente a uma nova vida; Relacionamento com adolescente e sua família; Desempenho de suas atribuições.

6a. ATIVIDADE – AVALIAÇÃO PERMANENTE DO PROJETO.

Serão considerados os objetivos, metodologia de atuação, formas de operacionalização e os resultados para o adolescente, família e comunidade. Se os efeitos foram significativos para que contribuam progressivamente com a mudança do quadro. Correções das eventuais falhas, de moldes a assegurar o alcance dos objetivos colimados, redirecionando a sua efetivação sempre que necessário.

RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS:

Conforme registrado anteriormente, um dos graves problemas para a implantação de Programas Sócio-Educativos em Meio Aberto sempre foi a carência de recursos humanos e materiais.

Mesmo nas grandes Capitais brasileiras o que se observa nos Juizados da Infância e da Juventude são instalações físicas inadequadas, insuficiência de equipe de apoio especializada, pouquíssimos funcionários administrativos, além dos serventuários do cartório, falta de veículos, equipamentos e material permanente, e até mesmo de material de consumo, como de sorte ocorre em todos os órgãos do Judiciário, inviabilizando, frente ao grande número de processos, a prestação de um serviço de boa qualidade.

Por isso mesmo, um dos grandes méritos da presente proposta se materializa na baixa demanda desses recursos, postos que o Judiciário apenas coordenará a execução das medidas pela própria sociedade, através de uma pequena estrutura gerencial.

Desta forma, considerando o volume médio de processos de ambas as Varas do Recife, entende-se que tal serviço poderá ficar a cargo de dois técnicos por Vara (psicólogo, assistente social ou pedagogo) e mais um quadro de estagiários. A lógica da proposta possibilita a ampliação ou redução da equipe, a depender da realidade de cada Comarca.

Igualmente, estimou-se que poderão continuar sendo utilizadas as mesmas salas (uma em cada Vara) máquinas de escrever, arquivos, fichários, birôs, cadeiras, estantes, etc., atualmente disponíveis. Da mesma forma, contando cada vara com um veículo utilizado pelas equipes técnicas dos demais setores, possivelmente a demanda de sua utilização pelo “núcleo gerencial das medidas sócio-educativas em meio aberto” não representará maiores incrementos de viagens, na medida em que as saídas só ocorrerão para entendimentos com entidades e orientadores, e, excepcionalmente, para visitas ao adolescente, quando dos relatórios constarem informações que recomendem uma intervenção do Juizado ou mesmo a substituição da medida.

As necessidades de material de expediente não deverão sofrer maiores mudanças, de sorte que, provavelmente, continuará suficiente a forma de suprimento em vigor, através da Corregedoria Geral de Justiça e do Departamento de Apoio ao Juizado da Infância e da Juventude da Secretaria de Justiça.

APOIO E FOMENTO ÀS ENTIDADES COMUNITÁRIAS
DE RETAGUARDA AO PROGRAMA.

A estrutura lógica do presente Programa pressupõe, basicamente, a participação direta na sua execução de Entidades já existentes e de acordo com os recursos humanos e materiais já disponíveis.
Todavia, mesmo se considerando as vantagens delas já atuarem diretamente nas comunidades, há de se convir que em alguns casos não dispõem elas de infra-estrutura mínima para o desempenho desta nova tarefa, ainda que tenha o interesse real em participar do programa.

Por vezes, os recursos humanos disponíveis serão insuficientes, mesmo que para mobilizar outra pessoa da comunidade para servirem como orientador, bastando para isso que coincida em um determinado momento vários adolescentes de uma mesma comunidade serem encaminhados para uma única Entidade cooperadora existente na localidade.

Além disso, para fazer uma acompanhamento efetivo, serão necessários deslocamentos físicos do orientador, comparecimentos ao Juizado, utilização de material de expediente, uso de equipamentos da instituição – máquina de escrever, p. exemplo – para preencher relatórios, etc. Em outros casos faltarão máquinas de escrever, estante, funcionários, etc…

Por isso mesmo, entende-se como indispensável a existência de uma proposta futura que vise apoiar e fomentar as atividades das entidades de retaguarda do programa.

Como é óbvio, não é de se imaginar que a Justiça disponha de dotações financeiras para prestar este tipo de apoio. Além do mais, é preciso que fique claro que este não é um programa da sociedade resolvendo problemas do Judiciário, mas sim, da sociedade resolvendo seus próprios problemas, de forma participativa, como propugnado na Constituição Federal.

Neste contexto, apesar de não fazer parte direta deste Programa, aproveita-se o ensejo de sua propositura para lançar idéias a serem detalhadas futuramente em um programa da própria sociedade, por suas entidades intermediárias, com as quais, de logo, a Justiça da Infância e da Juventude da Capital se compromete a apoiar em negociações subsequentes a saber:

I – Negociação com os Conselhos Estadual e Municipal de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente; UNICEF; CBIA; Entidades financiadoras não governamentais internacionais, etc., visando custeio de eventuais despesas havidas pelas Entidades cooperadoras a partir da assunção de novas tarefas;

II – Negociação com a FUNDAC para apoio financeiros considerando que o êxito do Programa implicará em uma redução drástica nas internações de autores de ato infracional no Centro de Acolhimento Provisório – CAP e no Centro de Reeducação do Menor – CRM, unidades daquela Instituição, e, consequentemente, em uma significativa redução dos custos operacionais (alimentação, vestuário, remédios, vigilância, etc.);

III – Negociação com a iniciativa privada, através de seus órgãos representativos (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco; Clube dos Diretores Lojistas; Associação Comercial ; Federação dos Bancos.), assim como sindicatos de classes melhor estruturados, voltadas para implantação de um projeto similar ao hoje em execução no Centro do Sul do País, promovido pela ABRINQ (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), onde a Cooperação financeira se destina apenas em função da ampliação do número de adolescentes atendidos.

AVALIANDO O PROGRAMA ( 1 – UM – ANO APÓS A IMPLANTAÇÃO )

Em final de agosto de 1994 foram assinados os primeiros termos de Cooperação Técnica com Entidades Governamentais ou não (na versão completa desta obra consta, como anexos, cópias do termo supra referido, da ficha de entrada do CAP/FUNDAC; formulários de avaliação bimestrais, ofícios de encaminhamento, etc.). Um ano depois, haviam sido vinculados ao Programa mais de 90 (noventa) adolescentes autores de atos infracionais, e, quando mais da metade havia concluído a medida – desligados do programa, os índices obtidos eram os seguintes: 92,5% concluíram o período de prova sem qualquer anormalidade digna de registro, seja em relação ao trabalho, escola, relacionamento familiares, não retorno às práticas delitivas; 2,5% praticaram pequenas infrações ou condutas anti-sociais que justificam a ampliação do período de prova; 5% voltaram a cometer delitos graves e tiveram a medida substituída pela internação. Apesar da excelência do número, vários problemas forma detectados (alguns já sanados), a saber: a) Algumas Entidades ou orientadores não estavam preparados para as novas responsabilidades, portando-se descomprometidamente, apesar dos treinamentos e reciclagens propiciados, recomendando o desligamento; b) Mesmo as Entidades/Orientandos sérios e comprometidos estão tendo enormes dificuldades de verbas para pequenas despesas (transporte de orientadores/orientados, lanches, cópias xerox, etc.), e um convênio conseguido pela 2a. Vara para todas elas com a UNICEF, além do diminuto valor das verbas logo se acabou. Presentemente, a 2a. Vara e o Centro de Articulação Retome sua Vida estão em conjunto elaborando uma proposta para apresentar a diversos Órgãos financiadores para viabilizar o apoio a estas Entidades; c) Ao passar do tempo pelo incremento do serviço, observou-se a necessidade de mais uma sala, com os materiais correspondentes, ampliando-se a equipe para 3 (três) técnicos e 3 (três) estagiários; d) O contato regular com Entidades e orientadores demonstra a necessidade de maior disponibilidade de veículos. Desta forma, após aquisição de novos veículos para o juizado (Gol em convênio com o CBIA e Kombi, através da Corregedoria), ficou patenteado a necessidade de um carro para o Programa por 4 dias na semana; e) A equipe tem feito avaliação constantes do Programa, visando corrigir falhas (inclusive auto-avaliação). Entretanto, sente falta de que se denominou de ‘auditoria independente”. Por tal razão, tem mantido contatos com Entidades não Governamentais (Centro de Formação e Gajop) para que, em conjunto, promovam esta avaliação.

Ao lado dos problemas intrínsicos ao programa antes apontados, outros fatores têm dificultado resultados finais mais significativos, em razão de carência na própria rede de apoio Governamental ou não, como por exemplo: I) Inexistência ou baixa efetividade de programas de apoio à família, como preconizado no Estatuto, pois não basta apenas para o adolescente; II) Insuficiência de cursos profissionalizantes, ou, quando existentes, distantes da demanda do mercado ou com índices de sofisticação e escolaridade que não correspondem ao perfil médio dos vinculados ao Programa; III) Reduzidos oportunidades de iniciação ao trabalho, mesmo sob a forma de bolsas ou estágio, em especial quando o adolescente já completou 17 anos.

É indispensável que estas questões sejam incluídas como prioridades nas políticas propostas pelos Conselhos estadual e Municipais, nas ações do Governo e na articulação com a iniciativa privada para suprir tais lacunas.

Excertos do livro
“MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM MEIO ABERTO”,
ED. TJ – PE, 1994.

A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

2/3 (dois terços) da população brasileira reside hoje nas cidades, dos quais a grande maioria concentrada em núcleos urbanos de grande e médio porte e nas chamadas regiões metropolitanas. Tal fato representa exatamente a inversão dos percentuais encontrados no censo de 1950 (quando o país era predominantemente rural). Este fenômeno de urbanização acelerada nos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento tem se dado menos por atrativos reais nas cidades (abundância de emprego, escolas, saúdem habitação, lazer, etc) e muito mais pela ausência de uma política agrária/fundiária coerente que possibilite a fixação do homem no campo, sendo a estrutura atual fomentadora do êxodo rural.

Embora através de pesquisas e levantamentos estatísticos saiba-se ser reduzidíssimo o número de pessoas que deixam o campo diretamente para as grandes metrópoles (normalmente cumprem, por assim dizer, estágios em cidades pequenas, depois de médio porte, e assim sucessivamente), o Governo Central e os Estados Federados continuam investindo os parcos recursos, assim como incentivando a iniciativa privada a investir nos efeitos, não nas causas. Órgãos Federais ligados a esta problemática, como, por exemplo, o CNDU, embora tradicionalmente dirigidos por pessoas competentes e honestas, pouco têm conseguido de prático, posto que, como visto, por mais paradoxal que aparente, o fenômeno da inchação das grandes cidades têm suas causas alimentadoras e retro-alimentadoras fora do “SISTEMA URBANO”, onde não se atua ou quando se tenta fazer alguma coisa, quase sempre se dá de maneira desastrosa.

Aproveitando-se desse caos, pessoas inescrupulosas passaram a retalhar as terras das periferias de todas as grandes cidades em micro lotes, sem as mínimas condições de urbanização futura (ruas estreitas impossibilitando o tráfego de veículos, a chegada de iluminação pública, água encanada, gás encanado, telefonia, declividades excessivas, etc). A regra era o máximo de lucro no mínimo espaço de tempo possível. Tudo isto era feito às escancarras, já que a legislação federal que tratava dos loteamentos – DL nº 58/37, preocupava-se primordialmente com a venda de lotes a prestação e as legislações urbanísticas dos municípios ou eram falhas, às vezes inexistiam, ou, se de boa qualidade, eram superadas na base do “jeitinho brasileiro”.

Neste contexto, por iniciativas do ex-Senador Paulista Otto Lehhman, surgiu a lei de parcelamento de solo urbano (Lei federal nº 6.766 de 12.12.79), que representa inegável avanço no trato da questão urbana no País. Além do aspecto urbanístico propriamente dito, cuida ela de questões cíveis, aspectos de registro público, e, acima de tudo, contempla situações ensejadoras de apenação com privação de liberdade.

Decorridos quase 6 (seis) anos de sua vigência sem qualquer alteração do seu texto original, faz-se necessário avalia-la sem os emocionalismos e paixões das primeiras horas, vendo-se seus aspectos positivos e os que precisam de reformulação, inclusive à luz de construções doutrinárias e jurisprudenciais.

Sobre a relevância desta necessidade de apreciação crítica da Lei nº 6.766/79, veja-se como complexo é o nosso País que, antes de avaliar a legislação existente, já encaminha ao Congresso Nacional o polêmico projeto da denominada “Lei de Desenvolvimento Urbano”, criando novas figuras na legislação pátria, tais como: direito de preempção, direito de superfície, imposição de edificar, amplia a legitimidade de partes para ingressar em Juízo, etc.

Antes da análise propriamente dita, peço desculpas aos nobres colegas pela necessidade de ter feito este rápido histórico, assim como as referências de natureza urbanística que se seguirão, posto que, embora sabedor de que, pela própria natureza das funções por nós exercidas, interessamo-nos mais pela discussão de aspectos legais substantivos e adjetivos, entendo impossível a exata compreensão da problemática sem estas considerações gerais que englobam a natureza e as razões da edição da Lei.

DA NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DA LEI

Observando-se as considerações anteriores, espero que tenha ficado claro que a minha principal hipótese de trabalho diz respeito à necessidade de ser efetuada uma avaliação crítica da Lei, vendo-se seus aspectos positivos e negativos em seus ângulos urbanísticos, cíveis e penais, como fonte alimentadora de uma futura adequação da mencionada Lei nº 6.766/79.
Por questão de justiça devo acrescer que, recentemente, a CNDU encaminhou questionário às Prefeituras e Órgãos direta ou indiretamente vinculados ao problema, só que não foram divulgados os resultados de tal pesquisa e muito menos qual a posição daquele órgão frente aos problemas levantados.

Por razões didáticas e metodológicas, iniciarei minha apreciação pelas grandes questões que atormentaram e ainda atormentam (algumas delas) os aplicadores da Lei desde os primórdios de sua vigência.

DAS QUESTÕES JURÍDICAS

A) Pode a União legislar em matéria urbanística?

A inconstitucionalidade da lei como um todo foi a primeira grande dúvida surgida com o seu aparecimento. As competências da União, como se sabe, são explícitas na magna carta, e nela não se encontra inserida tal matéria, levando a que alguns defendessem ardorosamente a tese de que tal assunto é e competência exclusiva municipal (peculiar interesse).

Nesta esteira, grandes estudiosos, como, por exemplo, EROS ROBERTO GRAU, passaram a construir que a constitucionalidade da Lei ocorre por estar ela a tratar de Direito Civil, Penal, Registros Públicos e normas de defesa e proteção da saúde (art. 8º, XVII, “b”, “e” e “c” da CF vigente). Diz ele taxativamente, In “LOTEAMENTO EM ÁREA METROPOLITANA”: não há como sustentar nela se disponha sobre matéria de urbanismo, visto que não detém a União competência para fazê-lo. Está na vigência da EC 1/69, é integrada na competência municipal”.

Outros, entretanto, como José Afonso da Silva, Miguel Reale e Hely Lopes Meirelles, com base na teoria dos “direitos implícitos” opinam pela competência da União sobre normas gerais de desenvolvimento urbano, sendo que o último deles defende, também, a inclusão da competência da União na CF.

Embora ainda incipiente, a jurisprudência tem dado guarida a esta última corrente, reconhecendo que os 3 (três) níveis de governo têm competência em matéria urbanística.

B) Pode a União legislar sobre procedimentos administrativos a serem seguidos pelas Prefeituras e pelos loteadores?

Por mais louváveis que sejam os objetivos colimados, por mais completa que seja a listagem das exigências a serem satisfeitas pelo loteador; por melhor que seja do ponto de vista da moralidade administrativa que o poder público indique seus planos para a área a ser loteada e tenham prazo certo de validade as diretrizes indicadas, a resposta necessariamente há de ser NÃO. É flagrante a invasão de peculiar interesse municipal, não se trata de normas gerais de urbanismo, sendo uniforme a doutrina neste sentido. Profissionais de planejamento de órgãos governamentais (Secretaria do Estado de Negócios Metropolitanos; Emplasa; CEPAM, etc.) defendem tal dispositivo ardentemente pelos seus efeitos práticos, mas passando ao largo da questão constitucional.

C) Pode a União impor requisitos mínimos urbanísticos aos loteamentos ou vedar o parcelamento do solo em determinadas situações?

A resposta é complexa. Casos há que sim e outros que não. Por exemplo: 1) Proibir o parcelamento do solo em terrenos aterrados com material nocivo, ou em áreas de preservação ecológica são hipóteses de competência explícita da União da Constituição (defesa e proteção à saúde), sendo a resposta SIM. 2) Exigir harmonia das vias do loteamento com as adjacentes; reservar área “non aedificandi” ao longo das faixas de domínio de rodovia e ferrovias são “normas gerais de urbanismo”, visam a uma estrutura lógica da malha urbana do país, compatível com um futuro plano nacional de desenvolvimento urbano, pelo qual a resposta também é SIM. 3) Exigir área mínima e frente mínima de lote, percentuais de declividade, corresponde violação ao peculiar interesse do município, razão pela qual dizemos NÃO pela flagrante inconstitucionalidade de tais dispositivos (no mesmo sentido 2 (dois) acórdãos do Conselho Superior da Magistratura- SP – Ap. Civ. 2.641-0 e AP Civ. 2682-0) prevalece a norma local.

D) É constitucional o dispositivo que exige a prévia anuência do Estado em loteamentos em determinadas situações ou localização?

Pelas razões apontadas na questão da letra “a”, à luz da teoria dos “direitos implícitos” e utilizando-se de uma interpretação extensiva, acarretando em competência supletiva do Estado, a resposta há que ser positiva – O erro técnico, parece, encontra-se em se dizer que o Estado deve legislar por decreto (afronta ao Princípio Constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei). No caso das Regiões Metropolitanas, veja-se também que a competência Estadual para legislar sobre uso do solo urbano decorre ainda da lei, o ato administrativo que anui ou não ao parcelamento perde as características de discricionariedade e envereda pelo campo do arbítrio. Melhor seria que na ausência da Lei, houvesse obrigatoriedade da simples AUDIÊNCIA, e não anuência, sem, portanto, características de ato vinculado, dando caráter de mera sugestão (acatáveis ou não pelo município) às posições defendidas pelo Estado.
Nos tribunais, tal matéria já teve oportunidade de ser apreciada, tendo o Egrégio TJ MG decidido pela obrigatoriedade da prévia anuência (AP. Cível nº 51717).

DOS ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA LEI

Entendo bastante meritórios os objetivos colimados na legislação, aduzindo ainda que, na prática, seus efeitos positivos superaram de muito os negativos, justificando-se plenamente a sua existência no ordenamento jurídico.

Dentre as últimas (negativas) cabe destacar, além das inconstitucionalidades, pela invasão dos limites de competência de cada esfera do governo, a tecnicamente denominada “simetria legal”, vício de difícil solução em um País continental como o nosso. O fato é que o tratamento igualitário, em regiões distintas e em municípios de características as mais díspares possíveis, antes de representar um respeito ao princípio constitucional da isonomia, indica a sua violação, por tratar igualmente os desiguais. Óbvio é que não defendo centenas de critérios, mas entendo inaceitável a existência de apenas 2 (dois) tipos de município, pelo único e exclusivo critério da população, para fins de maiores ou menores exigências ao parcelamento do solo.

No que tange às inovações positivas, cabe destacar as principais delas, a saber:
1) Edição de uma lei compatível com uma política nacional de urbanismo;
2) Possibilidade de o Estado membro impedir o parcelamento quando danoso a municípios vizinhos, e opinar sobre a transformação do solo rural em urbano, em determinadas circunstâncias;
3) Restringir a alteração de destinação dos espaços de uso comum;
4) Minimizar os riscos de danos a terceiros, pela necessidade do loteador provar integridade moral e estado de solvência;
5) Previsão de restrições urbanísticas convencionais;
6) Vedação da venda ou promessa de venda de parcelamento do solo não registrado;
7) Possibilidade do Poder Público promover a regularização do parcelamento, ressarcindo-se das despesas efetuadas;
8) Instituição de responsabilidade solidária das pessoas físicas ou jurídicas que integrem grupo econômico empreendedor de loteamento;
9) Criação de um mecanismo próprio para suscitamento de dúvida (semelhante ao da Lei de Registros Públicos);
10) Criação de figuras penais, com rígida apenação aos infratores dos dispositivos da lei (Sobre tal aspecto, veja-se que a Câmara Especial do TJ-SP, no Habeas Corpus nº 12422-3, denegou ordem para trancar ação penal contra loteadores que colocaram à venda lotes de loteamento não registrado, embora à época do Acórdão, o mesmo já estivesse regularizado, entendendo haver justa causa para a ação e que o crime foi cometido em tese).

DAS QUESTÕES COTIDIANAS

Restam ainda rápidas considerações sobre pequenas dúvidas do dia-a-dia que continuam perdurando, como por exemplo:
a) É obrigatória a participação do MP (pena de nulidade) nos processos de impugnação e suscitamento de dúvida, havendo decisão que, embora com restrições, lhe assegurou a posição de impugnante (9ª Câmara Cível TJ-SP Ap. Civ. nº. 54265-2).
b) A notificação judicial do promitente comprador do loteamento, para constituí-lo em mora, ou do credor, para os mesmos fins, é ineficaz, por ser forma não prescrita em Lei.
c) O Município não pode impedir a implantação dos denominados “condomínios horizontais”, posto que é matéria de direito civil, de competência da União, mas pode sujeita-los às normas urbanísticas locais;
d) Desdobro não é desdobramento (distinção entre o previsto no art. 2º, §2º da Lei 6766/79 com o referido no art. 167, II, nº 4 da Lei nº 6015/73) – Acórdão do Conselho Superior da Magistratura – SP. Ap. cível nº 2.219-0/Ap. cível nº 849-0.
Veja-se aí que a doutrina e a jurisprudência têm entendido, sabiamente, que, no desdobro há simples averbação e não registro, todavia exigindo lotes resultantes com os padrões mínimos da lei de uso do solo. Quando se trata de unidades autonomamente tributadas pelo município, com situação de fato anterior a 12.79, é majoritário o entendimento de que não são exigíveis dos resultantes, os padrões urbanísticos de tamanho de lote e frente de lote (a lei não prejudica o ato jurídico perfeito e o direito adquirido).
e) Os denominados “loteamentos irregulares e/ou clandestinos”, implantados antes de dezembro de 1979 se sujeitam, para fins de regularização, exclusivamente à Lei dos Registro Públicos e à norma urbanística local da época, não se aplicando os dispositivos da Lei nº 6.766/79 (Princípio da irretroatividade da lei).
Havendo dúvidas quanto à época de implantação (aglomerados que se formaram em períodos diversos), e tendo existido mo interregno diversas leis municipais, sem que se possa precisar qual a época de implantação de cada “setor ou fase do loteamento, deve ser aplicada aquela que for mais benigna ao adquirente”. Neste sentido Gilberto Passos de Freitas IN “O Ministério Público na Regularização de Loteamentos” e Diógenes Gasparim IN “Regularização de Loteamentos e Desmembramentos”. A mesma posição é abraçada pelo estudioso do assunto Toshio Mukai, que, em artigo constante do boletim do IRIB nº 98, fez menção a decisões judiciais sobe o assunto, a saber: Conselho Superior da Magistratura – SP Ap. cível nº 1702 – Capital; Ap. cível nº 752-0 – Sumaré e Ap. cível nº 1774-0 – Nova Granada.

São estas, meus amigos, as minhas observações sobre a lei nº 6.766/79, analisando-a dentro dos meus parcíssimos conhecimentos sobre o assunto.Agradeço a paciência dos que me ouviram e coloco-me ao inteiro dispor para responder as questões que me forem colocadas e estiverem ao meu alcance responde-las.

Muito obrigado!

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

(*) Palestra proferida em 1985, na cidade de Campina Grande-PB, em Seminário promovido pelas associações de Magistrados da Paraiba e de Pernambuco.

Considerações Sobre o documento Implicações Éticas da Triagem Sorológica

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo et alii*

Em que pese o cuidadoso e bem-elaborado documento – “Implicações Éticas da Triagem Sorológica do HIV” – realizado pelo Programa Nacional de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (PNC-DST/AIDS), abordando a triagem sorológica do HIV em diversos segmentos da sociedade, alguns pontos nele contidos parecem relevantes, sobretudo aqueles referentes a processos de adoção, sobre os quais se pretende tecer alguns comentários.

No Cap. VII, que trata especificamente do assunto em tela, o documento considera “o número imenso de crianças carentes a serem adotadas”, bem como “requisições de exames solicitados por adotantes”, entendendo a existência dessas duas realidades. Entretanto, afirma posição contrária à triagem sorológica do HIV nesses casos, justificando-se pelo possível uso discriminatório que possa ser feito em relação às crianças/adolescentes soropositivas, o que levaria ou ao impedimento dessas adoções ou ao abrigamento das referidas crianças/adolescentes em “locais inadequados” ao seu desenvolvimento.

Os profissionais que integram a 2ª Vara da Infância e da Juventude do recife, que cotidianamente têm contato querem com as Instituições que abrigam tais crianças/adolescentes, quer com a realidade social destas, quer com os pretendentes a tê-las em um lar substituto, apresentam algumas considerações que parecem também merecer análise aprofundada, com o intuito de que possam contribuir para ampliar esta discussão urgente e necessária.

Primeiramente, vale lembrar que grande parte destas crianças/adolescentes são geradas e/ou criadas em condições ambientais bastante inadequadas, sobretudo de ordem familiar, onde os genitores, em sua maioria, são promíscuos sexualmente, quando não usuários de drogas e alcoólatras. Em adição, condições sócio-econômicas extremamente precárias também levam à fragmentação familiar, resultando, desta realidade, crianças/adolescentes abandonadas, muitas desde a tenra idade, ou então, vítimas de maus-tratos ou mesmo desleixo.

Em paralelo, há também que se considerar a situação dessas crianças/adolescentes nas instituições que as abrigam, onde, não obstante todos os esforços de profissionais e funcionários no sentido de lhes oferecer um ambiente adequado e propiciador do desenvolvimento de suas potencialidades, inevitavelmente, a partir de uma determinada faixa etária, ocorrem contatos sexuais tanto com crianças/adolescentes do sexo oposto quanto do mesmo sexo. Muitas vezes as crianças e adolescentes abrigados já trazem para as instituições vivências de rua, inclusive experiências sexuais, o que as torna vulneráveis e, portanto, necessitadas de acompanhamento.

Por sua vez, no que diz respeito aos adotantes, ainda que lhes seja totalmente vetada a permissão para, previamente, escolher as crianças/adolescentes em seus locais de abrigo, há, através de um requerimento de Inscrição, liberdade para que nesse documento indiquem as características das crianças pretendidas (faixa etária, sexo, se há restrição à saúde física e mental etc.). Embora se busque, por princípio, escolher a melhor família para aquela criança e não o contrário, não se pode, no entanto, deixar de lado a responsabilidade assumida perante estas famílias no sentido de lhes assegurar as condições adequadas ao seu pleito. Mesmo porque, considerando prioritariamente a criança/adolescente, a não garantia destas condições reverterá negativamente para os adotandos, que poderão vir a ser rejeitados em seus lares substitutos, quando não devolvidos Às instituições de origem, ou pior ainda, no caso de adoção por estrangeiros, abandonadas nas instituições desses países. É preciso registrar que riscos de rejeição precisam ser administrados constantemente pela equipe da Justiça da Infância e da Juventude, pois não se revela apenas em casos de soropositividade, mas também em outros de menor monta, como doenças curáveis, empatia, comportamento do adotando etc.

O próprio documento elaborado pelo PNC-DST/AIDS, parece atento à dificuldade de generalizar posicionamentos contrários à triagem sorológica do HIV, em todos os casos, quando deixa em aberto algumas questões. Por exemplo, no capítulo V, que trata da triagem sorológica de HIV, no pré-natal ou pré-nupcial observa que “o diagnóstico precoce de infecção pelo HIV viabilizará no pré-natal a identificação das pessoas que poderão se beneficiar da terapêutica disponível e permitirá o aconselhamento adequado. A crescente demanda de mulheres portadoras do HIV e a conseqüente transmissão para os seus filhos justifica o oferecimento do teste” (p.20). Da mesma forma, em seu capítulo VI – triagem Sorológica do MV em Creches e Escolas –, retomando os direitos preservados na Constituição da República Federativa do Brasil, o art. 227 estipula como “dever da família, da sociedade e do estado, garantir à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação…”. Enquanto que neste mesmo capítulo trazem casuística de crianças/adolescentes discriminadas em creches e escolas, quando do diagnóstico da soropositividade, no capítulo VII, que desloca esta questão para os casos de adoção, não apontam para nenhuma estatística que pudesse exemplificar condutas discriminatórias devido à triagem sorológica do HIV.

A equipe desta 2ª Vara, nos dois únicos casos encontrados de crianças/adolescentes disponíveis para a colocação em família substituta de portadores do vírus HIV, de julho de 1992 até agora, quando se promoveu quase 150adoções, das quais cerca de 50% para adotantes estrangeiros, acompanhou duas situações que parece pertinente relacionar: a de um adolescente de 12 anos adotado por um casal estrangeiro, cuja descoberta da soropositividade de seu no país de origem do casal, 10 dias após a adoção ter sido realizada; e a outra, de irmãos gêmeos, univitelinos, com 1 ano e 7 meses, sendo no primeiro laudo um negativado e outro positivado, este foi retestado por mais 3 vezes, sendo 2 diagnósticos inconclusivos e o terceiro negativo igual ao do irmão. No primeiro caso, o casal, extremamente maduro, não só aceitou e acolheu plenamente o adolescente, como também se dispôs a tratá-lo de forma a lhe permitir uma maior sobrevida e uma maior qualidade de vida. Ainda assim, como haviam colocado na ficha de inscrição que tinham restrições a receber crianças com problemas físicos e/ou mentais severos ou irreversíveis, o casal manifestou seu desagrado com o fato, entendendo que houve irresponsabilidade por parte da Justiça brasileira ao não fazer o teste previamente. Pergunta-se: e se o casal tivesse devolvido o adolescente? Esta rejeição não teria conseqüências bem maiores do que a constatação e manutenção do adolescente no abrigo original com um acompanhamento ou encaminhamento a uma entidade apropriada? Do ponto de vista do casal adotante, não houve uma injustiça para quem esperou tantos anos por um filho? A mesma atitude madura foi encontrada em uma senhora médica, francesa, que se dispôs a adotar as crianças do 2º caso, quando as mesmas já haviam sido rejeitadas por outros 2(dois) casais, ainda quando o diagnóstico de soropositividade era inconclusivo para um deles, assumindo os riscos de sua decisão e podendo, desta forma, cerca-los dos cuidados necessários a um desenvolvimento o mais saudável possível.

Em várias situações o documento enfatiza a triagem indiscriminada para seleção e a questão do direito ao sigilo nos casos em que a soropositividade é diagnosticada para justificar sua posição contrária à triagem sorológica do HIV. Entretanto, não parece, em momento algum, que esta equipe adota a posição de requerer triagem sorológica do HIV para crianças/adolescentes que estão em vias de serem adotadas, e somente nesses casos, esta atitude se confronta com aquelas expressadas no documento analisado. Vale acrescentar que a quantidade de crianças/adolescentes abandonadas, com destituição de pátrio poder, aguardando por uma adoção, é relativamente pequeno, comparando-se à totalidade daquelas abrigadas.

A equipe da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Recife acredita que a realização do exame sorológico HIV previamente à adoção não só deva fazer parte de um procedimento de rotina – tanto quanto o é a solicitação de exames clínicos e a avaliação física e mental das crianças/adolescentes – como também as protegerá de futuras rejeições e/ou abandonos. Além disso, caso seja diagnosticada a soropositividade, o diagnóstico, o mais precoce possível, permitirá a proteção e o tratamento das crianças/adolescentes, o que lhes garantirá o direito à vida, à saúde, bem como a de outras crianças/adolescentes que com elas convivem, da mesma forma, permite a que se inicie a busca de casais adotantes que tenham o perfil para adotar crianças/adolescentes com tais características.

A quebra do sigilo bastante evocada no referido documento também não atinge tal postura, pois todas as informações daquela criança/adolescente e seus respectivos procedimentos de adoção são, por imperativo legal, de caráter estritamente confidencial, cabendo a todos os profissionais envolvidos com este trabalho e as Instituições de Abrigo obedecer e zelar para que este caráter seja mantido.

Estando os pais biológicos destituídos do pátrio poder, portanto não sendo representantes legais dos filhos, as crianças/adolescentes abrigadas nesta condição estão submetidas à autoridade da Justiça da Infância e da Juventude, sendo de sua competência, nesta condição, buscar colocá-las em famílias substitutas e, durante a permanência no abrigo, providenciar diretamente através das instituições públicas ou privadas, prover-lhes dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e Estatuto no tocante à saúde, educação, lazer, profissionalização, etc. Como tal, só a autoridade judiciária, após manifestações do Ministério Público, pode autorizar a realização de exames invasivos, sempre no melhor interesse da criança.

Finalmente, deseja-se trazer a enorme preocupação do grupo com esta realidade – a de crianças/adolescentes portadoras e possíveis portadoras do HIV – que hoje se nos avizinha muito mais próxima, levando-nos a questionar com uma certa ansiedade sobre o seu futuro, sobretudo quando se verifica o ainda precário estado em que esta questão vem sendo encaminhada e tratada no Brasil. Longe de uma crítica, a Justiça da Infância e da Juventude do recife (2ª Vara) se coloca, ao trazer isto à tona, como parceira na busca de soluções no sentido de que o art. 227 da Constituição federal, em toda a sua inteireza, possa de fato ser garantido e cumprido, pois está nesta garantia e cumprimento a formação dos futuros cidadãos brasileiros.

Por uma mudança na composição dos tribunais

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O mundo moderno exige dos Poderes constituídos uma perfeita adequação para o atendimento dos anseios e aspirações da comunidade, mormente quando se trata de serviços de necessidade pública (aqueles sem os quais, por serem absolutamente necessários e imprescindíveis – Segurança, Justiça, Saúde, Educação, etc.- representam a própria razão da existência do ente político).

É lamentável, entretanto, constatar-se que, no Brasil, estes serviços jamais mereceram dispor de condições materiais suficientes para bem desincumbirem suas missões, em detrimento dos serviços de mera utilidade pública, que, no mais das vezes, demonstraram nem serem tão úteis assim.

Dentro deste contexto se insere o Poder Judiciário como um todo, sofrendo mazelas inimagináveis para órgãos da Administração indireta do Executivo, que vão desde a falta de espaço físico; de equipamentos e material permanente; de pessoal de apoio qualificado; de uma justa remuneração para os seus membros, desmotivando o ingresso dos mais qualificados em seus quadros; o dever de dar cumprimento a Leis anacrônicas e obsoletas criadas com o único intuito de privilegiar uns poucos; de arcar perante a opinião pública com a responsabilidade por males aos quais absolutamente não deu causa, isto sem falar na impossibilidade de acesso às novas tecnologias, onde, para a maioria dos Judiciários estaduais, a informática, por exemplo, parece ser coisa de outro mundo.

O histórico momento do surgimento de uma nova Magna Carta neste País, recomenda à nação inteira, e, em particular, aos senhores constituintes, repensar a estruturação do Poder Judiciário, analisando-se detidamente todos os aspectos que lhe permita uma ampla e verdadeira reforma (aliás, com exemplar competência os organizadores deste conclave parecem ter conseguido inserir na programação os pontos de maior relevância), criando-se condições efetivas para que se cumpra adequadamente o seu relevante papel constitucional.

Com a vista voltada para este ponto norteador, e valendo-me da minha modesta experiência de Juiz de Direito e de ex-técnico em Administração Pública, ouso apresentar aos senhores congressistas algumas idéias respeitamente à composição, competência e estruturação da justiça de 2º grau.

Quero crer que a adoção das mesmas, juntamente com outras tantas que, com certeza, estão sendo pleiteadas nas demais comissões, possibilitará uma maior fluidez na prestação jurisdicional em todos os níveis, restaurando-se a confiança popular no Judiciário, e impedirá que, como costumeiramente ocorre em vários estados da federação, em pleno desenrolar das audiências, alguns advogados se voltem para os causídicos da parte adversa propondo um acordo, junto com uma ameaça de, em não sendo feito, recorrerão de decisão, ao mesmo tempo em que, irônica e sarcasticamente, afirmam que a decisão do segundo grau ficará para as calendas gregas (Justiça tardia não é Justiça!).

1. Do Supremo Tribunal Federal

Como é sabido, a sua atual composição é formada por 11 membros, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, com as vastíssimas competências previstas no art. 119, da CF.

Praticamente nenhum destes aspectos pode ser acatado sem uma veemente contestação, a saber:

a) Primeiro ponto a ser analisado, que será basilar no decorrer de todo o trabalho, diz respeito ao ingresso na mais alta Corte de Justiça de pessoas estranhas aos quadros da magistratura, que, na maioria das vezes, não participaram nem de uma comissão de sindicância ou de inquérito. Ainda que não fossem extremamente subjetivos os critérios de notável saber e de conduta ilibada, permanece inaceitável que algumas pessoas alcancem o ápice de uma carreira sem que a ela nunca tenham pertencido, que cheguem ao último degrau de uma escada sem ter posto os pés no primeiro. Se estas pessoas, por questões de traços psicológicos, vocacionais, ou na busca de melhores ganhos, optaram pelo exercício do Ministério Público ou da advocacia, que busquem o ponto máximo no exercício de suas respectivas profissões (afinal de contas, não há preceito similar que assegure o ingresso do magistrado nos mais altos colegiados destas classes).

Lembro, embora admita o tom jocoso, que, quando em abril de 1997 foram criadas vagas de Senador da República, independente dos pré-requisitos normais para galgarem o tão nobilitante posto (liderança e consagração pelo voto popular), que os seus ocupantes foram, de imediato, denominados, pelos demais políticos e pela imprensa, de “Senadores biônicos”, desconhecendo-se, entretanto, que sejam feitos, igualmente, referências semelhantes aos magistrados que ascenderam aos Tribunais sem serem originalmente julgadores.

Assim, propõe-se que o recrutamento dos membros do STF seja efetuado dentre os componentes do Tribunal Federal de Recursos (ou Tribunais Federais, como será proposto no item subseqüente) e nos Tribunais de Justiça Estaduais;

b) Inaceitável, também, o processo de escolha ora estabelecido. Embora entenda que a escolha e nomeação de novo membro deveria se operar por decisão do plenário e ato da presidência do próprio STF, posto que não se conhece precedente admitindo ingerência de magistrados nas nomeações, promoções ou remoções de funcionários do Executivo e do Legislativo, e, muito menos, opinando sobre indicação de Ministros de Estado ou composição de comissões parlamentares no Congresso, devo registrar que tal entendimento é repudiado por vários constitucionalistas como Pinto Ferreira, Alcides Rosa e Pontes de Miranda, alegando-se o risco de criação de uma casta de Magistrados. Inobstante admitirem-se razões na ponderação formulada, quer parecer que a atual forma apresenta maiores falhas, com excessiva dependência de condicionantes políticos na escolha, onde a Corte Superior não opina na indicação do seu futuro membro. Assim, partindo-se da premissa de que a escolha, sendo operada exclusivamente dentre integrantes do Poder Judiciário, se releva sobre a questão relativa a quem compete tal atributo, bem como diante da óbvia resistência que a proposta de exclusiva decisão do STF encontrará em uma “Constituinte Congressual”, apresenta-se como alternativa a sugestão que o grande Pontes de Miranda apontava, já em 1932, em sua obra “Os Fundamentos Actuaes do Direito Constitucional”, como a melhor indicada, que seria a participação dos três poderes no processo (STF indicaria lista tríplice, mantendo-se a participação do Senado até a nomeação pelo Presidente da República);

c) Intrinsecamente ligadas estão as questões relativas ao número de membros e a competência da Suprema Corte do País.

Apontam, com inteira razão, os constitucionalistas brasileiros que a origem do STF se deu tendo a Suprema Corte Americana como referência, todavia com ampliação das competências. O quadro atual do volume de processos tramitando na mais alta Corte da Justiça, segundo o depoimento de um dos seus membros feito pessoalmente ao autor deste trabalho em março deste ano, aponta como insustentável tal situação. Para que o fluxo das decisões emanadas do Judiciário, na 1ª e 2ª instância, ganhe maior organicidade, tudo recomenda, como ocorre com o seu similar norte-americano, que suas atribuições devam ser limitadas a uniformizar o direito e apurar a constitucionalidade. Se assim for, não há o que se alterar na sua composição. Óbvio é que, se não acatado tal entendimento, será absolutamente necessária a ampliação do seu número de componentes para fazer face á demanda de processos (que, por certo, se ampliará caso o restante dos órgãos do Judiciário funcionem com maior celeridade).

Neste caso, poder-se-ia adotar a sugestão do Desembargador pernambucano Benildes Ribeiro no sentido de dar ao STF uma feição garantidora do princípio federativo, à semelhança do Senado, com vinte e sete membros, sendo um representante de cada TJ dos estados, e quatro recrutados no TFR e TJ do Distrito Federal.

2. Do(s) Tribunal(is) Federal(is) de Recurso(s)

A atual composição do TFR é de 27 membros, dos quais 15 escolhidos dentre Juízes federais (lista tríplice do próprio Tribunal); 4 escolhidos dos quadros do Ministério público federal; 4 advogados e entre 4 Magistrados das Justiças dos Estados, Distrito Federal e Territórios, sendo que exceto os Juízes Federais os demais nomes são apreciados pelo Senado.
Evidentemente, a questão do excesso de trabalho não pode ser resolvida com a simples ampliação dos seus quadros (afinal de contas, na Constituição de 1946, o TFR era composto de apenas 9 membros, sendo tal número ampliado para 13 na Carta de 1967, até chegar aos atuais 27 membros). O art. 105 da Constituição de 46 já acenava com a possibilidade de criação de outros Tribunais Federias de Recursos, preceito que foi ampliado na Constituição de 67 (EC nº 01/69), que chegou a indicar os Estados onde, mediante Lei Complementar, poderiam ser criados 2 (dois) outros Tribunais.
Entende-se que, até pela ampliação das competências decorrentes da redução de atribuições do STF, far-se-á necessária a criação, na própria Constituição, de Tribunais Federais de Alçada, em número de 4 (quatro), um para cada grande região do País. O próprio objeto deste trabalho não recomenda que nele se detalhe a divisão de competências entre o TFR e os Tribunais de Alçada Regionais, sendo certo, entretanto, que ao primeiro caberá o remanescente de competência do STF, na forma proposta neste documento.
Igualmente ai proposto para o STF, e pelas mesmas razões filosóficas, não deverá existir vagas nos seus quadros para pessoas não-oriundas da Magistratura. Os membros do TFR deverão ser necessariamente recrutados dos Tribunais Federais de Alçada e dos Tribunais de Justiça Estaduais.
Os integrantes dos Tribunais Federais de Alçada serão escolhidos dentre Juízes Federais e membros dos Tribunais de Alçada Estaduais (onde houver), ou Juízes da Capital (em não havendo), todos lotados no âmbito regional de cada Tribunal.
Entende-se também que a escolha deverá ser unicamente procedida no âmbito “interna corporis” do Poder Judiciário, mas, se assim não for, que seja adotada a fórmula alternativa proposta para o STF.
Adotando-se tal sugestão, os Tribunais Federais de Alçada poderiam ter 9 (nove) membros cada (situação igual à da Constituição de 46 para o TFR), enquanto que o TFR, a depender da divisão de competências, teria mantido o seu atual número de membros, ou reduzido para 13 (treze) (situação da Carta de 67), incluindo-se, nesta hipótese, uma disposição transitória estabelecendo a redução paulatina de membros, à medida que fossem se dando as vagas por aposentadoria, falecimento ou acesso ao STF.

3. Do Superior Tribunal Militar

As peculiaridades da Justiça Militar (tal como ocorre com a Justiça Trabalhista), especialmente pela natureza das matérias sob sua jurisdição (crimes tipicamente militares), exigem que neles permaneçam tendo assento oficiais generais da ativa das três armas. Todavia, mantido qual seja o seu atual número de 15 membros, as 5(cinco) vagas existentes para civis deverão ser exclusivas para Juízes Auditores Militares. Em qualquer caso, ou se adota a alternativa de escolha e nomeação exclusiva do STM, ou se acata a proposta de envolvimento dos três Poderes constituídos, com já proposta para o STF.

4. Dos Tribunais Eleitorais

Entende-se como perfeitamente adequada a estruturação prevista para o Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais Regionais Eleitorais, inclusive no tocante ao número de integrantes, ressalvada a substituição dos dois advogados de notável saber, coerentemente com o que foi pugnado nas hipóteses anteriores. No caso do TSE, seria indicado mais um representante do STF e outro do TFR (caso se entenda que o rol da competência proposta para a Corte Maior recomenda o afastamento de seus membros da apreciação de situações concretas no campo eleitoral, a composição do TSE poderia ser de 3 ministros do TFR e 4 dos TFA’s (um de cada região). Nos TER’s, a substituição seria procedida por mais um juiz de Direito Estadual.

5. Dos Tribunais do trabalho

A peculiaridade da Justiça trabalhista não é suficiente para subsidiar argumento a favor da manutenção, no TST e TRT’s, dos atuais Juízes classistas, recomendando-se, em um primeiro momento , de transição, a vedação da recondução por mais de 2 períodos, sequenciada pela extinção paulatina de cada cargo vago. Todavia, os Ministros e Juízes Togados obrigatoriamente deverão ser recrutados dentre magistrados da Justiça do trabalho. Por óbvio, reitera-se o entendimento de que prioritariamente deve ser definido que a escolha dos novos membros já atributo do TST, mas, se tal não for possível, como já alertado no item 1 do trabalho, que se adote a proposição antes referenciada de que o processo seja iniciado por lista trinômine oriunda do tribunal.

6. Dos Tribunais Estaduais

Igualmente ao que já tinha ocorrido nas Constituições anteriores, a Carta vigente não trata da questão relativa aos quantitativos de componentes dos Tribunais Estaduais. Esta única exceção no texto constitucional é justificada como respeito à autonomia e peculiaridades de cada Estado da Federação. As modificações trazidas com a EC nº 7/77 e na malsinada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no tocante à ampliação dos membros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Inferiores de 2ª instância, praticamente, perpetuaram o “Status Quo” da época e, com isso, as evidentes falhas existentes. Se em alguns Estados surgem críticas sobre o gigantismo dos Tribunais, noutros saltam aos olhos a insuficiência de número de membros. Como exemplo extremado encontra-se o Estado de São Paulo, com 125 Desembargadores (dos quais apenas 25, por força do item V do art. 144 da CF, têm atribuições administrativas e jurisdicionais de competência do Tribunal Pleno, criando assim uma odiosa distinção entre os membros), e o de Pernambuco, com apenas 15 membros (sendo a última ampliação efetuada em 1952, quando era infinitamente menor a população do Estado e o volume de processos em tramitação). Cabe acrescer que, no caso de Pernambuco, inexiste Tribunal inferior e o número de membros do TJ é menor que o encontrado nos Estados de Porte semelhante.
Inobstante o acatamento da base filosófica das razões que justificam a não-fixação do número de membros dos Tribunais Estaduais, há de se fixar, na própria Constituição, critérios objetivos que, ao serem alcançados, impliquem na automática ampliação dos membros dos Tribunais de Justiça e/ou criação de Tribunais de Alçada. Estes critérios devem levar em conta o movimento forense e o número de jurisdicionados, e não podem ser incompatíveis entre si, como ocorre com o previsto na LOMAN (não se cria Tribunais de Alçada porque a maioria dos Tribunais de Justiça não tem 30 Desembargadores; ao mesmo tempo em que não se amplia o número de Desembargadores em razão da inexistência de um critério que obrigue a sua ampliação – lamentavelmente, ainda há quem perca de vista que a prestação do serviço à comunidade é infinitamente mais importante que uma eventual redução de poder –, ou porque não foram distribuídos mais de 300 processos para cada Desembargados no ano anterior – o acúmulo de processos existentes no Tribunal diz respeito ao somatório de vários anos –, assim como tal número não é alcançado pelo fato de muitos desistirem de recorrer em função da demora da decisão). Embora óbvio, cabe aduzir, ainda, que, igualmente nos Tribunais de Justiça Estaduais e nos tribunais inferiores de 2ª instancia, pleiteia-se que sejam aplicados os princípios formulados no decorrer do trabalho, no sentido de seus membros serem escolhidos exclusivamente dentre Juízes Estaduais, assim como que a escolha seja procedida sem a ingerência do executivo, ou, no mínimo, que se adote a fórmula do envolvimento dos três Poderes.
Finalmente, não é demais lembrar que a adoção das mudanças propostas na Justiça de 2º grau, aliada a tantos outros aspectos relativos à Magistratura que carecem de modificações, não se consubstanciará em melhorias efetivas e palpáveis a favor da população, se o “Legislador Constituinte” não cuidar de, ao lado da autonomia administrativa, assegurar autonomia financeira ao Poder Judiciário.

Síntese das Proposições:

I. As Cortes de Justiça no Brasil, em nível federal e estadual, deverão ter seus membros escolhidos exclusivamente dentre os membros da Magistratura, eliminando-se, por completo, a convocação de advogados e membros do Ministério Público;

II. Excetuam-se da regra supra, em razão da especificidade das matérias de competência dos respectivos Tribunais, a participação de oficiais generais das três armas no STM e, transitoriamente, a de Ministros e Juízes classistas, por período certo, no TST e TRT’S.

III. A escolha e nomeação dos novos membros deverá ser atribuição exclusiva do respectivo Tribunal ou da Corte que lhe for imediatamente superior (conforme o caso); ou, se inviabilizada tal alternativa, dever-se-á adotar a sugestão de participação dos três Poderes, partindo-se, nesta hipótese, sempre de listas trinômines oriundas do Judiciário;

IV. A Competência do STF deverá ser limitada, como a do seu similar americano, à uniformização da Jurisprudência e apreciação de questões relativas à constitucionalidade, mantendo-se o seu atual número de membros;

V. Em não acatada tal sugestão de redução de matérias sob a competência do STF, deverá ser dada à Suprema Corte uma estrutura filosófica garantidora do princípio federativo, à semelhança do Senado, de forma a que o mesmo seja composto por um representante recrutado de cada TJ Estaduais, e mais 4 membros escolhidos dentre Magistrados do TFR e Tribunal de Justiça do Distrito Federal;

VI. Em se adotando a sugestão do item IV, as matérias retiradas da competência do STF deverão ser transferidas para o TFR;

VII. Deverão ser criados 4 Tribunais Federais de Alçada, de âmbito Regional, como forma de reduzir a centralização e desafogar o TFR, com competência especificada na própria Constituição e composto por Magistrados oriundos das Justiças Estaduais e Federal, com 9 membros em cada um deles;

VIII. A Constituição deverá especificar critérios objetivos, no tocante à população e movimento forense, que, tão logo alcançados, impliquem na ampliação automática dos atuais números de membros dos Tribunais Estaduais, assim como na criação de Tribunais inferiores de 2ªinstância.

(*)- Tese apresentada em Congresso da AMB, em Recife-PE, em 1986(aprovada por maioria, em votação conjunta com várias outras que, com maior ou menor extensividade, apresentavam propostas similares).

Duas cenas brasileiras

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Og Fernandes
DESEMBARGADOR

José foi o quarto filho resultante da união entre a paternidade irresponsável e a maternidade precoce. Nasceu na periferia de uma cidade da zona metropolitana do Recife, quando o pai (que pai?) já desaparecera nas esquinas do Mundo. Tinha como lar (que lar?) um barraco, na verdade, um amontoado infecto de madeiras à beira de um mangue cheio de ratos, os substitutos dos bichos de pelúcia, brinquedos que José não conheceu.

A essa altura, a mãe de José esperava o quinto filho, aos 24 anos de idade. Fruto da sua nova união com um companheiro viciado em álcool, vadio e violento. Ela trabalhava para sustentar a todos. Afinal, gravidez é sinal de saúde. Saúde que José não possuía. Um exame médico constatou quadro de desnutrição em alto grau, escabiose e infecção tuberculosa, entre outros males mais complicados de compreender aos não iniciados na medicina.

Ao chegar das compras, a mãe de José encontra o filho chorando e com vômitos. O companheiro revela que havia dado um tapinha de nada na criança, que caiu da cadeira com a cabeça no chão. Providencia um remédio com a vizinha e somente se acalma quando o menor cai em sono profundo.

A mãe de José sai para o trabalho e quando retorna, dorme pesadamente. Sem tempo de notar que o filho morrera com apenas 1 anos e 9 meses de idade. A perícia constatou que “o tapinha de nada” causara perfuração da alça intestinal da criança. Mas o que doeu, doeu muito, foi saber que José ainda foi mordido por ratos durante o seu último e derradeiro sono.

E aí, entra o Estado-Autoridade para substituir ao seu modo aquilo que o Estado-Previdência não fez. A mãe de José é processada pelo crime de abandono material do filho – juntamente com o companheiro – sob a acusação de não ter prestado socorro eficiente ao filho. Ele é condenado a nove anos de cadeia e ela a seis anos. Ele, num gesto de confissão de culpa, não recorre da decisão, mas ela bate às portas do Tribunal, que reforma a sentença e absolve aquela mãe, tão vítima quanto José.

Fim da primeira cena.

Maria não conheceu pai e mãe. Quando deu por si e pelo mundo, estava numa instituição especializada em acolher crianças sem eira nem beira. Ali, há uma esperança ligando Maria ao seu futuro. Quem sabe, entre tantos meninos e meninas de histórias semelhantes, não encontre alguém que termine por adotá-la.

Aparece um estrangeiro então residente no Recife, que estende a mão e o coração a Maria. Os pais adotivos retornam ao país de origem e Maria virou Mary. Mary/Maria recebeu casa, carinho e comida. Estudou, formou-se e fez pós-graduação. Mary/Maria casou-se, tem filhos sadios, é professora universitária na sua segunda pátria. Ensina a jovens de outra nacionalidade aquilo que não pôde transmitir a brasileiros.

Fim da segunda cena.

Os fatos aqui narrados são verdadeiros. Apenas os nomes reais foram preservados. Não sei se José chegou a ter consciência da curta vida miserável que viveu. Tomara que não. Mas Mary/Maria, toda sentimento, não esqueceu o seu passado e acaba de remeter uma contribuição em dólarespara a instituição pernambucana que a acolheu.

Amparo, eis tudo o que diferenciou a sina de José da vida risonha de Mary/Maria. Assim, leitor, se você pode prestar assistência a um menor carente, não vacile. Auxilie. Se já pensou em adotar uma criança e ainda não fez por algum tipo de dúvida ou receio, reflita sobre essa dupla cena pernambucana. O futuro de um ou de vários menores pode estar ao alcance do seu gesto. Aja. Siga em frente. Pode ser que Mary/Maria jamais saiba da sua atitude. Mas em algum lugar do universo, José vai lhe agradecer.