Prof. Dr. Luis de la Mora
Conselho Municipal da Criança e do Adolescente do Recife.
Dr. Luiz Carlos Figueiredo
Juiz da 2a. Vara da Infância e da Juventude do Recife.
INTRODUÇÃO
Desde os tempos quando juristas, educadores, técnicos, gestores de políticas públicas e membros dos movimentos desenvolvidos no interior dos órgãos públicos e das organizações populares realizávamos discussões e debates visando a formulação dos princípios fundamentais das mudanças no panorama legal e a criação dos mecanismos do reordenamento institucional necessário para melhorar os padrões de atendimento às crianças e aos adolescentes, que se materializavam nos dispositivos da Constituição Federal, das Constituições Estaduais, das Leis Orgânicas Municipais, e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, além das legislações estaduais e municipais ordinárias para criação dos Conselhos de Direitos, dos Fundos e Conselhos Tutelares, que prevíamos ter de enfrentar resistências por parte de alguns setores contrários aos princípios que orientavam nossa ação: a descentralização político-administrativa, a articulação interinstitucional e a participação popular na formação e no controle das políticas, além da redefinição dos papeis do Poder Judiciário, do Ministério Público e das entidades governamentais e não governamentais promotoras e defensoras dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Sabíamos que “o dia seguinte”, à aprovação do Estatuto iria ser longo e difícil. Com efeito, os adversários têm sido persistentes e competentes na utilização dos meios de comunicação de massa, o que somado ao fato da omissão por parte de uma grande parcela da sociedade e da crise fiscal e gerêncial das políticas públicas, tem conseguido ampliar, no meio da maioria silenciosa da população, a idéia de que o modelo proposto pelo Estatuto não se aplicaria nas condições do nosso estágio de desenvolvimento econômico, social, cultural e institucional, e que a opção pelos seus princípios e mecanismos propostos deveria ser revisada.
Os defensores do novo modelo, inspirados nos fundamentos da Convenção das Nações Unidas, e na visão critica do funcionamento das nossas instituições, congregados numa frente , fomos gradativamente “desconstruindo” o ordenamento jurídico e institucional anterior para irmos colocar tijolo por tijolo, passo à passo, os alicerces legais e as estruturas organizacionais do novo modelo.
No do meio caminho, quando o reordenamento institucional ainda não foi concluído, uma vez que uma grande parcela dos Conselhos Estaduais de Defesa de Direitos não vem conseguindo formular as políticas, nem criar o Fundo da Criança, nem muito menos tem conseguido articular as ações dos órgãos públicos e das entidades não governamentais, ou porque os Conselhos de Direitos e Tutelares ainda não foram criados em todos os municípios, e ainda porque os que realmente estão dando passos efetivos e eficazes podem ser contados com os dedos da mão em cada Estado, porque os Fundos Municipais que estão captando e distribuindo recursos são ainda casos excepcionais dignos de ser colocados como exemplos nos eventos regionais e nacionais. Neste momento, a unidade do movimento é ameaçada, não mais pêlos opositores do estatuto, mas, pôr um grupo, que, inspirado na mais pura das intenções de fortalecer a ação dos conselhos, propõe mudanças na sua composição, alegando a “inconstitucionalidade” da participação de alguns representantes, que, no seu entender não deveriam constituir os conselhos.
Eles partem do princípio de que os Conselhos são frágeis e inoperantes porque estão incorreta e mesmo ilegalmente constituídos, e que, consequentemente, seu fortalecimento e dinamização deve começar pela sua recomposição, restabelecendo a sua paridade, comprometida, segundo esta corrente, pela presença entre as entidades governamentais, de representantes de outros locais: Legislativo, Judiciário e Ministério Público, ou de outras esferas de governo: órgãos federais ou estaduais nos Conselhos Municipais. Defendem assim, que a representação governamental nos Conselhos Estaduais e Municipais devera ficar restrita exclusivamente aos representantes do Poder Executivo do respectivo nível de governo.
Por discordar dos fundamentos jurídicos desta doutrina, e da oportunidade política da estratégia de dinamização dos Conselhos de Direitos à partir da sua recomposição, dispusemo-nos a escrever estas linhas, como contribuição ao debate, tentando, com isto, contribuir para a convergência nos princípios e na pluralidade das formas de exercitá-los.
Começaremos por questionar a oportunidade política desta iniciativa, para em seguida, baseados na avaliação da eficácia, tanto dos Conselhos “regularmente” constituídos, quanto naquela dos “ilegais”, criticarmos a estratégia proposta de “recompor” para dinamizar. Passaremos a defender, partindo da nossa experiência concreta, enquanto conselheiros estaduais e municipais, a participação de outros níveis de governo, e Poderes do Estado nos Conselhos, por considerarmos que, longe de por em risco sua identidade ou comprometer sua autonomia, conferem ao Conselho uma maior legitimidade por representar as instâncias que direta ou indiretamente influenciam na qualidade das ações locais, além de facilitar a articulação entre níveis de governo, preconizada no art. 86 do Estatuto. Continuaremos nossa argumentação, defendendo a autonomia das unidades federadas, estados e municípios, de criar as modalidades organizacionais mais adequadas à cultura política e às peculiaridades locais, para finalmente desenvolvermos uma série de considerações, baseadas na interpretação jurídica dos dispositivos constitucionais e legais, para afirmar a “constitucionalidade” da participação de outras instâncias de Poder nos Conselhos de Direitos.
A OPORTUNIDADE POLÍTICA DA ESTRATÉGIA PROPOSTA.
Independentemente da solidez da argumentação jurídica defendida por aqueles que propõem a exclusão dos representantes de outras instâncias do Poder Público nos Conselhos de Direitos, e mesmo que venhamos a reconhecer sua pertinência, e nos empenhemos na restruturação dos Conselhos “mal constituídos” ou “ilegais” não podemos que concordar que esta seja a estratégia mais adequada para iniciar o processo de dinamização, mas sim sua conclusão.
Com efeito, desde que iniciávamos nossa participação neste movimento, aprendemos com Antônio Carlos Gomes da Costa, na época Oficial de Projetos do UNICEF, que o processo de mudança das leis ou das instituições era o resultado conjugado de diversas qualidades da nossa ação: 1) Vontade Política, isto é, determinação de engajar-se ou pelo menos de aceitar que o processo aconteça; 2) Competência Técnica para orientar corretamente nossa ação, resultante da determinação de agir, e 3) Habilidade Política, para identificar nossos aliados, neutralizar os adversários, escolher o campo de ação e o momento mais favorável, para empreender a ação determinada e competente.
Agindo assim, os mecanismos legais, os recursos institucionais e financeiros terminarão por serem criados. À partir da nossa experiência, já como assessores dos movimentos populares, já como gestores das políticas públicas, temos podido verificar, com grande satisfação, a sabedoria desta estratégia. A determinação, a competência e a habilidade com que tem sido desenvolvido as ações, tem sido as pré-condições necessárias e imprescindíveis à criação de leis, à instalação de mecanismos e instituições: Conselhos, órgãos, programas, etc.., e mesmo para encontrar os recursos financeiros necessários à sua implementação e funcionamento.
Esta é a estratégia que aprendemos e temos seguido com maior fidelidade possível em todas as iniciativas que temos empreendido desde a instalação do primeiro “Conselho do Menor”, em 1987, em Olinda, e do Fórum Estadual da Criança e do Adolescente, em janeiro de 1988 no Recife, que vieram a constituir-se em verdadeiras antecipações das mudanças legais e institucionais introduzidas no nosso ordenamento jurídico, à partir da Constituição de outubro de 1988, e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
A determinação competente e hábil dos autores é quem cria ou modifica as leis, instala ou dinamiza os Conselhos, não o contrário. A dinâmica social cria e modifica as suas instituições. Ë o fluxo social que provoca a criação ou modificação do canal institucional, e não o contrário. A dinamização do Conselho, via capacitação e/ou estímulos à atuação decisiva dos seus participantes é quem levará, se assim se julgar necessário e pertinente, à sua re-estruturação. Jamais a re-estruturação pura e simples constituirá a estratégia eficiente e suficiente para dinamizar um Conselho. Não é existência da ponte que faz nascer a vontade de atravessar o rio, ao contrário, é a vontade de atravessar o rio que nos faz imaginar a forma de atravessa-lo mais convenientemente e acessível aos nossos meios. Podemos ir nadando, ou numa jangada, ou melhor ainda, podemos construir uma ponte pênsil de cordas, ou se assim for preciso, e dispomos dos recursos necessários, podemos mesmo construir uma ponte de concreto armado.
Os canais institucionais, os meios, os recursos são, evidentemente, necessários, porém não são imprescindíveis. Lembremos que, podemos, em última instância, atravessar o rio nadando. Neste caso, poderemos atravessa-lo cada vez por um lugar diferente, segundo nossas conveniências. Já a ponte oferece maior conforto e segurança, mas obriga-nos à cruzar o rio sempre pelo mesmo lugar. Cada uma das alternativas pode ser válida. Tudo é relativo, dependendo do que se pretenda privilegiar; a flexibilidade ou a institucionalização. Os que conhecem a história do Fórum Estadual da Criança e do Adolescente de Pernambuco, de onde surgiu toda a mobilização dirigida à sensibilização e capacitação de policiais civis e militares, a mobilização em prol da inclusão dos princípios defendidos pelo Estatuto nas Leis Orgânicas dos municípios, então promovida de forma centralizada pela FEBEM (a atual FUNDAC), as campanhas de combate à violência, a articulação da políticas estaduais e municipais sociais básicas a criação e a instalação do Conselho dos Diretos do Recife, e de inúmeros conselhos do interior do Estado, da articulação da política e das ações do Poder Judiciário e do Ministério Público e de outras muitas iniciativas que contribuíram, sem dúvida alguma, para as mudanças no panorama legal, o reordenamento institucional e melhoria do atendimento no Estado de Pernambuco, além da assessoria prestada à outros estados do Norte e Nordeste do Brasil, através da ação direta de alguns dos membros do Fórum. Os que conhecem a constituição desse Fórum, que com altos e baixos no ritmo de sua atividade, e nível de participação dos representantes das entidades-membro, sabem que existe de fato desde janeiro de 1988. Sabem também, que promoveu a articulação de ações eficientes, e, no entanto, nunca teve legalizada a sua existência, nem suas atividades foram regulamentadas. Jamais considerou-se necessária, nem oportuna sua regularização jurídica, não possui regimento interno, ele funciona e tem dado excelentes frutos, mesmo desprovido de mecanismos legais. No entanto, a equipe de coordenação era recebida e seus encaminhamentos eram atendidos pelo governador do Estado, com muito maior facilidade do que os pedidos de audiência e os encaminhamentos propostos pelo presidente da FEBEM agindo isoladamente. Explicamos sua força pela sua legitimidade e pela determinação e competência dos seus componentes, mesmo que, desprovida de qualquer forma de “legalidade”. Não queremos dizer com isto que deve-se cultivar o espontaneismo e a anarquia do ordenamento institucional, queremos apenas ilustrar, como um exemplo claro, que os mecanismos legais, mesmo sendo importantes subsídios à ação, não passam do nível de subsídio, sem converter-se em pré-condições imprescindíveis.
Desta argumentação decorre nossa estratégia: se por acaso chegarmos a considerar inadequada ou ilegal a composição de algum Conselho de Direitos, a estratégia recomendada pela nossa experiência é a de estimular a vontade política dos outros conselheiros, fornecer-lhes suficientes subsídios técnicos, estimular o exercício da habilidade política, para que, como decorrência desses pressupostos básicos, possam empreender a restruturação do Conselho. Tomar a palavra numa assembléia de representantes de vários municípios do estado e anunciar em alto e bom tom que a maioria desses Conselhos tem composição “anticonstitucional”, ou ainda, o CONANDA encaminhar oficio à todos os Conselhos Estaduais com conteúdo similar, é, na nossa opinião, prestar um desserviço à causa da dinamização dos Conselhos. O resultado dessas iniciativas inoportunas não tardou em manifestar-se: a retirada formal ou informal de alguns elementos, muitas vezes os elementos mais dinamizadores da ação do seu Conselho, criando um vazio ainda maior do que existia pela inanição da maioria dos seus membros. A estratégia defendida por nos, neste caso, é a de primeiro fortalecer os membros mais frágeis do Conselho, via capacitação e estímulo à sua determinação de participar, para num segundo momento, proceder-mos à substituição dos elementos cuja participação não seja considerada pertinente ou constitucional. Proceder de forma diferente acarretará, como de fato já está provocando, um enorme vazio em numerosos conselhos, pela retirada de alguns de seus elementos dinamizadores mais ativos. Lembremos a terceira das pré-condições descritas acima: Não é suficiente a determinação, nem mesmo a competência fundamentada em sólidos saberes jurídicos e técnicos, a habilidade política é outra qualidade que os artífices do Estatuto devemos cultivar. E habilidade política se traduz, neste caso, pela escolha do momento oportuno de levantar certos questionamentos, e proceder estrategicamente à promover certas modificações
FRAGILIDADE DOS CONSELHOS:
ILEGALIDADE OU LEGALIDADE?
A argumentação sobre a escolha do momento oportuno para processar modificações na composição dos conselhos desenvolvida no item anterior partia do pressuposto de que fossem realmente necessárias estas modificações. Nos não compartilhamos esta idéia, porque a avaliação do desempenho de grande número de conselhos cuja trajetória temos acompanhado nos mostra que sua fragilidade não decorre da suposta “ilegalidade” da sua composição, mas da sua ilegitimidade
Os que defendem a idéia de que os conselhos são frágeis e inoperantes porque estão “ilegalmente” constituídos, na nossa opinião estão presos dentro de uma visão ontológico-normativa. Afirmam que a realidade deve conformar-se às nossas idéias, que a realidade deve ser como a norma estabelece. “Se não há adequação entre a realidade e a norma”, dizem: “mude-se a realidade, porque a norma não deve mudar!”.
É curioso observar que as variáveis: composição ‘legal” composição “ilegal” não tem correlação significativa com a variável “consolidação e dinamismo do conselho”. Encontramos Conselhos atuantes tanto entre os constituídos “legalmente”, quanto em aqueles constituídos “ilegalmente”. A lógica hipotético-dedutiva nos leva assim a concluir que não é o fato de estar constituído “ilegalmente” de onde decorre a ineficiência dos Conselhos de Direitos. Se assim fosse, o Conselho de Direitos de Recife, instalado em 1993, e que conta entre seus membros governamentais: representantes da Câmara Municipal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, além dos cinco representantes da Prefeitura, totalizando oito membros governamentais, que com os oito membros eleitos pelas entidades não governamentais totalizam os dezesseis membros do Conselho, que não teria conseguido realizar toda uma série de atividades que passamos a listar como ilustração da sua eficácia: Elaborar seu regimento interno, amplamente discutido com entidades governamentais e não governamentais que atuam no município, elaborar a Lei de criação do Fundo, encaminha-la ao Prefeito acompanhada da reformulação da duração do mandato dos representantes da Prefeitura, para torna-lo coincidente com o mandato do Prefeito, realizar uma pesquisa sobre a situação da criança no município, e um levantamento e caraterização de 450 entidades não governamentais e órgãos públicos promotores da Políticas Sociais Básicas, Assistência e de atendimento especial, um seminário de quatro dias, no qual 390 participantes discutiram, por Região político-administrativa em que está dividida a cidade, auxiliados pela pesquisa e pela caraterização dos programas existentes em cada bairro, a situação das crianças e dos adolescentes, para formular propostas e aprovar diretrizes, que vierem a constituir a essência do Plano Municipal de Promoção e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujas diretrizes serviram de critérios para apreciar as propostas orçamentais da Secretarias municipais e a definição dos recursos públicos que deveriam compor as rubricas do Fundo da Criança no orçamento municipal, além de deslanchar um processo de informação e mobilização das entidades comunitárias visando a criação dos seis Conselhos Tutelares que serão instalados no primeiro quadrimestre de 1995, cujo anteprojeto de lei já foi apresentado ao Prefeito para encaminhamento legal à Câmara Municipal. O dinamismo e o entusiasmo dos Conselheiros do Recife tem sido tais que sua influência extrapola os limites municipais .os conselheiros de outros estados e municípios tem solicitado participar de alguns dos eventos relacionados acima, assim como membros do Conselho do Recife tem sido frequentemente convidados por outros Conselhos do Estado para prestar assessoria nos seus encontros de capacitação, avaliação e programação dos seus planos de ação.
Conhecemos outros Conselhos de cidades menores que mesmo estando também “ilegalmente” constituídos, vem demostrando dinamismo e resultados concretos, decorrentes, ai sim, de sua legitimidade.
Estamos convencidos a partir do conhecimento da composição e do desempenho de entorno de 50 Conselhos de Direitos, que não é a composição “ilegal” a causa das suas dificuldades, e sim a falta de legitimidade. Consideramos ilegítimo um Conselho que não está constituído por representantes das entidades e órgãos que tem maior influência na formulação e execução das Políticas de Promoção e de Defesa dos Direitos das Crianças. Ilegítimo é, para nos, o Conselho que não é conhecido e/ou reconhecido e respeitado pêlos Poderes Locais, sejam eles formais ou informais. Um Conselho ilegítimo não consegue apoio do Prefeito, nem do Juiz, nem do Promotor, do Delegado ou dos comerciantes, da associação dos feirantes ou do sindicato dos trabalhadores rurais. Um Conselho ilegítimo decide por um lado, e nada acontece, a cidade e a sociedade vão por outro lado.
É verdade que o conhecimento e respeito pelo Conselho não passa única e exclusivamente pelo fato de fazer parte dele. Uma entidade ou órgão pode perfeitamente conhecer e reconhecer a importância do Conselho, mesmo estando fora dele. Mas se não existem impedimentos legais à sua participação, como fundamentaremos mais adiante, não vemos porque desperdiçar a forma mais perfeita de conhecimento, reconhecimento e construção de corresponsabilidades que consiste na participação pleno no Conselho.
Para nos, Conselho legitimamente constituído é aquele que incorpora as forças mais importantes da cidade. Se a realidade local aponta para uma realidade onde a Câmara Municipal dispõe de um poder tão importante quanto o do próprio Prefeito, não julgamos inadequada uma constituição tripartite do Conselho, onde o número dos representantes da Câmara seja igual ao número de representantes do Executivo, como tem sido a constituição de alguns Conselhos em outros estados e municípios da federação. Ou ainda, se o movimento em prol da elaboração do Estatuto no Estado de Pernambuco foi iniciado do lado governamental por iniciativa do Movimento Nacional de Meninos e meninas de Rua, e do lado governamental, à partir de um encontro, promovido pela coordenação do Fórum da Criança, conjuntamente com o Tribunal de Justiça e o Instituto do Ministério Público, escassos vinte dias após a promulgação da Constituição de 1988, e se os grupos de trabalho que se criaram para elaborar emendas à Constituição do Estado e as propostas do Estatuto foram constituídos por militantes do MNMMR, por promotores, juizes, educadores e técnicos, nada mais natural que a Constituição do Estado de Pernambuco inclui-se no artigo que formula a política estadual de promoção dos direitos da criança e do adolescente a participação de representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, que no momento representavam, como ainda representam, pela ação de alguns dos seus membros mais notórios, um forte baluarte na implantação do Estatuto no âmbito estadual. Na Constituição do Estado não foi incluído entre os Conselheiros o representante do Poder Legislativo, a exemplo do que fez uma ano depois a legislação municipal, pela simples razão que neste último caso, o movimento em prol da criação do Conselho Municipal recebeu forte apoio de alguns vereadores, tornando-se esse Poder, no caso do Conselho Municipal, um forte aliado. A composição do nosso Conselho Estadual é diferente da concepção histórica da sociedade nos leva a respeitar as diferenças locais.
O capítulo da Criança e do Adolescente da nossa Constituição Estadual, a exemplo da Constituição Federal, foi a transcrição da emenda popular apresentada pelo Fórum, elaborada à partir do que se considerou o retrato mais fiel da nossa realidade socio-político-institucional. A nossa legalidade se fundamenta na nossa realidade. Nossos Conselhos são legais porque são constitucionais, e são constitucionais porque expressam a transição legal de uma realidade local. Se outros estados e outros municípios tem outras realidades, acreditamos que os seus ordenamentos institucionais devam ser também diferentes. Nos não consideramos equivocado aquilo que é diferente. Consideramos equivocado aquele ordenamento legal que não expressa verdadeira e fielmente a dinâmica da sociedade.
Neste sentido, acreditamos que o Estatuto, ao limitar-se à definir apenas que os Conselhos de Direitos seriam constituídos paritáriamente por representantes de entidades governamentais e não governamentais, e não quis detalhar formas especificas nem critérios universais de composição, foi porque os grupos de discussão que participaram da sua elaboração, com os quais nos, deste nosso Estado, estávamos articulados, não quiseram impor um modelo padronizado que viesse a asfixiar a criatividade e as peculiaridades locais. O Estatuto é muito meticuloso e detalhado em outras matérias, no entanto, deixa em aberto, no artigo nº 88, a forma de conceituar e de materializar sua composição governamental.
Querer impor um modelo único, padronizado, querer impedir que cada estado e cada município identifique as entidades governamentais que mais diretamente afetam a vida de suas crianças é querer ir além do que o próprio Estatuto define. É querer mudar a realidade para conforma-la às nossas idéias preconcebidas.
A PARTICIPAÇÃO DE PODERES E NÍVEIS DE GOVERNO
DIFERENTES ENRIQUECE A AÇÃO DOS CONSELHOS
A nossa experiência no exercício da função de Conselheiro de 1983 à 1986 (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano), membro do Fórum do PREZEIS (assentamentos populares do Recife), de 1989 à 1991 e mais recentemente no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, à partir de 1993, tem-nos mostrado que a participação de outras instâncias tem contribuído substancialmente na qualidade das deliberações e na rapidez dos encaminhamentos dos Conselhos.
Tomando como por exemplo o caso mais recente e mais pertinente à nossa argumentação: o caso do Conselho Municipal do Recife. A contribuição do representante do Juizado da Infância e da Juventude foi muito importante para a definição das modalidades do processo de criação e instalação dos Conselhos Tutelares, porque ele era portador do conhecimento vivenciado no dia-à-dia do Juizado, notadamente no exercício provisório das funções do Conselho Tutelar. Nenhum outro dos conselheiros conhecia tão bem quanto ele as exigências, a intensidade e o volume do trabalho, em fim todas as peculiaridades do serviço. O mesmo pode-se dizer da montagem do serviço de Liberdade Assistida Comunitária, supervisionada pelo Juizado e executada pelas entidades vinculadas ao Conselho.
No caso do processo de elaboração da Lei do Fundo, o Promotor, representante do Ministério Público no Conselho, colocou toda sua experiência de administrador do Fundo da Procuradoria Geral do Estado, para ajudar-nos a definir o modelo de gestão e os procedimentos administrativos, revestidos de uma formalidade legal suficiente para tramitar rapidamente, em forma de Projeto de Lei na Câmara Municipal.
Nessa instância, o papel do Vereador-Conselheiro foi de fundamental importância: sua participação na elaboração das minutas dos anteprojetos de Lei que enviamos ao Prefeito para encaminhamento à Câmara Municipal foi determinante da sua qualidade, bem como tem servido de canal de comunicação permanente entre o Conselho e a Câmara para acompanhamento dos Projetos de Lei de nosso interesse, informando todos os passos percorridos e alertando para as fases criticas, de maneira a podermos organizar uma ação de pressão junto aos outros vereadores, por ocasião da Lei do Fundo, Orçamento Municipal, Lei de criação dos Conselhos Tutelares, etc.
Nos longos anos que temos vivenciado o exercício da função de conselheiro, ou assessor à criação e funcionamento dos conselhos (1990-1994) não temos encontrado nenhuma evidência de conflito ou de dificuldades pelo fato dos mesmos estarem constituídos “irregularmente”. Em momento algum detectamos ingerência de Poderes ou perda da autonomia de qualquer um deles.
Parece-nos, pois, que a preocupação do CONANDA e de outros companheiros não passa de uma manifestação excessiva de zelo pela formalidade jurídica, esquecendo que a norma nasce da sociedade, e serve para alicerçar sua vontade, e jamais para asfixia-la. Desde nossa perspectiva epistemológica defendemos que se a prática está dando certo, e se a lei não acompanha, é a lei que deve ser mudada, e não a realidade. Inverter os termos do raciocino constitui, a nosso ver, a primazia da forma sobre o conteúdo. Da lei sobre o espirito da Lei.
O NOSSO MUNICÍPIO ADOTOU A GESTÃO DEMOCRÁTICA,
VIA CONSELHOS PARITÁRIOS, DELIBERADORES E CONTROLADORES,
EM TODAS AS POLÍTICAS MUNICIPAIS E EM TODOS OS CONSELHOS
SETORIAIS PARTICIPAM REPRESENTANTES DOS OUTROS PODERES
E NÍVEIS DE GOVERNO.
Desde que foi constituído o primeiro Conselho Municipal na Prefeitura da Cidade do Recife, o Conselho de Educação em 1971, conta entre seus membros com representantes do Conselho Estadual de Educação, da Câmara Municipal, e na reformulação que preparamos recentemente está prevista a participação de um representante da Universidades que mantém cursos de Pedagogia, localizados no município. Como duas delas são universidades federais, é possível que essa esfera possa vir a ocupar uma vaga no Conselho Municipal de Educação.
O segundo Conselho criado no âmbito do município foi o de desenvolvimento Urbano, em 1983. Nele participamos como representante da Universidade Federal de Pernambuco até 1986.
Logo em seguida vieram toda uma série de série de conselho cuja composição “írregular” passamos a descrever, para demonstrar que o ordenamento institucional da nossa municipalidade tem optado sempre pela universidade da representação, incluído outros Poderes e níveis de governo, cuja participação tem sido considerada uma importante contribuição para a gestão das políticas municipais; Turismo, Cultura, Meio Ambiente, Saúde, Direitos Humanos. Em nenhum destes casos o Poder Executivo Local aparece isoladamente como único representante governamental na gestão das políticas municipais, até porque elas estão estreitamente vinculadas às políticas estaduais e federais, no caso dos níveis de governo, e à Câmara Municipal, no caso dos Poderes Locais.
Assim sendo, a participação dos outros Poderes, tanto locais quanto do nível federal ou estadual, tem sido prática corrente na constituição dos Conselhos dos diversos setores municipais.
Esta opção não tem sido fortuita, nem indicativo de atraso, muito pelo contrario, porque longe de significar uma “interferência indesejável” no âmbito municipal, tem contribuído para facilitar as tomadas de decisão e para acelerar sua implementação. No caso específico do Estatuto, lembremos que o legislador foi sensível a esta preocupação articuladora das políticas quando estabelece no artigo 86 que a Política de Promoção e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente exige a articulação dos três níveis de governo.
Aqui novamente reconhecemos que a articulação não acontece apenas quando se participa de um Conselho. Reconhecemos que existem outras formas de articulação. Mas compor um Conselho é uma delas, e no nosso quadro institucional esta tem sido a prática corrente e aprovada pela experiência de longos anos de existência dos Conselhos. Se tivesse gerado situações indesejáveis de ingerência, sem dúvida alguma, a Lei Orgânica Municipal, verdadeira fundamentação da autonomia do Município teria vetado esta “ingerência”, o que não aconteceu, porque mesmo os Conselhos criados após sua promulgação continuam a incluir vereadores e representantes de outros níveis de governo entre seus membros.
Defendemos, pois, o direito de cada município escolher, de acordo com a correlação de forças e com as peculiaridades locais a melhor forma de definir a paridade governamental – não governamental. Pretender impor uma fórmula única para os cinco mil municípios do país parece-nos uma pretensão insensata e carente de qualquer fundamentação na intenção do Estatuto, que privilegiou a municipalização, também, no nosso entender, como garantia de organizar seus conselhos da maneira mais conveniente.
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Os argumentos fáticos antes expendidos pelo Prof. Luis de la Mora, fruto de uma experiência vivida, espero tenham sido suficientes para elidir definitivamente o entendimento vesgo (Embora partido de pessoas reconhecidamente comprometidas com a causa) de que “a forma deva se sobrepor ao conteúdo”. É a prática correta que altera a realidade para melhor. As ferramentas utilizadas em cada caso devem ser aquelas que melhor se adaptem à realidade local.
Entretanto, também oriundo de pessoas sérias e comprometidas, o que se observa é o surgimento de argumentos ditos jurídicos e supostamente irrefutáveis que “provam”(sic) que as composições dos Conselhos são ilegais e inconstitucionais , o que incorpora a “idéia força” de que o verdadeiro democrata atua sobre a égide da norma legal, e, como tal, tem o DEVER de lutar pelo rigoroso cumprimento da Constituição e das Leis Infra-constitucionais. Fruto do positivismo do direito, hoje tão combatido nas escolas de “direito alternativo”,“direito com os pés no chão”, etc., resulta no mesmo efeito da vitória da forma sobre o conteúdo. Ninguém desconhece os riscos da inexistência de uma norma preestabelecida para regular as relações sociais, ficando a critério da cada juiz definir aquilo que entende como justo. Ninguém desconhece também a existência de leis injustas, feitas de encomenda para beneficiar exclusivamente pessoas certa ou grupos sociais específicos. Sem entrar na polêmica, poderia se dizer que mesmo quem não reconhece o direito alternativo ha de reconhecer a “alternativa do direito”. O maior positivista que existe deve estar mais comprometido com “o que é justiça e não com o que está escrito na Lei”. Assim, no mínimo, deve juntar sua força intelectual e inteligência ao esforço de modificar as leis injustas. Foi dentro dessa ótica que parcela ponderável dos juristas se aliaram na luta pela revogação do injusto Código de Menores e substituição pelo estatuto da Criança e do Adolescente.
São contra a participação de representantes do Ministério Público e do Poder Legislativo, Embora sem muita veemência; são absolutamente intolerantes quanto à participação do representante do Poder Judiciário.
Dizem ainda que não existe paridade nas diversas representações, quando cotejados os representantes governamentais e não governamentais, pois pregam para que a representação da sociedade seja absolutamente análoga à dos representantes públicos, (p.ex: ao direito da escola pública deveria corresponder um dirigente de escola privada, etc.).
Neste sentido, se busca desmitificar dentro da Constituição e da Lei tal entendimento, para provar a sua inconsistência e que, na prática, trata-se de tese contrária à implementação do Estatuto.
Diz o art. 204 da Constituição Federal:
“As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução aos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficientes e de assistência social;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Veja-se agora, como instrumento regulamentador deste dispositivo os arts. 86 e 88, II da Lei nº 8069/90:
“A política de atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios”, (art. 86).
“São diretrizes da política de atendimento:
….
II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos Direitos da Criança e do adolescente, órgãos deliberados e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federais, estaduais e municipais (art.88, II).
Será que o legislador constituinte e estatutário estavam querendo que ao diretor do Hospital da Prefeitura correspondesse uma diretor de um hospital privado? Ou será que a verdadeira teologia da Lei era assegurar que nos órgãos deliberados não existisse o “rolo compressor” do Poder Público a esmagar a vontade popular?, será que participando do Conselho Juizes, Promotores, Deputados ou Vereadores, que necessariamente não estão previamente vinculados com a vontade do Governador ou o Prefeito, as deliberações do Colegiado não são muito mais isentas?; Será que as experiências e o “saber especifico” de Juizes, Promotores e Parlamentares não enriquecem os debates nem facilitam a identificação de alternativas de solução mais adequadas?; Será que o conceito universalmente aceito há séculos de que o governo (Poder) é tripartido (Executivo, Legislativo e Judiciário) está errado e o certo é se entender governo apenas como Poder Executivo/; Será que seria algo bom que os representantes não governamentais fossem “iguais” aos do governo, no mais das vezes sem nenhuma história ou tradição de luta pela efetivação dos Direitos da Criança e do Adolescente?
Me parece que o legislador quis alargar a Participação Popular e não restringi-la. Vejo claro a diretriz do respeito às peculiaridades de cada caso, quando o Estatuto diz: “segundo Leis Federal, Estaduais e Municipais”. Não tenho dúvidas de que a participação desses agentes é salutar para o aprimoramento do PROCESSO de democrático.
Em outras palavras, do ponto de vista fático, político ou jurídico é um enorme equivoco defender-se essa exclusão.
No que pertine aos “impedimentos”(sic) da participação dos Magistrados, vejamos o art. 95, Parágrafo Único, 1, da Constituição Federal:
“aos juizes é vedado: Exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo um de magistério”.
Sendo este princípio bastante antigo, contemporâneo da fixação dos direitos de inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos (todos eles manifestações positivas ou negativas de garantias dos cidadãos e não da pessoa do juiz), já era encontrado regramento específico na denominada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, anterior à vigente Carta Magna, e cheia de vícios e autoritarismo, como amplamente reconhecido, a justificar a sua breve alteração legislativa, assim disciplinando:
Art. 26. “O Magistrado vitalício somente perderá do cargo:
I – Omissis
II – Em procedimentos administrativos para a perda do cargo nas hipóteses:
a) Exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo em cargo de Magistério Superior público ou particular.
b) e c) Omissis
§ 1º O exercício de cargo de Magistério Superior, público ou particular, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de direção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.
§ 2º Não se considera exercício de cargo o desempenho de função docente em curso geral de preparação para Judicatura ou aperfeiçoamento de Magistrados.
É inimaginável que os argumentos expostos pêlos “contrários” tomem como paradigma tais disciplinas legais.
A análise desapaixonada impõe que se busque previamente a “mens legis”, ou qual a vontade do legislador. É óbvio que pela importância do cargo que ocupa, pela influência que exerce sobre seus juridicionados, pêlos riscos de maus juizes (e até anti-juizes) seria indispensável este sistema incitativo-punitivo. De um lado o juiz não fica a mercê do poderoso, pois é assegurada a vitaliciedade, o direito de não ser transferido contra sua vontade de sua comarca ou um grotesco achatamento salarial. Mesmo em tese, às perseguições políticas. Se dentro dessas garantias ainda não é um bom e isento magistrado, paciência. Seria um mau profissional em qualquer ramo que abraçasse. Que se use os mecanismos legais próprios para remoção compulsória ou até afastamento da função. Em contrapartida, a Constituição aponta “freios” para danos eventuais de imposição da força do cargo, concorrência desleal, etc.
A Lei Federal apenas detalha o “freio” constitucional:
Os limites são taxativos e não meramente exemplicativos. Um juiz sócio de uma agência de automóveis ou de um posto de gasolina não poderá vender à Prefeitura? Lógico que sim, desde que em igualdade de condições da proposta e/ou sobre contrato de cláusulas adesivas.
Não poder o juiz ser síndico do seu edifício?, diretor de um clube social ou de serviço?, lecionar gratuitamente em escola de campanha da comunidade?, proferir palestras, etc.?
A vontade da lei é impedir privilegiaturas, imposição de vantagens, concentração de poderes, concorrência desleal, ganhos ilícitos.
Junto com isso, vedar novos ganhos pêlos cofres públicos é direcionar a judicatura como função principal, e não um simples “Bico”.
Nada disso ocorre com a função de membro do Conselho de Direitos, CONSIDERADO DE INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE E NÃO REMUNERADA.
Será que o Poder Judiciário é formado por “extraterrestres” e não faz parte da sociedade que representa?
No caso de Pernambuco será que os Desembargadores da Corte Especial, profissionais talentosos e experientes do direito, seriam tão ingênuos ao ponto de referendarem uma “incostitucionalidade” (sic), desde 1991, quando indicam juizes para representar o Poder Judiciário nos Conselhos Estadual e Municipal (Recife) de Direitos?
Há um argumento fático relevante que algumas vezes se aponta. Diz respeito à possibilidade de matéria votada no Conselho via à apreciação do Judiciário.
Pessoalmente concordo com o temor, tanto que ao assumir o exercício da 2ª vara da Infância e Juventude do Recife, em Julho de1992, solicitei por ofício ao Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco a minha substituição no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos, onde era Vice-presidente, como representante do Poder Judiciário, usando tal argumento.
Lembrava os riscos de ter que decidir de acordo com minhas convicções e eventualmente discordar do pensamento da maioria do Colegiado. Dizia que isto poderia ser interpretado como uma espécie de vindita pelo fato de meu ponto de vista não haver prevalecido na votação, já que inaceitável essa decisão judicial “contra legem” apenas para satisfazer a maioria.
Hoje, dois anos e quatro meses após o fato, faço questão de registrar o não ingresso de nenhuma demanda para apreciação de decisão do Conselho Estadual na Justiça da Infância e da Juventude. Consta que já foi ajuizado por uma ex-conselheira uma ação para anular o processo eleitoral, a qual, por óbvio, está sendo processada e julgada em Vara Cível. Exatamente por ser episódico, mesmo em Comarca de Vara única não haveria maiores contratempos, pois bastaria ao Juiz se averbar de suspeito/impedimento, conforme o caso, transferindo o processo ao substituto legal.
Além disso, lembro que em 1987, como já citado pelo Prof. Luis de la Mora, quando este Magistrado estava ocupando o cargo de Juiz de Menores, Abandonados e Infratores da comarca de olinda, ocasião em que não havia ainda nem nova Constituição, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, tomei a iniciativa de encaminhar ao então Prefeito Municipal um Anteprojeto de Lei criando o Conselho Municipal de Defesa do Menor, o qual foi transformado em Projeto de Lei pelo Executivo e aprovado por unanimidade pelo Legislativo. Ali era preciso a participação do Juizado e da Promotoria. Na forma de Lei, indiquei dois técnicos do Juizado como conselheiros, titular e suplente, respectivamente. Não exerci o “Munus”. Somente compareci ao Conselho em sessões festivas ou solenes. Todavia o Judiciário esteve presente, como força viva da sociedade que é. O conselheiro indicado serviu de elo de ligação entre a comunidade, o Poder Público e o Poder Judiciário. Todos reconheciam o seu trabalho e sua importância, como hoje reconhecem o seu papel no Conselho Municipal do Recife, para o qual foi indicado por votação da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Como se vê, ainda que se radicalize contra a participação do Juiz (sem justa causa, como vimos), é plenamente possível que o Judiciário, por representante designado, se faça presente nos Conselhos de Direitos.
Não há impedimento de ordem constitucional ou legal. Entraves operacionais práticos quanto a presença do próprio Juiz no Conselho são facilmente superáveis.
A construção de um futuro digno e a efetivação dos Direitos da Criança e do Adolescente exige os três aspectos apontados por Luis de la Mora. Querelas e questiúnculas formais apenas impedem ou dificultam o avanço. O verdadeiro caminho é a identificação dos problemas reais em cada caso para a construção de alternativas que resolvam os entraves observados nos casos concretos, e não a busca de uma “forma supostamente perfeita” mas dissociada da realidade.
Recife, 15 de novembro de 1994.