O ATO INFRACIONAL E AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS – UMA VISÃO GLOBAL

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O cumprimento dos preceitos legais contidos na Constituição Federal exige que se imponha nova forma de enfrentamento do problema da delinqüência infanto-juvenil, considerando-se que na realidade verifica-se uma prática freqüente de ameaça e/ou violação dos direitos que se quer assegurar: Por parte da família; que abandona os filhos, embora que, quase sempre, por não possuir condições sócio-econômicas para criá-los; Por parte da comunidade: Por ter sido excluída do processo decisório de seus direitos de cidadania, apesar da previsão Constitucional assecuratória dessa participação, baixa capacidade de reivindicação dos seus direitos, ausência de consciência da supremacia dos direitos coletivos sobre os individuais e excessiva tolerância (e até adesão e incentivo) à prática criminosa como as de extermínio e ações repressivas e marginalizadoras; Por parte do Estado: por conta de uma prática ineficiente, do desordenamento institucional para gerenciar ações de acordo com o novo panorama legal, e de ausência de políticas sociais básicas de prevenção e assistência. Muitas vezes, observa-se a falta de “vontade política’ para enfrentamento da grave problemática, encobrindo a circunstância com o manto protetor da crônica falta de verbas, quando se observa a existência de dotações financeiras para projetos não prioritários e não transformadores da realidade. Mais ainda, uma prática institucional centralizadora de decisões, desaparelhada, fragilmente comprometida com a Doutrina de Proteção Integral e conceitualmente apoiada na Doutrina de situação irregular, traduzida através da definição de objetivos de reintegração do adolescente infrator, como se a prática do ato infracional fosse prioritariamente motivada por fatores individuais, ou que através de “tratamento”, via instituição pudessem ser “sanados” (reeducados) e /ou existiria uma sociedade pronta a recebê-los (reintegrá-los), em contraposição ao conceito de “risco social e pessoal” de que trata o Estatuto (Lei nº 8069/90).

Como é óbvio, dentro desse contexto de “causa/efeito”, o que se observa é que conceitos basilares da normativa internacional (Convenção de direitos; Normas de Riad e Beijim) não foram adequadamente incorporados à prática cotidiana, enquanto se trata da questão do adolescente autor de ato infracional. Cabe destacar em relação a esses aspectos o seguinte: I) O baixo envolvimento da família e da comunidade em prevenir condutas desviantes e na reintegração do jovem que se inicia na prática de atos delitivos; II) O uso inadequado de mecanismos excludentes do processo, pois, embora seja princípio fundamental se evitar a sua inserção no Sistema de Justiça, há que se ter cautela de moldes a assegurar efetivos ganhos pedagógicos com sua aplicação, o que não parece ser possível se tratando o Instituto da Remissão como forma de “perdão” e não como hipótese de “transação”, e muito menos concedendo-se este benefício reiteiradamente a infratores contumazes, sem que cumulativamente lhes sejam aplicados medidas sócio-educativas ou protetivas; III) A não priorização das medidas sócio-educativas em meio aberto em relação à privação de liberdade; IV) Internação realizada em instalações físicas incompatíveis com a medida; não cumprimento das obrigações legais pelas unidades de internamento; ausência dos direitos assegurados na Lei a todos os adolescentes privados de liberdade; insuficiência de segurança externa a facilitar evasões e de atividades profissionalizantes que melhor permitiria a reintegração dos egressos do sistema.

Para um perfeito entendimento das dimensões que vêm assumindo o problema da delinqüência juvenil, a abordagem do tema requer considerações acerca das suas causas, através de uma análise conjuntural e suas determinantes sócio-econômicas e culturais presentes no perfil dos adolescentes autores de atos infracionais. Levantamentos realizados por entidades que se dedicam ao estudo do problema demonstram a predominância de indicadores comuns de suas características, tais como: originários dos bairros de periferia, desagregação familiar, pai ou mãe desconhecidos, desempregados ou subempregados, portadores de baixo nível de escolaridade, oriundos de família de prole numerosa, e de relações familiares desestruturadas, ausência de vínculos afetivos; vítimas de maus tratos e abandono, baixo índice de interesse, rendimento e aproveitamento escolar; alto índice de abandono e evasão; consumidores de drogas, com vivência de rua; propensos ao desenvolvimento de atividades que lhes tragam ganhos financeiros imediatos.

A ótica do Código de Menores considerava as causas da delinqüência como sendo provenientes de situação irregular, como se a privação de condições essenciais à sua subsistência conduzisse a esta situação, visualizando o adolescente como objeto de medidas judiciais, sem analisar as causas que geram as transgressões. O problema era abordado como uma soma de atos isolados e o adolescente responsabilizado pela sua situação, necessitando de tratamento punitivo ou repressivo, via internação judicial.

Em oposição a essa visão e em atendimento ao princípio humanizante da nova Lei, o Estatuto da Criança e do adolescente baseia-se na situação de risco pessoal e social, abordando o problema como fenômeno social, predominantemente determinado por pobreza, abandono e marginalização. Os adolescentes são vistos como sujeitos, que necessitam de proteção especial e integral da sociedade, do estado e do seu meio social para se desenvolverem e ingressarem num novo processo de conquista de seus direitos enquanto cidadãos.

De outra parte, para melhorar entendimento da questão, faz-se mister o registro de alguns conceitos legais básicos a ela respeitante, a saber:

I – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (Art. 103, Estatuto da Criança e do Adolescente). Portanto, para se identificar se o ato praticado pelo menor de 18 anos constitui-se infração penal é indispensável o seu cotejo com o Código Penal, Lei das Contravenções Penais e Leis Penais Extravagantes. Assimilando conceitos doutrinários do direito penal, a conduta deve consubstanciar Fato Típico e anti-jurídico (existência de prévia disposição legal considerando-o ilícito). Apenas não encontramos no conceito um dos elementos constitutivos do crime (culpabilidade), em razão de previsão Constitucional e legal sobre a faixa etária de imputabilidade. Entretanto, sendo fato tipificado e anti-jurídico, não perde a sua característica de reprovabilidade em razão de ter sido praticado por agente inimputável. Sendo ato reprovável, a ele corresponde a aplicação de medidas de cunho pedagógico (Art. 112, LECA), com finalidade socializante e educativa, sem o cunho de punição ou retributividade que também se observa na maioria das penas aplicadas aos adultos;

II – agente do ato infracional é o menor de 18 anos, considerando-se a idade à data do fato;

III – Quando se tratar de ato infracional praticado por menor de 12 anos não lhe pode ser aplicada medida sócio-educativa, e sim apenas medidas protetivas do Art. 101, LECA. Isto decorre da política legislativa adotada no Estatuto de entender que as pessoas em tal faixa etária estão em situação de risco social e pessoal, carecendo de proteção, não dispondo de discernimento qualquer a respeito da ilicitude do ato por elas praticado. Como tal, as medidas de proteção a eles aplicáveis ficam a cargo do Conselho Tutelar ou ao Juiz da Infância e da Juventude onde estes não existirem (Art. 262, LECA). Assim, não podem ser internados, muito menos a custódia provisória dos 45 dias, cabendo, se necessário, a sua inserção em unidade de abrigo;

IV – A Lei assegura direitos individuais e garantias processuais ao adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional (Art. 106 a 111, LECA);

V – As medidas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente e substituídas a qualquer época, devendo levar em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (Art. 113 c/c Arts. 99 e 100, LECA);

VI – Ao aplicar a medida deve o julgador levar em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e gravidade da infração. A personalidade do agente, seu maior ou menor envolvimento com condutas anti-sociais e eventual uso de drogas, possibilidade de entender efeitos pedagógicos da medida, entendimento da ilicitude do ato praticado e de suas conseqüências; injustificável descumprimento de medidas anteriores; reiteração em condutas delitivas devem ser sopesadas pelo Magistrado na escolha da medida sócio-educativa mais adequada para aplicação ou eventual substituição;

VII – A internação somente deve ser aplicada quando inexistir outra medida mais adequada, assim mesmo em local exclusivo para este fim, separando-se por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, sendo assegurado ao autor do ato infracional todos os direitos do Art. 124, nas estritas hipóteses legais, inclusive reavaliação periódica e limite temporal, e, como medida privativa de liberdade que é, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

O Poder Judiciário, dentro desses novos princípios trazidos com a Doutrina de Proteção Integral, apresenta-se com o “Poder/Dever” de um dos mais importantes papéis na resolução do problema da delinqüência juvenil e não mais como exclusivo autor de determinações a serem desencadeadas.

Deve, portanto, buscar em sua atividade judicante aplicar ao adolescente autor de ato infracional medidas sócio-educativas de caráter pedagógico que efetivamente possam conduzir o adolescente a não reiterar na prática de atos anti-sociais e a reintegrá-lo no seio familiar e comunitário.

No caso da prática do ato infracional por adolescente em que o Ministério Público ofereceu representação (portanto, não optou pelo arquivamento ou concessão da remissão como forma excludente do processo) e o Juiz não concedeu a remissão no curso do processo (ou se o fez concedeu cumulativamente a uma medida sócio-educativa como permite o Art. 127, LECA), nem ao final se reconheça qualquer das circunstâncias do Art. 189 do Estatuto, cabe ao Magistrado aplicar uma das medidas sócio-educativas do Art. 112 da Lei nº 8069.90 ao seu autor.

Não se tratando de medida de caráter punitivo ou retributivo, devem ser priorizadas aquelas que apresentem maiores ganhos de efeitos pedagógicos.

Sendo da própria essência da base doutrinária incorporada à legislação brasileira, o evitar do ingresso do adolescente nos sistemas de política e de Justiça, e a busca, para os que respondem a processos, de alternativas fortalecidas de vínculos familiares e comunitários, parece claro que o legislador aceitou a tese de que a aplicação de medidas sócio-educativas em meio aberto pode gerar melhores efeitos pedagógicos de que a privação de liberdade. Além disso, tal como ocorre com o sistema penitenciário dos adultos, a privação de liberdade dos menores de 18 anos também se materializa ao lado de inúmeros problemas que lhes são típicos, como por exemplo: não separação por gravidade de infração, compleição física; ausência de atividades laborativas, profissionalizantes e ludoterápicas; inadaptação e falta de capacidade técnica e gerencial dos servidores lotados nestas unidades; não remessa em prazo hábil de relatórios periódicos de reavaliação; instalações físicas inadequadas e insuficiência de segurança externa, facilitando evasões, o que retira qualquer efeito pedagógico da medida, pois a saída do adolescente ocorre ao seu talante e não quando técnica e juridicamente isto se torna recomendável; corrupção do sistema com “troca de favores’; violência física e psicológica contra os adolescentes, seja por parte de funcionários, seja por grupos organizados dos próprios internos; síndrome de internação e “hospitalite” entre vários adolescentes, etc.

Desta forma, recomenda-se rigorosa observância dos critérios estabelecidos pelos Art. 121 e 122 do Estatuto, aplicando-a nos casos em que comprovadamente outra medida não seja eficaz, ainda que o estabelecimento de internação se coadune com as regras do Art. 123 e assegure os direitos do Art. 124 da Lei nº 8069/90, devendo ser substituída tão logo caracterizada a sua desnecessidade.

Por outro lado, a esmagadora maioria dos estudiosos do assunto destacam que o regime de semi-liberdade não parece ser dos mais recomendáveis como medida inicial a ser aplicada ao adolescente, seja por trazer em seu bojo todos os malefícios da internação dantes apontados, seja pelos conflitos psicológicos que advém no adolescente na dificuldade em se localizar no ambiente como pessoa livre ou privada de liberdade, fato que, também, normalmente, diminui o apoio comunitário e familiar à sua pessoa. Entretanto, é importante o registro de que este instituto, como forma de transição para o meio aberto, dando-lhe um caráter de progressividade de medida, comprovadamente apresentada bons resultados, embora que, lamentavelmente, muitas vezes se observem dificuldades operacionais pelas distâncias físicas entre a casa de internação e locais para trabalho, lazer e residência dos adolescentes.

Em contrapartida, as medidas iniciais do Art. 112 (advertência e obrigação de reparar o dano) precisam ser bastantes contextualizadas para efetivamente representem ganhos pedagógicos. A primeira, embora se saiba de sua larga aplicação, tanto como ocorria no revogado Código de Menores, deve se restringir a casos de infrações leves e destinadas a adolescentes que tenham uma boa percepção da ilicitude do seu ato e o firme propósito de se afastar de condutas anti-sociais, que não estejam reiterando no cometimento de infrações ou no descumprimento de medidas anteriores e cujos familiares estejam empenhados em lhes apoiar na recuperação. A segunda, porque basicamente se destina apenas a uma parcela dos autores de atos infracionais, exatamente aqueles cujos pais tenham condições de ressarcir o dano. As outras fórmulas da medida apontam para dificuldades operacionais grandes. A restituição da coisa normalmente já se procedeu na fase policial, é “chover no molhado” não tem grande valor pedagógico. A compensação do prejuízo mais ainda, pois seria inimaginável que o infrator pobre cedesse à vitima qualquer outro bem ou direito que eventualmente tivesse (tirar algo de quem quase nada tem) ou que prestasse serviços a esta, seja pela dificuldade da convivência entre ambas, seja por consubstanciar “trabalho forçado”. Mesmo para os que dispõem de condições econômicas, recomenda-se que seja aplicada solenemente, em audiência, para que o adolescente perceba a importância do ato e que por via indireta casou prejuízo à sua própria família, preferencialmente ajustando com os familiares que procedam descontos nos ganhos do adolescente (mesadas, p. ex.), e que, no exercício do Pátrio Poder, imponham restrições aos direitos usuais concedidos ao jovem (saída para festas, cinemas, passeios, etc.), quase sempre cumulando a medida com a de advertência.

Estes rápidos comentários não têm o objetivo de meramente se criticar a previsão legal das medidas antes analisadas. Ao contrário, se reconhece a sapiência do legislador ao inclui-las no rol das medidas sócio-educativas e a importância de sua prática nos casos em que assim se recomenda. O que se pretende é que no cotidiano do Juizado seja a aplicação daquelas mais rigorosas ou excessivamente brandas destinadas a casos específicos, priorizando aquelas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade, que, como se buscará demonstrar adiante, normalmente resultam em maiores benefícios para o próprio adolescente, seus familiares e para a coletividade.

A liberdade assistida (Art. 118 e 119, LECA) constitui-se em medida de caráter sócio-educativo em que o adolescente encontra-se limitado em alguns dos seus direitos devido às condições impostas para que sejam atingidos os objetivos pedagógicos. Estará sujeito à medida durante o período mínimo de 6 (seis) meses, cumprindo-o na comunidade de origem, sem que seja segregado da família, trabalho e escola, devendo ser assistido por um orientador, que poderá ser recomendado por entidade ou programa de atendimento, com o apoio e supervisão da autoridade competente.

Ainda que se reconheça o esforço de vários Juizados em instituir e manter um programa para tal fim, o que se constata é um baixo envolvimento comunitário (de onde provém e para onde irá voltar o adolescente) e a repetição de práticas equivocadas que podem ser englobadas nas seguintes categorias:

I – Inexistência de um programa próprio, que acarreta, quase sempre, nos extremos da mera advertência ou internações desmedidas, ou nas aplicações da chamada “liberdade desassistida”;

II – Tentativas do Juizado assumir todas as fases de execução da medida, sem reconhecer que normalmente lhe falta os meios (instalações físicas, pessoal técnico e administrativo, veículos, materiais, equipamentos, etc.) e que não é do seu “carisma” atuar diretamente na comunidade física em que vive o adolescente infrator. Como tal, na prática, funciona como uma espécie de “sursis” dos adultos, não havendo acompanhamento e orientação sistemática, dependendo da “boa vontade” do adolescente e dos seus familiares, que muitas vezes não dispõem nem mesmo de numerário para as passagens de ônibus;

III – Delegação total da execução da medida a órgãos governamentais do Estado ou Município, ou mesmo a entidades não governamentais, acarretando em uma desobediência à Lei que fala na supervisão da autoridade competente; na absoluta falta de controle do Judiciário que aplicou a medida, e, como tal, está comprometido com os resultados que dela podem advir;

IV – Embora inconstitucionalmente, um dos mais nefastos efeitos gerados com os equívocos apontados nos itens II e III é a geração de um sentimento de posse, tipo “este menino é meu” nas equipes do Juizado e das entidades governamentais ou não, a quem os adolescentes estejam vinculados.

Em que pese todas estas falhas, os índices de reincidência entre os adolescentes que recebem tal medida não são elevados, fato que estimula a geração de uma nova concepção do Programa, eliminando os equívocos, o que, por certo, resultará em melhores resultados.

No que pertine à prestação de serviços à comunidade, faz-se relevante o registro de que guarda ela total similitude com previsão do Código Penal em relação a crimes cometidos por adultos. Tem esta medida todas as vantagens referenciadas anteriormente para a liberdade assistida. A elas se agrega o fato que a própria comunidade passa a ser beneficiária das ações executadas exatamente pelo agente que com sua conduta anterior a agrediu. Além disso, sempre haverá a tendência de que a comunidade tome ciência do fato, o que poderá contribuir na inibição de que outros jovens da localidade também venham a delinqüir.

O que se observa, entretanto, é sua baixa aplicação, e, mesmo quando isto ocorre, a total falta de controle e acompanhamento dos adolescentes, não havendo comunicações periódicas das instituições para as quais foram eles encaminhados, quando muito se recebendo um ofício ao final do prazo originalmente fixado.

É importante o registro de que para aplicar esta medida deve o juiz ou a equipe técnica, antecipadamente, dialogar com o adolescente e seus familiares, inclusive coletando sugestões sobre o (s) local (is) onde os serviços devam ser prestados. Sem o comprometimento do adolescente com a medida, sua importância pessoal e social, dificilmente resultará ela em efeitos positivos, levando a que muitas vezes seja indispensável a sua substituição por outra mais rigorosa.

PROGRAMA DE LIBERDADE ASSISTIDA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
À COMUNIDADE. UMA NOVA ABORDAGEM

Algumas experiências têm sido registradas a nível do País para execução das medidas sócio-educativas em meio aberto embora verifique-se que o referencial utilizado afasta-se dos preceitos legais instituídos sobre a matéria, direcionado o encaminhamento de sua execução através de abordagens fragmentadas e individualizadas, que acabam por expressar a continuidade (embora sob nova roupagem) do modelo de intervenção anterior ao Estatuto, cujos resultados, a despeito das intenções, não se converteram em mudanças substanciais de reversão do quadro que se nos apresenta.

A presente proposta do Juizado da Infância e da Juventude do Recife – PE apresenta-se inovadora, no sentido de que tenciona diligenciar à comunidade de origem do adolescente autor de ato infracional, submetido à medida sócio-educativa, a condução de sua execução, devolvendo-lhe, desta forma, o que lhe pertence: o direito e o dever de gerenciar os programas de promoção da cidadania e de integração social dos seus partícipes.

Em se tratando do programa de liberdade assistida, a participação comunitária dar-se-á através dos diversos segmentos da sociedade civil organizada, instituições, governamentais, ONGS, entidades públicas e privadas que desenvolvem trabalhos na área de assistência à criança e ao adolescente. A estes segmentos serão delegadas funções de indicar pessoas (agente institucional, ou comunitário identificado nos núcleos organizacionais das comunidades, alvo de sua atuação) que desempenhará as atribuições de orientador, previstas no Art. 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ao Poder Judiciário, além das funções judicantes típicas de processar e julgar o adolescente, aplicando-lhe a medida mais adequada, caberá, como previsto no Estatuto, a função de supervisão de sua operacionalização, fornecendo, através de sua equipe interprofissional, apoio, auxílio e assistência ao orientador no exercício de suas atribuições, assim como o acompanhamento, controle e avaliação do seu desempenho e da própria execução da medida pelo adolescente, inclusive substituindo-a quando se fizer necessário. Para tanto, serão celebrados termos de cooperação técnica com a entidade e de compromisso com o orientador.

No que pertine à prestação de serviços à comunidade a participação se dará mediante o prévio cadastramento de entidades elencadas no Art. 117 do Estatuto, levando em consideração a sua localização física, utilizando-se como critério as denominadas Regiões Político-Administrativas – RPA da Prefeitura da cidade do Recife, que, aliás, também se cogita seja utilizada como paradigma para a instalação dos futuros Conselhos Tutelares. Em seguida serão celebrados termos de compromisso, considerando as tarefas a serem atribuídas conforme as aptidões do adolescente e demais exigências do Parágrafo único do pré-falado Art. 117 da lei nº 8069/90 e a remessa de relatórios de acompanhamento.

Desta forma, dimensiona-se o compromisso, descentralizam-se as ações e divide-se as responsabilidades, atendendo-se aos pressupostos legais determinados pelo direito tutelar amplo, de co-responsabilidade da sociedade e do Estado (ao serem representados por organizações e instituições) e da família e comunidade (mediante o trabalho do orientador, em contato direto com o meio social do adolescente, visando o fortalecimento de vínculos, a formação de laços sólidos de solidariedade e cooperação).

Para tanto será proposta a modificação das fichas de entrevistas social e psicológica hoje utilizadas no Centro de Acolhimento Provisório – CAP da Fundação da Criança e do Adolescente – FUNDAC, para onde são dirigidos os adolescentes autores de ato infracional após a fase policial (auto de flagrante; boletim circunstanciado ou relatório) e antes do encaminhamento ao Órgão Ministerial Público e, se for o caso, decretação da internação provisória pelo juiz, de moldes a que ela contemple todas as informações indispensáveis a se fixar um perfil do adolescente. Em caso de representação, e permanecendo ele interno, deverá se buscar, pelo menos, a continuidade do atual cronograma que assegura que a audiência de apresentação ocorra no máximo em sua semana de sua apreensão. Tanto para estes como para os que foram liberados, na ocasião da audiência de apresentação, com base no seu depoimento pessoal e de seu responsável; informações do ato infracional formulados pela autoridade policial e nas fichas sócio-psicológicas, caberá ao Ministério Público e à autoridade judiciária analisar a possibilidade de ser concedida a remissão, cumulada com medidas sócio-educativas ora em estudo, como faculta os Art. 126, Parágrafo único e 127, LECA.

Em caso afirmativo, a decisão será prolatada, encaminhando-se às unidades gerenciais do sistema junto com a ficha psicossocial elaborada no início.

Em caso negativo, 2 (duas) alternativas se apresentam. A primeira diz respeito a indispensabilidade de audiência em continuação, com a manutenção de privação de liberdade, hipótese em que a 2a. audiência deverá se ajustar a um cronograma que não ultrapasse o prazo máximo de Custódia Provisória prevista na lei (45 dias), ocasião em que se definirá a melhor medida aplicável ao adolescente. A segunda em que, embora recomendável o aprofundamento, não se faz necessária a manutenção do internamento provisório. Neste caso, como a atual legislação acabou com a liberdade assistida como incidente do processo, mas levando em conta que para a maioria dos casos não é recomendável se deixar o adolescente sem qualquer controle de acompanhamento, o que pode induzir a um entendimento de “impunidade”, a estimular novas infrações, o programa sugere a aplicação incidental da medida protetiva do Art. 101, II, LECA (orientação, apoio e acompanhamento temporário), encaminhando de imediato o adolescente autor de ato infracional ao programa de liberdade Assistida, onde deverá se manter vinculado até a sentença que definir a medida sócio-educativa adequada, destacando-se que, assim procedendo, até pelos informes obtidos pelo sistema, a função do julgador será extremamente facilitada em discernir a permanência ou não em meio aberto.

ASPECTOS OPERACIONAIS

A implantação da presente proposta implica na substituição e/ou aperfeiçoamento de algumas atividades atualmente em prática no Sistema de Justiça, bem como a implantação de outras atividades indispensáveis, seja antes mesmo da formação do processo, seja no próprio aparelho do Judiciário, seja em relação às entidades cooperadoras e orientadoras selecionados, a saber:

1a. ATIVIDADE – ENTRADA DO ADOLESCENTE

Ocorrendo o encaminhamento do adolescente pela autoridade policial, junto com a respectiva peça infracional (auto de flagrante de ato infracional, Boletim de ocorrência circunstanciado ou relatório) ao Centro de Acolhimento provisório – CAP/Fundac (ou seja, nos casos em que a autoridade policial não providenciou a liberação mediante Termo de responsabilidade), a equipe técnica daquele Órgãoprovidenciará de imediato o preenchimento do novo formulário psicossocial em substituição ao então utilizado, em razão de no primeiro já estar contemplando informações relevantes, seja para facilitar o posicionamento do Ministério Público, seja para subsidiar uma decisão futura no caso de aplicação de medida.

À vista destas informações, contatos com familiares, entrevistas e eventuais diligências para aprofundamento do caso e na peça encaminhada pela autoridade policial, o Promotor Público que oficia junto à Central de Triagem deliberará sobre arquivamento, remissão ou representação.

No caso de optar pela representação, que interessa de perto à presente proposta, deverá ser esta incontinente levada à distribuição. Em ambas as varas da Capital deverá ser providenciada a designação de data para audiência de apresentação com maior brevidade: no máximo, em 1 (uma) semana após o recebimento da representação, como já vem ocorrendo; e, buscando-se o ajuste da pauta de audiências para se alcançar a meta de realizá-las nas primeiras 24 horas do recebimento da representação inicial do Ministério Público.

2a. ATIVIDADE – AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO (E EM CONTINUAÇÃO)

Inicialmente, com o recebimento da representação e conseqüente designação, deverá ser providenciada a transferencia do conteúdo da ficha psicossocial para o computador.

Ouvido o adolescente, seus pais ou responsável (na hipótese do § 2º do art. 184, LECA, nomear-se-á curador especial), e à vista dos demais elementos disponíveis no processo, caso verificado que os ganhos pedagógicos advindos da audiência em continuação serão de menor relevância (circunstâncias e conseqüências do ato; contexto social, personalidade do agente, não enquadramento em nenhuma das hipóteses do art. 122, LECA, ou, mesmo isso ocorrendo, fique caracterizada a existência de outras medidas mais adequadas), poderá o magistrado nesta ocasião, usando da faculdade lhe assegurada nos art. 126, Parágrafo único; 127; 186 § 1º e 188, conceder a remissão cumulada com medida sócio-educativa (no caso da presente proposta: liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade), sendo o adolescente encaminhado ao Núcleo de Gerenciamento Técnico das medidas em meio aberto, acompanhado de cópia da decisão e da sua ficha psicossocial.

Entretanto, casos existirão, como é óbvio, que tal não será possível, sendo imprescindível a realização de audiência em continuação (por exemplo, o adolescente nega a infração, mesmo que contra todas as evidências e/ou não aceita a medida sócio-educativa cumulada proposta, o que desnaturaria a sua essência de transação; indícios de envolvimento no ato infracional de terceiros, etc.), mas não há nos autos elementos que justifiquem a permanência da custódia provisória. Nestas hipótese, como é sabido, costuma-se simplesmente liberar o adolescente mediante termo de responsabilidade, o que em muitos casos transmite ao mesmo uma compreensão falsa da realidade (sentimento de que sua falta não pode ser alcançada pela Lei), levando-o a reincidir nas transgressões, pela absoluta falta de acompanhamento (registre-se que essa percepção de “impunidade”, – lato sensu – também é observada nos parentes, vítimas e testemunhas). De outro lado, também se observou em algumas cidades a aplicação da liberdade assistida como incidente do processo, prática prevista no Código de Menores, mas não acatada no Estatuto, salvo se a concessão da remissão se fizer como forma suspensiva do processo.

Para alguns doutrinadores toda vez que a concessão da remissão se fizer de forma cumulada com medida que não se esgote em si mesma ou constitua “perdão puro e simples” importará na suspensão do processo. Entretanto, data máxima vênia, parece que tal posicionamento apresenta algumas falhas interpretativas, a saber: I) aplicada a medida cumulada, ela se rege da mesma forma ao que ocorre com aquela decidida ao final da instrução (lapso de tempo, possibilidade de revisão e substituição); II) o art. 127 não limita a cumulação às medidas sócio-educativas, podendo, como reconhece a melhor doutrina, se fazer com medida protetiva (é princípio de hermenêutica jurídica que a lei não contempla palavras supérfluas e as únicas proibições legais são as de cumulação com semi-liberdade e internação); III) com a simples suspensão do processo pode se gerar problemas operacionais, pois se no futuro o processo tiver que prosseguir haverá enorme distanciamento entre as audiências de apresentação e de continuação. Assim, nada obstaria que a cumulação com determinadas medidas sócio-educativas (por exemplo, advertência, prestação de serviços e liberdade assistida) ocorresse na concessão como forma extintiva, pois a sua execução estaria sujeita às regras dos art. 128, 113, 100 e 99, LECA.

Exatamente pela duplicidade de entendimentos e problemas operacionais apontados, a presente proposta para esta hipótese (necessidade da audiência em continuação X desnecessidade da internação provisória) aponta para na audiência de apresentação se aplicar incidentalmente a medida de proteção do art. 101, II – ORIENTAÇÃO, APOIO E ACOMPANHAMENTO TEMPORÁRIOS, liberando-se o adolescente e engajando-o provisoriamente no programa de liberdade assistida (igualmente se encaminhando ao núcleo de coordenação técnica, junto com a cópia da decisão interlocutória e da ficha psicossocial). Desta forma se procedendo, são evidentes os ganhos, pois será possível a designação da audiência em continuação com relativa brevidade, e, por ocasião de sua realização, já se disporá de melhores elementos de convicção para se decidir sobre a possibilidade ou não de mantê-lo em meio aberto, ao mesmo tempo em que se afasta o falso entendimento de que o ato reprovável não recebe uma pronta iniciativa do “Estado-juiz”.

Para os casos em que fique caracterizada a necessidade da audiência em continuação, assim como a indispensabilidade de internação provisória, deverá ser urgenciada a 2a. audiência, de moldes a que em nenhuma hipótese e sob nenhum pretexto se ultrapasse o prazo legal dos 45 dias (registre-se que este é um problema praticamente eliminado no cotidiano de ambas as Varas da Capital, com raríssimas exceções provenientes da demora de aprofundamento de estudo de caso, e, consequentemente, do oferecimento da representação, ou intercorrências como evasões e regressos de um mesmo adolescente respondendo a vários processos). Caso a decisão final, seja aplicando Liberdade Assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade (abstraindo-se, assim, improcedência da representação ou aplicação de outras medidas não tratadas na presente proposta), será o adolescente, igualmente, encaminhado ao núcleo gerencial das medidas em meio aberto, junto com cópia da sentença e da ficha psicossocial.

3a ATIVIDADE – RECEBIMENTO DO ADOLESCENTE NO NÚCLEO GERENCIAL

Apresentando-se o adolescente à equipe técnica, caberá a mesma analisar a sentença e seus fundamentos e as informações contidas no formulário psicossocial, com especial ênfase nas questões relativas às causas e circunstâncias da infração, apoio familiar e comunitário, objetivando subsidiar o trabalho do futuro orientador ou do dirigente da instituição onde for prestar serviços. Em seguida, feito o seu cadastramento, identificará dentre as Entidades previamente cadastradas aquela que, em tese, se apresente como a mais recomendada para o acompanhamento do caso, levando em conta sua localização geográfica, atividades rotineiras e o perfil do adolescente. Igualmente no caso da Liberdade Assistida serão analisados os orientadores indicados anteriormente por esta mesma Instituição (também previamente cadastrada), fazendo-se uma pré-seleção a ser discutida posteriormente com a Entidade. Antes do encaminhamento, providenciará explicar ao adolescente, seus pais ou responsável sobre a natureza e importância da medida, forma como será ela desenvolvida e conseqüências que poderão advir do seu descumprimento. Inexistindo Entidade adequada para o caso concreto, na hipótese da medida aplicada haver sido a liberdade assistida, o núcleo de gerenciamento indicará pessoas que prestarão o compromisso de orientador, as quais ficarão diretamente ligadas à equipe, recaindo preferencialmente a indicação em pessoas da comunidade, integrantes do quadro de Agentes de proteção e defesa da Infância e da Juventude, ou mesmo técnicos e estagiários do juizado.

4a. ATIVIDADE – ENCAMINHAMENTO DO ADOLESCENTE À ENTIDADE/ORIENTADOR.

Em qualquer caso se fará através de ofício. em se tratando de Prestação de serviços à Comunidade, junto com o termo compromisso do dirigente da Entidade, no qual constará aptidões, horários disponíveis pelo adolescente, necessidade de relatórios, etc. No caso de Liberdade assistida, o ofício fará também a sugestão do nome do orientador. Se não acatada a sugestão, serão realizados entendimentos entre o núcleo e a entidade. Acatada a sugestão ou se chegando a outro nome de consenso, este será convocado para assinar termo de compromisso e receber o máximo de informes sobre o adolescente que deverá orientar ( inclusive síntese da ficha psicossocial). Na mesma ocasião se fará preleção sob suas responsabilidades, importância e conseqüências da medida.
5a. ATIVIDADE – ACOMPANHAMENTO/CONTROLE E AVALIAÇÃO DA MEDIDA.

AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO:

Observação do desempenho das atividades do orientador e do dirigente da Instituição, no caso da prestação de serviços, para que sejam acordadas com o adolescente, respeitando o seu direito de escolha por um novo projeto de vida; Atentar para as alterações e/ou modificações que se fizerem necessárias tanto em relação a pessoa do orientador (reforço capacitação, aconselhamento, etc.) como do adolescente e família; Estabelecimento de vínculo entre adolescente/orientador e família; Verificar níveis de envolvimento do adolescente, familiares e pessoas integrantes da Entidade onde foi designado para prestar serviços.

CONTROLE:

Apresentação de relatórios bimensais; Entrevistas, contatos do orientador e/ou dirigente do local de prestação de serviços à comunidade com à equipe técnica; Confecção de fichas individuais de desenvolvimento do trabalho; Laudo com respectivo parecer à Autoridade judiciária no final do período de execução da medida; Comunicação à Autoridade Judiciária da necessidade de substituir a medida, quando for o caso; Proposta para desligamento de Entidade/orientador, quando necessário; Treinamento e reciclagem para Entidades, orientador, adolescente e familiares; Análise de novas Entidades/orientadores a serem engajados ao programa.

DO ADOLESCENTE:

Receptividade, compromisso e engajamento com a medida; Relacionamento com o orientador; Avanços do processo evolutivo de rompimento da prática delituosa e de integração social.

AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR/INSTITUIÇÃO ONDE É PRESTADO O SERVIÇO À COMUNIDADE:

Compromisso, responsabilidade e engajamento com a medida; Capacidade de articulação com os recursos comunitários em prol da integração social e condução do adolescente a uma nova vida; Relacionamento com adolescente e sua família; Desempenho de suas atribuições.

6a. ATIVIDADE – AVALIAÇÃO PERMANENTE DO PROJETO.

Serão considerados os objetivos, metodologia de atuação, formas de operacionalização e os resultados para o adolescente, família e comunidade. Se os efeitos foram significativos para que contribuam progressivamente com a mudança do quadro. Correções das eventuais falhas, de moldes a assegurar o alcance dos objetivos colimados, redirecionando a sua efetivação sempre que necessário.

RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS:

Conforme registrado anteriormente, um dos graves problemas para a implantação de Programas Sócio-Educativos em Meio Aberto sempre foi a carência de recursos humanos e materiais.

Mesmo nas grandes Capitais brasileiras o que se observa nos Juizados da Infância e da Juventude são instalações físicas inadequadas, insuficiência de equipe de apoio especializada, pouquíssimos funcionários administrativos, além dos serventuários do cartório, falta de veículos, equipamentos e material permanente, e até mesmo de material de consumo, como de sorte ocorre em todos os órgãos do Judiciário, inviabilizando, frente ao grande número de processos, a prestação de um serviço de boa qualidade.

Por isso mesmo, um dos grandes méritos da presente proposta se materializa na baixa demanda desses recursos, postos que o Judiciário apenas coordenará a execução das medidas pela própria sociedade, através de uma pequena estrutura gerencial.

Desta forma, considerando o volume médio de processos de ambas as Varas do Recife, entende-se que tal serviço poderá ficar a cargo de dois técnicos por Vara (psicólogo, assistente social ou pedagogo) e mais um quadro de estagiários. A lógica da proposta possibilita a ampliação ou redução da equipe, a depender da realidade de cada Comarca.

Igualmente, estimou-se que poderão continuar sendo utilizadas as mesmas salas (uma em cada Vara) máquinas de escrever, arquivos, fichários, birôs, cadeiras, estantes, etc., atualmente disponíveis. Da mesma forma, contando cada vara com um veículo utilizado pelas equipes técnicas dos demais setores, possivelmente a demanda de sua utilização pelo “núcleo gerencial das medidas sócio-educativas em meio aberto” não representará maiores incrementos de viagens, na medida em que as saídas só ocorrerão para entendimentos com entidades e orientadores, e, excepcionalmente, para visitas ao adolescente, quando dos relatórios constarem informações que recomendem uma intervenção do Juizado ou mesmo a substituição da medida.

As necessidades de material de expediente não deverão sofrer maiores mudanças, de sorte que, provavelmente, continuará suficiente a forma de suprimento em vigor, através da Corregedoria Geral de Justiça e do Departamento de Apoio ao Juizado da Infância e da Juventude da Secretaria de Justiça.

APOIO E FOMENTO ÀS ENTIDADES COMUNITÁRIAS
DE RETAGUARDA AO PROGRAMA.

A estrutura lógica do presente Programa pressupõe, basicamente, a participação direta na sua execução de Entidades já existentes e de acordo com os recursos humanos e materiais já disponíveis.
Todavia, mesmo se considerando as vantagens delas já atuarem diretamente nas comunidades, há de se convir que em alguns casos não dispõem elas de infra-estrutura mínima para o desempenho desta nova tarefa, ainda que tenha o interesse real em participar do programa.

Por vezes, os recursos humanos disponíveis serão insuficientes, mesmo que para mobilizar outra pessoa da comunidade para servirem como orientador, bastando para isso que coincida em um determinado momento vários adolescentes de uma mesma comunidade serem encaminhados para uma única Entidade cooperadora existente na localidade.

Além disso, para fazer uma acompanhamento efetivo, serão necessários deslocamentos físicos do orientador, comparecimentos ao Juizado, utilização de material de expediente, uso de equipamentos da instituição – máquina de escrever, p. exemplo – para preencher relatórios, etc. Em outros casos faltarão máquinas de escrever, estante, funcionários, etc…

Por isso mesmo, entende-se como indispensável a existência de uma proposta futura que vise apoiar e fomentar as atividades das entidades de retaguarda do programa.

Como é óbvio, não é de se imaginar que a Justiça disponha de dotações financeiras para prestar este tipo de apoio. Além do mais, é preciso que fique claro que este não é um programa da sociedade resolvendo problemas do Judiciário, mas sim, da sociedade resolvendo seus próprios problemas, de forma participativa, como propugnado na Constituição Federal.

Neste contexto, apesar de não fazer parte direta deste Programa, aproveita-se o ensejo de sua propositura para lançar idéias a serem detalhadas futuramente em um programa da própria sociedade, por suas entidades intermediárias, com as quais, de logo, a Justiça da Infância e da Juventude da Capital se compromete a apoiar em negociações subsequentes a saber:

I – Negociação com os Conselhos Estadual e Municipal de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente; UNICEF; CBIA; Entidades financiadoras não governamentais internacionais, etc., visando custeio de eventuais despesas havidas pelas Entidades cooperadoras a partir da assunção de novas tarefas;

II – Negociação com a FUNDAC para apoio financeiros considerando que o êxito do Programa implicará em uma redução drástica nas internações de autores de ato infracional no Centro de Acolhimento Provisório – CAP e no Centro de Reeducação do Menor – CRM, unidades daquela Instituição, e, consequentemente, em uma significativa redução dos custos operacionais (alimentação, vestuário, remédios, vigilância, etc.);

III – Negociação com a iniciativa privada, através de seus órgãos representativos (Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco; Clube dos Diretores Lojistas; Associação Comercial ; Federação dos Bancos.), assim como sindicatos de classes melhor estruturados, voltadas para implantação de um projeto similar ao hoje em execução no Centro do Sul do País, promovido pela ABRINQ (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), onde a Cooperação financeira se destina apenas em função da ampliação do número de adolescentes atendidos.

AVALIANDO O PROGRAMA ( 1 – UM – ANO APÓS A IMPLANTAÇÃO )

Em final de agosto de 1994 foram assinados os primeiros termos de Cooperação Técnica com Entidades Governamentais ou não (na versão completa desta obra consta, como anexos, cópias do termo supra referido, da ficha de entrada do CAP/FUNDAC; formulários de avaliação bimestrais, ofícios de encaminhamento, etc.). Um ano depois, haviam sido vinculados ao Programa mais de 90 (noventa) adolescentes autores de atos infracionais, e, quando mais da metade havia concluído a medida – desligados do programa, os índices obtidos eram os seguintes: 92,5% concluíram o período de prova sem qualquer anormalidade digna de registro, seja em relação ao trabalho, escola, relacionamento familiares, não retorno às práticas delitivas; 2,5% praticaram pequenas infrações ou condutas anti-sociais que justificam a ampliação do período de prova; 5% voltaram a cometer delitos graves e tiveram a medida substituída pela internação. Apesar da excelência do número, vários problemas forma detectados (alguns já sanados), a saber: a) Algumas Entidades ou orientadores não estavam preparados para as novas responsabilidades, portando-se descomprometidamente, apesar dos treinamentos e reciclagens propiciados, recomendando o desligamento; b) Mesmo as Entidades/Orientandos sérios e comprometidos estão tendo enormes dificuldades de verbas para pequenas despesas (transporte de orientadores/orientados, lanches, cópias xerox, etc.), e um convênio conseguido pela 2a. Vara para todas elas com a UNICEF, além do diminuto valor das verbas logo se acabou. Presentemente, a 2a. Vara e o Centro de Articulação Retome sua Vida estão em conjunto elaborando uma proposta para apresentar a diversos Órgãos financiadores para viabilizar o apoio a estas Entidades; c) Ao passar do tempo pelo incremento do serviço, observou-se a necessidade de mais uma sala, com os materiais correspondentes, ampliando-se a equipe para 3 (três) técnicos e 3 (três) estagiários; d) O contato regular com Entidades e orientadores demonstra a necessidade de maior disponibilidade de veículos. Desta forma, após aquisição de novos veículos para o juizado (Gol em convênio com o CBIA e Kombi, através da Corregedoria), ficou patenteado a necessidade de um carro para o Programa por 4 dias na semana; e) A equipe tem feito avaliação constantes do Programa, visando corrigir falhas (inclusive auto-avaliação). Entretanto, sente falta de que se denominou de ‘auditoria independente”. Por tal razão, tem mantido contatos com Entidades não Governamentais (Centro de Formação e Gajop) para que, em conjunto, promovam esta avaliação.

Ao lado dos problemas intrínsicos ao programa antes apontados, outros fatores têm dificultado resultados finais mais significativos, em razão de carência na própria rede de apoio Governamental ou não, como por exemplo: I) Inexistência ou baixa efetividade de programas de apoio à família, como preconizado no Estatuto, pois não basta apenas para o adolescente; II) Insuficiência de cursos profissionalizantes, ou, quando existentes, distantes da demanda do mercado ou com índices de sofisticação e escolaridade que não correspondem ao perfil médio dos vinculados ao Programa; III) Reduzidos oportunidades de iniciação ao trabalho, mesmo sob a forma de bolsas ou estágio, em especial quando o adolescente já completou 17 anos.

É indispensável que estas questões sejam incluídas como prioridades nas políticas propostas pelos Conselhos estadual e Municipais, nas ações do Governo e na articulação com a iniciativa privada para suprir tais lacunas.

Excertos do livro
“MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM MEIO ABERTO”,
ED. TJ – PE, 1994.

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