O mundo moderno exige dos Poderes constituídos uma perfeita adequação para o atendimento dos anseios e aspirações da comunidade, mormente quando se trata de serviços de necessidade pública (aqueles sem os quais, por serem absolutamente necessários e imprescindíveis – Segurança, Justiça, Saúde, Educação, etc.- representam a própria razão da existência do ente político).
É lamentável, entretanto, constatar-se que, no Brasil, estes serviços jamais mereceram dispor de condições materiais suficientes para bem desincumbirem suas missões, em detrimento dos serviços de mera utilidade pública, que, no mais das vezes, demonstraram nem serem tão úteis assim.
Dentro deste contexto se insere o Poder Judiciário como um todo, sofrendo mazelas inimagináveis para órgãos da Administração indireta do Executivo, que vão desde a falta de espaço físico; de equipamentos e material permanente; de pessoal de apoio qualificado; de uma justa remuneração para os seus membros, desmotivando o ingresso dos mais qualificados em seus quadros; o dever de dar cumprimento a Leis anacrônicas e obsoletas criadas com o único intuito de privilegiar uns poucos; de arcar perante a opinião pública com a responsabilidade por males aos quais absolutamente não deu causa, isto sem falar na impossibilidade de acesso às novas tecnologias, onde, para a maioria dos Judiciários estaduais, a informática, por exemplo, parece ser coisa de outro mundo.
O histórico momento do surgimento de uma nova Magna Carta neste País, recomenda à nação inteira, e, em particular, aos senhores constituintes, repensar a estruturação do Poder Judiciário, analisando-se detidamente todos os aspectos que lhe permita uma ampla e verdadeira reforma (aliás, com exemplar competência os organizadores deste conclave parecem ter conseguido inserir na programação os pontos de maior relevância), criando-se condições efetivas para que se cumpra adequadamente o seu relevante papel constitucional.
Com a vista voltada para este ponto norteador, e valendo-me da minha modesta experiência de Juiz de Direito e de ex-técnico em Administração Pública, ouso apresentar aos senhores congressistas algumas idéias respeitamente à composição, competência e estruturação da justiça de 2º grau.
Quero crer que a adoção das mesmas, juntamente com outras tantas que, com certeza, estão sendo pleiteadas nas demais comissões, possibilitará uma maior fluidez na prestação jurisdicional em todos os níveis, restaurando-se a confiança popular no Judiciário, e impedirá que, como costumeiramente ocorre em vários estados da federação, em pleno desenrolar das audiências, alguns advogados se voltem para os causídicos da parte adversa propondo um acordo, junto com uma ameaça de, em não sendo feito, recorrerão de decisão, ao mesmo tempo em que, irônica e sarcasticamente, afirmam que a decisão do segundo grau ficará para as calendas gregas (Justiça tardia não é Justiça!).
1. Do Supremo Tribunal Federal
Como é sabido, a sua atual composição é formada por 11 membros, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, com as vastíssimas competências previstas no art. 119, da CF.
Praticamente nenhum destes aspectos pode ser acatado sem uma veemente contestação, a saber:
a) Primeiro ponto a ser analisado, que será basilar no decorrer de todo o trabalho, diz respeito ao ingresso na mais alta Corte de Justiça de pessoas estranhas aos quadros da magistratura, que, na maioria das vezes, não participaram nem de uma comissão de sindicância ou de inquérito. Ainda que não fossem extremamente subjetivos os critérios de notável saber e de conduta ilibada, permanece inaceitável que algumas pessoas alcancem o ápice de uma carreira sem que a ela nunca tenham pertencido, que cheguem ao último degrau de uma escada sem ter posto os pés no primeiro. Se estas pessoas, por questões de traços psicológicos, vocacionais, ou na busca de melhores ganhos, optaram pelo exercício do Ministério Público ou da advocacia, que busquem o ponto máximo no exercício de suas respectivas profissões (afinal de contas, não há preceito similar que assegure o ingresso do magistrado nos mais altos colegiados destas classes).
Lembro, embora admita o tom jocoso, que, quando em abril de 1997 foram criadas vagas de Senador da República, independente dos pré-requisitos normais para galgarem o tão nobilitante posto (liderança e consagração pelo voto popular), que os seus ocupantes foram, de imediato, denominados, pelos demais políticos e pela imprensa, de “Senadores biônicos”, desconhecendo-se, entretanto, que sejam feitos, igualmente, referências semelhantes aos magistrados que ascenderam aos Tribunais sem serem originalmente julgadores.
Assim, propõe-se que o recrutamento dos membros do STF seja efetuado dentre os componentes do Tribunal Federal de Recursos (ou Tribunais Federais, como será proposto no item subseqüente) e nos Tribunais de Justiça Estaduais;
b) Inaceitável, também, o processo de escolha ora estabelecido. Embora entenda que a escolha e nomeação de novo membro deveria se operar por decisão do plenário e ato da presidência do próprio STF, posto que não se conhece precedente admitindo ingerência de magistrados nas nomeações, promoções ou remoções de funcionários do Executivo e do Legislativo, e, muito menos, opinando sobre indicação de Ministros de Estado ou composição de comissões parlamentares no Congresso, devo registrar que tal entendimento é repudiado por vários constitucionalistas como Pinto Ferreira, Alcides Rosa e Pontes de Miranda, alegando-se o risco de criação de uma casta de Magistrados. Inobstante admitirem-se razões na ponderação formulada, quer parecer que a atual forma apresenta maiores falhas, com excessiva dependência de condicionantes políticos na escolha, onde a Corte Superior não opina na indicação do seu futuro membro. Assim, partindo-se da premissa de que a escolha, sendo operada exclusivamente dentre integrantes do Poder Judiciário, se releva sobre a questão relativa a quem compete tal atributo, bem como diante da óbvia resistência que a proposta de exclusiva decisão do STF encontrará em uma “Constituinte Congressual”, apresenta-se como alternativa a sugestão que o grande Pontes de Miranda apontava, já em 1932, em sua obra “Os Fundamentos Actuaes do Direito Constitucional”, como a melhor indicada, que seria a participação dos três poderes no processo (STF indicaria lista tríplice, mantendo-se a participação do Senado até a nomeação pelo Presidente da República);
c) Intrinsecamente ligadas estão as questões relativas ao número de membros e a competência da Suprema Corte do País.
Apontam, com inteira razão, os constitucionalistas brasileiros que a origem do STF se deu tendo a Suprema Corte Americana como referência, todavia com ampliação das competências. O quadro atual do volume de processos tramitando na mais alta Corte da Justiça, segundo o depoimento de um dos seus membros feito pessoalmente ao autor deste trabalho em março deste ano, aponta como insustentável tal situação. Para que o fluxo das decisões emanadas do Judiciário, na 1ª e 2ª instância, ganhe maior organicidade, tudo recomenda, como ocorre com o seu similar norte-americano, que suas atribuições devam ser limitadas a uniformizar o direito e apurar a constitucionalidade. Se assim for, não há o que se alterar na sua composição. Óbvio é que, se não acatado tal entendimento, será absolutamente necessária a ampliação do seu número de componentes para fazer face á demanda de processos (que, por certo, se ampliará caso o restante dos órgãos do Judiciário funcionem com maior celeridade).
Neste caso, poder-se-ia adotar a sugestão do Desembargador pernambucano Benildes Ribeiro no sentido de dar ao STF uma feição garantidora do princípio federativo, à semelhança do Senado, com vinte e sete membros, sendo um representante de cada TJ dos estados, e quatro recrutados no TFR e TJ do Distrito Federal.
2. Do(s) Tribunal(is) Federal(is) de Recurso(s)
A atual composição do TFR é de 27 membros, dos quais 15 escolhidos dentre Juízes federais (lista tríplice do próprio Tribunal); 4 escolhidos dos quadros do Ministério público federal; 4 advogados e entre 4 Magistrados das Justiças dos Estados, Distrito Federal e Territórios, sendo que exceto os Juízes Federais os demais nomes são apreciados pelo Senado.
Evidentemente, a questão do excesso de trabalho não pode ser resolvida com a simples ampliação dos seus quadros (afinal de contas, na Constituição de 1946, o TFR era composto de apenas 9 membros, sendo tal número ampliado para 13 na Carta de 1967, até chegar aos atuais 27 membros). O art. 105 da Constituição de 46 já acenava com a possibilidade de criação de outros Tribunais Federias de Recursos, preceito que foi ampliado na Constituição de 67 (EC nº 01/69), que chegou a indicar os Estados onde, mediante Lei Complementar, poderiam ser criados 2 (dois) outros Tribunais.
Entende-se que, até pela ampliação das competências decorrentes da redução de atribuições do STF, far-se-á necessária a criação, na própria Constituição, de Tribunais Federais de Alçada, em número de 4 (quatro), um para cada grande região do País. O próprio objeto deste trabalho não recomenda que nele se detalhe a divisão de competências entre o TFR e os Tribunais de Alçada Regionais, sendo certo, entretanto, que ao primeiro caberá o remanescente de competência do STF, na forma proposta neste documento.
Igualmente ai proposto para o STF, e pelas mesmas razões filosóficas, não deverá existir vagas nos seus quadros para pessoas não-oriundas da Magistratura. Os membros do TFR deverão ser necessariamente recrutados dos Tribunais Federais de Alçada e dos Tribunais de Justiça Estaduais.
Os integrantes dos Tribunais Federais de Alçada serão escolhidos dentre Juízes Federais e membros dos Tribunais de Alçada Estaduais (onde houver), ou Juízes da Capital (em não havendo), todos lotados no âmbito regional de cada Tribunal.
Entende-se também que a escolha deverá ser unicamente procedida no âmbito “interna corporis” do Poder Judiciário, mas, se assim não for, que seja adotada a fórmula alternativa proposta para o STF.
Adotando-se tal sugestão, os Tribunais Federais de Alçada poderiam ter 9 (nove) membros cada (situação igual à da Constituição de 46 para o TFR), enquanto que o TFR, a depender da divisão de competências, teria mantido o seu atual número de membros, ou reduzido para 13 (treze) (situação da Carta de 67), incluindo-se, nesta hipótese, uma disposição transitória estabelecendo a redução paulatina de membros, à medida que fossem se dando as vagas por aposentadoria, falecimento ou acesso ao STF.
3. Do Superior Tribunal Militar
As peculiaridades da Justiça Militar (tal como ocorre com a Justiça Trabalhista), especialmente pela natureza das matérias sob sua jurisdição (crimes tipicamente militares), exigem que neles permaneçam tendo assento oficiais generais da ativa das três armas. Todavia, mantido qual seja o seu atual número de 15 membros, as 5(cinco) vagas existentes para civis deverão ser exclusivas para Juízes Auditores Militares. Em qualquer caso, ou se adota a alternativa de escolha e nomeação exclusiva do STM, ou se acata a proposta de envolvimento dos três Poderes constituídos, com já proposta para o STF.
4. Dos Tribunais Eleitorais
Entende-se como perfeitamente adequada a estruturação prevista para o Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais Regionais Eleitorais, inclusive no tocante ao número de integrantes, ressalvada a substituição dos dois advogados de notável saber, coerentemente com o que foi pugnado nas hipóteses anteriores. No caso do TSE, seria indicado mais um representante do STF e outro do TFR (caso se entenda que o rol da competência proposta para a Corte Maior recomenda o afastamento de seus membros da apreciação de situações concretas no campo eleitoral, a composição do TSE poderia ser de 3 ministros do TFR e 4 dos TFA’s (um de cada região). Nos TER’s, a substituição seria procedida por mais um juiz de Direito Estadual.
5. Dos Tribunais do trabalho
A peculiaridade da Justiça trabalhista não é suficiente para subsidiar argumento a favor da manutenção, no TST e TRT’s, dos atuais Juízes classistas, recomendando-se, em um primeiro momento , de transição, a vedação da recondução por mais de 2 períodos, sequenciada pela extinção paulatina de cada cargo vago. Todavia, os Ministros e Juízes Togados obrigatoriamente deverão ser recrutados dentre magistrados da Justiça do trabalho. Por óbvio, reitera-se o entendimento de que prioritariamente deve ser definido que a escolha dos novos membros já atributo do TST, mas, se tal não for possível, como já alertado no item 1 do trabalho, que se adote a proposição antes referenciada de que o processo seja iniciado por lista trinômine oriunda do tribunal.
6. Dos Tribunais Estaduais
Igualmente ao que já tinha ocorrido nas Constituições anteriores, a Carta vigente não trata da questão relativa aos quantitativos de componentes dos Tribunais Estaduais. Esta única exceção no texto constitucional é justificada como respeito à autonomia e peculiaridades de cada Estado da Federação. As modificações trazidas com a EC nº 7/77 e na malsinada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no tocante à ampliação dos membros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Inferiores de 2ª instância, praticamente, perpetuaram o “Status Quo” da época e, com isso, as evidentes falhas existentes. Se em alguns Estados surgem críticas sobre o gigantismo dos Tribunais, noutros saltam aos olhos a insuficiência de número de membros. Como exemplo extremado encontra-se o Estado de São Paulo, com 125 Desembargadores (dos quais apenas 25, por força do item V do art. 144 da CF, têm atribuições administrativas e jurisdicionais de competência do Tribunal Pleno, criando assim uma odiosa distinção entre os membros), e o de Pernambuco, com apenas 15 membros (sendo a última ampliação efetuada em 1952, quando era infinitamente menor a população do Estado e o volume de processos em tramitação). Cabe acrescer que, no caso de Pernambuco, inexiste Tribunal inferior e o número de membros do TJ é menor que o encontrado nos Estados de Porte semelhante.
Inobstante o acatamento da base filosófica das razões que justificam a não-fixação do número de membros dos Tribunais Estaduais, há de se fixar, na própria Constituição, critérios objetivos que, ao serem alcançados, impliquem na automática ampliação dos membros dos Tribunais de Justiça e/ou criação de Tribunais de Alçada. Estes critérios devem levar em conta o movimento forense e o número de jurisdicionados, e não podem ser incompatíveis entre si, como ocorre com o previsto na LOMAN (não se cria Tribunais de Alçada porque a maioria dos Tribunais de Justiça não tem 30 Desembargadores; ao mesmo tempo em que não se amplia o número de Desembargadores em razão da inexistência de um critério que obrigue a sua ampliação – lamentavelmente, ainda há quem perca de vista que a prestação do serviço à comunidade é infinitamente mais importante que uma eventual redução de poder –, ou porque não foram distribuídos mais de 300 processos para cada Desembargados no ano anterior – o acúmulo de processos existentes no Tribunal diz respeito ao somatório de vários anos –, assim como tal número não é alcançado pelo fato de muitos desistirem de recorrer em função da demora da decisão). Embora óbvio, cabe aduzir, ainda, que, igualmente nos Tribunais de Justiça Estaduais e nos tribunais inferiores de 2ª instancia, pleiteia-se que sejam aplicados os princípios formulados no decorrer do trabalho, no sentido de seus membros serem escolhidos exclusivamente dentre Juízes Estaduais, assim como que a escolha seja procedida sem a ingerência do executivo, ou, no mínimo, que se adote a fórmula do envolvimento dos três Poderes.
Finalmente, não é demais lembrar que a adoção das mudanças propostas na Justiça de 2º grau, aliada a tantos outros aspectos relativos à Magistratura que carecem de modificações, não se consubstanciará em melhorias efetivas e palpáveis a favor da população, se o “Legislador Constituinte” não cuidar de, ao lado da autonomia administrativa, assegurar autonomia financeira ao Poder Judiciário.
Síntese das Proposições:
I. As Cortes de Justiça no Brasil, em nível federal e estadual, deverão ter seus membros escolhidos exclusivamente dentre os membros da Magistratura, eliminando-se, por completo, a convocação de advogados e membros do Ministério Público;
II. Excetuam-se da regra supra, em razão da especificidade das matérias de competência dos respectivos Tribunais, a participação de oficiais generais das três armas no STM e, transitoriamente, a de Ministros e Juízes classistas, por período certo, no TST e TRT’S.
III. A escolha e nomeação dos novos membros deverá ser atribuição exclusiva do respectivo Tribunal ou da Corte que lhe for imediatamente superior (conforme o caso); ou, se inviabilizada tal alternativa, dever-se-á adotar a sugestão de participação dos três Poderes, partindo-se, nesta hipótese, sempre de listas trinômines oriundas do Judiciário;
IV. A Competência do STF deverá ser limitada, como a do seu similar americano, à uniformização da Jurisprudência e apreciação de questões relativas à constitucionalidade, mantendo-se o seu atual número de membros;
V. Em não acatada tal sugestão de redução de matérias sob a competência do STF, deverá ser dada à Suprema Corte uma estrutura filosófica garantidora do princípio federativo, à semelhança do Senado, de forma a que o mesmo seja composto por um representante recrutado de cada TJ Estaduais, e mais 4 membros escolhidos dentre Magistrados do TFR e Tribunal de Justiça do Distrito Federal;
VI. Em se adotando a sugestão do item IV, as matérias retiradas da competência do STF deverão ser transferidas para o TFR;
VII. Deverão ser criados 4 Tribunais Federais de Alçada, de âmbito Regional, como forma de reduzir a centralização e desafogar o TFR, com competência especificada na própria Constituição e composto por Magistrados oriundos das Justiças Estaduais e Federal, com 9 membros em cada um deles;
VIII. A Constituição deverá especificar critérios objetivos, no tocante à população e movimento forense, que, tão logo alcançados, impliquem na ampliação automática dos atuais números de membros dos Tribunais Estaduais, assim como na criação de Tribunais inferiores de 2ªinstância.
(*)- Tese apresentada em Congresso da AMB, em Recife-PE, em 1986(aprovada por maioria, em votação conjunta com várias outras que, com maior ou menor extensividade, apresentavam propostas similares).