CARTA AO PRESIDENTE DO CONANDA

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Prezado Fernando: estou de férias por 15 dias. Por isso, me desliguei por
completo de atividades profissionais. Em razão do prazo estabelecido pela
relatora do substitutivo aos diversos projetos de lei que tramitam no Congresso
Nacional sobre adoção(o ponto fulcral é o PL n°1.756/03, mas, pela órdem de
precedência regimental, o 1° dentre tantos é aquele simplório de n° 6.222/05)
para que fossem ofertadas sugestões para o seu texto final, também me desliguei
do tema, pois já havia entregue diretamente à relatora, Dep. Tetê Bezerra, uma
lista de ajustes indispensáveis.
Abrindo hoje o meu e-mail, me deparei, estupefato, com correspondência
encaminhada por Alexandre reis à qual estava “atachado” cópia de decisão do
CONANDA com o título: “Pelo Direito à Convivência Familiar e Comunitária”.
Explico as razões da minha estupefação!
Há 1 ano e vários meses, após manifestação contrária do Conselho ao PL
n°1.756/03, conversamos sobre o tema, quando falei que estranhava a decisão, à
luz de documentos em meu poder, nos quais facilmente se observa que um texto
preparado em organismo público de determinado estado do sul, com carater
meramente indicativo, foi transformado em deliberação assinada pelo então
ministro Nilmário Miranda.
Você afirmou desconhecer o fato, mas admitiu que o tema não fora debatido
devidamente no colegiado(para mim, o que houve foi instrumentalização para um
determinado e querido posicionamento), por não se ter dado espaço aos favoráveis
ao PL. Verbalmente combinamos que o debate aconteceria. Chegamos até a pensar
que eu faria a defesa do PL e o procurador paulista Paulo Afonso Garrido se
posicionaria em contrário. Aí sim o CONANDA estaria apto a tirar suas
conclusões.
Exatemente porque lhe conheço há vários anos, sabendo de sua seriedade e a do
organismo que você represente, e, através dele, chegou à presidência do CONANDA,
tenho certeza de que não houve qualquer má-vontade ou má-fé, mas O FATO É QUE O
DEBATE JAMAIS ACONTECEU.(acredito que os escândalos quase que diuturnos
ocorrentes em Brasília o ano passado devam ter influenciado negativamente).
A referência supra tem apenas a finalidade de deixar claro o seguinte: a) O
CONANDA não foi imparcial no 1° momento, quando decidiu olhando um só lado da
moeda;b) Pior ainda, tornou a se mostrar parcial sobre o mesmo tema, quando foi
alertado para a 1ª falha e tinha o compromisso de não deliberar sem ouvir os
dois lados em questão.
De toda sorte, permita-me o amigo que aponte algumas incongruêcias do aludido
documento:
I- É comezinho que a lei acompanha o fato social. No caso do PL 1.756/03, sua
razão básica foi a edição do novo código civil, também regulando, para pior, os
institutos da adoção e da perda do poder familiar. Este era (e é) o fato novo a
exigir o restabelecimento dos princípios da doutrina da proteção integral ( do
qual o ECA é apenas um dos repertórios legais, e não um “fetiche” como alguns
querem tranformá-lo). A regra interpretativa da prevalência da lei nova, mesmo
que pior, parecia óbvia. Entretanto, alguns juristas fetichistas passaram a
dizer que ao caso aplicava-se o chamado princípio da especialização (especial é
o instituto da adoção, regulado nos dois diplomas legais, e não há técnicamente
falando um “direito da criança”).
Foi preciso que a comissão especial levasse à Câmara um emérito professor de
teoria geral do direito da Universidade de Brasília, neutro, portanto, na
matéria de fundo, para que ficasse claro que a segunda tese não tinha
sustentação. Morta esta tese da especialidade, agora o CONANDA vem falar em
ajustes no ECA e no Código Civil. Ora, ou serão ajustes “meia boca” para manter
a estrutura de tais leis, ou, caso seja inserido tudo o que precisa, os
capítulos correspondentes ficaram enormes causando desajuste formal nas aludidas
legislações.
É o caso de se perguntar: por que se defende que é possível uma lei nacional da
execução das medidas sócio-educativas (filhote do ECA, portanto, que se debate
há quase 10 anos sem qualquer avanço legislativo) e não se acha possível uma lei
nacional da adoção? Penso que só a má vontade de alguns iluminados pode
justificar isto, pois é claro que se trata de 2 institutos cujas relevâncias
recomendam sejam tratados em leis específicas.
II- Também se quer condicionar à mudança legislativa a elaboração do “plano
nacional de promoção, defesa e garantia do direito de crianças e adolescentes à
convivência familiar e comunitária”. Parece que não se observa a contradição
contida no próprio texto, quando assume que há anos o tema vem sendo debatido.
Quantos anos mais vamos esperar? quantas gerações foram perdidas nos abrigos sem
possibilidade de conviver em uma família, mesmo que substituta? quantas mais
teremos que perder?
Se o plano, quando conclúido, vislumbrar necessidade de novas alterações
legislativas, elas serão propostas independetemente da norma a ser modificada se
encontrar na CF, CC, ECA, LNA, etc. É muito triste que se pretenda “congelar” a
situação das crianças até que este bendito plano seja editado.
III- Absolutamente sofismatica é a expressão “apelos de inspiração menorista que
resultariam em maior institucionalização e desfiliação arbitrária das crianças e
adolescentes nascidos em famílias pobres deste país”, contida no item 5 do
documento do CONANDA. De onde tiraram tal idéia? qual o dispositivo do PL
original ou do substitutivo que permite que os absurdos ali apontados possam ser
postos em prática? obviamente nenhum. Aquilo são meras palavras de ordem para
enganar incaltos. Não resiste à dialética do democrático debate de idéias.
Pessoalmente me sinto ofendido porque fui um dos primeiros magistrados
brasileiros a me rebelar contra as regras do revogado código de menores,
deixando de cumpri-las, lutando abertamente pela aprovação do ECA, com cujo
texto colaborei na redação.
IV – Embora reconheça que se trata de mero “fellings” de minha parte, registro
que a leitura que fiz no novo texto do CONANDA me reportou automaticamente a um
documento paulista (foco principal das resistências corporativistas ao PL
1.756/03), onde a quase totalidade dos órgãos signatários nunca dedicaram um
minuto sequer de suas existências à questão da perda do poder familiar ou da
colocação da família substituta, bem como a maioria nunca trabalhou com abrigos,
mas, com total desconhecimento de causa se acharam com direito a responder um
texto sobre o qual não estavam aptos a se pronunciar (tenho muitos amigos nessas
instituições, mas nenhuma preocupação em me postar como “politicamente correto”,
para não desagradá-los. Meu compromisso, como magistrado há 23 anos e meio, a
maioria deste tempo na área da infância e como pai adotivo de 3 filhos é com as
crianças e com a verdade).
V- Embora ainda veja grandes falhas no subsitutivo, tenho que houve um grande
avanço em relação à proposta original. Retirou-se do texto questões colaterais
(relevantes, reconheço, como os detalhes sobre abrigo), que podem ser tratadas
em outras normas, assim como preceitos polêmicos a respeito do “subsídio-adoção”
e do acompanhamento técnico do estágio de convivência por organismos
credenciados. Penso que o CONANDA poderia contribuir muito mais para crianças e
adolescentes sem família caso se incorporasse ao que estão apresentando
sugestões para aprimorar o substitutivo. Acredito que o Congresso Nacional vai
ouvir melhor os anseios da nação do que os reclamos de grupos micro-localizados
insatisfeitos que querem manter tudo como está. Quem pensar que apenas sendo
contra o substitutivo, sem apresentar nada melhor em seu lugar, se encontra no
caminho correto, corre o risco de perder o bonde da história.
Por isso tudo, apresento meu total repúdio ao documento recente do CONANDA,
especialmente pela forma pouco democrática utilizada para a sua edição.
Continuo à disposição para ir debater o assunto com quem você quiser, quando
quiser, onde quiser e na hora que quiser.
Como estou recebendo constantes telefonemas para me posicionar sobre a decisão
do CONANDA e sendo esta de natureza pública, informo-lhe que vou divulgar esta
missiva. Fico triste por ter de tornar público a nossa conversa particular
anterior. Se falta há nisso, é bem menor do que a falta do prometido debate que
nunca ocorreu.
Esperando que a veemência do texto não comprometa a sólida amizade que
construimos conjuntamente na defesa dos interesses das crianças e adolescentes,
firmo-me,
atenciosamente,

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.

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