A sociedade precisa
se conscientizar do problema
do menor desassistido
Sempre que uma ação como a recentemente desencadeada pelo Departamento de proteção à criança e o Adolescente, da secretaria da Justiça é veiculada na mídia, logo surgem duas correntes com posições extremadas a se posicionarem contra ou a favor da medida, fato típico do maniqueísmo político que, lamentavelmente, impera em Pernambuco.
No calor dos fatos, exatamente por verificar excessos de parte a parte, assumi conscientemente o papel de fiel da balança, sempre na linha de que os aspectos negativos precisam ser eliminados e os positivos fortalecidos.
Se é de sabença geral que a causa primária e fundamental do problema se encontra inserida na ausência de uma política econômica adequada, má distribuição de renda, falta de uma política urbana e agrária conseqüente, insipiência das chamadas políticas sociais básicas, não menos verdade e que, mesmo dentro desse quadro de carências e adversidade, uma ação conjunta e articulada dos poderes públicos, em todos os níveis e esferas, e da sociedade civil organizada, sem ranços políticos e ideológicos, poderia resultar em práticas que, pelo menos, minimizassem o sofrimento desses “brasileiros’ desassistidos, que perambulam pelas ruas.
A sociedade precisa ser conscientizada para a gravidade do problema e a distinguir que entre estes jovens não só existem “marginais perigosos’, como querem alguns, mas também pequenos infratores que, sem um apoio, tendem a virar infratores periculosos e uma maioria esmagadora que apenas pede esmolas e faz biscates para sobreviver e às vezes sustentar toda a família. Somente com essa consciência, e com ações concretas e específicas para cada uma dessas categorias, será possível se dominar o medo, pavor e insensibilidade de alguns e se assegurar a participação da sociedade, como um todo, no processo de mudança.
Neste sentido, algumas ações podem e devem ser demarcadas urgentemente, como por exemplo; 1) aos autores de atos infracionais – ampliar a eficácia de ação policial na apreensão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da Autoridade Judiciária, assim como na captura dos foragidos da unidade onde se encontravam internados (CAP da CRM – Fundac). Para tanto, têm de ser criados mecanismos simplificados como “Traileres” nos “pontos-chaves” de incidência, formulários pré-impressos; maior contigente de policiais nas ruas em detrimento de atividades burocráticas já não-exigidas na lei; agilização da tramitação das fases processuais a cargo do Ministério Público e do judiciário, também com fórmulas pré-impressas; melhorias das condições do CAP e CRM – Fundac, inclusive com segurança externa da PMPE; maior participação das ONGs no apoio aos egressos de sistema etc. ; a) quanto ao uso de cola de sapateiro – entendimentos com fabricantes para retirada de odor inebriante; levantamento rigoroso dos grandes compradores e fornecedores; “blitze” constatantes para fiscalização e prisão dos adultos traficantes e que vedem a substância aos menores de 18 anos; programas de retaguarda, governamentais ou não, de tratamento (ambulatorial ou sob abrigo) para desintoxicação daqueles que permaneceram no vício, mesmo com as medidas anteriores; 3) quanto aos não-autores de ato infracional – têm eles o direito de ir e vir assegurado na Constituição e é um fato que nas atuais condições não adianta de nada apreendê-las já que pela não-prática de infração e insuficiente dos programas de retaguarda fatalmente voltarão às ruas e pelas mesmas práticas pelas quais foram apreendidas. É um fato que não se pode falar nos Direitos Constitucionais e do Estatuto de vida e saúde para alguém que não tem escolarização, vestuário, profissionalização, faz biscates e pede esmolas, muitas vezes aspirando cola de sapateiro, mas, nem por isso, se justifica a sua privação de liberdade, pois não se pode reeditar as chamadas “carrocinhas de menores”, que o segregam do meio social, mas o deixam no convívio de marginais perigosos (mesmo que menores de 18 anos) possibilitando-lhes “curso intensivo’ ou ‘pós-graduação’ em marginalidade, e, como tal, na realimentação de formação de futuros delinqüentes. Por isso mesmo, proponho; 1. programas estaduais, municipais e não-governamentais de retaguarda e atenção imediata (SOS Criança, caso de vitimizados etc.) e de abrigo; 2. programas governamentais, ou não, de profissionalização e engajamento; 3. revisão de currículos na rede pública de ensino; 4. programas oficiais, ou não, de defesa de direito; 5. programas de apoio e auxílio à família; 6. instalação de conselhos tutelares; 7. agilização da prestação jurisdicional em medidas de proteção, Destituição de Pátrio poder e colocação em família substituta; 8. dinamização de campanha Pró-criança; 9. campanhas incentivadoras de recebimento de criança em família substituta.
Tal como toda filosofia preconizada no estatuto da Criança e do Adolescente, não tenho a ilusão de que todas elas possam ser implantadas de imediato, nem tenho a veleidade de achar que a lista é definitiva, pronta e acabada. Tenho, entretanto, a certeza absoluta que muitas delas podem ser demarradas incontinente havendo vontade política e menos maniqueísmo ideológico. Por isso mesmo, dou a partida e levanto a bandeira do encontro de alternativas simples, baratas e de fácil consensualização, aguardando o apoio e a participação dos poderes públicos e da sociedade civil nesta cruzada.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opiniões
Recife, 08 de setembro de 1992.