“É preciso que se separe o
tráfico de crianças
das adoções internacionais”.
Vergonha, revolta, indignação, estes são os sentimentos que afloram em qualquer cidadão normal ao ler reportagem sobre tráfico de crianças publicada no Correio Braziliense e reproduzida na íntegra pelo DIÁRIO DE PERNAMBUCO, agregando-se à mesma informes locais da maior relevância, desde já candidata a ser o grande marco do jornalismo investigativo brasileiro nesta década. Pela primeira vez o público trava conhecimento pormenorizado com este problema, sentindo que o homem não é, por certo, o orgulho do Criador. É preciso, entretanto, que se separe o problema do tráfico de crianças, que é caso de polícia, das adoções internacionais legalmente realizadas, que são de responsabilidade da Justiça da Infância e da Juventude. Na 1a. hipótese, seja qual for a força motivadora (transplantes de órgãos, intermediações, a troca de dinheiro por pessoas ou instituições, de adoções para “casais estrangeiros apressados ou incautos” que não se preocupam em obedecer os trâmites legais deste que recebem a criança com rapidez), a solução é aplicar o Código Penal. Cadeia neles!
A Lei pune, e severamente, aqueles que participam de tal método espúrio. Aparelhar as polícias (em especial a federal encarregada das fronteiras) e a Justiça para apurar e punir rapidamente os autores resultaria efeito emblemático no trato da questão. Rigor no registro civil de crianças (especialmente não-nascidas em maternidade) para se evitar declarações seria um bom caminho inibitório. Após denúncia no final do ano passado de que crianças adotadas por italianos estariam sendo utilizadas para transplantes de órgãos, a CEJA-PE suspendeu a emissão de laudos de habilitação para cidadãos daquele país. O governo da Itália desmentiu oficialmente a notícia. O juiz Bartolomeu Moraes diligenciou e provou que mais de 30 crianças do Recife adotadas por italianos estavam vivas, gozando de boa saúde na companhia dos pais adotivos. Estes fatos indicam que os traficantes não utilizam da sede legal de adoções. Os governos estrangeiros demoram a emitir autorizações para adoções. A CEJA-PE é rigorosa: o Estatuto é detalhado nas adoções por estrangeiros; os juizes e promotores são vigilantes; depois de consumada a adoção no Brasil, a criança permanece na família estrangeira por um ou dois anos até que seja a “adoção revalidada” nos Tribunais de Menores do país de origem. traficante não espera tanto tempo, nem se submete a tanta burocracia. No revogado Código do Menores ainda havia a possibilidade de no chamado ‘verificatório simples” uma mãe previamente contactada comparecer em Juízo e dizer que queria entregar o filho ao casal estrangeiro (como se conheceram?; que “vantagens” foram recebidas?). No Estatuto da Criança e do Adolescente isto não pode mais acontecer, O Art. 169 obriga a prévia decretação de Perda do Pátrio Poder.
Em Pernambuco, desde 15/07/94, com a criação da comissão Estadual Judiciária de Adoção, Ceja-PE, os juizes comunicam a este órgão as crianças cujos pais foram destituídos do pátrio poder para cadastramento. Também são cadastrados os brasileiros e os estrangeiros que obtiveram laudo de habilitação. As crianças adotáveis são estas da listagem; os adotantes também. Fora destes casos a CEJA-PE não vista os Alvarás de Viagem e a Polícia Federal não autoriza o embarque. Segundo dados da Polícia Federal nos jornais, comparando-se resultados do 1º semestre/93 com o de 94, houve uma redução de 90% de casos. Sem xenofobia ou interferências no juízo natural da adoção, a justiça Pernambucana vem dando uma demonstração de seriedade e competência no trato da questão. É preciso se afastar entendimentos de que a adoção é ato caritativo ou que vai resolver os problemas sociais do País. A adoção nada mais é do que uma fórmula legal de se dar uma família a quem não tem. Para tanto há que se respeitar a prioridade do brasileiro e a geração de critérios objetivos de preferência de candidatos, para se assegurar a melhor família para a criança, como se faz no Recife. Eventuais críticas isoladas à nova sistemática sempre existirão. Estes devem esclarecer o porquê da preferência ao sistema antigo que permitia burlas e fraudes. A moralidade instalada elimina que inescrupulosos se beneficiem financeiramente. A denúncia é gravíssima e envergonha a Nação. Em contrapartida, fica provado que sistemas gerenciais adequados podem resolver o problema, e a esperança de que possam ser extrapolados a aperfeiçoados. caminhos existem. Resta a vontade política, competência e tenacidade das autoridades para trilhá-los.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco – Opinião
Recife, 03 de agosto de 1994.