Enquanto vigorava no Brasil o chamado “Código de Menores”, por força da previsão contida em seu artigo 8º, os então denominados Juizes de menores, podiam, através de Portaria ou Provimento, DETERMINAR MEDIDAS DE ORDEM GERAL, QUE AO SEU PRUDENTE ARBÍTRIO, achassem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor. O ilustre Magistrado Alírio Cavalliery, figura máxima da corrente superada pela nova Lei (8069/90), em seu livro “1.000 Perguntas sobre direito do Menor”, Embora defendendo a disciplina, admitia que este juiz “quase legislador” do Brasil não tinha similar em nenhuma outra parte do mundo. Em outras palavras, as culturas universais de tradição milenar rechaçavam a idéia, mas o Brasil devia saber mais das coisas que todo o resto da humanidade.
Considerando-se que o princípio da tripartição de poderes, universalmente aceito, é acatado na Constituição Brasileira, este “quase legislador’ do Judiciário sempre seria uma aberração. Argumentos de celeridade do fato social e do “interesse do menor” não são jurídicos, pois ensejam que o preceito possa ser copiado em outros seguimentos da vida em sociedade, que também reclamam soluções urgentes, nem sempre respostadas no ritmo desejado pelo processo legislativo. Este é um dos “ossos da democracia”, mas em questão de princípios não pode fazer acordos ou tergiversar. Como quase sempre as violações ao princípio de autonomia, independência e harmonia dos poderes ocorrem em detrimento dos interesses do Judiciário, aqueles que justamente se rebelaram contra tais agressões têm o dever de se posicionar contra situações em que o “invasor de competências” passa a ser o normalmente invadido. Não bastasse isto, sabe-se de inúmeros excessos praticados Brasil à fora sob a égide de tal preceito: proibição de menores de 18 anos circularem nas ruas desacompanhados após 22h; vedação de beijos em praça pública; de uso de minissaias, de imposição de penas pecuniárias, mesmo contra reiteradas decisões do STF.
Como a Constituição assegura que a ninguém é dado fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei, salta aos olhos que pela segunda vez a Lei das leis estará sendo violada sempre que se desejar laborar em contrário.
Outros tantos editavam e, lamentavelmente, editam Portarias que apenas repetem preceitos contidos em algumas Leis, como por exemplo proibição de venda de bebidas alcoólicas ou armas de fogo, ou de conceder a direção de veículo a menores de 18 anos, etc.. A sabedoria popular chama isso de “chover no molhado”, e a proibição e o conseqüente poder do Estado de sancionar o infrator decorre de Lei e nunca da portaria.
Exatamente por essas razões, o legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente cuidou de escoimar do ordenamento jurídico tão desarrazoada situação.
As Portarias dos juizes da infância e da juventude, desde 13.10.90, são exclusivamente aquelas previstas e reguladas no artigo 149 e parágrafos do estatuto, o que implica em dizer: a listagem legal é exaustiva; as portarias são sempre caso a caso; o Ministério Público será sempre ouvido previamente ( arts. 153, 201, III e 202 da L.E.C.A.); a indispensável fundamentação da medida.
Fora daí as portarias dos Juizes da Infância e da Juventude, como ocorre com qualquer outra autoridade Pública, são de cunho eminentemente administrativo: instituir sindicância; grupo de trabalho ou estudos para propor alternativas de solução para problemas específicos; remoção de pessoal entre setores, etc.., apenas obrigando os subordinados administrativos, pois os demais a ela aderem por opção e não por imposição.
Não existe no âmbito do estatuto qualquer possibilidade de renascer o Juiz “quase legislador’ que era encontradiço na Lei anterior. Não há Portarias fora do artigo 149 da Lei nº 8069/90, queiram ou não os passadistas e saudosistas do poder absoluto. a Lei é claríssima e sequer precisa de interpretações acuradas dos outros.
Dizer ou laborar em contrário, neste País de tantas “Leis que não Pegam”, e assumir o papel de duplo violador da Constituição e da Lei em nome de um “Poder” que nada transforma para melhorar o mundo dos nossos filhos e netos, mas que apenas sustenta o controle social e manipula privilégios em favor de determinados segmentos.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco – Opinião
Recife, 21 de dezembro de 1991