É O CONSELHO TUTELAR INCONSTITUCIONAL?

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Embora estejamos próximos do primeiro ano de vigência da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), um dos seus mais importantes e viscerais sustentáculos, posto assecuratório da participação popular como manda a Constituição federal, da desjurisdicização de casos eminentemente sociais, que podem ser melhor resolvidos pela própria sociedade do que pelo aparelho judiciário, como preconiza a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças da qual o Brasil é signatário, a ratificou, trazendo-a para a normativa interna pelo Decreto Legislativo nº 28/90 e da municipalização do atendimento, qual seja os Conselhos Tutelares, é lamentável a constatação de que apenas em pouquíssimos Municípios brasileiros eles já estejam criados e em funcionamento.

Com efeito, enquanto os agentes governamentais ou não lidavam com as naturais interpretações diferenciadas que ocorrem com toda as leis novas, buscando os caminhos ideais para implantar tais Conselhos de acordo com as peculiaridades locais, cai-se-lhes sobre a cabeça, como o impacto de uma bomba atômica de centenas de megatons, a decisão do TRE/SP acórdão número 109242, processo 9341, 44a. zona eleitoral – Descalvado – que culmina por entender como inconstitucional o artigo do Estatuto que comete à Lei Municipal a criação dos Conselhos Tutelares, no que diz respeito à forma de escolha dos seus membros, em razão do entendimento de que tratando de matéria eleitoral, inclusive com a previsão do juiz eleitoral presidir o processo da eleição, teria sido afrontado disposição da magna Carta que determina tal competência à União, e exclusivamente através de Lei Complementar. Até a presente data não consta que qualquer TRE de outro Estado da Federação ou mesmo do TSE tenha deliberado sobre o mesmo assunto, quer renovando o entendimento paulista, quer dando uma outra interpretação à questão.

A paralisação resultante do fato foi quase que total, para gáudio da forças mais conservadoras e autoritárias do País, que têm verdadeira aversão a participação popular nos processos decisórios, mas para o mal de todos e infelicidade geral da Nação, em especial dos destinatários primários da norma – As Crianças e os Adolescentes. E como se esta decisão tivesse o dom da infantilidade, o que, com maior respeito aos ilustres decisores, seria a negação da própria essência humana – o erro – e da possibilidade da revisão das decisões judiciais. À guisa de mera ilustração, não é demais lembrar que, há pouco tempo, outra decisão do mesmo TRE paulista, entendendo que a Constituição Federal era auto-aplicável para ampliar o número de deputados federais desse Estado, foi rejeitada na instância superior em Brasília.

A coragem cívica de alguns prefeitos, vereadores, promotores, juizes e militares do Movimento Popular vem funcionando como bastião democrático, quando, apesar de tal decisão, mas conscientes do verdadeiro espírito da Lei, cuidaram de criar e implantar os seus Conselhos Tutelares. Entretanto, estão eles receosos de que fato semelhante ocorra com suas leis, o que vem levando à prática, louvável mas sem respaldo jurídico, de criá-los por via de Decreto, portaria de Juizes, provimentos de T.J. (MS) etc. com o subtítulo de “provisório”.

Como neste País tudo que é provisório vira definitivo, e para buscar demonstrar que estes receios não têm fundamentos, em que pese a redução legal não primar pela boa lógica conceitual e técnica legislativa, aponta-se aqui, sucintamente, argumentos de que a norma se encontra perfeitamente inserida na estrutura constitucional:

I – A democracia representativa é princípio constitucional. Exatamente por isso, para complementar a Constituição, reservou-se a Lei Complementar Federal a competência de disciplinar o processo eleitoral para preenchimento dos cargos/mandatos eletivos assecuratórios desde princípio (Presidente da república, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, etc.). Não pode ser crível, pela absoluta falta de lógica e argumentação jurídica, que o legislador constituinte estivesse querendo estender sua conceituação para outros aspectos do cotidiano do cidadão, sob pena de termos de esperar por Lei Federal Complementar a regulamentar eleição de sindicatos, órgãos de classe e até mesmo de “rainha do milho” e “garota verão” etc.. Quando muito, pode se tornar como paradigma as eleições de síndicos de condomínios, quando a Lei Ordinária específica fixa os conceitos gerais (tal como ocorre com o ECA) e deixa os detalhamentos para as respectivas assembléias (no caso do estatuto para a Lei local;

II – uma boa fórmula para se entender o espírito de uma lei é buscar a análise da fase de sua elaboração legislativa. Neste sentido, a versão original proposta ao congresso não incluía tal eleição, que foi fruto de emenda da deputada Sandra Cavalcante. Pelas próprias justificações da deputada, apenas se desejava legitimar ainda mais a sua representatividade, e a presença do juiz eleitoral se dava para garantir a lisura da escolha. Ou seja, estão exigindo bem mais do que a “mens legis”. Outra fórmula é a análise do fim social ao qual a Lei se destina, o que leva à óbvia conclusão que jamais se poderá dizer que a norma busca o resultado obtido com aquele “decium” (vide LICC e artigo 6º do ECA);

III – A presidência do processo de eleição dos conselheiros pelo juiz eleitoral, que vem levando os intérpretes meramente gramaticais a fazerem disso a grande bandeira de sua tese, data máxima vênia, não resiste a uma simples análise comparativa. Basta se ver que jamais se questionou que juizes presidissem os plebiscitos para criação de novos Municípios, com a utilização de todo o aparelhamento da justiça, quando estes (os plebiscitos) são frutos de lei Estadual. No mesmo sentido os plebiscitos para a criação de distritos ou mudança de denominação destes que, em muitas Constituições Estaduais e leis Orgânicas dos Municípios, são regulamentados em Lei Municipal, ou seja, trata-se de mera colaboração do judiciário para garantir a efetivação do princípio da Constituição inserido no conceito da cooperação entre os diversos Poderes (Independentes e Harmônicos entre si), Níveis e Esferas de governo, tal como preconizado na Lei das Leis. Por idêntica razão, o Judiciário eleitoral apenas estará colaborando para estes mesmos fins apontados neste item e para aqueles decorrentes da Constituição e da Convenção Internacional, indicados no início deste artigo;

IV – Aos menos avisados, que já começam a dizer que os Conselhos Tutelares irão “julgar” e com isso solapar competência reservada constitucionalmente ao Poder Judiciário e não a leigos, recomendo a leitura do Estatuto que expressamente declina ser ele órgão não jurisdicional. Os assuntos de competência do Conselho são eminentemente sociais, tal como fiscalizar a atuação das entidades e assegurar o cumprimento a nível local do ECA, e as medidas que lhes cabe aplicar são todas elas de caráter eminentemente educativo e pedagógico, mesmo quando se tratar de fato que se praticado por maior de doze anos caracterizaria ato infracional. Ainda que assim não fosse, não é demais lembrar que desde há muito tempo os leigos julgam neste País, sem que se questione a legitimidade constitucional/legal, como “juizes de fato”, exatamente nos crimes dolosos contra a vida (Tribunal de Júri), assim como sendo vogais, representando empregadores/empregados, na Justiça do trabalho.

Socialmente a implantação dos Conselhos tutelares é importantíssima e inadiável; juridicamente é, no mínimo, questionável, como se quis demostrar, esta alegada inconstitucionalidade. A hora, é de agir. Se deixarmos par depois não conseguiremos salvar as crianças do hoje!

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco
Recife, 29 de agosto de 1991.

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