DGO e Apelação Cível nº 148046-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

No mérito, tenho que a sentença merece parcial reforma.

Senão vejamos.

Cuida-se de ação indenizatória por alegados danos de ordem material e moral sofridos pela ora apelada quando de sua preterição da ordem de classificação do último concurso público de juiz substituto realizado por este Egrégio TJPE, do qual, após ultrapassadas todas as fases do certame, logrou a apelada sua aprovação na 37ª (trigésima sétima) colocação, consoante se infere do documento carreado às fls. 22 dos autos.

Ocorre que, em vista da constatação do desrespeito aos termos do edital, no que tange, precisamente, ao limite máximo de 45 (quarenta e cinco) anos de idade quando da abertura da inscrição ao concurso para magistratura, exarou, o então Presidente deste TJPE, despacho nos autos do processo administrativo nº 025/2002-SEJU (publicado no D.O.E. de 07/01/03, vide fls. 26), denegando a lavratura dos atos de nomeação dos candidatos em situação irregular como a apelada, com base, inclusive, no §1º, do art. 185, do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco, bem como no remansoso posicionamento jurisprudencial do Excelso STF, sobre a matéria.

Em conseqüência desse entendimento, restou a apelada preterida na ordem de classificação quando da lavratura dos atos de nomeação dos candidatos aprovados, tendo, aquele agente administrativo, extirpado seu nome dentre os candidatos que foram nomeados naquela oportunidade, muito embora ela constasse da “Relação dos Candidatos Aprovados” anteriormente publicada no D.O.E. em 19/12/02, inclusive em melhor classificação do que os últimos 14 (quatorze) candidatos ali nomeados.

Irresignada com tal fato, impetrou a ora apelada o Mandado de Segurança nº 90637-4 em desfavor do então Desembargador Presidente do TJPE, Des. José Napoleão Tavares de Oliveira, na qualidade de autoridade coatora, figurando, ainda, os citados 14 (quatorze) candidatos na condição de litisconsortes passivos necessários.

No julgamento do citado mandamus, consoante faz prova o documento de fls. 27 dos autos, decidiu a Corte Especial do TJPE, à unanimidade de votos, pela concessão da segurança pleiteada pela ora recorrida, consistente em fosse ela imediatamente nomeada para o cargo de juiz substituto.

Nesse sentido, transcrevo, por oportuno, a íntegra do seu acórdão publicado da imprensa oficial em 08/10/03:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO. TEORIA DO FATO CONSUMADO. ART. 815, INCISO V, PARTE FINAL, E §1º, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NÃO RECEPÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. Relevante a circunstância de ter este Colendo Tribunal de Justiça procedido com a homologação final do concurso, sem ressalva à impetrante, não incluída em qualquer processo judicial pendente, forçoso torna-se reconhecer a aplicação, à espécie dos autos, da teoria do fato consumado. O art. 185, inciso V, parte final, bem assim a primeira parte do seu §1º, do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco, por não guardar compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, agredindo-a explicitamente (art. 7º, XXX, c/c art. 39, §3º), não foi por ela recepcionado. Não se pode limitar o acesso a cargos públicos impondo-se limite de idade, mormente em atividades predominantemente intelectuais, como tal proclamado em precedentes jurisprudenciais. Segurança concedida, à unanimidade de votos, para nomeação imediata da candidata, ora impetrante, para o cargo de juiz substituto, enquanto o Desembargador Relator e o Desembargador Siqueira Campos concediam a ordem para retroagir os efeitos à ocorrência da trigésima sétima vaga, obedecida a ordem de classificação.”

Tal julgado, embora não conste dos autos dita informação, há tempos transitou em julgado – consoante pude observar em recente acesso ao sistema judwin -, estando, pois, o direito da apelada à nomeação e empossamento no cargo público de juiz substituto protegido pelo manto da coisa julgada, tanto assim que, em observância àquela ordem judicial, deu-se início às suas funções judicantes em data de 07/10/03 (vide fls. 29v dos autos).

Ocorre que, em que pese ter sido nomeada e empossada no cargo de magistrada somente após seu êxito definitivo na ação judicial dantes manejada, tenho que, na hipótese dos autos, não há se falar em percepção de verba indenizatória de cunho extrapatrimonial.

Isso porque, ao fazer cumprir as normas e regras do edital do concurso, laborou, o então Desembargador Presidente do TJPE, no estrito exercício de seu dever, não se havendo como, em tendo observado o desrespeito da apelada às normas até então consideradas legítimas daquele edital – inclusive porque embasadas em disposições legais contidas no Código de Organização Judiciária do Estado -, fazer surgir uma pretensão indenizatória dessa natureza.

Nesse sentido, veja-se que a própria apelada tratou de reconhecer, tanto em sua peça atrial, quanto em suas contra-razões, que sequer ocupou-se em ingressar com ação judicial prévia visando impugnar as normas editalícias que, a rigor, lhe impediam de participar do certame, tendo, in casu, contado com a “sorte” para fosse aceita sua inscrição e participação no mencionado concurso.

Sobre o tema, válido, por oportuno, transcrever breve trecho de suas contra-razões:

“Vale a lembrança de que a Apelada, contando à época com mais de 45 anos de idade, teve sua inscrição preliminar e definitiva deferida, tendo participado de todas as etapas do concurso, sem a necessidade de interpor medidas judiciais protetoras, sendo ao final aprovada e o concurso homologado.

Assim, jamais poderia a Apelada impugnar o Edital, se não lhe havia sido imposta nenhuma restrição durante todo o procedimento do concurso.” (fls. 117) (grifei)

Em que pese não ter sido acostada por nenhuma das partes litigantes a cópia integral do Edital do referido concurso para ingresso na magistratura, tenho que, em se tratando de fato público e notório, além de admitido, neste processo, como incontroverso, no que tange à previsão editalícia de fixação de limite máximo de 45 (quarenta e cinco) anos de idade para participação do certame, não houve, repito, qualquer impugnação prévia por parte da apelada visando garantir direito à sua participação no certame.

Ora, uma vez que “o edital é a lei do concurso público”, não se faz razoável presumir – principalmente quando a própria parte interessada demonstra justamente o oposto – que os candidatos que pretendem concorrer ao certame não tiveram prévio acesso às exigências nele contidas, pelo que forçoso reconhecer que a apelada detinha pleno conhecimento, desde quando formulado seu pedido de inscrição preliminar, dos critérios e demais limitações impostas naquele edital, preferindo, entretanto, não impugná-los na ocasião oportuna.

Em sendo assim, nada mais fez a apelada do que aceitar aquelas limitações editalícias, não se havendo por que, somente agora, depois de alcançado sucesso na direito à nomeação e posse na magistratura mediante desfecho favorável alcançado na via judicial, alegar ser vítima de abalos psíquicos e morais oriundos de uma apontada discriminação editalícia que, na ocasião de sua inscrição no concurso público, foi totalmente relegada por ela.

Pois, ao não ingressar com qualquer medida judicial pretérita visando impugnar o edital, aceitou tacitamente, a apelada, as condições nele impostas.

Nesse sentido, e apenas a título de registro, cuido citar o seguinte julgado recentemente proferido pelo Colendo STJ:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LISTA GERAL E LISTA ESPECÍFICA. REGRAS PREVISTAS NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Segundo a regra expressa do certame, com o ato de nomeação em virtude da Lista Específica da Subseção Judiciária, opera-se automaticamente a exclusão do candidato da Lista de Classificação Geral por Estado. 3. É cediço que o edital tem força de lei entre as partes. Assim, o ato de inscrição acarreta a concordância com as regras preexistentes, sendo vedado a qualquer candidato vindicar direito alusivo à quebra das condutas lineares, universais e imparciais adotadas no concurso público. 3. Recurso desprovido.“ (RMS 21696/RS, 5ª Turma STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/04/07)

Portanto, se a apelada, mesmo sabedora de sua desobediência aos requisitos previstos no edital, preferiu “assumir o risco” e efetuar sua inscrição no concurso público para magistratura sem ingressar com qualquer medida judicial protetora de seus interesses, arriscou-se em sequer ter reconhecido seu direito a participar do certame público, o que, ao que consta dos autos, somente não ocorreu em vista de sucessivas falhas administrativas.

Nesse sentido, veja-se que o acórdão proferido no mandamus anteriormente impetrado pela ora apelada remonta expressamente, dentre os fundamentos adotados naquele julgado, para a aplicação da teoria do fato consumado.

Transcrevo, a seguir, breve excerto daquele julgado:

“Relevante a circunstância de ter este Colendo Tribunal de Justiça procedido com a homologação final do concurso, sem ressalva à impetrante, não incluída em qualquer processo judicial pendente, forçoso torna-se reconhecer a aplicação, à espécie dos autos, da teoria do fato consumado.” (grifei)

Dita teoria, como é cediço, presta-se à convalidação de uma situação fática ilegal que se perdurou ao longo do tempo, de sorte que, ao assim se posicionar no julgamento daquele caso, entendeu, a Corte Especial deste Egrégio TJPE, que por não ter sido indeferido oportunamente o pedido de inscrição da ora apelada, convalidou-se a possibilidade de sua participação e aprovação naquele certame público, não sendo mais possível ao agente público, depois de publicada na imprensa oficial a homologação final do concurso – constando o nome da apelada dentre os candidatos aprovados -, impedir seu direito líquido e certo à nomeação.

Ora, se a nomeação da apelada foi obtida com base na aplicação da teoria do fato consumado, como, então, caracterizar como passível de indenização por danos morais o ato administrativo ora guerreado, praticado em estrita consonância com normas editalícias que até então eram consideradas legítimas, inclusive por reproduzirem disposição legal contida no Código de Organização Judiciária do Estado???

Qual o abalo moral suportado pela apelada com a negativa administrativa de sua nomeação, quando ela, repita-se, “assumiu o risco” de não ter sequer impugnado judicialmente o edital do concurso para, com isso, fosse-lhe assegurado, desde o início, direito à participação do certame???

Como imputar ao Estado a responsabilidade pelos 9 (nove) meses “perdidos” de judicatura – e seus conseqüentes efeitos – diante da própria inércia preambular da apelada em impugnar tempestivamente o edital do concurso público???

Ora, querer, como pretende a apelada, configurar as falhas administrativas que inegavelmente lhe favoreceram em um dever de indenizar estatal sob a alegação de haver sofrido danos morais quando do impedimento administrativo de sua nomeação, nada mais é do que, senão, inverter toda a sistemática que envolveu seu caso peculiar, vez que, se a administração pública houvesse atuado com a diligência necessária ao longo de todo o processamento desse conturbado certame, sequer haveria de se falar na aplicação da teoria do fato consumado no julgamento daquele writ por ela dantes impetrado.

Tenho, portanto, diante das nuances que envolvem a presente lide, que da conduta praticada pelo agente público não exsurgiu qualquer abalo à moral da apelada, principalmente porque, quando do momento que lhe era oportuno, não se ocupou ela em impugnar os critérios adotados naquele edital, não sendo razoável pensar que agora, depois do êxito definitivo alcançado naquele mandamus, lhe é devida a pretensa verba indenizatória de cunho extrapatrimonial, até porque, se houve perda temporária de seu exercício na judicatura, tal prejuízo somente pode ser imputado à ela própria, apelada.

Pois, como dizer que o que antes não era tido por ela como ilegítimo – sequer digno, aliás, de impugnação judicial oportuna da sua parte – transfigurou-se em uma ilicitude tamanha ao ponto de criar um dever estatal de indenizar alegados danos de ordem moral?

Por outro lado, não é de se olvidar que também se fez constar, nos fundamentos daquele acórdão – no que penso ser uma contradição à aplicação da teoria do fato consumado -, que a limitação etária imposta no Código de Organização Judiciário do Estado de Pernambuco em seu art. 185, inciso V, parte final, bem assim na primeira parte do seu §1º, não foi recepcionada pela Magna Carta de 1988.

Com isso, entendeu a Corte Especial do TJPE que era descabida a imposição de limite máximo de idade fixada no edital para assunção no caro público de magistrado.

Mais uma vez, cuido em trazer breve excerto daquele julgado:

“O art. 185, inciso V, parte final, bem assim a primeira parte do seu §1º, do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco, por não guardar compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, agredindo-a explicitamente (art. 7º, XXX, c/c art. 39, §3º), não foi por ela recepcionado. Não se pode limitar o acesso a cargos públicos impondo-se limite de idade, mormente em atividades predominantemente intelectuais, como tal proclamado em precedentes jurisprudenciais.”

Ocorre que, como fundamentado na própria decisão lavrada nos autos do processo administrativo nº 025/20002 – SEJU, o impedimento administrativo à nomeação da apelada encontrava respaldo, inclusive, jurisprudencial, pelo que, também por este prisma, não entendo configurado qualquer abalo à sua moral, vez que, ao menos àquela época, a matéria em debate trazia posicionamentos jurisprudenciais favoráveis à legitimidade daquela restrição etária defendida no ato administrativo guerreado.

Nesse sentido, cuido, a título ilustrativo, transcrever os seguintes julgados:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ SUBSTITUTO. LIMITE DE IDADE MÁXIMA PREVISTO EM LEI ESTADUAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. Nos termos da jurisprudência do eg. STF, desde que se faça de forma razoável, é permitido à lei, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em cargos, funções e empregos públicos. Recurso desprovido.” (RMS 10635/PE, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 16.12.02)

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. LIMITE DE IDADE. PEDIDO DE INSCRIÇÃO. CERTAME ENCERRADO. PERDA DE OBJETO DA AÇÃO MANDAMENTAL. 1. A ação mandamental que objetiva a inscrição em concurso público perde seu objeto se, durante o seu processamento, o certame vem a ser encerrado. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, em determinadas situações, como em relação à magistratura, tem considerado possível o estabelecimento de limite de idade para ingresso na carreira.2. Recurso ordinário que se declara prejudicado.” (RMS 8945/RS, 6ª Turma STJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em10/02/04)

Ora, se o ato em questão foi tomado em observância aos preceitos jurisprudenciais da época, não vejo como desvirtuá-lo ao ponto de caracterizar uma conduta lesiva à honra e moral da apelada, suscetível, como tal, de reparação civil.

Pois, além de não ter extrapolado em nada sua competência, a conduta tomada pelo então Presidente do TJPE também não se mostrava abusiva ou ilegal aos olhos da legislação pertinente, aos comandos do edital e, inclusive, à orientação jurisprudencial da época.

Portanto, a meu ver, diferentemente do que aduzido pelo juiz sentenciante, não se tratou, com a edição daquele ato, em dar uma “falsa aparência de legalidade” (fls. 86) com vistas a negar o direito à nomeação da ora apelada.

Pelo contrário, através dele, ocupou-se o agente administrativo em fazer valer justamente as regras do certame público, e, assim, sanar as falhas verificadas ao longo do processamento do concurso. Se tais regras, somente a posteriori, foram consideradas dissonantes da ordem constitucional, não há porque se imputar abalo moral decorrente de ato administrativo que, até então, se prestava ao respeito dos princípios da isonomia e da legalidade.

Diante de tais considerações, tenho como descabida a condenação imposta ao ente público estadual a título de indenização por danos morais, vez que, da conduta praticada pelo agente administrativo não se vislumbra o dano e tampouco o nexo de causalidade necessários a ensejar direito à reparação civil de cunho moralmente indenizatório em favor da apelada.

Aliás, vou mais além. Se tal dano, por ventura, existiu, foi pela conduta desidiosa da própria apelada, que, inobstante soubesse de sua desobediência às normas editalícias, preferiu ficar silente e não impugnar o edital no momento oportuno, assumindo voluntariamente o risco de fosse, no futuro – como o foi -, impossibilitada de ser nomeada em cargo público sobre o qual havia irregularmente concorrido.

Ainda que tenha fundamentado justamente o oposto em suas conclusões, é de se ressaltar que tratou, aquele juízo sentenciante, em reconhecer a irregularidade da apelada na participação do certame:

“Na configuração do ato impugnado e em seus desdobramentos, se estabelece o nexo de causalidade material entre o comportamento do réu, com a decisão no processo nº 25/2002 – SEJU, e o dano sofrido pela autora, tendo em vista que, se tivesse inadmitido a inscrição, a candidata não teriam (sic) sofrido tais ofensas e seqüelas de ordem funcional e moral.” (fls. 86) (grifei)

Portanto, se apenas a posteriori reconheceu-se judicialmente a legitimidade de sua participação no certame, bem como o direito à sua nomeação e empossamento no cargo de juiz substituto, afastando, com isso, norma editalícia que lhe era prejudicial, tal não implica dizer em qualquer abalo à moral da apelada, posto que a sua própria inércia preambular foi responsável pela ocorrência dos fatos que ora se visa reputar como suscetíveis de indenização por danos morais, não sendo demais reiterar que, à época em que impedida sua nomeação, não poderia ser outro o tratamento adotado pelo então Presidente do TJPE.

Por fim, ainda que se tenha reconhecido como ilegítimo, naquela decisão judicial do mandamus já transitada em julgado, o impedimento à nomeação da apelada, a orientação jurisprudencial de nossos Tribunais tem entendido que, não por isso, nasce implicitamente o direito à reparação de danos de ordem extrapatrimonial. Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. EXIGÊNCIA DE IDADE MÍNIMA. ILEGALIDADE RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. CABIMENTO. DANOS MORAIS. SÚMULA 07/STJ. 1. Discute-se, na hipótese, se a União, ao exigir limite mínimo de idade para a participação em concurso público – exigência posteriormente excluída por decisão judicial, tem, ou não, o dever de indenizar os candidatos que somente tiveram direito à nomeação após o trânsito em julgado do processo. 2. A responsabilidade civil exsurge a partir da conjugação de três elementos: o ato omissivo ou comissivo ilícita ou abusivamente praticado, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. O prejuízo experimentado pela vítima pode ser de natureza material ou moral, a depender da objetividade jurídica violada. 3. Não há dúvida quanto ao dano material experimentado pela recorrente. Em razão da exigência de idade mínima, somente afastada por decisão judicial definitiva, teve a sua nomeação diferida ao trânsito em julgado do processo, o que lhe rendeu um longo período sem receber os vencimentos que lhe competiriam se tivesse sido oportunamente empossada. 4. Presente, no caso, o nexo de causalidade. A recorrente não foi nomeada com os outros aprovados no concurso, exclusivamente, em razão da exigência de idade mínima veiculada no edital e, posteriormente, afastada por decisão judicial definitiva. 5. Incontroverso, também, a ilicitude do ato administrativo gerador do dano. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao dar provimento à apelação interposta pela recorrente, nos autos do mandado de segurança inicialmente impetrado, reconheceu a ilicitude da conduta praticada pela União ao exigir limite mínimo de idade para a participação no concurso público. A ilícita exigência impediu que a recorrente participasse, na mesma ocasião que os demais concursandos, da segunda etapa do certame, correspondente ao curso de formação, já que denegada a segurança em primeira instância. 6. “Nada impede que o valor da indenização seja fixado tendo em conta os vencimentos que a autora receberia se tivesse sido nomeada e empossada juntamente com os demais aprovados no concurso” (Responsabilidade Civil do Estado, Yussef Cahali, 2ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 451). 7. Indenização por dano moral indevida, à mingua de efetiva comprovação, sendo certo que o reexame sobre os aspectos de fato que lastreiam o processo, bem como sobre os elementos de prova e de convicção, encontra óbice no enunciado da Súmula n.º 07/STJ. 8. Recurso provido em parte.” (REsp 642008/RS, 2ª Turma STJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 10/08/04)

Afastada a condenação do ente público estadual sobre os sugeridos danos de ordem moral, passo, agora, em sede de reexame necessário, a analisar a condenação que lhe foi imposta pelo juízo de origem a título de danos materiais.

Nesta seara, embora comungue dos fundamentos adotados pelo julgador sentenciante para condenar a administração pública estadual no pagamento das diferenças de remuneração entre o cargo público de magistrado e aquele em que a apelada continuou a ocupar (analista judiciário da justiça federal) enquanto aguardava o desfecho definitivo de sua ação mandamental – quando, finalmente, passados cerca de nove meses desde sua preterição na ordem classificatória, foi ela nomeada e empossada no cargo de juiz substituta -, tenho que, ainda assim, faz-se necessária mais uma reforma na sentença guerreada.

Entretanto, antes de adentrar nesse mérito, cuido iniciar, por hora, o seguinte parêntese.

No decisum guerreado, fundamentou o julgador de 1º grau que, das razões contidas na peça de defesa, houve o reconhecimento implícito do ente público estadual no direito da apelada à reparação pelos danos de ordem patrimonial por ela sofridos, já que nela cuidou-se apenas em impugnar o quantum pleiteado sobre este título, e não o seu alegado direito.

Todavia, em que pese as considerações ali firmadas, penso não assistir razão ao douto julgador sentenciante.

Pois, ao contrário do que lançado no seu decisum, entendo que não houve, da parte do Estado, reconhecimento implícito do direito da apelada na percepção de indenização por danos materiais.

Isso porque, além de o ora apelante ter alegado, na sua peça de defesa, a impossibilidade do pagamento dessa verba indenizatória sem que houvesse a necessária contra-partida da apelada no efetivo exercício da função judicante, tratou, ainda, o Estado, em defender o próprio mérito daquele ato impugnado e supostamente causador dos danos suportados pela apelada, tanto que fundamentou em tópico específico de sua defesa (vide fls. 64/66) que “a decisão do Exmo. Presidente do TJPE foi em estrita consonância com os termos contidos no edital que, como cediço, é a lei do concurso”, para, ao final de seu raciocínio, arrematar que “se não há conduta ilegal, não há que se falar em indenização”.

Ora, em assim atuando – defendendo expressamente a licitude do ato administrativo que impediu a nomeação da apelada -, resta patente que tratou, o Estado, em impugnar não só o quantum indenizatório perseguido pela apelada a título de danos materiais, mas, também, a própria violação de seu direito, restando, com isso, inexistente o sugerido direito à reparação pelos danos civis de ordem patrimonial reclamado na peça vestibular.

Contudo, ainda que reconheça, nesta oportunidade, o equívoco do douto julgador sentenciante quanto ao reconhecimento implícito do dever de indenizar estatal, tal não significa dizer que a pretensão indenizatória de cunho material da apelada é desmerecedora de êxito, muito pelo contrário.

Pois, muito embora haja aplicado, como visto, motivação em parte equivocada, entendo, assim como aquele juízo de 1º grau, que a apelada faz jus à percepção da verba indenizatória de cunho material ora reclamada.

Isso porque, com o julgamento do mandamus por ela dantes impetrado, reconheceu, a Corte Especial deste TJPE, o direito líquido e certo da apelada em fosse nomeada e empossada no cargo de magistrada.

Em se tratando de reparação civil por danos de ordem patrimonial, penso que – diferentemente de sua desarrazoada pretensão de cunho moral – em nada interfere tenha sido reconhecida somente a posteriori a ilicitude da fundamentação legal que embasou o ato administrativo de impedimento à nomeação da apelada.

Pois, ainda que não se possa olvidar da desídia inicial da apelada em não ter impugnado previamente o edital, dito reconhecimento judicial do seu direito à nomeação trouxe, consigo, inegável repercussão negativa ao seu patrimônio financeiro, consistente, aqui, em perda remuneratória considerável (lucro cessante) durante todo o período em que ela esteve impedida de exercer a função judicante.

Nesse sentido, em se tratando de pleito com natureza indenizatória – em tudo diferente de uma ação de cobrança salarial -, tem-se, de logo, como afastada a tese do apelante quanto à impossibilidade de percepção de verba indenizatória com base no não exercício da judicatura no período reclamado na exordial.

Por outro lado, nada impede que, uma vez reconhecida a ilicitude do ato praticado pela administração pública estadual, bem como o dano e o nexo de causalidade dele advindos, seja fixada a verba indenizatória de cunho patrimonial tomando-se como parâmetro os vencimentos que a recorrida deixou de perceber na condição de magistrada enquanto perdurava indefinida sua situação jurídica.

Sobre o tema, válido, por oportuno, transcrever novamente o inteiro teor do acórdão proferido pelo Colendo STJ nos autos do REsp 642008/RS, já que prolatado em caso análogo ao vertente:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. EXIGÊNCIA DE IDADE MÍNIMA. ILEGALIDADE RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. CABIMENTO. DANOS MORAIS. SÚMULA 07/STJ. 1. Discute-se, na hipótese, se a União, ao exigir limite mínimo de idade para a participação em concurso público – exigência posteriormente excluída por decisão judicial, tem, ou não, o dever de indenizar os candidatos que somente tiveram direito à nomeação após o trânsito em julgado do processo. 2. A responsabilidade civil exsurge a partir da conjugação de três elementos: o ato omissivo ou comissivo ilícita ou abusivamente praticado, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. O prejuízo experimentado pela vítima pode ser de natureza material ou moral, a depender da objetividade jurídica violada. 3. Não há dúvida quanto ao dano material experimentado pela recorrente. Em razão da exigência de idade mínima, somente afastada por decisão judicial definitiva, teve a sua nomeação diferida ao trânsito em julgado do processo, o que lhe rendeu um longo período sem receber os vencimentos que lhe competiriam se tivesse sido oportunamente empossada. 4. Presente, no caso, o nexo de causalidade. A recorrente não foi nomeada com os outros aprovados no concurso, exclusivamente, em razão da exigência de idade mínima veiculada no edital e, posteriormente, afastada por decisão judicial definitiva. 5. Incontroverso, também, a ilicitude do ato administrativo gerador do dano. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao dar provimento à apelação interposta pela recorrente, nos autos do mandado de segurança inicialmente impetrado, reconheceu a ilicitude da conduta praticada pela União ao exigir limite mínimo de idade para a participação no concurso público. A ilícita exigência impediu que a recorrente participasse, na mesma ocasião que os demais concursandos, da segunda etapa do certame, correspondente ao curso de formação, já que denegada a segurança em primeira instância. 6. “Nada impede que o valor da indenização seja fixado tendo em conta os vencimentos que a autora receberia se tivesse sido nomeada e empossada juntamente com os demais aprovados no concurso” (Responsabilidade Civil do Estado, Yussef Cahali, 2ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 451). 7. Indenização por dano moral indevida, à mingua de efetiva comprovação, sendo certo que o reexame sobre os aspectos de fato que lastreiam o processo, bem como sobre os elementos de prova e de convicção, encontra óbice no enunciado da Súmula n.º 07/STJ. 8. Recurso provido em parte.” (REsp 642008/RS, 2ª Turma STJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 10/08/04)

Assim, com base nas razões suso esposadas, bem como nos precedentes jurisprudenciais sobre a matéria, tenho como adequada, in casu, a condenação imposta ao ente público estadual a título de danos materiais.

Porém, como já adiantado no corpo deste meu extenso voto, penso que seu quantum indenizatório merece redução, para, com isso, seja adequado à verdadeira extensão do dano material suportado pela apelada, no que se mostra imperioso haja, mais uma vez, reforma sobre aquele julgado.

Isso porque, após correção ex officio de erro material constante na sentença (vide fls. 89), assim se fez constar na sua parte dispositiva:

“Ante o exposto julgo procedente o pedido, para condenar o Réu em pagar à Autora as indenizações pelos danos materiais das diferenças de remuneração entre Analista Judiciário da Justiça Federal e os subsídios de Juiz de Direito de 1ª entrância, durante o período de 08/janeiro/2003 a 06/outubro/2003, com base no subsídio dos Magistrados de Primeira Entrância, na data da execução da sentença…” (grifei)

Ora, ainda que já se tenha adotado de ofício medida corretiva sobre aquele decisum¸ basta uma simples leitura de sua parte dispositiva para constatar o desacerto do juiz sentenciante quanto ao critério para fixação da verba indenizatória de cunho patrimonial.

Pois, contrariamente ao que aduzido pelo juízo a quo, evidente que o valor dos subsídios dos magistrados de 1º entrância, para fins de parâmetro de fixação da verba indenizatória de cunho material, deve ser aquele da época em que houve a efetiva lesão ao direito da apelada (tomando-se por base as informações contidas no documento de fls. 90 dos autos), e não aquele que os ditos magistrados perceberão quando – e se for – implementada a fase de cumprimento da sentença.

Da forma como fixado na sentença, o quantum indenizatório ultrapassará, em muito, o valor do prejuízo verdadeiramente suportado pela apelada, configurando-se, assim, na percepção de verba indenizatória notadamente excessiva, ainda que tal não fosse sua intenção.

Pois, como é cediço, em se tratando de danos materiais, a indenização percebida pela vítima deve ser fixada no exato alcance de seu prejuízo. Se fixada a menor, será insuficiente na recomposição de seu patrimônio; se a maior, implicará em um patente enriquecimento sem causa. Em ambas as situações, haverá inegável afronta ao princípio da restitutio in integrum.

Tomando-se por base ditas considerações, tem-se como imprescindível haja a reforma da sentença em reexame por este juízo ad quem, promovendo-se, com isso, sua necessária adequação ao real prejuízo material suportado pela apelada.

Para tanto, deve-se ter em conta o valor dos subsídios percebidos pelos magistrados de 1ª entrância na época em que houve a lesão do direito da apelada (com sua natural correção monetária), e, depois, calcular a diferença desses valores com a remuneração percebida pela apelada sobre cada mês em que se viu obrigada a continuar ocupando seu cargo público na esfera federal, contados desde a data em que foi preterida na ordem de classificação do concurso até o dia em que, finalmente, veio a ser nomeada e empossada no cargo de juiz substituto.

Feitos esses cálculos, teremos fixado corretamente o quantum indenizatório que lhe é devido a título de danos materiais.

Por fim, tendo em vista meu entendimento parcialmente reformulador sobre a sentença vergastada, cuido ser de bom alvitre haja, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, CPC, redução da verba honorária para 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Ante o exposto, sou pelo PROVIMENTO PARCIAL do reexame necessário, prejudicado o recuso voluntário, para afastar do ente público estadual apelante sua desarrazoada condenação a título de indenização por danos morais, bem como, por outro lado, extirpar da condenação que lhe foi imposta a título de indenização por danos materiais apenas o excesso do quantum fixado pelo juízo a quo, permanecendo, contudo, dito dever de indenizar nos parâmetros fixados neste voto. Em vista das reformas profligadas neste voto, reduzo, ainda, a verba honorária devida pelo ente público apelante para 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator
Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 148046-2 – Recife (2ª Vara da Fazenda Pública)
Recorrente : O Juízo
Apelante : Estado de Pernambuco
Apelada : Jacira Jardim de Souza Meneses
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONCURSO PARA MAGISTRATURA. CANDIDATA APROVADA IMPEDIDA DE SER NOMEADA E, COM ISSO, PRETERIDA NA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO DO CERTAME, POR FORÇA DE ATO ADMINISTRATIVO PRATICADO PELO ENTÃO PRESIDENTE DO TJPE, COM BASE NO SEU DESRESPEITO AO LIMITE MÁXIMO DE IDADE PREVISTO NO EDITAL. POSTERIOR RECONHECIMENTO JUDICIAL DA ILEGALIDADE DESTE ATO, IMPLICANDO EM SUA NOMEAÇÃO E EMPOSSAMENTO NO CARGO PÚBLICO ALMEJADO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DE CUNHO PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS NA INSTÂNCIA ORIGINÁRIA. REEXAME NECESSÁRIO E APELO VOLUNTÁRIO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA À UNANIMIDADE. MÉRITO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS REDUZIDA, APENAS, EM SEU ‘QUANTUM’, PARA HAJA SUA NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO À REAL EXTENSÃO DO DANO SUPORTADO PELA AUTORA/APELADA. REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. PARCIAL PROVIMENTO DO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS. É de se rejeitar preliminar de inépcia da inicial por pedido incerto e indeterminado quando, na verdade, não se pleiteia verbas salariais impagas, mas sim indenização por danos materiais em decorrência de lesão a alegado direito. Preliminar inacolhida à unanimidade. Mérito. Ainda que reconhecida judicialmente a ilicitude do ato administrativo que impediu a nomeação da apelada no cargo público de magistrada, jamais houve, da sua parte, prévia impugnação às normas do edital que desautorizavam sua inscrição e participação naquele certame. Dito reconhecimento somente veio ‘a posteriori’, e, ainda, dentre outros fundamentos, sob a aplicação da teoria do fato consumado. Portanto, se mesmo sabedora de que não preenchia as condições necessárias para inscrição naquele certame, preferiu, a apelada, ficar silente e nada impugnar do edital do concurso no tempo oportuno, descabe falar em qualquer repercussão negativa de ordem moral quando da edição do ato administrativo que impediu sua nomeação, vez que, em face de sua própria desídia, outra não poderia ser a decisão tomada pelo então presidente do TJPE, inclusive porque respaldada em lei infraconstitucional (Código de Organização Judiciária do Estado) e precedentes jurisprudenciais daquela época. Se, depois, a limitação etária fixada no edital foi considerada descabida, tal não tem o condão de ensejar indenização por danos morais na hipótese dos autos, vez que a própria apelada mostrou-se desinteressada na precaução de seu direito, preferindo ‘contar com a sorte’, por assim dizer, para fosse aceita sua inscrição e participação no concurso público em tela, o que, aliás, só veio ocorrer por conta de falhas administrativas, onde não se atentou para a irregularidade de sua situação. Assim, na falta de qualquer decisão judicial proferida previamente a amparar, no caso concreto, o direito da apelada em participar do certame, jamais poderia o agente administrativo editar ato lavrando sua nomeação, vez que, se assim o fizesse, estaria vindo de encontro às regras impostas – e até então não impugnadas – no edital, que, segundo a máxima jurídica, ‘é a lei do concurso’. Pedido de indenização por danos morais que se mostra desarrazoado, merecendo reforma a sentença vergastada para afastar a condenação imposta ao ente público estadual sobre este título. No que tange, por sua vez, ao pleito de indenização por danos materiais, não há porque afastá-lo, cabendo, apenas, minorar o ‘quantum’ fixado na sentença em reapreço. Isso porque, com o julgamento do ‘mandamus’ por ela dantes impetrado (MS nº 90637-4), reconheceu, a Corte Especial deste TJPE, o direito líquido e certo da ora apelada em fosse nomeada e empossada no cargo de magistrada. Em se tratando de reparação civil por danos de ordem patrimonial, em nada interfere – diferentemente daquela pretendida verba indenizatória de cunho moral – tenha sido reconhecida somente ‘a posteriori’ a ilicitude da fundamentação legal que embasou o ato administrativo que impedia a nomeação da apelada, sendo importante, apenas, ‘in casu’, haja esse reconhecimento. Entretanto, para fins de calcular a verdadeira extensão do dano material suportado pela vítima, deve-se ter como base o valor dos subsídios percebidos pelos magistrados de 1ª entrância à época e no período em que perduraram os efeitos da lesão ao seu direito, devendo, ainda, para se alcançar o valor de sua justa indenização, serem subtraídos aqueles valores percebidos pela apelada no cargo público federal que continuou a ocupar enquanto perduraram ditos efeitos – ou seja, desde a data em que houve a sua preterição da ordem de classificação do certame, até a data em que foi, finalmente, nomeada e empossada no cargo público de juiz substituto, o que só veio ocorrer por força de decisão judicial já transitada em julgado nos autos do MS nº 90637-4 por ela dantes impetrado -. Em vista do caráter parcialmente reformulador deste julgado, deve-se, ainda, reduzir a verba honorária para 10% (dez por cento) do valor da condenação suportada pelo ente público apelante. Reexame necessário que se dá parcial provimento, prejudicado o recurso voluntário. Decisão por maioria de votos.

ACÓRDÃO 04

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 148046-2, da Comarca do Recife, em que figuram, como Apelante, Estado de Pernambuco, e, como Apelada, Jacira Jardim de Souza Meneses,

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário interposto pelo Estado de Pernambuco, tudo de conformidade com relatório e votos em anexo, que, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

Recife, ___ de ____________ de 2007.

Presidente

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

DGO e Apelação Cível nº 150.213-4 – Comarca de Recife

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Cuida-se de duplo grau obrigatório e apelação contra sentença proferida às fls.292/298, pelo Juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, José Carlos Patriota Malta, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Tributária com Pedidos de Repetição de Indébito e Antecipação de Tutela, tombada o sob nº 001.2003.084199-3, onde figura como demandante Start Navegação Limitada e como demandado Município do Recife.

Perfilhando o relatório da decisão ora em reexame, acrescento que o juízo a quo julgou procedente, em parte, a presente ação, declarando a inexistência de relação jurídica tributária entre a parte demandante e a demandada, ante a nulidade do recolhimento do ISS sobre locação de bens móveis pertencentes à demandante, reconhecendo que qualquer pagamento do tributo efetuado a esse título deve ser considerado indevido, ante sua manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, face o disposto no artigo 156, III, da Constituição Federal, combinado com o artigo 110, do Código Tributário Nacional.

O juízo de primeiro grau condenou ainda o demandado a repetir o indébito de ISS, efetivamente recolhido sobre locação de empilhadeiras, desde dez anos anteriores ao ajuizamento da ação, nos termos do artigo 10, § 4º e artigo 168, I, ambos do CTN, aplicando-se quanto à correção monetária a Súmula 162 do STJ e juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão proferida; assim como no pagamento das custas processuais e da verba honorária de 10%(dez por cento) sobre o valor que vier a ser apurado em liquidação de sentença.

Irresignado, o demandado ingressou com apelo às fls.299/322, argüindo, em síntese, que a decisão recorrida foi fundamentada em decisão única e não unânime do STF, proferida em 11.10.2000, não caracterizada como jurisprudência dominante e nem decorrente de Ação Direta de Inconstitucionalidade, para ter os seus efeitos atingindo todos os contribuintes, e que já houve decisão inversa do STF à adotada pela sentença recorrida, entendendo ser incidente o ISS sobre serviços na locação de bens móveis. Na oportunidade, o apelante aponta jurisprudência e alude sobre a doutrina da interpretação econômica, referindo-se ao artigo 109 do CTN.

Seguindo com suas razões, o apelante aduz que a locação de empilhadeiras estaria acoplada a um serviço específico a ser desenvolvido com o aluguel, de modo que, do ponto de vista material, a demandante não estaria prestando serviços de locação de bens móveis, mas outros previstos na Lista de Serviços tributáveis pelo ISS; posto que, para a caracterização do contrato de direito civil de locação exige-se transmitir a posse dos equipamentos do locador para o locatário, porém, em concreto, o locatário não passa a deter a posse direta das empilhadeiras, pois não assume o comando da operação por preposto, empregado ou contratado; de forma que, ausente esta transmissão da posse direta do bem locado, não se está diante, simplesmente, de locação de bens móveis, mas de prestação de serviço portuário de movimentação de mercadorias fora do cais; sendo que o serviço portuário de movimentação de mercadorias fora do cais, esta, tal como a locação de bens móveis, previsto como fato gerador do ISS, no item 87 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68, com redação dada pela Lei Complementar nº 56/87, e, também, no item 86, do Código Tributário Municipal, Lei nº 15.536/91.

O apelante argumenta ainda que se pela Lei Complementar nº 116/2003 o item da locação de móvel foi vetado, de outro lado foi mantido e ampliado o item relativo aos serviços portuários (item 20, subitem 20.1), que são o objeto da atividade desenvolvida pela demandante, sendo que, tal circunstância, por si só, já seria impeditiva da declaração de inexistência da relação jurídico-tributária abordada pela presente demanda; e, mesmo admitindo-se a não incidência de ISS sobre a locação de bens móveis, não caberia a pretensão da restituição, como determinado na sentença recorrida, pois o ISS é tributo indireto, de sorte que a repetição só seria possível, nos termos do artigo 166 do CTN, caso provado que o contribuinte de direito arcou integralmente com o ônus tributário ou, caso tenha transferido o encargo a terceiro, esteja, pelo contribuinte de fato, expressamente autorizado a receber, o que não consta nos autos.

Ao final, o apelante requer o provimento do seu apelo no sentido de reformar a sentença recorrida, para que seja reconhecida a legitimidade da incidência do ISS sobre a prestação de serviços de locação de móveis e serviços portuários acoplados, na vigência do Decreto-Lei nº.406/68, e a improcedência da restituição, seja pela ausência de pagamento indevido, seja pela transferência do ônus do encargo financeiro para os tomadores dos serviços e ausência de autorização expressa para o seu recebimento; com inversão da sucumbência para condenar a apelada nas custas e honorários como requerido na contestação.

Contra-arrazoando, às fls. 330/349, a parte apelada vem argumentar que não merece prosperar a tese de que o STF não consolidou jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade da instituição de ISS sobre a locação de bens móveis, pois embora o Recurso Extraordinário nº116.121-3/SP não tenha sido resultado de votação unânime pelos ministros então integrantes do Pleno do STF, o entendimento de que o ISS não incide sobre a locação de bens móveis, consagrado pelo voto vencedor do Ministro Marco Aurélio Mello, vem sendo reiteradamente aplicado, porquanto ainda prevalecente, pela atual composição das duas Turmas do STF. Sobre o tema, o apelado apresenta jurisprudência, inclusive do STJ e dessa Corte Estadual, e argüi que os precedentes colacionados refletem o entendimento consolidado na doutrina de que a atividade de locação de coisas, por não envolver uma obrigação de fazer, mas uma obrigação de dar coisa certa, não substancia um serviço, escapando, pois, ao âmbito material de incidência do ISS.

No tocante ao argumento de que as atividades desenvolvidas pela apelada não consistiriam na locação de bens móveis e sim na de prestação de serviços portuários, a recorrida argüi que o conceito jurídico-tributário adotado pela Constituição Federal de 1988, quando da repartição das competências tributárias, vincula os entes federativos, e estes não poderiam modificá-lo quando da instituição dos tributos; sendo a pretensão da apelante ampliar o conceito jurídico de locação de coisas, e exigir ISS sobre essa atividade com base em analogia com outra atividade econômica subsumida ao conceito constitucional de serviço, que é a armazenagem e movimentação de cargas. A apelada aduz ainda que segundo a Lei nº 8.630/93, as operações portuárias são executadas exclusivamente pelos trabalhadores portuários lotados no OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-obra, portanto, os operadores portuários intermediam a contratação e o comando dos trabalhadores. Sendo que, no caso, as empilhadeiras alugadas pela apelada são colocadas à disposição do locatório que, por sua conta, contrata, dirige e comanda os trabalhadores lotados no OGMO, e, embora a apelada seja uma operadora portuária, há casos, como o que está em discussão, em que somente as máquinas são locadas, não havendo qualquer prestação de serviços, estando essa situação documentalmente provada por meio de notas fiscais acostadas à inicial, nas quais está consignado expressamente, que os valores recebidos são única e exclusivamente a título de locação de bens móveis, consistindo evidente que, se os locatórios utilizam as empilhadeiras é porque tomam posse dos equipamentos.

Quanto à impossibilidade de restituição a apelada alega que o artigo 166 do CTN não se aplica ao caso, porque o ISS não comporta, por sua natureza, transferência de encargo financeiro a terceiros.

Ao final, a apelada requereu que fosse negado provimento a apelação, no sentido de ser mantida a sentença recorrida.

O Ministério Público de segunda instância declinou parecer às fls.371/382, opinando pela manutenção da decisão em reexame.

Relatados, à douta revisão.

Recife, _______de____________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 150.213-4 – Comarca de Recife.
Recorrente : Juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública.
Recorridos : Start Navegação Limitada, e Município do Recife.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Voto

Questão de mérito

Cuida-se de duplo grau obrigatório de sentença que julgou procedente o pedido de inexistência de relação jurídico-tributária entre as partes, permissiva de cobrança de ISS sobre a locação de empilhadeiras para uso junto ao Porto do Recife, assim como, a restituição do tributo pago indevidamente, por meio de compensação.

Indo ao reexame da decisão de primeiro grau, nota-se que a controvérsia traz dois pontos fundamentais para análise. Primeiro é reconhecer se a atividade praticada pela demandante estaria ou não sujeita a incidência de ISS. E segundo, caso evidenciada a incidência tributária como indevida, se seria cabível a repetição requerida, dada à tese de que se trata de tributo indireto, em vista do disposto no artigo 166 do CTN.

Por essa ordem, inicialmente cabe observar se a apontada locação de coisa móvel exercida pela parte demandante de fato estaria identificada como obrigação de dar, consoante firmado na decisão em reexame, ou como obrigação de prestar, conforme argüi o Município exator, tendo em consideração a Lista de Serviços sujeitos à incidência de ISS, anexa ao Decreto-Lei nº 406/68, vigente há época da incidência tributária praticada.

Nessa linha, examinando o que dos autos consta, verifica-se de proêmio que a cláusula 1.b do Contrato Social da demandante, às fls.28, ao dispor sobre seu objetivo social, assim prevê:

A sociedade tem como objetivo social, agência de navegação, entidade estivadora, despacho aduaneiro, serviço de bloco, afretamento marítimo, fornecimento generalizado a navios, administração de armazéns em zona primária e/ou secundária, controle de estoques de terceiros de produtos acabados e/ou semi-acabados, distribuição e logística dos mesmos, podendo participar de outras sociedades na condição de cotista ou acionista.

Diante do que se verifica, nota-se que a atividade de locação de bens móveis não se apresenta como finalidade expressa no contrato social da demandante, razão que impõe deduzir, de logo, a possibilidade da demandante exercer a apontada locação, somente como atividade indireta, submissa às demais que são direta e declaradamente praticadas.
No caso, vem ratificar esse aspecto o fato da parte demandante, em sua peça inicial, às fls.03 dos autos, argumentar que:

(…) Como se deduz de seu contrato social (doc.1), a Autora tem como objeto principal a prestação do serviço de agenciamento marítimo. Todavia, a depender da disponibilidade de equipamentos e conveniência dos clientes, realiza a Autora a locação de máquinas empilhadeiras, para serem utilizadas no Porto do Recife, ou mesmo fora dele.(…).

Tendo-se, mais adiante, às fls.11/12, a demandante ainda em sua exordial alegando que:

Por fim, atente-se que a Autora sequer é uma empresa de locação de bens, isto é, não se trata de uma locadora de veículos, de roupas ou de fitas de vídeo. A Autora é uma agência de navegação e, em complemento a esse serviço, realiza a locação de empilhadeiras, atividade que não consta em seu objeto social (doc.1).

Assim, vistos os termos do referido contrato social, bem como os argumentos elencados, deve-se entender que a demandante em nenhum momento afirma que a locação realizada refere-se a veículos de sua propriedade, de modo que não há como afirmar que se trata no caso de locação direta de coisa móvel, como alegado, e não de serviços de locação.

Sobre a questão, carece observar que o juízo de primeiro grau, já na parte decisória de sua sentença, às fls.294, discrepando do que ora se constata, assevera que:

(…) Com a presente ação pretende a autora, em primeiro lugar, obter declaração judicial de não incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS, em relação a locação de empilhadeiras de sua propriedade a terceiros, por serem, segundo argumenta, bens móveis e neste caso, por se tratar a locação de coisas de obrigação de dar(…).

De tal sorte, tenho por reiterado que não visualizei nos autos nenhum elemento comprobatório de que a demandante estivesse revestida da qualidade de proprietária dos veículos cedidos em locação, como fora afirmado no decisum em reexame.

Por vez, fazendo observância dos preceitos legais cabíveis à espécie contratual em estudo, tem-se prima facie o artigo 565 do atual Código Civil assim dispondo:

Art. 565 Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Dado o conceito, portanto, ressalta-se que a cessão de direitos reais sobre a coisa locada deve figurar como elemento essencial do contrato de locação, constituindo-se necessário que a parte demandante tivesse comprovado nos autos qual a sua condição civil perante os bens cedidos em locação, permitindo se identificar se a sua atividade era a de um intermediador que estaria alugando máquinas empilhadeiras de outrem a terceiros, ou se era a de um locador direto das referidas máquinas; posto que, ao se constituir uma situação de intermediação como atividade lucrativa, obviamente há que se evidenciar a prestação de serviços sujeita à tributação.

Ademais, ainda fazendo-se uma apreciação das notas fiscais apresentadas a título de amostragem, como bem argumenta a demandante, tem-se que figura na discriminação de algumas o serviço prestado de empilhadeira, e em outras a locação de empilhadeiras, razão que evidencia ainda mais uma maior necessidade de ter se comprovado a atividade estrita de locação como foi alegado pela parte demandante.

Assim, por essa análise, dada à necessidade de se fornecer ao juízo condições de identificar qual a situação ocorrente no caso concreto, de modo a diferenciar entre a locação de coisas e a prestação de serviços locação, tenho que seria fundamental apresentar a natureza jurídica dos contratos de locação realizados, ou seja, possibilitar ao juízo diferenciar entre uma cessão temporária de um bem e uma prestação de uma atividade concreta, mormente em virtude de se tratar de atividade que não figura expressamente no referido contrato social. Nesse sentido, pois, entendo que a demandante não trouxe aos autos prova necessária de que realmente estaria exercendo somente a locação direta de bem móvel, como alegado.

Por outro lado, cuido que o Decreto-Lei nº 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar nº 56/87, contemplava, no item 79 da Lista de Serviços anexa, a locação de bens móveis como passível de incidência do ISS; de forma que tal previsão somente veio a ser alternada quando o STF, no julgamento do RE 116.121-3/SP, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da referida exigência, tornou assente que a cobrança do ISS sobre locação de bem móvel estaria a contrariar a Lei Maior e a desvirtuar os institutos de Direito Civil; assim repercutindo nas das demais Cortes de Justiça do país que passaram a adotar o mesmo entendimento, quase que uniformemente.

Nessa linha, cumpre observar que o pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 116.121-3/SP, em 25.05.2001, tendo como Relator o Ministro Octavio Galloti, embora tenha decidido tão-somente que a expressão “locação de bens móveis”, constante no item 79 da Lista de Serviços Anexa ao Decreto-Lei nº 406/68(redação da LC nº 56/87) era inconstitucional, deve-se ressaltar que estava se tratando sobre pleito de empresa de locação de guindastes, de modo que, diante do caso concreto, essa especificidade da atividade comercial seria ponto essencial para evidenciar a relação jurídica de fato estabelecida pela parte demandante que, no caso, alega ter praticado somente locação de bem móveis.

Por esse prisma, apesar de atualmente a Lei Complementar nº 116, de 31/07/2003, que derrogou o Decreto-Lei nº 406/68, ter ratificado que a locação de bens móveis não consta mais como hipótese de incidência de ISS, tenho que o deslinde da presente controvérsia não pode subsistir sem uma profunda apreciação dos elementos probatórios que perfilam o direito pugnado.

Nesse sentido, não obstante o já expendido, mesmo que se cogitando evidenciada a simples locação de bem móvel, de forma a permitir plausível o direito requerido, razão que não visualizo ante a ausência de provas, tenho que, em face do pedido de restituição a que pretende a presente ação, impõe-se atentar para o previsto no artigo 166 do CTN.

No caso, em que pese figurar provado que o ISS recolhido pela demandante não era devido, a possibilidade de repetição do tributo pago vem, a toda sorte, esbarrar diretamente na previsão legal mencionada.

Fazendo-se o cotejo, tem-se o Código Tributário Nacional, em seu artigo 166, assim dispondo:

Art.166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Por vez, não menos incidente à matéria, disciplina a Súmula 546 do STF, quando prevê:

Cabe a restituição do imposto pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo.

Assim, diferentemente do que alega o demandante, cabe observar que o ISS é considerado tributo indireto, posto que permite a transferência do encargo financeiro a terceiro. E, por tal razão, para o atendimento do presente pleito, a demandante deveria ter constituído prova nos autos no sentido de satisfazer a exigência prevista no artigo 166 do CTN. De forma que, se assim não o fez, não há como lhe conceder o direito a que pretende.

Outrossim, na mesma linha, ante o entendimento sumulado da Excelsa Corte, evidencia-se contra a almejada restituição o próprio argumento trazido pela demandante, quando alega que a transferência do encargo ao tomador de serviço seria somente de ordem econômica, posto que por essa lógica tem-se hialino que realmente o contribuinte de fato, ou seja, o tomador de serviços, veio a sofrer o encargo do tributo e não o prestador de serviços, ou seja, a demandante.

Dessa forma, no intuito de ilustrar o presente entendimento, no qual se firma a exegese do artigo 166 do CTN, reconhecendo o ISS como tributo indireto, que tem seu encargo repassado ao tomador de serviço e por este deve ser a restituição autorizada, venho apresentar os seguintes arestos:

TRIBUTARIO. REPETIÇÃO DE INDEBITO. ISS. LOCAÇÃO DE BENS MOVEIS. AUSENCIA DE PROVA DA NÃO TRANSFERENCIA DO ENCARGO FINANCEIRO. APLICAÇÃO DO ART. 166, CTN. ARGUMENTAÇÃO DISSOCIADA DOS PRESSUPOSTOS FATICOS EMBASADORES DO ACORDÃO RECORRIDO. VEDADO REEXAME DE PROVA. RECURSO NÃO CONHECIDO. I – A RESTITUIÇÃO DE TRIBUTOS QUE COMPORTEM, POR SUA NATUREZA, TRANSFERENCIA DO RESPECTIVO ENCARGO FINANCEIRO SOMENTE SERA FEITA A QUEM PROVE HAVER ASSUMIDO REFERIDO ENCARGO, OU, NO CASO DE TE-LO TRANSFERIDO A TERCEIRO, ESTAR POR ESTE EXPRESSAMENTE AUTORIZADO A RECEBE-LA. (ART. 166, CTN). II – A ALEGAÇÃO DE OFENSA A LEI NÃO SE VIABILIZA SE DEPENDENTE DE CONSTATAÇÃO FATICA DIVERSA PELO ACORDÃO RECORRIDO, POIS O EXAME DO ACERVO PROBATORIO NÃO SE CONTEM NOS LIMITES DA JURISDIÇÃO DESTA CORTE EM RECURSO ESPECIAL. III – RECURSO NÃO CONHECIDO. REsp 783 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1989/0010106-4 Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098) T1 – PRIMEIRA TURMA 15/08/1994 DJ 05.09.1994 p. 23027 (g.n.)

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO NA CORTE A QUO NÃO SANADA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADUÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS LEGAIS AUSENTES NA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULA Nº 211/STJ. ISS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO, IN CASU, INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO AO CONSUMIDOR FINAL. ART. 166 DO CTN. ILEGITIMIDADE ATIVA. PRECEDENTES. 1. Recurso especial oposto contra acórdão que julgou procedente ação em que se objetiva declarar a inexistência de relação jurídico-tributária que autorize o recorrente a exigir de sociedade uniprofissional prestadora de serviços de contabilidade o pagamento de ISS sobre o respectivo faturamento, deferindo a restituição do valor do tributo. 2. Ausência de prequestionamento do art. 333, I, do CPC, por não ter sido o mesmo abordado, em nenhum momento, no âmbito do aresto a quo. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. A respeito da repercussão, a 1ª Seção deste Tribunal, julgando os EREsp nº 168469/SP, pacificou posicionamento de que ela não pode ser exigida nos casos de repetição ou compensação de contribuições, tributo considerado direto, especialmente, quando a lei que impunha a sua cobrança foi julgada inconstitucional. Da mesma forma, a referida Seção, em embargos de divergência, pacificou o entendimento de que o art. 66 da Lei nº 8.383/91, na sua interpretação sistêmica, autoriza ao contribuinte efetuar, via autolançamento, compensação de tributos pagos cuja exigência foi indevida ou inconstitucional. 4. Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência. Apenas em tais casos se aplica a regra do art. 166 do CTN, pois a natureza a que se reporta tal dispositivo legal só pode ser a jurídica, que é determinada pela lei correspondente e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, a aludida transferência. 5. O art. 166 do CTN contém referência cristalina ao fato de que deve haver, pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a transferência do respectivo encargo financeiro para terceiro ou não, quando a lei, expressamente, não determina que o pagamento da exação seja feito por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigida na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colaborar para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei expressamente estatui que o terceiro assumiu o encargo, há necessidade, de modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para repetir o indébito. 6. O tributo examinado (ISS), no caso concreto, é de natureza indireta. Apresenta-se com essa característica porque o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mercadoria, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assume, pois, a carga tributária resultante dessa incidência. O fenômeno da substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, em conseqüência, ocorre na exigência do pagamento do ISS. A repetição do indébito e a compensação do tributo questionado não podem ser deferidas sem a exigência do repasse. 7. “O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto. 2. Hipótese dos autos que encerra espécie de tributo indireto, porque recolhido sobre as receitas oriundas de cada encomenda, sendo suportado pelo tomador do serviço. 3. Como imposto indireto, tem aplicações, em princípio, o teor do art. 166 do CTN e o verbete 71 do STF, atualmente 546.” (REsp nº 426179/SP, DJ de 20/09/2004, Relª Minª Eliana Calmon) 8. Ilegitimidade ativa ad causam configurada para repetir o indébito. Precedentes desta Corte. 9. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. REsp 657707 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2004/0063992-2 Ministro JOSÉ DELGADO (1105) T1 – PRIMEIRA TURMA 28/09/2004 DJ 16.11.2004 p. 211

Corrobora, ainda, com o entendimento de que à demandante não cabe procedência ao requerido, enfatizo o previsto na Súmula 71 do STF, no que reza:

Embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto.

Em assim sendo, ante todo o exposto, considero que a sentença em reexame laborou em equívoco, primeiro ante a ausência de prova necessária para identificação de atividade exclusivamente de locação de bens móveis, a permitir a declaração de inexistência de relação jurídica tributária, e segundo, ao conceder a restituição de tributo na forma requerida.

À luz de tais considerações, voto no sentido de dar provimento ao reexame necessário, prejudicado o voluntário, para que a sentença proferida seja reformada, no sentido de ser julgada improcedente a ação.

É como voto.

Recife, _______de________________________ de 2007.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
DGO e Apelação Cível nº 150.213-4 – Comarca de Recife.
Recorrente : Juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública.
Recorridos : Start Navegação Limitada, e Município do Recife.
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

EMENTA: Direito Tributário. Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária, com pedidos de Repetição de Indébito e de Antecipação dos Efeitos da Tutela. Recolhimento de ISS sobre locação de bens móveis. Sentença. Procedente. Reexame necessário e Apelação. Locação de bens móveis não figurante no Contrato Social da empresa demandante. Finalidade social não prevista. Necessidade de comprovação do alegado a fim de afastar a ocorrência de prestação de serviços. Identificação da atividade de locação de empilhadeiras não evidenciada como relação jurídica direta. Improcedência do pedido. Observação da previsão condicionante da restituição imposta no artigo 166 do CTN. Tributo indireto. Transferência de encargo financeiro ao tomador de serviços. Inexistência de prova expressa de autorização ao pedido de restituição. Improcedência do pedido. Sentença reformada. Decisão majoritária.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Reexame Necessário e das Apelações recíprocas, nº 150.213-4, da Comarca de Recife, em que figuram como Recorrente, o Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública, e como Recorridos, o Start Navegação Limitada, e Município do Recife.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, por maioria de votos, em reformar a decisão reexaminada, nos termos dos votos em anexo, os quais ficam fazendo parte integrante deste.

Recife,_______de ____________________________de 2007.

Presidente

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

MODELO RETRATAÇÃO DEMANDA DE POTÊNCIA COM ACRÉSCIMOS

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Apelação nº 0153.209-2 – Recife
Apelante: Condomínio do Shopping Center Boa Vista
Apelado: Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Embora inexistam questões prejudiciais apresentadas pelas partes ou pelo Ministério Público, cuido ser relevante registrar que o MM. Juiz a quo, ao prolatar a sentença, não cumpriu, rigorosamente, todos os termos do artigo 285-A do CPC, na medida em que não transcreveu, na íntegra, a sentença paradigma, como exige o aludido dispositivo.

Não obstante dita omissão, entendo que o fato, por si só, não constitui causa para a anulação da decisão, eis que sua excelência informou o número do processo cuja sentença entende ser aplicável, levando a que este julgador fizesse o levantamento da informação no sistema operacional de controle deste TJ/PE, denominado Judwin, constatando a veracidade do alegado, consoante se pode inferir do texto infratranscrito:

“EMENTA: Ação Cautelar preparatória de Ordinária de anulação de crédito tributário. Suspensão da cobrança do ICMS sobre a demanda de parcela de energia contratada como encargos da capacidade emergencial. Função instrumental do processo cautelar. Não demonstrada a fumaça do bom direito nem a possibilidade de prejuízo irreparável. Não ocorrência da situação do inciso III do artigo 97 do CTN, dos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal, mas a hipótese do artigo 13, inciso I da lei complementar 87/96, que regula o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, com a base de cálculo aferida a partir do valor total da operação contratada. Improcedência do Pedido.
Vistos, etc.
MULTI MARCAS EDITORIAIS LTDA., qualificada e com endereço nos autos, através de advogado, intentou Ação Cautelar preparatória de ação Ordinária Anulatória débito fiscal, contra o ESTADO DE PERNAMBUCO, com endereço na Rua do Sol, 143, Santo Antônio, nesta cidade.Juntou á inicial os documentos de fls. 17/36, compreendendo procuração, contrato social, cópias de faturas/notas fiscais e expedientes administrativo.
No despacho de fls. 37 foi indeferida a liminar suspensa, com efeito ativo obtido em sede de agravo de instrumento. Citado, o réu contesta as fls. 71/87. Réplica às fls. 114/125. A representante do Ministério Público em Parecer de fls. 126/128, opinando pela procedência do pedido.
Assim relatados, decido.
Tratam os autos de ação cautelar preparatória de ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária com restituição de indébito e pedido de liminar, que tem por objeto suspender a cobrança do ICMS sobre a demanda de parcela de energia contratada como encargos da capacidade emergencial.
Como pedido na ação principal indica a declaração de inconstitucionalidade do ICMS incidente sobre os adicionais tarifários e sobre a reserva de energia elétrica contratada pela Suplicante e a restituição dos valores pagos a título do ICMS incidente sobre o contrato de demanda. Aduz que é questão assente na jurisprudência pátria, que a obrigação tributária somente surge com a ocorrência do fato gerador, constituído com a circulação da mercadoria e assim sendo, modalidade de incidência do tributo na forma adota pelo fisco estadual está se contrapondo ao inciso III do artigo 97 do CTN, além de exigir tributo sem previsão legal, ferindo aos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal.
Na contestação argüi em preliminar a ilegitimidade ativa do requerente como contribuinte final, que não foi acolhida uma vez que, por se tratar do contribuinte de fato, é quem suporta o ônus tributo recolhido previamente pelo contribuinte substituto na emissão da fatura e repassado ao demandado. No mérito aduz que o fato gerador não ocorre apenas com a circulação física das mercadorias, não sendo apenas presumido, mas se constituindo na operação de disponibilização da mercadoria numa relação jurídica ou econômica contratual sobre a qual paga-se o efetivo preço e independentemente do consumo, pois se trata de parcela autônoma que compõe a mesma base de cálculo do ICMS incidente sobre a operação mercantil com a energia elétrica faturada.
O Ministério Público opina pela rejeição da preliminar e, no mérito, opina pela procedência do pedido, trazendo a colação decisões de tribunais superiores, no sentido de que a aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz a transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.Analisado a prova trazida pela demandante, observa-se que a determinante da incidência no imposto não está na ocorrência do fato gerador, como ocorrido no momento do consumo, mas na base de cálculo como foi considerada nas faturas, levando em conta a efetiva aquisição de energia, por uma previsão de demanda ou presumida utilização da mercadoria, previamente disponibilizada, considerada dentro de requisitos de indivisibilidade, disponibilidade e especificidade, que permite a aplicação do conceito de fato gerador consoante o preceito do artigo 13 da Lei Complementar 87/96. O mesmo ocorre com os “pacotes de pontos” oferecidos pelas operadoras de celulares, pelo qual o usuário adquire em preço fixo, incidindo o ICMS sobre o valor contratado, quer use ou não a totalidade de pontos.Tratar-se de tributo devido em razão da negociação do produto, em termos mais vantajosos para o adquirente e, pelo volume de consumo ao fornecedor, que não se efetiva com a tradição da mercadoria, caracterizada na saída de um estabelecimento e entrada em outro, mas na disponibilidade do potencial de utilização a um preço mais em conta. Curioso é observar que o adquirente concorda em pagar o preço do “pacote”, independente da energia consumida ou mesmo que não use todo o potencial energético, mas se recusa em recolher o ICMS.
Assim, inquestionável é o reconhecimento da legalidade na forma de aplicação da Lei 10.438/02 quanto ao lançamento da alíquota integral do tributo sobre o valor total das faturas de energia elétrica contratada, embora na Nota Fiscal/Fatura venha destacada do ICMS pelo tarifário agrupado em faixas de consumo, apenas para efeitos contábeis, pois não ocorre a situação do inciso III do artigo 97 do CTN, dos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal, mas a hipótese do artigo 13, inciso I da lei complementar 87/96 que regula o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, com a base de cálculo aferida a partir do valor total da operação contratada, ou seja, onde “a reserva potencial que se destaca também perfaz o montante global da operação, sendo desta parte e, portanto integrante da base de cálculo”, como bem concluiu o Professor José Viana Ulisses Filho em decisão no Mandado de Segurança 001.2006.036087-0, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital.Nesta ação não se pode discutir a legalidade ou regularidade de crédito tributário, consubstanciado pelo lançamento na fatura, matéria a ser discutida na ação principal, mas sim a ocorrência dos requisitos para a concessão da medida cautelar, não somente o perigo de prejuízo financeiro enquanto corre a ação, mas também a aparência do bom direito, mas não é o que se depreende da dissertação e das provas trazidas com a inicial. Conforme foi posto, o direito é questão controversa, que demanda o conhecimento prévio dos fundamentos jurídicos e fáticos que ensejaram a decisão administrativa e um acordo contratado exclusivamente entre fornecedor e consumidor de energia elétrica, sem levar em conta o tributo devido.
Ante o exposto julgo improcedente o pedido, para denegar a medida cautelar e condenar a demandante no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% do valor da causa.
P. R. I. Certifique-se o desfecho nos autos principais. Oficie-se ao relator do Agravo dando ciência da presente decisão que torna sem objeto o recurso instrumental, já que os possíveis recursos não têm efeito suspensivo e, transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se, com as devidas anotações na Secretaria e Distribuição.
Fórum do Recife, segunda-feira, 2 de outubro de 2006.Luiz Fernando Lapenda Figueiroa Juiz de Direito.”

Da mesma maneira, sendo a matéria visada meramente de direito, de profundo conhecimento de todos os integrantes das Câmaras de Direito Público, não se justifica a baixa dos autos, estando a causa madura para julgamento, como exige o § 3º do artigo 515 do CPC.

Outro aspecto relevante a iluminar a questão sub judice, diz respeito ao fato do presente caso tramitar no leito estreito do mandado de segurança, a exigir prova pré-constituída, bem como a liquidez e certeza do direito pleiteado.

Assentados estes 02 (dois) pressupostos, passemos a analisar os argumentos das partes e os fundamentos da sentença.

A sentença impugnada, proferida em Mandado de Segurança, reputou correta a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS em razão de contrato de fornecimento de energia celebrado entre o apelante e a companhia Energética de Pernambuco.

Nas razões recursais, há a indicação de que o tributo em epígrafe não incidiria sobre a disponibilização de energia elétrica propiciada pelo pacto mencionado, tese esta defendida pela empresa apelante objetivando a abstenção da cobrança do ICMS incidente sobre referida parcela de energia disponibilizada sob a forma de potência média, que, todavia, não merece acolhimento, pelos argumentos que a seguir expostos.

Consoante reconhecido pela própria apelante, ela enquadra-se como Pessoa Jurídica que, por seus escopos empresariais, opera sob regime de tensão elevada, o que demanda fornecimento ininterrupto de energia elétrica e a conseqüente necessidade de disponibilização constante de reserva de potência de energia suficiente a evitar colapso no sistema e danos nos seus equipamentos, o que justifica o regime especial de tributação em apreço.

O ponto central da lide diz respeito, pois, à possibilidade de inclusão da demanda contratada de potência elétrica na base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.

Esta Relatoria, a exemplo de outros Desembargadores componentes dessa Corte de Justiça, a um primeiro momento e até pouco tempo atrás, viu-se seduzida pela tese abarcada, majoritariamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o ICMS deve ter como base de cálculo “o custo da energia efetivamente consumida”.

Todavia, a evolução dos estudos relativos às peculiaridades de que se reveste a operação de circulação da energia elétrica, evidenciaram aspectos que, até então, encontravam-se nebulosos e cuja essencialidade me levaram a firmar convencimento na esteira de tese contrária àquela que até então vinha adotando.

De início, embora reconheçamos que a quase uniforme jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais e Superiores acata a tese de que o ICMS incide tão somente sobre o montante da energia efetivamente consumida, em acolhimento a parecer ofertado pelo eminente jurista Gilberto Ulhôa Canto sobre o tema em apreço, vimos demonstrar que também é verdade que a interpretação que o apelante pretende fazer prevalecer ofende literal disposição constitucional.

– DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL CONFERIDO À MATÉRIA:

A teor do artigo 155 da Constituição Federal, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Ora, a própria Magna Carta utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, pelo que se evidencia o equívoco no qual incide os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação, ante a ofensa à literalidade da norma constitucional.

Sendo a Constituição norma de hierarquia superior, cai por terra quaisquer dúvidas e discussões acerca da não incidência do ICMS sobre a denominada demanda de potência, pois a sua resolução advém da própria literalidade do citado artigo 155, que, por si só, é suficiente para rechaçar a tese da restrição do fato imponível do ICMS ao consumo efetivo da energia elétrica.

A disciplina expressa da Constituição Federal é, pois, superior, e deve prevalecer sobre quaisquer outras.
É sabido que, ao instituir um imposto, deverá o legislador optar pela situação que, a seu juízo, repute como suficiente à ocorrência do seu fato gerador, recaindo a escolha, no caso do ICMS, sobre a promoção de operações relativas à circulação de mercadorias e à prestação de serviços, a teor do inciso II do artigo 155 da Magna Carta.

Da própria exegese do texto constitucional, pois, infere-se que, ao fixar-se a hipótese de incidência do ICMS, o legislador não fez alusão à destinação conferida ao bem objeto de circulação, sequer à finalidade que determinou sua aquisição, restringindo-se ao ato de colocação da mercadoria em circulação.

– DO DISCIPLINAMENTO INFRACONSTITUCIONAL:

Para além da Constituição Federal, a legalidade da cobrança do ICMS sobre a parcela denominada “demanda de potência” tem guarida na Lei Complementar nº 87/96, cuja interpretação há de ser igualmente literal, por ser esta a melhor forma de se aferir o real sentido das normas de Direito Público.

A Lei Complementar do ICMS estabelece, expressamente, em seu artigo 13, que a base de cálculo do citado imposto nas operações relativas à circulação de mercadorias em geral, aí incluída a energia elétrica, é constituída pelo valor da mercadoria adicionado aos demais valores imputados aos adquirentes.

Assim é que, representando a demanda de potência parcela obrigatória nos contratos de fornecimento de energia elétrica aos consumidores de grande porte, sendo o seu custo componente obrigatório do preço final da mercadoria energia elétrica, não há como dissociar a demanda continuamente disponibilizada da própria energia.

À falta de uma explicitação, por parte da Lei Complementar nº 87/96, do marco temporal da ocorrência do fato gerador da circulação de energia elétrica, convencionou-se adotar como elemento determinante desse momento a genérica alusão feita pelo legislador à “saída da mercadoria do estabelecimento”, o que, com o tempo, mostrou-se, todavia, inviável, ante a complexidade da operação de circulação do bem em tela, cujo sistema compõe-se de diversas usinas interligadas a um operador nacional, de modo a ensejar a impossibilidade de identificação do estabelecimento produtor que deu saída à energia elétrica fornecida a um determinado consumidor, ensejando, assim, a percepção de que o momento em que se dá a entrega da energia no ponto de conexão do sistema elétrico com as instalações da unidade consumidora (localizado no limite da via pública com o imóvel) é quando verdadeiramente se concretiza o fato gerador do ICMS.

A compreensão dos reais significado e amplitude da denominada “demanda contratada”, permitiu-me distingui-la do conceito de “energia” e, portanto, ter uma percepção do equívoco em que, data venia, laborou o eminente jurista Gilberto Ulhôa Canto ao ofertar parecer sobre o tema que serviu de norte ao atual entendimento dominante no STJ.

A teor do inciso IX do art. 2º, da Resolução ANEEL nº 456/2000, demanda contratada consiste em uma demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatt (kW).

– DOS CONCEITOS EXTRAJURÍDICOS ESSENCIAIS À COMPREENSÃO DA LIDE:

Demanda contratada é, pois, a potência máxima solicitada pelo consumidor e assegurada pela concessionária, estimada como necessária para o pleno funcionamento dos seus equipamentos.

Daí se conclui que “potência”, medida em quilowatts, é a quantidade de força conferida pelo sistema elétrico para que um equipamento funcione quando acionado, sendo “consumo” a quantidade de energia elétrica absorvida por uma instalação em quilowatt-hora (kWh) ou megawatt-hora (MWh), razão pela qual pode-se afirmar que “demanda contratada” é algo que está diretamente relacionado com a intensidade de potência garantida ao consumidor, para que ele possa utilizar energia elétrica até a máxima força (potência) contratada, sem riscos de quedas de tensão e conseqüentes danos aos equipamentos que possui.

É de se ter em mente, ademais, que a demanda de potência figura em cláusula do contrato de fornecimento firmado entre a concessionária e o consumidor de alta potência, a exemplo do apelante, atuando como um mecanismo fundamental à segurança, confiabilidade e estabilidade dos sistemas elétricos, de modo que os próprios consumidores de citada categoria devem dimensionar e declarar a demanda máxima provável da potência elétrica que será necessária ao pleno funcionamento de seus equipamentos.

Não pode haver fornecimento de energia elétrica sem que seja garantia uma potência elétrica mínima na rede de distribuição e tanto é assim que, quando o consumidor efetua o pedido de fornecimento de energia elétrica à concessionária, deve, obrigatoriamente, emitir uma declaração descritiva da carga instalada na unidade consumidora, o que irá resultar no seu enquadramento como consumidor do Grupo B, que engloba as unidades consumidoras em tensão inferior a 2,3 quilovolts (kV) e que celebra com a concessionária contrato de adesão e consumidor do Grupo A, atendido pela rede de alta tensão, de 2,3 a 230 quilovolts (kV) e que, por apresentar elevada carga instalada, celebra contrato de fornecimento, que dentre outras, contém cláusulas que versam sobre tensão de fornecimento e demanda de potência elétrica.

Diante dessa distinção de perfil entre os citados grupos de consumidores de energia é que a Agência Nacional de Energia Elétrica definiu duas formas de tarifação, quais sejam, a monômia, cujo faturamento é feito apenas com base no consumo de energia elétrica ativa, sendo o custo da demanda de potência incorporado ao custo do fornecimento de energia em megawatt-hora e a binômia, cujo faturamento é definido com base em dois componentes: a demanda contratada de potência e o consumo de energia elétrica.

Da análise dessa estrutura tarifária se infere que, para os consumidores do Grupo B, não há medição de demanda de potência requerida pela unidade consumidora, nem discriminação da mesma no contrato de adesão, mas os custos do fornecimento e instalação dos medidores e demais equipamentos estão, de forma rateada entre tais consumidores, incorporados na tarifa de fornecimento da energia elétrica, de modo a concluir-se que sobre esses custos incide ICMS, não sendo, portanto, razoável admitir que os consumidores de grande porte, que demandam maiores investimentos no sistema de fornecimento de energia para que tenham seu consumo atendido, não paguem ICMS sobre o componente demanda de potência, do contrário resultaria no que chamo de “Robin Hood” às avessas (tira-se dos pobres para dar aos ricos), em que apenas os consumidores de baixa potência arcariam com o rateio dos custos operacionais de fornecimento de energia elétrica.

Outro ponto central para uma melhor compreensão da matéria em apreço consistiu na fixação do exato momento em que se considera ocorrido o fato gerador do ICMS nas operações internas de circulação de energia elétrica.

Decerto, o sistema através do qual circula o bem posto à disposição compõe-se de diversas usinas interligadas a um operador nacional, de modo a ensejar a impossibilidade de identificação do estabelecimento produtor que deu saída à energia elétrica fornecida a um determinado consumidor, ensejando, assim, a percepção de que o momento em que se dá a entrega da energia no ponto de conexão do sistema elétrico com as instalações da unidade consumidora (localizado no limite da via pública com o imóvel) é quando verdadeiramente se concretiza o fato gerador do ICMS.

– DA ADEQUAÇÃO DA TESE QUE ORA SE EXPÕE AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

E não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que, sendo a energia elétrica um produto de natureza diferenciada, cuja operação de circulação possui características peculiares, exteriorizando-se, como explanado, pela sua disponibilização ao consumidor, nada mais lógico que se aplicar uma forma diferenciada de tributação.

No dizer de Ives Gandra Martins, em sua obra Hipótese de Imposição do ICMS nas Operações com Energia Elétrica – Peculiaridades nas Operações Interestaduais, in RDA nº 225, pág. 411: “A geradora e o comprador devem considerar como fato gerador do ICMS o local da disponibilidade de energia, de acordo com o ajustado nos contratos, que, no particular, simplesmente reproduzem o que dispõe a norma editada pela ANEEL.”.

Esta conclusão advém de uma interpretação sistemática do Ordenamento Jurídico, através da qual, considerando a definição de energia elétrica como coisa móvel, impõe-se a incidência das normas que disciplinam os poderes de disposição do proprietário sobre a coisa e a transferência de domínio dos bens móveis mediante o instituto da tradição.

Assim é que há circulação, aperfeiçoando-se o fato gerador do ICMS, a partir do momento em que a energia elétrica, na potência contratada, cujo conceito já foi esclarecido, é entregue no ponto de conexão do sistema elétrico com a instalação da unidade consumidora, ficando o adquirente, desde então, com poderes de disposição sobre a coisa, sendo a utilização ou destinação dessa potência contratada e disponibilizada pelo fornecedor circunstância irrelevante para a composição da base de cálculo do ICMS.

A equivocada inteligência acerca do fato gerador do ICMS, segundo a qual a sua incidência deveria restringir-se ao valor da energia elétrica efetivamente consumida, adveio da inserção de considerações econômico-financeiras, de natureza extrajurídica, portanto, sobre o conceito de “operações de circulação”, o que contribuiu para o desvirtuamento dos contornos da norma constitucional.

Consoante leciona Paulo de Barros Carvalho, em seu artigo “Hipótese de incidência do ICM”, in Revista de Direito Tributário nº 11/12, pág. 251/268: “O “fato gerador”, empregado nos textos que disciplinam a atividade tributária, neste país, não significa além do que o critério temporal dos vários supostos de regras jurídico-fiscais, como veremos, a breve texto. O critério material da hipótese do ICM está estruturado em função do verbo (promover) e respectivo complemento (operações relativas à circulação de mercadorias).(…).O ICM foi imaginado para gravar todas as operações jurídicas que suscitassem a circulação de mercadorias.(…). Posto isso, a circulação de mercadorias, desde que promovida por força de negócio jurídico, de que título for, estará sujeita á incidência do ICM. Esta a importância capital da palavra “operações”, inserta no Texto Supremo e lamentavelmente esquecida no nível da aplicação efetiva e prática do tributo”.

O ato de “promover a circulação” evidencia-se, pois, como essencial à definição da hipótese de incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, daí a necessidade de delimitarmos os seus contornos.

Segundo expõe Cesare Vivante, circulação é a passagem das mercadorias (aí incluído tudo o que se constitui objeto de atividade comercial) de uma pessoa a outra, sendo incabível conferir-se significados extra-jurídicos a tal conceito, sob pena de inconcebível desvirtuamento.

Irresignando-se contra a distorção que vem sendo conferida à real substância da expressão “operações de circulação”, Paulo de Barros Carvalho, no bojo do já citado artigo por ele publicado, assim se manifesta:

“A doutrina de Alcides Jorge Costa manifesta-se, categórica ao repudiar explicações econômicas (ao conceito de circulação). Ouçamo-la: “Por fim, qualquer conceito de circulação tomado à economia política é incompatível com a tributação das transferências de um para outro estabelecimento da mesma empresa.”. Aliás, criticando a posição de Berliri, já houvera exibido o mestre paulista frontal discordância às fórmulas econômicas, como se depreende deste excerto de sua valiosa contribuição ao estudo sistemático do ICM: “Portanto, a afirmação de Berliri, de que o imposto sobre o valor acrescido é um imposto sobre o consumo e que a conseqüência é a de tornar-se devido apenas quando ocorra o consumo ou fato a ele equiparado pelo legislador, resulta da aplicação de um dado econômico a um fato jurídico. Esta afirmação é, por isso mesmo, inaceitável” (…). Não é o fato imponível do ICM, por certo, um fato jurídico? De que modo aplicar-lhe notas da ciência econômica, tais como “fonte de produção”; “consumo final”, de acordo com suas natureza e “finalidades”; e “cada etapa do percurso”? (…) A proporção semântica do vocábulo “circulação” deve ser procurada, pensamos, nas estritas fronteiras do Direito. E por isso mesmo adquire foros de inteira procedência, o entendimento de Geraldo Ataliba”, para quem, “em termos jurídicos, “circular” é mudar de titular; “circular” é mudar de pertinência jurídica. “circulação” jurídica é mutação de titular. Não há identidade entre situação física ou econômica (inapreciável juridicamente) e circulação jurídica. Tanto é assim que, juridicamente, os imóveis circulam e, no entanto, fisicamente não podem fazê-lo.”

Implicando a circulação, pois, a transmissão de um conjunto de direitos que confere poderes de disposição sobre a coisa, o aperfeiçoamento do fato gerador do ICMS dá-se no momento da colocação da energia elétrica à disposição do consumidor.

A disponibilidade jurídica, portanto, é o fenômeno que realmente importa no plano do ICMS, e, estando a “demanda de potência” inserida no âmbito dessa disponibilidade, mostra-se justo e razoável que sobre ela e não apenas sobre o consumo efetivo incida o imposto em tela.

Do exposto conclui-se que, sendo a demanda contratada a potência colocada à disposição do consumidor para melhor atender às suas necessidades, bem como sendo o fato gerador do ICMS o momento em que dita demanda de potência é disponibilizada no ponto de conexão do sistema elétrico com a instalação da sua unidade e levando-se em consideração, ademais, que para colocar à disposição a já citada potência contratada ao consumidor eletrointensivo (de alta potência), a concessionária faz investimentos maiores, nada mais justo que a política tarifária desta operação leve em conta o binômio demanda de potência disponibilizada e energia efetivamente medida e consumida, sob pena de, em assim não sendo, haver quebra do equilíbrio financeiro-contratual e, conseqüentemente, enriquecimento sem causa por parte do consumidor.

Nessa esteira, leia-se acórdão da lavra da Exma. Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, exarado no bojo do REsp nº 609.332:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – ENERGIA ELÉTRICA – TARIFAÇÃO – COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA – LEGITIMIDADE.
1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor.
2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifado a partir de um binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia efetivamente medida e consumida, conforme o Decreto 62.724⁄68 e Portaria DNAAE 466, de 12⁄11⁄1997.
3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.
4. Recurso especial improvido.”
(RECURSO ESPECIAL Nº 609.332 – SC (2003⁄0208800-8). RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON. Data do Julgamento: 09 de agosto de 2005. Publicação DJ: 05 de setembro de 2005)

Frise-se que as empresas de telefonia móvel e fixa também se valem do conceito de disponibilidade jurídica para composição das tarifas incidentes sobre as operações referentes aos denominados “planos de minutos”, eis que, nesses casos, incide uma mesma tarifa, quer o consumidor utilize toda a “franquia de minutos” disponibilizados ao mês, quer sua faixa de consumo seja inferior ao que foi disponibilizado.

Ainda no que respeita às empresas de telefonia, convém esclarecer que a “benesse” consistente na “reserva” dos minutos não usufruídos em um mês para o mês subseqüente, não desnatura a validade do uso do instituto da disponibilidade jurídica como determinante da hipótese de imposição do ICMS, sobretudo quando se tem em mente que dita reserva de minutos decorreu da pressão dos consumidores sobre a Agência Nacional de Telecomunicações, órgão regulador do setor, conquista essa que poderia ser alcançada igualmente pelos denominados consumidores de “alta potência”.
Embora haja a natural dificuldade de compensar, para o mês seguinte, a tensão elétrica não utilizada, como ocorre com os minutos de pulso dos celulares, já que a mesma não é armazenável, não é impossível obter-se uma solução viável para o setor energético.

Impende que se transcreva, pela lucidez com que foi desenvolvido, trecho de artigo da lavra de Paulo Hiberson Pessoa Gouveia de Melo, Auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco – TCE:

“A Demanda Contratada de Potência compõe o valor da operação de fornecimento de energia elétrica, caracterizando-se como custo de fornecimento e devendo, portanto, integrar a base de cálculo do ICMS incidente sobre as operações relativas à energia elétrica. O valor da operação é composto pelos elementos que são agregados ao valor da mercadoria até a formação do seu preço final a ser arcado pelo consumidor. Como bem colocou José Benedito Miranda, os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes de consumo e de Demanda Contratada de Potência são elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica. Acrescentando que a exclusão do componente tarifário Demanda de Potência da base de cálculo do ICMS cria um odioso e inconstitucionalmente vedado privilégio para os consumidores de grande porte, em detrimento do pequeno consumidor, que também paga pelos custos referentes à Demanda de Potência, uma vez que os preços fixados pela ANEEL para a tarifa residencial já embutem os seus custos, concorrendo, assim, para a formação da base de cálculo do ICMS.”. (Revista da Esmape – Recife – v.12 – p.331-350 – jan./jun. 2007)

Por todas as razões expostas, não obstante as ponderáveis razões em que se funda a jurisprudência, firmo o meu posicionamento sobre a matéria pela incidência do ICMS sobre a denominada demanda contratada de energia elétrica e pela conseqüente inconsistência do pleito do apelante de restituição de valores já recolhidos a título de ICMS incidente sobre potência de energia elétrica disponibilizada, a despeito do Superior Tribunal de Justiça persistir uniformemente julgando as lides que lhe são postas sob apreciação em sentido diverso.

Insta ressaltar que o posicionamento que ora se expõe não é isolado neste TJPE, comungando desse raciocínio o Eminente Des. Francisco Bandeira de Mello, componente da 8ª Câmara Cível, que, em decisão exarada nos autos do Agravo de Instrumento nº 0148.479-1, publicada no Diário Oficial do Estado, em 08 de fevereiro de 2007, primeiramente, sintetizou, com excelência, as diversas definições constantes da Resolução nº 456/00, procedendo a um correto enquadramento jurídico da matéria, ao asserir:

“Assim, ‘demanda reservada” não significa “estimativa” de energia a ser consumida (no período de faturamento), nem “reserva” de energia, a ser ou não consumida, mas sim a indicação referencial da “carga” que o consumidor de grande porte utilizará em seu estabelecimento, sendo esta carga referencial objeto de tarifação fixa, eventualmente complementada pela cobrança de tarifa de “demanda de ultrapassagem”, caso o estabelecimento, em algum momento do período de faturamento, venha a utilizar, concretamente, uma “carga” superior àquela contratualmente apontada como referência.” e, posteriormente, arrematou, aduzindo: “Em suma: não obstante a energia efetivamente consumida venha a consubstanciar o núcleo central do aspecto material da hipótese de incidência (a circulação de mercadoria), a correspondente base de cálculo não se limita ao custo da energia consumida, isoladamente considerado, eis que alcança a operação como um todo, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar nacional nº 87, de 13 de setembro de 1996. (…) Em outras palavras, a rubrica atinente à “demanda contratada” integra o preço da operação de fornecimento de energia elétrica, seja embutido no preço atribuído à energia consumida, no caso dos consumidores de baixa tensão, seja mediante aferição e cobrança destacada, no caso dos consumidores de alta tensão. Penso, nestes termos, que os precedentes do STJ nessa matéria, partem da premissa, que à primeira vista parece-me equivocada – com a devida vênia -, de que a tributação sobre a rubrica de “demanda contratada” significaria a cobrança de ICMS por sobre energia não fornecida, e como tal fora do alcance da hipótese de incidência daquele imposto, daí derivando conclusão com a qual – pela inadequação da premissa -, não comungo.”

Por fim, merece menção o fato de que a tese defendida neste voto logrou êxito pela 1ª vez nesta Sétima Câmara em 24 de abril do corrente ano, no Agravo Regimental nº 0145.551-6/01, por maioria de votos, destacando-se no Acórdão os seguintes trechos: “4. A própria Magna Carta utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, pelo que se evidencia o equívoco no qual incide os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação, ante a ofensa à literalidade da norma constitucional.”; “6. Da própria exegese do texto constitucional, pois, infere-se que, ao fixar-se a hipótese de incidência do ICMS, o legislador não fez alusão à destinação conferida ao bem objeto de circulação, sequer à finalidade que determinou sua aquisição, restringindo-se ao ato de colocação da mercadoria em circulação.” e “9. E não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que, sendo a energia elétrica um produto de natureza diferenciada, cuja operação de circulação possui características peculiares, exteriorizando-se, como explanado, pela sua disponibilização ao consumidor, nada mais lógico que se aplicar uma forma diferenciada de tributação.”

– DAS CONCLUSÕES:

Senhores Desembargadores, senhora Procuradora de Justiça: Estou absolutamente convencido de que os argumentos supra referenciados são mais que suficientes para demonstrar a impertinência da tese que tenta impingir a exclusão da demanda contratada de potência elétrica na base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, em que pese o meu profundo respeito às inteligências daqueles que pensam em contrário.

Todavia, o caso concreto diz respeito a um apelo em mandado de segurança, o que, por si só, reforça mais ainda os argumentos supra.

Ora, direito líquido e certo é aquele cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documental, sem que se demande dilação probatória.

Como se falar em direito líquido e certo quando:

1) A própria Constituição Federal utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, como querem, equivocadamente, fazer crer os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação;

2) A Lei Complementar nº 87/96 estabelece, expressamente, em seu artigo 13, que a base de cálculo do citado imposto nas operações relativas à circulação de mercadorias em geral é constituída pelo valor da mercadoria – in casu, a energia elétrica – adicionado aos demais valores imputados aos adquirentes, aí incluída, evidentemente, a demanda de potência contratada;

3) A existência de contrato firmado entre a concessionária e o consumidor de alta potência (partes maiores e capazes) e com objeto lícito, pelo qual foi acordado o fornecimento da energia elétrica, figurando a demanda de potência entre as cláusulas elaboradas, consoante dados fornecidos pelo próprio consumidor, o qual informou a potência elétrica máxima provável que seria necessária ao pleno funcionamento de seus equipamentos.

É o consumidor eletrointensivo quem arbitra a potência provável que necessitará, de modo que a ele é dado o conhecimento de que este cálculo resultará em uma cobrança em kilowatts/hora mais alta, o que obrigará a distribuidora a disponibilizar equipamentos com custos bem maiores e, depois, consome bem menos do que arbitrou e quer pagar só pelo consumo efetivo, o que, no mínimo, representa indício de má-fé;

Ora, se a energia foi gerada e transmitida, fatalmente a empresa destinatária terá que pagar às geradoras/transmissoras, já que a energia em si é apenas mais um insumo do consumidor de alta potência, que pode calcular seu impacto nos custos de produção e inclui-lo no preço final do seu produto, de modo que o ônus será repartido apenas entre os consumidores deste e não entre a população em geral.

4) Já existem julgados divergentes deste TJ/PE, acolhendo a tese que ora defendo, dentre eles, inclusive, um Acórdão emanado do julgamento, à unanimidade de votos, do Agravo de Instrumento nº 0151.493-6, havido em 04 de setembro do corrente ano.

Ante o exposto, VOTO PELO NÃO PROVIMENTO DA APELAÇÃO.

Recife, ________ de _________________ de 2007.

___________________________________________
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

7ª Câmara Cível
Agravo de Instrumento nº: 0163.237-9 – Recife
Agravante: Estado de Pernambuco
Agravado: ALOSHOP – Associação de Lojistas de Shopping do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Pernambuco em face da ALOSHOP – Associação de Lojistas de Shopping do Estado de Pernambuco, impugnando decisão interlocutória proferida pelo Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, Dr. José Marcelon Luiz e Silva, nos autos do Mandado de Segurança tombado sob o nº 001.2007.065998-3.

A decisão impugnada (fls. 135/137), deferiu liminar para, suspendendo a cobrança da diferença de alíquota de ICMS nas operações com mercadorias adquiridas em outros Estados e Distrito Federal destinadas à revenda em relação aos associados da impetrante/agravada até decisão final, ressalvada a hipótese de antecipação tributária de mercadoria especificamente submetida a regime especial de apuração do imposto, determinar a autoridade apontada coatora que se abstenha de tal exação.

Agravo tempestivamente interposto e regularmente instruído.

Requer, inicialmente, seja o presente agravo recebido em sua forma instrumental.

Noticia, em uma remissão fática da lide, que o ora agravada, ao impetrar o mandamus, insurge-se contra a sistemática de recolhimento antecipado do ICMS nas aquisições interestaduais, para fins de revenda, efetuadas por seus associados optantes do SIMPLES NACIONAL, nos moldes estabelecidos pela Portaria SF nº 83/2007.

Aduz, em síntese:

1 ) Que a cobrança feita na entrada interestadual de bens para revenda, efetivada pelos associados do ora agravado, é apenas uma antecipação tributária de sua próxima saída interna, não se tratando a hipótese em apreço daquele diferencial de alíquota cujo fato gerador está previsto no artigo 155, §2º, VIII da Constituição Federal de 1999, razão pela qual devem ser de logo afastadas as alegações referentes ao cabimento ou não da cobrança de tal diferencial, porquanto ele não é exigido de tais contribuintes;

2 ) Que, atendo-se o real objeto da impetração à cobrança do imposto devido na primeira saída interna por antecipação, no momento da entrada do produto no território estadual, não há que se falar em mácula de ilegalidade no sistema de antecipação instituído no Estado de Pernambuco;

3 ) Que igualmente não há qualquer mácula na aplicação da referida sistemática de antecipação tributária nas aquisições interestaduais aos optantes do SIMPLES, visto que tal possibilidade está contemplada na própria Lei Complementar nº 123/06, instituidora do SIMPLES NACIONAL;

4 ) Que a Lei Complementar nº 123/06, ao disciplinar o SIMPLES NACIONAL, explicita que o recolhimento por ela regulamentado não exclui a incidência do ICMS devido nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, bem como do valor relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal, nos termos da legislação estadual e distrital, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas, do que se conclui que os optantes do SIMPLES estarão sujeitos ao pagamento do imposto antecipado independentemente do pagamento unificado;

5 ) Que a qualidade das mercadorias sujeitas ao sistema de antecipação tributária não é o principal critério adotado pela legislação do Estado de Pernambuco para definir quais as operações sujeitas à antecipação tributária, porquanto a finalidade da norma inserta no artigo 13, §º, XIII, g da LC nº 123/06 é, evidentemente, excluir todo o sistema de antecipação tributária, na forma prevista em cada legislação estadual, da abrangência pelo SIMPLES NACIONAL;

6 ) Que o fato gerador relativo às aquisições de bens para revenda, como é o caso dos associados da impetrante/agravada, é tributado apenas pela aplicação da alíquota interestadual, já que se trata de um fato gerador do ICMS como qualquer outro, com a única peculiaridade de ser interestadual, aplicando-se-lhe a alíquota interestadual e não o diferencial de alíquotas previsto no art. 155, §2º, VIII da CF/88, sendo certo que o que gerou a falsa conclusão da agravada no sentido de se que estaria cobrando o referido diferencial de alíquota foi o fato de que a primeira saída interna do bem adquirido em outro Estado da Federação está sujeita à antecipação tributária, o que desloca o momento do recolhimento do imposto correspondente do momento em que se dá a saída da mercadoria do estabelecimento revendedor para o momento da passagem da mercadoria pelo primeiro posto fiscal após o ingresso no território estadual, fato este completamente distinto e pautado na LC nº 123/06;

7 ) Que o cálculo do ICMS nessas operações interestaduais, por uma razão lógica, é feito de forma a que, na ocasião da cobrança antecipada do tributo, faz-se o encontro de contas, ou seja, aplica-se, desde logo, sobre o valor da nota de entrada, apenas a diferença entre a alíquota interestadual (que gera crédito para ele) e a alíquota interna (referente à primeira saída interna e cujo ICMS está sendo antecipado), porquanto na ocasião de referida saída interna o contribuinte tem direito, por força do princípio da não-cumulatividade, de se creditar pelo imposto pago em razão da operação interestadual;

8 ) Que o contribuinte, ora agravado, supõe, erroneamente, que a fiscalização está a lhe exigir no momento da passagem pelo posto fiscal de fronteira o imposto referente ao diferencial de alíquotas, mas na verdade a cobrança se refere à antecipação do imposto devido pela sua próxima saída interna para o momento da passagem da mercadoria pelo primeiro posto fiscal após o ingresso no território estadual e, ao assim supor, conclui que a cobrança é indevida porquanto o diferencial de alíquotas disciplinado no inciso VIII do § 2º do artigo 155 da Magna Carta somente pode ser exigido em operações interestaduais destinadas a consumidor final, hipótese na qual não se enquadraria o seu caso, que é de operação interestadual de bens destinados à revenda;

9 ) Que o regime de antecipação nas operações interestaduais como regra geral aplicável a todos os contribuintes atacadistas e varejistas inscritos no Estado de Pernambuco e aplicável no regime anterior de tratamento favorecido às pequenas empresas (SIM-PE) mostra-se adequado aos optantes do SIMPLES, posto que não lhes traz qualquer desvantagem;

10 ) Que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, por mais de uma vez, que as legislações estaduais podem fixar regime antecipado, com ou sem substituição, para pagamento do ICMS relativo às saídas internas de mercadorias adquiridas em operações interestaduais, sem que isso implique ofensa à Constituição ou à Lei Complementar, por tratar-se tão somente de regime especial de arrecadação do tributo em face da dificuldade de controle e fiscalização em operações dessa natureza, passíveis de sonegação;

11 ) Que dito regime de antecipação tributária, diversamente do que alega a agravada, não enseja qualquer desvantagem aos contribuintes optantes do SIMPLES, já que não apenas eles, mas todos os demais contribuintes cadastrados no CACEPE na atividade de comércio varejista e atacadista, estão a ele sujeitos;

12 ) Que a Portaria SF nº 83, de 15 de junho de 2007, apenas veio esclarecer que estão sujeitos ao regime geral de pagamento antecipado inclusive os optantes do SIMPLES, seguindo o disposto na já citada alínea g, do inciso XIII, do §1º do artigo 13 da Lei Complementar nº 123/06;

13 ) Que a antecipação em apreço é feita sobre o valor da nota, sem qualquer acréscimo de valor agregado;

14 ) Que também é incorreta a alegação de que as alterações trazidas pela Portaria nº 83/07 tenham acarretado um tratamento diferenciado às pequenas empresas, contrariando as mudanças albergadas pela Emenda Constitucional nº 42/03, eis que no Regime Simplificado do ICMS – SIM, instituído pela Lei Estadual nº 12.159/01, sistemática que antecedeu o SIMPLES NACIONAL, na qualidade de tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, jamais se dispensou os contribuintes optantes do pagamento antecipado do ICMS.

Pugna, liminarmente, pela concessão de efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento e, ao final, seja dado provimento ao recurso, reformando-se a decisão agravada.

É o relatório. DECIDO.

De proêmio, compete-nos fazer alusão à nova sistemática conferida ao processamento do recurso de agravo de instrumento pela Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2006.

A nova diretriz decorrente das inovações ao Código de Processo Civil impõe a forma retida como regra para interposição do recurso de agravo, ficando o agravo de instrumento restrito às seguintes hipóteses: 1) quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; 2) nos casos de inadmissão da apelação e 3) nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

Não se enquadrando, pois, a decisão vergastada nas hipóteses enunciadas nos itens 2 e 3 supra, resta-nos apreciar se se afigura como decisão apta a ensejar lesão grave e de difícil reparação, a autorizar o manejo do agravo de instrumento ou, contrariamente, a imediata conversão do mesmo em agravo retido.

A referência à causação de “lesão grave ou de difícil reparação” apta a ensejar o manejo do agravo sob a forma de instrumento, há de ser entendida como o provimento que requer urgência na sua apreciação. Fazendo minhas as palavras de Arruda Alvim: “o discrímen, portanto, entre a possibilidade de agravo de instrumento e retido, passou a ser a urgência.”.

In casu, a urgência na apreciação do presente recurso encontra-se patente, dado que a lide versa sobre recolhimento de tributo, de modo que, acaso se imponha a apreciação da presente impugnação à oportunidade do julgamento do eventual apelo interposto contra a sentença, dificilmente a Fazenda Pública, acaso vencedora, poderá reaver os valores não recolhidos.

Ante o exposto, deixo de converter o presente recurso em agravo retido.
Consoante dispõe a Lei nº 1.533/51: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofre violação ou justo receio de sofrê-la por parte de autoridade.”.

É de lei, por seu turno, que direito líquido e certo é aquele cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documental, sem que se demande dilação probatória.

Não sendo, pois, o alegado direito do impetrante líquido e certo, condição da ação de mandado de segurança, requisito este de cunho nitidamente processual, impõe-se o reconhecimento da carência da ação.

Para além da demonstração, de plano, da liquidez e certeza do direito aduzido, requer-se que o impetrante utilize a via do mandamus para demonstrar irresignação contra ato abusivo ou ilegal praticado por autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público, sob pena, igualmente, de carência da ação.

Na hipótese dos autos, contudo, não exsurgem da análise do contexto probatório da lide que nos é posta sob apreciação quer a liquidez e certeza do alegado direito do impetrante ao recolhimento do ICMS de forma diferenciada e favorecida, quer a prática ou ameaça de prática, por ato de autoridade, de ato ilegal e/ou abusivo.

Versa a lide em tela acerca da sistemática de antecipação tributária, na aquisição de mercadoria procedente de outra unidade da Federação, no que respeita às microempresas e empresas de pequeno porte beneficiadas pelo regime especial unificado de arrecadação de ICMS.

Mister se faz, de proêmio, que analisemos os dispositivos legais aplicáveis à espécie, para melhor definição da presente lide:

– LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006 (Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis nos 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.):
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(…)
VII – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS;
(…)
§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(…)
XIII – ICMS devido:
a) nas operações ou prestações sujeitas ao regime de substituição tributária;
b) por terceiro, a que o contribuinte se ache obrigado, por força da legislação estadual ou distrital vigente;
c) na entrada, no território do Estado ou do Distrito Federal, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, bem como energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou industrialização;
d) por ocasião do desembaraço aduaneiro;
e) na aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de documento fiscal;
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal;
g) nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, bem como do valor relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal, nos termos da legislação estadual ou distrital;

– PORTARIA SF Nº 083, EM 28 DE ABRIL DE 2004 :

O SECRETÁRIO DA FAZENDA, considerando as significativas modificações introduzidas na Portaria SF nº 75, de 19.04.2002, que dispõe sobre antecipação tributária, na aquisição de mercadoria procedente de outra Unidade da Federação, e tendo em vista a necessidade de promover novos ajustes na referida sistemática, além da conveniência de reunir num único ato normativo todas as regras a ela relativas,

RESOLVE:
I – O contribuinte que adquirir mercadoria em outra Unidade da Federação, inclusive para uso, consumo e ativo fixo, fica sujeito ao recolhimento antecipado do ICMS, conforme o disposto nesta Portaria, com base no art. 54, V, do Decreto nº 14.876, de 12.03.91, e alterações, observadas as normas específicas contidas no mencionado art. 54, sempre que:
a) o adquirente for inscrito no Cadastro de Contribuintes do Estado de Pernambuco – CACEPE na atividade de comércio atacadista e varejista;”

– PORTARIA SF Nº 83, DE 15 DE JUNHO DE 2007:

O SECRETÁRIO DA FAZENDA, considerando o disposto na Lei Complementar Federal nº 123, de 14.12.2006, que institui o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, e a necessidade de promover ajustes na Portaria SF nº 083, de 28.04.2004, e alterações, que dispõe sobre a sistemática de antecipação tributária, na aquisição de mercadoria procedente de outra Unidade da Federação,

RESOLVE:

I – A Portaria SF nº 083, de 28.04.2004, e alterações, que dispõe sobre a sistemática de antecipação tributária, na aquisição de mercadoria procedente de outra Unidade da Federação, passa a vigorar com as seguintes modificações:

“I – O contribuinte que adquirir mercadoria em outra Unidade da Federação, inclusive para uso, consumo e ativo fixo, fica sujeito ao recolhimento antecipado do ICMS, conforme o disposto nesta Portaria, com base no art. 54, V, do Decreto nº 14.876, de 12.03.91, e alterações, observadas as normas específicas contidas no mencionado art. 54, sempre que:
……………………………………………………………………………………

d) a partir de 01.07.2007, o adquirente for optante do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional; (ACR)

Da literalidade dos dispositivos legais supra transcritos infere-se que a Portaria SF nº 83/07, ao promover ajustes na anterior Portaria SF nº 83/04, nada mais fez senão disciplinar a sistemática de antecipação tributária, na aquisição de mercadoria procedente de outra Unidade da Federação no que concerne às microempresas e empresas de pequeno porte integrantes do SIMPLES NACIONAL, em absoluta consonância aos ditames da Lei Complementar nº 123/06, que, ao dispor sobre o regime de recolhimento tributário, mediante documento único de arrecadação, das empresas optantes do SIMPLES NACIONAL, não as excluiu da sistemática da antecipação tributária, nos termos da legislação estadual, a isso fazendo, inclusive, menção expressa.

Ora, tendo a Portaria nº 83/004 previsto a antecipação tributária em operações interestaduais como regra geral aplicável a todos os contribuintes atacadistas e varejistas que estejam inscritos no CACEPE, não há que se falar que o disciplinamento dessa forma de recolhimento pela Portaria nº 83/07 no tocante aos contribuintes optantes do SIMPLES tenha implicado qualquer quebra do princípio da isonomia, sobretudo quando tal ato está albergado pela Lei Complementar que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, consoante já analisado.
Razão assiste ao agravante, outrossim, quando afirma que citada Portaria igualmente não ensejou implantação de tratamento desfavorecido aos optantes do SIMPLES, em relação ao regime anteriormente vigente, porquanto, no Regime Simplificado de Recolhimento do ICMS – SIM, igualmente se impunha o pagamento antecipado do tributo em tela nas hipóteses de operações interestaduais, consoante dispõe a alínea a do inciso V do artigo 1º do Decreto nº 24.769/02, in verbis: “Art. 1º A partir de 01.01.2002, o contribuinte que fizer a opção de enquadramento no Cadastro de Contribuintes do Estado de Pernambuco – CACEPE na condição de microempresa, nos termos deste Decreto, deve adotar o Regime Simplificado de Recolhimento do ICMS – SIM, que consiste na observância das seguintes normas: (…) V – pagamento do ICMS, quando for o caso: a) relativo a operações com mercadorias, destinadas a comercialização, ativo fixo, uso ou consumo, sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, com ou sem substituição tributária.”
Assim é que, tendo a atuação do Fisco, na hipótese em tela, ao menos a um exame prefacial dos autos, correspondido a, nada mais, nada menos, senão ao cumprimento irrestrito da lei, exarado no lícito exercício do Poder de Polícia Tributária, no intuito de se obstar práticas de sonegação fiscal, cobrando-se, antecipadamente, apenas a diferença entre a alíquota interestadual, geradora de crédito para a empresa, e a alíquota interna, referente à primeira saída da mercadoria, por força do princípio da não-cumulatividade, DEFIRO O EFEITO SUSPENSIVO pleiteado.

Intime-se o Agravado, nos termos do art. 527, V da lei Adjetiva, para que ofereça resposta, no prazo de 10 (dez) dias, observando-se a faculdade de trazer peças que julgar convenientes.

Publique-se.

Intime-se.

Oficie-se ao Magistrado a quo, dando-lhe ciência integral da presente decisão.

Recife, ______ de ___________ de 2007.

___________________________________
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

VOTO

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

A decisão embargada está acostada às fls. 160/167 dos autos do Agravo de Instrumento em apenso.

Da leitura integrada dos dispositivos legais da Lei Complementar nº 127/07, infere-se que o recolhimento mediante o regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições devidos pelas Empresas de Pequeno Porte e as Microempresas – SIMPLES NACIONAL – não exclui a incidência do ICMS devido nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, bem como do valor relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nas aquisições em outros Estados ou no Distrito Federal, nos termos da legislação estadual ou distrital.

Não há que se falar, pois, em incompatibilidade absoluta entre a sistemática do SIMPLES e o regime de recolhimento antecipado do ICMS devido nas operações de aquisição de mercadorias em outros Estados e no Distrito Federal, visto que há previsão expressa nesse sentido na alínea g do inciso XII do §1º do artigo 13 da Lei Complementar nº 127/07.

Citada Lei Complementar, por seu turno, ao disciplinar a exclusão do ICMS devido nas operações em que ocorra recolhimento antecipado do regime do SIMPLES, remete às leis estaduais e distrital, razão pela qual é salutar que façamos a análise do tratamento conferido pela legislação do Estado de Pernambuco à matéria em apreço.

Quando ainda em vigor o Regime Simplificado de Recolhimento do ICMS – SIM-PE, a Portaria nº 83/04 disciplinava a sistemática da antecipação tributária nas operações de aquisição de mercadoria procedente de outra unidade da Federação e dentre os seus dispositivos destaca-se por sua relação com a presente lide, o inciso II, alínea d, item 5, que dispõe, in verbis, que: “II – A antecipação prevista no inciso I não se aplica quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: (…) d) a aquisição da mercadoria for efetuada por: (…) 5. até 30.06.2007, microempresa ou empresa de pequeno porte que utilizem o Regime Simplificado de Recolhimento do ICMS – SIM; (…)”.

Da literalidade do referido dispositivo legal, deflui a exclusão das as Empresas de Pequeno Porte e as Microempresas optantes do SIM-PE do regime de antecipação tributária, mas quando, em uma análise sistemática da legislação que regia o SIM-PE, mais precisamente do Decreto nº 24.769/02, constata-se que há previsão expressa de que os contribuintes que fizessem a opção de enquadramento no CACEPE na condição de microempresa e que adotasse o SIMPLES se sujeitavam ao pagamento do ICMS relativo a operações com mercadorias destinadas à comercialização, ativo fixo, uso e consumo, mediante antecipação do recolhimento do imposto, com ou sem substituição tributária.

Não há, portanto, que se falar que a Portaria nº 83/07 inovou no tratamento da matéria, introduzindo a sistemática do recolhimento antecipado do ICMS no que pertine às microempresas e empresas de pequeno porte, visto que estas, outrora optantes do SIM-PE e agora optantes do SIMPLES NACIONAL já se sujeitavam ao mesmo, nas aquisições de mercadorias provenientes de outras unidades da Federação, inclusive quando destinadas à comercialização.

Ocorre que, não mais subsistente o SIM-PE, face a sua substituição pelo SIMPLES e, obviamente, inaplicável o Decreto nº 24.769/02, que regulamentava exclusivamente o regime outrora vigente, fez-se mister alterar a redação da Portaria nº 83/04, que versava sobre o recolhimento antecipado do ICMS para compatibilizá-lo à criação do SIMPLES, fazendo, assim, introduzir, pela edição da Portaria nº 83/07, a previsão da incidência da sistemática da antecipação tributária para os optantes do SIMPLES, a partir de 01 de julho de 2007.

Ressalte-se que a análise até então encetada por esta Relatoria foi igualmente realizada na decisão objeto dos presentes embargos, não havendo razão na imputação de omissões, ao menos nesse tocante.

Todavia, reconheço que não se esgotou a discussão acerca da legalidade da Portaria nº 83/07, sobretudo no que pertine ao suporte legal da referida previsão do regime de antecipação do recolhimento do ICMS devido nas operações de aquisição de mercadorias adquiridas em outras unidades da Federação, o que, em complementação à decisão embargada, passo a fazê-lo.

Observe-se que, se com a extinção do SIM-PE, ante a instituição do SIMPLES NACIONAL, não mais se poderia utilizar o Decreto nº 24.769/02 como suporte para a Portaria nº 87/07, impende que se encontre amparo legal para a previsão do recolhimento antecipado do ICMS nas aquisições de mercadorias em outro Estado ou no Distrito Federal, a fim de que se possa conferir aplicabilidade, no âmbito do Estado de Pernambuco, à já aludida alínea g do inciso XII do §1º do artigo 13 da Lei Complementar nº 127/07, o que nos remete à Lei Estadual nº 10.259/89, que instituiu a cobrança do ICMS em Pernambuco.

Afirma o embargado que, no âmbito do Estado de Pernambuco, todos os comerciantes inscritos no CACEPE como atacadistas ou varejistas, que adquiram mercadorias em outras unidade da Federação estão sujeitos ao recolhimento antecipado do ICMS, o que, segundo ele, confere amparo legal à Portaria nº 83/07 e, para tanto, lança mão do artigo 38 da Lei Estadual nº 10.259/89, cuja redação nos revela que: “Art. 38. O Poder Executivo, mediante decreto, poderá exigir o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subseqüente, a ser efetuada pelo contribuinte.”
Ora, se a teor da Lei ordinária em tela a exigência do pagamento antecipado do ICMS demanda a edição, pelo Poder Executivo, de decreto que o regulamente, não existindo este, não há como se reconhecer amparo legal à previsão do recolhimento antecipado para as microempresas e empresas de pequeno porte pela Portaria nº 83/07, sendo razoável, portanto, a princípio, a alegação do embargante quanto à eiva de ilegalidade que macula dita Portaria.
No que pertine, por sua vez, à suposta cobrança de diferencial entre as alíquotas interna e interestadual, impende que procedamos, mais uma vez, à análise dos dispositivos da Lei Complementar nº 127/07, da Portaria nº 83/04, do Decreto nº 24.769/02, da Portaria nº 83/07 e da Lei Estadual nº 10.259/89.
Inicialmente, compete-nos frisar que a Lei Complementar nº 127/07, na já mencionada alínea g, do inciso XIII do §1º do seu artigo 13, disciplina que o sistema unificado de recolhimento – SIMPLES – não exclui o pagamento do valor relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual do ICMS devido nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal, nos termos da legislação estadual e distrital.
Mais uma vez, a Lei Complementar nº 127/07 nos remete à legislação estadual, pelo que a ela devemos recorrer.
A Portaria nº 83/04, em sua redação originária, já previa, no seu inciso V, alínea a, item 1 e subitem 1.1, que, para efeito de recolhimento antecipado do ICMS devido em decorrência da aquisição de mercadorias em outra unidade da Federação, seria calculado, aplicando-se sobre a base de cálculo ali definida, na hipótese genérica do adquirente ser inscrito no CACEPE na condição de comerciante atacadista ou varejista, o percentual correspondente à diferença entre a alíquota do ICMS vigente para as operações internas e aquela vigente para as operações interestaduais.
O amparo legal para tal dispositivo da Portaria nº 83/04, por sua vez, advinha do §3º do artigo 1º do Decreto nº 24.769/89, que expressamente dispunha que: “§ 3º Relativamente ao inciso V, “a”, do “caput”, a hipótese de antecipação na aquisição de mercadoria para comercialização, ativo fixo, uso ou consumo em outra Unidade da Federação, sujeita ao pagamento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, fica subordinada às seguintes normas: (NR). I – a mencionada diferença de alíquota será calculada com base no valor da operação; II – fica concedido crédito presumido no montante de 5% (cinco por cento) sobre o valor da operação quando o remetente estiver estabelecido nas Regiões Sul e Sudeste, exceto o Estado do Espírito Santo; III – o disposto no inciso anterior não se aplica quando a alíquota do imposto relativa às operações internas for inferior ou igual àquela prevista para as operações interestaduais realizadas por contribuinte estabelecido no Estado do Espírito Santo ou nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, inclusive o Distrito Federal;IV – ficam mantidos os benefícios fiscais previstos na legislação tributária estadual, exceto os relativos a redução de base de cálculo; (ACR) V – quando a operação interna for tributada com alíquota inferior a 17% (dezessete por cento), o crédito fiscal a ser tomado para recolhimento da diferença de alíquota será reduzido na mesma proporção da mencionada redução de alíquota. (ACR).”.
A Portaria nº 83/07, por seu turno, igualmente prevê que, para efeito de recolhimento antecipado do ICMS devido por empresas de pequeno porte e microempresas que tenham adquirido mercadorias em outra unidade da Federação será calculado, aplicando-se sobre a base de cálculo prevista, o percentual correspondente à diferença entre a alíquota do ICMS vigente para as operações internas e aquela vigente para as operações interestaduais. Todavia, diferentemente da Portaria nº 83/04, aquela não possui sustentáculo legal.
De fato, a Lei Estadual nº 10.259/89, ao tratar da matéria, não se refere aos comerciantes que adquirem mercadorias para revenda, como é a hipótese dos associados da embargante, mas apenas em relação às mercadorias destinadas a uso, consumo ou ativo fixo. È o que deflui da literalidade dos artigos infratranscritos: “Art. 3º – Ocorre o fato gerador do imposto: I – na saída de mercadoria do estabelecimento de contribuinte, inclusive cooperativa, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (…). XII – na entrada, no estabelecimento de contribuinte, de mercadoria oriunda de outra Unidade da Federação, destinada a uso, consumo ou ativo fixo; (…).Art. 11 – A base de calculo do imposto é: (…) XXI – nas hipóteses do art. 3º, XII e XIII, o valor da operação ou prestação sobre o qual tenha sido cobrado o imposto no Distrito Federal ou Estado de origem. §17 Para efeito do disposto no inciso XXI, do “caput”, o imposto a ser recolhido será o valor correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.”.
Não obstante se conclua, pelas digressões até então feitas, que a decisão embargada, de fato, foi omissa no tocante à apreciação de alguns dispositivos de lei que trouxeram novo olhar sobre a demanda, mais precisamente sobre a ausência de amparo legal de algumas das disposições da Portaria nº 83/07 que disciplinam o recolhimento antecipado do ICMS, bem como a cobrança do percentual da diferença entre a alíquota interna e a interestadual nas operações de aquisição de mercadorias advindas de outros Estado da Federação destinadas à revenda, é de se levar em consideração que a via eleita pela Aloshop no 1º Grau para demonstração de sua irresignação, qual seja, o mandado de segurança, requer a comprovação, de plano, do alegado, o que, contudo, não ocorreu, ao menos nos autos do agravo de instrumento em apenso e nos autos dos presentes embargos.
É de se reconhecer que a associação embargante não logrou êxito em demonstrar que sobre as operações de aquisição de mercadorias em outros Estados da Federação, destinadas à revenda, efetuadas pelas suas associadas, incidiu as regras do recolhimento antecipado do ICMS, com incidência, sobre a base de cálculo, de percentual sobre a diferença de valores entre a alíquota interna e a interestadual e, conseqüentemente, que as mesmas sofreram, por parte da autoridade indigitada coatora, ato de ilegalidade ofensivo a direito líquido e certo de sejam possuidoras.
Ante o exposto, voto pelo acolhimento dos presentes aclaratórios, apenas para fins de suprir as indigitadas omissões, rejeitados, contudo, os efeitos modificativos almejados.

Recife, ________ de _____________ de 2008.

______________________________________
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Petrolina em face de Thimothy James Reiner, impugnando decisão proferida pelo MM. Juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Petrolina, Dr. Josilton Antonio Silva Reis, no bojo da Execução Fiscal tombada sob o nº 233.2007.006727-8.

A decisão impugnada (fls. 19/24), indeferiu a petição inicial, extinguindo a Execução Fiscal com resolução do mérito, em relação à cobrança do IPTU relativo ao exercício de 2001, determinando o prosseguimento do feito, contudo, para cobrança dos demais débitos fiscais.

Agravo tempestivamente interposto e regularmente instruído.

Em uma remissão fática, noticia que ingressou com Ação de Execução Fiscal em face do ora agravado, visando à satisfação de créditos de IPTU relativos aos exercícios de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005, sendo surpreendido com a prolação da decisão ora vergastada, segundo a qual o Magistrado a quo, antes mesmo de proceder à citação do executado, decretou a extinção do processo sem julgamento do mérito em relação aos créditos referentes ao exercício de 2001, ao argumento de que haviam sido alcançados pelo instituto da prescrição, determinando o prosseguimento do feito no tocante aos demais créditos, o que o motivou a interpor o presente recurso.

Preliminarmente, defende a admissibilidade da interposição do presente agravo sob a forma de instrumento, sustentando, para tanto, a necessidade da pronta apreciação da lide, eis que a sua conversão em retido ensejaria a inviabilização do conhecimento de sua insurgência.

Ainda na defesa da admissibilidade recursal, argumenta que, não obstante a decisão vergastada tenha conteúdo de sentença, contra ela é cabível agravo e não apelação, haja vista não ter resolvido toda a relação processual, limitando-se a pronunciar a prescrição de um dos créditos objeto da cobrança, prosseguindo o feito originário o seu curso regular em relação aos demais créditos por ele abrangidos.

No mérito, aduz, em síntese:

1) Que, uma vez exercido validamente o direito potestativo de lançar, a Fazenda Pública passa a ser titular de um direito a uma prestação, cuja realização depende da colaboração do sujeito passivo da relação tributária, que, notificado do lançamento, deverá efetuar o pagamento do tributo no prazo legal;

2) Que, não efetuado o regular pagamento do tributo pelo contribuinte e desde que não incida qualquer causa extintiva do crédito tributário, a Fazenda Pública, para vê-lo satisfeito, deverá provocar o Judiciário a que este force o devedor a adimplir o débito;

3) Que a ação para cobrança do crédito tributário, a teor do artigo 174 do CTN, prescreve em 05 (cinco) anos contados da data da sua constituição definitiva;

4) Que a constituição definitiva do crédito tributário ocorre quando, tendo sido notificado ao sujeito passivo, ele não sofre impugnação ou, tendo sido impugnado o lançamento, o processo administrativo de aferição de sua legalidade já foi concluído e contra ele não pende mais nenhuma contestação na esfera administrativa;

5) Que, ao contrário do que foi assinalado na decisão impugnada, a constituição definitiva do crédito não se dá com o ato do lançamento, mas apenas depois de transcorrido in albis o prazo para impugnação, nas hipóteses em que o contribuinte foi revel na esfera administrativa, como na hipótese dos autos, de modo que, enquanto o lançamento ainda for passível de alteração, não há que se falar em início de prazo de prescrição para ajuizamento da competente execução fiscal;

6) Que, in casu, o lançamento dos créditos referentes aos exercícios de 2001 e 2002 foi realizado através do Edital de Notificação nº 01/2002, publicado em 26 de setembro de 2002, ocasião na qual foi concedido aos contribuintes prazo de 30 (trinta) dias para impugnação administrativa, de modo que o dies a quo para contagem da prescrição somente se iniciou, em relação ao ora agravado, revel na esfera administrativa, após o decurso do citado período de 30 dias, ou seja, em 26 de outubro de 2002, do que se infere o equívoco em que incidiu o Magistrado de 1º Grau ao realizar a contagem do prazo de 05 (cinco) anos para o ajuizamento, por ela agravante, da Execução Fiscal originária.

Pugna, liminarmente, pela concessão de efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, para que se determine o prosseguimento da execução fiscal em tela também em relação aos créditos tributários de IPTU do exercício 2001 e, ao final, pelo seu provimento, para reforma integral da decisão agravada.

É o relatório. DECIDO.

A nova diretriz decorrente das inovações ao Código de Processo Civil conferida pela Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, que entrou em vigor em 17 de janeiro do corrente ano, impõe a forma retida como regra para interposição do recurso de agravo, ficando o agravo de instrumento restrito às seguintes hipóteses: 1) quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; 2) nos casos de inadmissão da apelação e 3) nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

Não se enquadrando a decisão vergastada nas hipóteses enunciadas nos itens 2 e 3 supra, resta-nos apreciar se se afigura como decisão apta a ensejar lesão grave e de difícil reparação, a autorizar o manejo do agravo de instrumento ou, contrariamente, a imediata conversão do mesmo em agravo retido.

A referência à causação de “lesão grave ou de difícil reparação” apta a ensejar o manejo do agravo sob a forma de instrumento, há de ser entendida como o provimento que requer urgência na sua apreciação.

In casu, a urgência na apreciação do presente recurso encontra-se patente dado que a lide versa sobre cobrança de crédito tributário, cuja destinação se presta à cobertura das necessidades da coletividade, através da prestação de serviços pelo Município exeqüente, sendo certo, ademais, que, impor ao Fisco Municipal o aguardo da finalização da execução fiscal no tocante aos demais créditos objeto de cobrança para submissão da sua insurgência à instância recursal, condicionada à interposição de eventual apelo da sentença a ser nele exarada, implica sujeitá-lo às intercorrências próprias dos feitos dessa natureza, que, por sua delonga, podem ensejar, inclusive, a incidência da prescrição intercorrente e a extinção do crédito.

Ademais, acaso a execução fiscal transcorresse regularmente e, ao final, a Fazenda Municipal lograsse êxito na consecução do débito perseguido, não subsistindo interesse na interposição de apelação por qualquer das partes, pela inexistência de sucumbência, restaria obstada a apreciação da sua insurgência veiculada pelo agravo retido nos autos, haja vista o conhecimento deste ser condicionado, por lei, ao julgamento do apelo.

Ante o exposto, deixo de converter o presente recurso em agravo retido.

De proêmio, face à natureza híbrida da decisão que veicula a extinção do crédito tributário do IPTU referente ao exercício de 2001 cobrado em face do ora agravado, impende que nos detenhamos sobre a análise da admissibilidade do presente recurso antes de adentramos na apreciação da suposta incidência da prescrição na Execução Fiscal originária.

É inegável que o recurso adequado ao ataque de sentença é a apelação, consoante a literalidade do artigo 513 do Código de Processo Civil. Contudo, é igualmente imune de dúvidas o fato de que só pode ser identificado como sentença o ato do juiz que implique extinção do processo, com ou sem resolução de mérito, desde que se perfaça uma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do já citado diploma legal, conceitos estes aplicáveis qualquer que seja a natureza do processo, quer de conhecimento, quer cautelar ou mesmo de execução.

Nesse sentido, temos a lição do mestre José Carlos Barbosa Moreira, firmada no já clássico título de sua autoria, O Novo Processo Civil, no qual assevera, in verbis: “As sentenças e decisões interlocutórias proferidas no processo de execução comportam impugnação através dos mesmos recursos admissíveis no de conhecimento. Naquele também incide, ademais, a norma do art. 475, que faz obrigatória, em certos casos, a revisão pelo órgão judicial superior, mesmo na ausência de impugnação” (Ed. Forense, 22a ed., p. 193). E completa: “A apelação é o recurso cabível contra a sentença (art. 513), isto é, contra o ato pelo qual o juiz põe fim ao procedimento de primeiro grau, decidindo ou não o mérito (art. 162, §1o). É irrelevante a natureza do processo: pode ser de conhecimento, de execução ou cautelar; sendo de conhecimento, é indiferente que observe o procedimento comum – ordinário ou sumário – ou procedimento especial (ob. Cit., fls. 131/132).”.

A decisão atacada, embora esteja intitulada como sentença e seja híbrida em seu conteúdo, eis que extinguiu, com julgamento do mérito, por força da suposta incidência da prescrição, o crédito tributário de IPTU referente ao exercício de 2001, determinou o prosseguimento do processo para regular cobrança dos demais créditos do imposto de igual natureza objeto da demanda, pertinentes aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005.

Ora, não tendo havido a finalização do processo, não há que se impor ao sucumbente que veicule a sua insurgência por intermédio de apelação, mas sim de agravo de instrumento, sob pena de impingirmos-lhe óbice intransponível ao seu direito de submeter à apreciação da instância superior o seu pleito reformista.

De fato, acaso entendêssemos que a decisão proferida pelo Magistrado a quo tem natureza de sentença e obstruíssemos a via do agravo ao Município de Petrolina na hipótese em apreço, estaríamos ofendendo frontalmente direito que lhe é constitucionalmente garantido, eis que não lhe restaria outra opção senão veicular sua insurgência por meio de apelação, cuja apreciação obviamente estaria obstada em decorrência da impossibilidade de subida dos autos originários ao Segundo Grau tendo em vista a necessidade de permanência do mesmo no Juízo de piso para prosseguimento do feito em relação aos demais créditos objeto da cobrança.

Irretocável, pois, a presente insurgência, no tocante à forma através da qual é veiculada.

Nesta toada, outra conclusão não nos resta senão a de que o eminente Juiz prolator da decisão atacada, no afã de incrementar a sua produtividade, incidiu em equívoco ao unir em um só ato provimentos de natureza absolutamente distintas, ensejando, assim, evidente confusão processual, sobretudo quando se tem em mente que fê-lo de ofício e antes mesmo de iniciado os atos tendentes à triangularização do processo, ainda que, acredito, não tenha sido tal decorrência por ele almejada, diante da cautela por que costuma tangenciar o exercício do seu labor.

Passemos, então, à análise meritória da presente lide.

Compete-nos, inicialmente, para melhor subsumirmos os fatos que ora nos são postos sob apreciação aos termos da lei aplicável, procedermos a um panorama doutrinário sobre os conceitos de fato gerador, obrigação tributária, constituição definitiva do crédito tributário e prescrição e, para tanto, irei me valer dos ensinamentos de Hugo de Brito Machado, extraídos de sua obra Curso de Direito Tributário (26ª edição, Malheiros Editores Ltda, São Paulo-2005, págs. 179 a 227).

A ocorrência do fato gerador do tributo, identificado na legislação que o regulamenta, concretiza a denominada hipótese de incidência, surgindo, a partir daí, a obrigação tributária, conceituada como o vínculo jurídico por força do qual o particular se sujeita a ter contra ele efetuado um lançamento tributário.

Todavia, o Fisco, enquanto tenha em mãos apenas a obrigação tributária, não pode exigir do contribuinte ou responsável tributário o pagamento do tributo, sendo, para tanto, necessário, que proceda ao seu lançamento, quando, então, irá se perfazer o crédito tributário, este sim, exigível.

Crédito tributário é, pois, o vínculo de natureza obrigacional por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).

A constituição do crédito tributário dá-se por meio do lançamento, atividade vinculada e obrigatória, privativa da autoridade administrativa competente, através da qual verifica-se a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identifica-se o sujeito passivo, determina-se a matéria tributável e define-se o montante do crédito tributário, aplicando-se, se for o caso, a penalidade cabível.

Sendo o lançamento, portanto, atividade obrigatória e vinculada, a autoridade administrativa, tomando conhecimento da ocorrência de um fato gerador de obrigação tributária principal ou do descumprimento de obrigação tributária acessória (que equivale ao fato gerador de obrigação tributária principal), tem o dever indeclinável de proceder ao lançamento do tributo, que consiste em ato constitutivo do crédito tributário, mas meramente declaratório da obrigação correspondente.

O lançamento que possui duas fases, uma oficiosa, que se finaliza com a determinação do montante do crédito, e outra contenciosa, que se inicia com a notificação do sujeito passivo, existe em três modalidades, quais sejam: de ofício, realizado integralmente por iniciativa da autoridade administrativa, independentemente da colaboração do sujeito passivo; por declaração, elaborado em face de declaração do contribuinte ou terceiro, através da qual se fornece à autoridade administrativa informações quanto à matéria de fato indispensável à sua efetivação e por homologação, feito quando a legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento do tributo sem o prévio exame da autoridade administrativa no que concerne a sua determinação.

O crédito tributário, quando definitivamente constituído, adquire como atributo essencial a exigibilidade, o que autoriza a Fazenda Pública a formalizar, unilateralmente, o título executivo, mediante a inscrição do crédito na Dívida Ativa, extraindo a CDA e, conseqüentemente, a ajuizar a competente Ação de Execução Fiscal.

Impende, portanto, que se defina o momento em que se implementa a constituição definitiva do crédito tributário, para que se possa identificar o instante em que este se torna exigível e, em decorrência, fixarmos o termo inicial da contagem do prazo prescricional para que a Fazenda Pública possa valer em Juízo o seu direito à persecução do montante do tributo que entende devido pelo contribuinte.

Segundo Hugo de Brito, existem 04 (quatro) correntes doutrinárias que discutem sobre qual seria o momento em que se deve considerar exercido, definitivamente, o direito da Fazenda Pública de constituir o crédito tributário, a saber: 1) quando o Fisco determinasse o montante devido e intimasse o sujeito passivo para efetuar o pagamento; 2) quando proferida a decisão pela procedência da ação fiscal, em primeira instância administrativa; 3) quando proferida decisão definitiva em instância administrativa e 4) quando da inscrição do crédito na Dívida Ativa.

Para o citado autor, cujo entendimento acolho como fundamento para a presente decisão, as primeira e a segunda correntes não merecem prevalecer, eis que, se a própria Administração ainda admite discutir a exigência fiscal, mediante apreciação de recurso do sujeito passivo, é porque o lançamento ainda não está perfeito e acabado, o que, de fato, só adviria com o julgamento do último recurso cabível ou após o transcurso do prazo legal sem interposição de recurso. Rejeita, ainda, a quarta corrente, aduzindo que a inscrição do crédito na Dívida Ativa presta-se unicamente para dar ao crédito o requisito da exeqüibilidade, ensejando a formalização de um título executivo.

Prevalece, por conseguinte, a terceira corrente, segundo a qual, pode-se considerar consumado o lançamento e constituído definitivamente o crédito tributário somente quando a Administração, que é parte no procedimento e é quem efetua o lançamento, não mais admite discuti-lo, fixando-se, a partir desse instante, o termo inicial de contagem do prazo de 05 (cinco) anos para que a Fazenda Pública ajuíze a Execução Fiscal tendente a fazer valer, judicialmente, o seu direito de cobrança do crédito tributário.

Concluído, pois, o procedimento do lançamento e assim constituído o crédito tributário definitivamente, o Fisco intimará o sujeito passivo, no prazo de 30 (trinta) dias, se outro não for fixado pela legislação pertinente, a fazer o pagamento respectivo e, acaso este não seja feito, o direito da Fazenda estará lesado, nascendo, então, para ela, a ação destinada à proteção do crédito.

Não obstante existam julgadores e doutrinadores que entendem que o prazo prescricional se inicia no momento em que a Fazenda notifica o sujeito passivo a fazer o pagamento do crédito, mesmo que ainda seja cabível defesa ou recurso, prevalece o entendimento de que se faz necessário que o ato de lançamento se torne indiscutível.

É o que se depreende dos julgados infratranscritos:

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE E DO PRAZO PRESCRICIONAL. EXECUÇÃO FISCAL. DEMORA NA CITAÇÃO NÃO-IMPUTÁVEL À EXEQÜENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 106/STJ.
1. O Código Tributário Nacional estabelece três fases distintas quanto aos prazos prescricional e decadencial: a primeira estende-se até a notificação do auto de infração ou do lançamento ao sujeito passivo – período em que há o decurso do prazo decadencial (art. 173); a segunda flui dessa notificação até a decisão final no processo administrativo – período em que se encontra suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III) e, por conseguinte, não há o transcurso do prazo decadencial, nem do prescricional; por fim, na terceira fase, com a decisão final do processo administrativo, constitui-se definitivamente o crédito, dando-se início ao prazo prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública proceda à devida cobrança (art. 174).
2. Para as execuções fiscais de créditos tributários ajuizadas antes da vigência da Lei Complementar 118/2005, apenas a citação pessoal do devedor constitui causa hábil a interromper a prescrição, não se aplicando a disposição da Lei 6.830/80 (LEF).
3. Na hipótese, proposta a execução fiscal em março de 1988, somente após o falecimento do executado, em 20 de abril de 1994, a citação foi efetuada na pessoa do inventariante, em 18 de outubro de 1994. Ocorre que a demora na citação ocorreu exclusivamente em decorrência de causas que não podem ser atribuídas à Fazenda Nacional. O Tribunal a quo, ao enfrentar a questão, deixou expressamente consignado: “(…) inocorreu a prescrição do débito, uma vez que entre a constituição definitiva, em 13.08.1986, e o ajuizamento da execução fiscal, em 03.03.1988, não transcorreu o prazo qüinqüenal. Da mesma forma, não procede a alegação do apelante de que entre o ajuizamento da ação e a citação transcorreu prazo superior a cinco anos, acarretando a prescrição intercorrente. (…) No caso dos autos, comprovado está que a demora não decorreu da inércia da exeqüente, uma vez que, desde outubro de 1988 buscou a exeqüente, em vão, citar o executado, requerendo a suspensão do feito (fl. 167), e indicando diversos endereços onde poderia ser citado (fls. 169, 172, 173 e 174) tendo sido frustradas todas as tentativas de localizá-lo, tendo diligenciado, inclusive junto ao TRE, na tentativa de localizar o devedor.”
4. Embora transcorrido lapso temporal superior aos cinco anos entre a constituição definitiva do crédito tributário e a efetiva citação do devedor, verifica-se que a exeqüente não permaneceu inerte, não podendo, portanto, ser responsabilizada pela demora na citação. Incide, na espécie, a Súmula 106/STJ.
5. Recurso especial desprovido.”
(REsp 686834/RS RECURSO ESPECIAL 2004/0127754-5 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 18/09/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 18.10.2007 p. 268)

“EMENTA:RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DIES A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL. DECISÃO FINAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. OCORRÊNCIA DE ERRO MATERIAL. IRRELEVÂNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. Consoante o cânone do art. 174 do CTN, o prazo prescricional começa a ser contato da data definitiva da constituição do crédito tributário. A existência de discussão administrativa a respeito do crédito tributário obsta sua constituição definitiva, interrompendo a contagem do prazo prescricional, que tão-somente reinicia-se com a manifestação definitiva da autoridade administrativa. (Precedentes: REsp 396.699 – RS, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJ 15 de abril de 2002; REsp 190.092 – SP, Relator MiNistro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ de 1º de julho de 2.002).
2. In casu, consoante consignado no aresto alvejado, o julgamento final na esfera administrativa ocorreu em 25 de março de 1993, enquanto que ajuizamento do executivo fiscal ocorreu em 24 de setembro de 1999 (fl. 267), transcorrendo lapso temporal de quase seis anos. Contudo, a UNIÃO sustenta que no acórdão oriundo do Conselho de Contribuintes fora constatado erro material, somente tendo sido o recorrido notificado da retificação do decisum em julho de 1996 (fls. 290/291), pelo que reputada não ocorrente a prescrição.
3. Sucede que o erro material verificado no acórdão emanado pelo Conselho de Contribuintes foi sentido sentido de fazer constar a Sexta Câmara, ao invés da Terceira, como órgão prolator do decisum, o que, de todo o modo, não tinha o condão de alterar o crédito tributário nem mesmo obstaculizar o ajuizamento da execução fiscal, posto encerrada a discussão em torno do crédito tributário em si. Dessarte, incensurável a decretação da prescrição pelo Tribunal a quo.
4. Inexiste ofensa do art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão (precedentes: REsp 396.699 – RS, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJ 15 de abril de 2002; AGA 420.383 – PR, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ de 29 de abril de 2002; Resp 385.173 – MG, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 29 de abril de 2002).
5. Recurso especial conhecido e desprovido.”
(REsp 751132/RS RECURSO ESPECIAL 2005/0081390-1 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 11/09/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 15.10.2007 p. 229)

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DATA DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RAZOABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A constituição definitiva do crédito tributário depende do comportamento do contribuinte em face do lançamento. Caso o contribuinte não o impugne, a constituição definitiva ocorrerá ao término do prazo previsto na lei. Na esfera administrativa federal, o prazo é de trinta dias para que seja protocolizada a impugnação. Nesse caso, a constituição definitiva ocorrerá após o trintídio, a partir da intimação do lançamento definitivo.
2. A remessa dos autos ao Ministério da Integração Regional não modifica a data da constituição do crédito tributário e do início do prazo prescricional. Tal mudança decorreu da extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool. A ratificação do auto de infração não teve nenhum cunho modificativo da decisão do extinto órgão.
3. A instância inferior decidiu que a inscrição do crédito tributário em dívida ativa se deu em 22.05.97 e a propositura da execução fiscal, em 03.06.97. Como a constituição definitiva do crédito ocorreu em 31.10.86, torna-se evidente o transcurso do lustro prescricional, nos termos do art. 174 do CTN.
4. Demonstra-se inviável a revisão do montante fixado a título de verba de sucumbência quando o valor foi devidamente justificado pela Corte de origem como dentro dos limites da razoabilidade. Súmula 7/STJ.
5. Recurso especial da Fazenda Nacional não provido. Recurso especial do contribuinte não conhecido.”
(REsp 960966/SE RECURSO ESPECIAL 2007/0138447-0 Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125) T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 04/09/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 19.09.2007 p. 261)

Na hipótese dos autos, constata-se da Certidão de Dívida Ativa acostada à fl. 13, que o lançamento do IPTU referente ao exercício de 2001, em que o ora agravado figura como sujeito passivo, ocorreu em 26 de setembro de 2002, tendo sido realizada a inscrição do crédito tributário daí decorrente em 28 de dezembro de 2006.

Da análise do contexto probatório verifica-se, ademais, que a Prefeitura Municipal de Petrolina, por sua Secretaria de Orçamento e Finanças, publicou, em jornal de grande circulação, em 26 de setembro de 2002, o Edital de Notificação de Lançamento de IPTU nº 01/2002 (fl. 27), no intuito de notificar, formalmente, os proprietários de imóveis e titulares de domínio útil sobre imóveis, bem como os possuidores de imóveis localizados no Município de Petrolina quanto ao lançamento do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana relativos aos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002 e conceder-lhes prazo de 30 (trinta) dias, a partir da data de publicação deste Edital, para impugnação do lançamento, anunciando-lhes, outrossim, o desejo da Fazenda Municipal de inscrever tais débitos fiscais em Dívida Ativa.

Exsurge da leitura da CDA referente ao exercício de 2001, ainda, que restou explicitado o dia 26 de outubro de 2002 como o termo de vencimento do prazo de 30 (trinta) dias concedido pelo Edital de Notificação aos contribuintes que pretendessem impugnar o lançamento.

Assim é que, tendo o lançamento em tela ocorrido em 26 de setembro de 2002 e notificado, formalmente, o contribuinte, nesta mesma data, sendo-lhe concedido prazo de trinta dias, contados da publicação do Edital de Notificação, para oferecimento de impugnação, tendo este se quedado inerte, ou seja, não tendo havido interposição de recurso na esfera administrativa, tão somente ao término de referido trintídio, em 26 de outubro de 2002, é que se pode considerar o crédito tributário como definitivamente constituído e, portanto, apenas a partir desse instante, é que tem início a contagem do prazo prescricional de 05 (cinco) anos para que a Fazenda Municipal ingresse com a respectiva Ação de Execução Fiscal.

Tendo a Execução Fiscal originária sido ajuizada em 28 de setembro de 2007, consoante faz prova protocolo eletrônico aposto na inicial, cuja cópia está acostada à fl. 12, ao tempo da distribuição do feito havia decorrido tão somente 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 02 (dois) dias, do que se conclui que a prescrição não havia se implementado.

Não obstante o Magistrado a quo tenha argumentado, como fundamento para a decretação da prescrição em apreço, o fato de que os autos da Execução Fiscal foram-lhe conclusos para despacho inicial – causa interruptiva do prazo prescricional – tão somente aos 29 dias do mês de outubro de 2007, é de se considerar que a morosidade do Judiciário contribuiu para o decurso desse prazo, eis que não se justifica que um processo distribuído no mês de setembro só seja concluso ao Juiz da causa no mês seguinte, razão pela qual reputo desarrazoada a decretação da prescrição na lide em apreço, ante a culpa concorrente do mecanismo judicial.

Ante todo o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO ao presente recurso, para que se determine o prosseguimento da Execução Fiscal tombada sob o nº 233.2007.006727-8 também em relação aos créditos tributários de IPTU do exercício 2001.

Intime-se o Agravado, nos termos do art. 527, V da lei Adjetiva, para que ofereça resposta, no prazo de 10 (dez) dias, observando-se a faculdade de trazer peças que julgar convenientes.

Publique-se.

Intime-se.

Oficie-se ao Juízo a quo, dando-lhe integral ciência da presente decisão.

Recife, _____ de _______________ de 2008.

_____________________________________
Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

DECLARAÇÃO DE OPOSIÇÃO À SUSTENTAÇÃO ORAL

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Desde minha promoção à superior instância estadual, em 2005, tenho, conjuntamente com meus pares, empenhado-me na consolidação de um pensamento coeso no seio desta Corte. Não me refiro, contudo, a uma uniformidade monolítica da apreensão dos fenômenos jurídicos, pois não advogo em prol da letargia intelectual de nossos magistrados, negando a dinâmica do pensamento dialético.

Falo, sim, da necessidade de uma harmonização dos processos de interpretação e aplicação do Direito, afinal, sendo o Judiciário o Poder ao qual cabe imprimir contornos de definitividade à normatização abstrata decorrente da atividade legiferante, aperfeiçoando o trabalho iniciado pelo Poder Legislativo, insta exigir-se, de nossos pretórios, a máxima coerência sistêmica possível do conjunto de suas decisões. Neste sentido, nosso Tribunal de Justiça Estadual vem se empenhando, diuturnamente, mediante a adoção de medidas como a edição de Súmulas jurisprudenciais, destinadas à consecução do ideal de segurança jurídica que é de se esperar, sobretudo, de uma Corte Recursal.

Neste contexto, em meados do 2º semestre de 2007, em sessão de julgamento do 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPE, renomado advogado do nosso Estado assumiu a tribuna, objetivando ofertar sustentação oral em Agravo Regimental. Objetei tal pretensão, com o vigoroso apoio do Desembargador Substituto Lúcio Grassi, emérito professor de Processo Civil.

Na ocasião, fui informado que, dias antes, a Corte Especial deste sodalício havia autorizado tal prática, pretextando ampla defesa e contraditório, garantias de dignidade constitucional. Não me intimidei e suscitei questão de ordem, atinente à inaplicabilidade do artigo 255 do RITJPE, dispositivo que franqueia, aos advogados interessados, o direito à sustentação oral por até 15 minutos, em sede de Agravos Regimentais, balizando meu posicionamento no princípio da razoabilidade. Colhidos os votos, por ampla maioria, prevaleceu a tese por mim apresentada.

Ainda em 2007, em duas outras ocasiões, suscitei a questão de ordem e, mesmo a despeito da literalidade regimental, o 1º Grupo de Câmaras Cíveis reiterou que, no julgamento dos agravos domésticos, seria incabível sustentação oral. A propósito, é essa a tese perfilhada no unânime entendimento da 7ª Câmara Cível, reiterado em diversas ocasiões.

Esta interpretação, malgrado a aparente insubordinação, coaduna-se com uma exegese abalizada, tanto do ponto de vista lógico quanto teleológico, como passo a expor.

Não é necessário o dispêndio de muitas linhas para atestar o caráter acessório do Agravo Regimental em relação ao Agravo de Instrumento, em cujo bojo são prolatadas a maioria das decisões combatidas por aquele recurso. Ora, dessa qualidade, é de se inferir que o apelo doméstico constitui uma modalidade mais singela de recurso, contando, inclusive, com prazo diminuto (cinco dias, contra dez do Instrumental), dispensa de preparo e ausência de contra-razões. Por reapreciar, via de regra, meros incidentes processuais, é-lhe conferido, pois, tratamento muito simplificado em relação ao Agravo de Instrumento.

Considerando que o artigo 554 do CPC nega, explicitamente, a possibilidade de sustentação oral no julgamento dos instrumentais, venho, desde sempre (e, como dito, até há pouco, endossado por grande parte de meus pares), negando, em sessões, pedidos quejandos por parte dos causídicos, por decorrência do argumento lógico-hermenêutico a fortiori ad majus, consubstanciado no brocardo “quem não pode o menos, não pode o mais”: se é impossível sustentação oral no principal, com muito mais razão, não o poderá no acessório. É uma conclusão apodítica!

Entretanto, para minha surpresa, recentemente, lamentei ter presenciado uma decisão prolatada na contramão desse laborioso trabalho até então desenvolvido, quando a Seção Cível deste TJPE, em sessão da qual tomei parte, posicionou-se contrariamente a um entendimento já bem repisado no seio da Corte.

Mais grave ainda, penso eu, pois o pedido de sustentação oral apresentado pelo Procurador Geral do Estado, em rumoroso processo que tramita em nosso Judiciário, deu-se em sede de Embargos de Declaração, inobstante regra que direciona tal instituto apenas para integrar o julgado, em casos de omissão, contradição ou obscuridade.

Na malfadada sessão, tentei desenvolver esse raciocínio, debalde, porém, pois abafado foi por uma pletora de discursos melífluos que, imbuídos de romantismo “constitucionalista”, expressavam todo o melindre dos oradores a respeito da prática que, até então, muitos deles chancelavam, mas que, agora, subitamente, assomava como uma investida da tirania contra o princípio da ampla defesa. Assim sendo, após um pomposo brandir de chavões, definiu-se (vencidos eu e o Des. João Bosco Gouveia de Melo, mantendo nossa coerência histórica quanto à questão), entre os presentes, por franquear, ali, ao patrono requerente, os 15 minutos de sustentação oral, na forma do prefalado art. 255 do Regimento Interno. Ao ensejo, é indispensável o registro da sensível ausência, naquela oportunidade, do eminente Des. Fernando Cerqueira, o qual, por certo, não modificaria um milímetro que fosse da sua posição original contrária a tal “liberalidade”.

Sinceramente, em nada me convenceu a retórica palrada naquela sessão, muito provavelmente porque não se estava, ali, argumentando com vistas a uma persuasão racional, nem se esperava submeter o discurso a uma desconstrução dialética. Na ocasião, data venia, somente se buscava inflamar um auditório pelo recurso ao apelo fácil de lugares-comuns como os do Estado Democrático de Direito, da prevalência da Constituição sobre a forma e outros standards igualmente sedutores a um debate político, mas de pouca serventia para o deslinde da contenda jurídica em apreço.

Por isso, ressaltei que a interpretação por mim ainda esposada, conquanto abandonada por muitos na aludida sessão de julgamento, sobrevive, outrossim, ao contrário do alegado então, a uma análise teleológica. De fato, como mencionei, a tônica da argumentação desenvolvida quando da guinada de entendimento foi a da homenagem a princípios constitucionais processuais – devido processo legal e ampla defesa. Mas, como demonstrarei a seguir, não ofende tais preceitos.

Robert Alexy, em sua “Teoria dos Direitos Fundamentais”, propõe uma tipologia das normas, distinguindo-as entre regras e princípios. A primeira categoria se submete à chamada “regra do tudo-ou-nada”, isto é, ou se aplicam totalmente a um caso ou não incidem sobre ele. É impossível a concorrência de duas regras sobre um mesmo elemento. No que tange aos princípios, são estes qualificados como “normas de otimização”, isto é, devem ser aplicados com a maior amplitude possível, mas possuem extensão volátil, podendo, ora aparecer mais intumescidos, ora mais contraídos, justamente porque, nesta categoria, é concebível a colisão de normas sem a necessária exclusão de uma em prol da outra. Nessa categoria é que se insere a propalada garantia de ampla defesa.

Ora, na qualidade de princípio, a ampla defesa se vê, volta e meia, em conflito com outros preceitos, inclusive de hierarquia constitucional. Entre os princípios com os quais tem de se embater, estão a razoabilidade e a legalidade. Todos, apesar de se chocarem, podem conviver, in casu, sem a preterição de qualquer deles.

Não nego (aliás, na qualidade de magistrado, nem poderia fazê-lo) à parte a garantia de ampla defesa, mas, enquanto garantia processual, por óbvio, efetiva-se no curso de um processo, processo que possui regras objetivas, instituidoras dos procedimentos a serem adotados na resolução da lide, à qual serve como os trilhos à locomotiva, segundo a metáfora comumente empregada para fins didáticos. Ora, todo direito pleiteado e toda garantia reivindicada devem ser exercitados dentro dos limites das normas processuais, por imperativo da legalidade e, igualmente, da razoabilidade, a fim de não se tumultuar a relação processual a ponto de convertê-la numa exibição de parolagem.

Ninguém, por exemplo, estranha a ausência de contra-razões ao Agravo Regimental, ou defende a recorribilidade de despachos de expediente por suposta contrariedade à ampla defesa. Não estranham porque são limitações de acordo com a lei processual e razoavelmente compatíveis com as finalidades do processo. Por que, então, esses pruridos a respeito da ausência de sustentação oral em sede de Agravo Regimental e, pior, ainda, em Embargos Declaratórios? Ora, a ampla defesa já se exercitou no momento em que, à parte irresignada, ensejou-se recorrer regimentalmente; a única diferença foi o canal da sua expressão: documental, não oral. Vá lá que o Regimento Interno permita a defesa oral, mas, como aqui se explicou, é uma previsão inconsentânea com a nossa sistemática processual!

E acrescento: são enormes os riscos de ferimento de um direito fundamental pela aparência de atendimento à ampla defesa – o direito à razoável duração do processo, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45. Ora, ensejando-se exposição oral aos advogados, em Agravo Regimental, está-se, por conta de um recurso simples, atrasando toda uma sessão de julgamento, inclusive, trancando-se-lhe a pauta, na medida em que nela não são incluídos os agravos domésticos. E mais: um advogado ardiloso pode se valer de tal expediente para procrastinar o julgamento, pelo colegiado, de outro processo mais robusto que esteja sob seus cuidados.

Outro complicador resultante da aludida sessão de julgamento da Seção Cível é que, ali, não bastante o resgate do art. 255 do RITJPE (a despeito de sua sutil ilegalidade), ensanchou-se, também, uma ilegalidade flagrante, que foi admitir sustentação oral em Embargos de Declaração, em manifesta afronta ao art. 554 do CPC, que proscreve, expressamente, tal hipótese.

Malgrado o risco de que minha tese não reste sufragada por este preclaro colegiado, estou reconfortado em saber-me consentâneo com o entendimento adotado, justamente, por nossa Suprema Corte Constitucional, que, em decisão tomada pelo Tribunal Pleno, dirimiu questão de ordem, posicionando-se pelo descabimento de sustentação oral em sede de Agravo Regimental e, expressamente, declarando a constitucionalidade de tal disposição:

“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM EM AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI 9756/98. ARTIGO 557/CPC. AGRAVO INTERNO. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Recurso extraordinário. Aplicação do artigo 557 do Código de Processo Civil. Procedência da impugnação por estar o acórdão recorrido em confronto com a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental contra a decisão do relator, no qual à parte agravante caberá infirmar a existência dos requisitos necessários à prolação do ato monocrático. 2. Agravo regimental. Sustentação oral. Impossibilidade, por cuidar-se de procedimento contrário à ratio do artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil, tornando inócua a alteração legislativa, cuja finalidade essencial é a de dar celeridade à prestação jurisdicional. Ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Inexistência, visto que a norma constitucional não impede a instituição de mecanismos que visem à racionalização do funcionamento dos Tribunais. 3. Questão de Ordem resolvida no sentido do não-cabimento de sustentação oral no julgamento do agravo interposto da decisão fundamentada no § 1o do artigo 557 do Código de Processo Civil” (STF, Tribunal Pleno, RE-AgR-QO 227089, Rel. Min. Maurício Corrêa, D.J. em 21.11.2003 – grifo nosso).

Ainda que a contundência dos argumentos aqui aduzidos não venham a bastar para retomar o posicionamento do 1º Grupo de Câmaras Cíveis, decerto, servirão para registrar a minha coerência de consciência, por isso, reduzi-os a termo para que se consigne, nos autos, minha oposição à exposição oral por parte do nobre patrono no caso vertente. Doravante, não mais formularei questão de ordem em casos quejandos. Não pretendo tomar o tempo de V.Exas., mais premido ainda, agora, com o risco de uma miríade de pedidos de sustentação oral. Limitar-me-ei a requisitar, como faço agora, a juntada aos autos de uma peça de oposição ao deferimento de sustentação oral. Ressalto, entretanto, de logo, que, se algum dos meus colegas suscitar a aludida questão de ordem, contará com o meu apoio e voto.

Recife, ___ de _________________ de 2008.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Desembargador