MODELO RETRATAÇÃO DEMANDA DE POTÊNCIA COM ACRÉSCIMOS

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Apelação nº 0153.209-2 – Recife
Apelante: Condomínio do Shopping Center Boa Vista
Apelado: Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Embora inexistam questões prejudiciais apresentadas pelas partes ou pelo Ministério Público, cuido ser relevante registrar que o MM. Juiz a quo, ao prolatar a sentença, não cumpriu, rigorosamente, todos os termos do artigo 285-A do CPC, na medida em que não transcreveu, na íntegra, a sentença paradigma, como exige o aludido dispositivo.

Não obstante dita omissão, entendo que o fato, por si só, não constitui causa para a anulação da decisão, eis que sua excelência informou o número do processo cuja sentença entende ser aplicável, levando a que este julgador fizesse o levantamento da informação no sistema operacional de controle deste TJ/PE, denominado Judwin, constatando a veracidade do alegado, consoante se pode inferir do texto infratranscrito:

“EMENTA: Ação Cautelar preparatória de Ordinária de anulação de crédito tributário. Suspensão da cobrança do ICMS sobre a demanda de parcela de energia contratada como encargos da capacidade emergencial. Função instrumental do processo cautelar. Não demonstrada a fumaça do bom direito nem a possibilidade de prejuízo irreparável. Não ocorrência da situação do inciso III do artigo 97 do CTN, dos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal, mas a hipótese do artigo 13, inciso I da lei complementar 87/96, que regula o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, com a base de cálculo aferida a partir do valor total da operação contratada. Improcedência do Pedido.
Vistos, etc.
MULTI MARCAS EDITORIAIS LTDA., qualificada e com endereço nos autos, através de advogado, intentou Ação Cautelar preparatória de ação Ordinária Anulatória débito fiscal, contra o ESTADO DE PERNAMBUCO, com endereço na Rua do Sol, 143, Santo Antônio, nesta cidade.Juntou á inicial os documentos de fls. 17/36, compreendendo procuração, contrato social, cópias de faturas/notas fiscais e expedientes administrativo.
No despacho de fls. 37 foi indeferida a liminar suspensa, com efeito ativo obtido em sede de agravo de instrumento. Citado, o réu contesta as fls. 71/87. Réplica às fls. 114/125. A representante do Ministério Público em Parecer de fls. 126/128, opinando pela procedência do pedido.
Assim relatados, decido.
Tratam os autos de ação cautelar preparatória de ação ordinária declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária com restituição de indébito e pedido de liminar, que tem por objeto suspender a cobrança do ICMS sobre a demanda de parcela de energia contratada como encargos da capacidade emergencial.
Como pedido na ação principal indica a declaração de inconstitucionalidade do ICMS incidente sobre os adicionais tarifários e sobre a reserva de energia elétrica contratada pela Suplicante e a restituição dos valores pagos a título do ICMS incidente sobre o contrato de demanda. Aduz que é questão assente na jurisprudência pátria, que a obrigação tributária somente surge com a ocorrência do fato gerador, constituído com a circulação da mercadoria e assim sendo, modalidade de incidência do tributo na forma adota pelo fisco estadual está se contrapondo ao inciso III do artigo 97 do CTN, além de exigir tributo sem previsão legal, ferindo aos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal.
Na contestação argüi em preliminar a ilegitimidade ativa do requerente como contribuinte final, que não foi acolhida uma vez que, por se tratar do contribuinte de fato, é quem suporta o ônus tributo recolhido previamente pelo contribuinte substituto na emissão da fatura e repassado ao demandado. No mérito aduz que o fato gerador não ocorre apenas com a circulação física das mercadorias, não sendo apenas presumido, mas se constituindo na operação de disponibilização da mercadoria numa relação jurídica ou econômica contratual sobre a qual paga-se o efetivo preço e independentemente do consumo, pois se trata de parcela autônoma que compõe a mesma base de cálculo do ICMS incidente sobre a operação mercantil com a energia elétrica faturada.
O Ministério Público opina pela rejeição da preliminar e, no mérito, opina pela procedência do pedido, trazendo a colação decisões de tribunais superiores, no sentido de que a aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz a transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.Analisado a prova trazida pela demandante, observa-se que a determinante da incidência no imposto não está na ocorrência do fato gerador, como ocorrido no momento do consumo, mas na base de cálculo como foi considerada nas faturas, levando em conta a efetiva aquisição de energia, por uma previsão de demanda ou presumida utilização da mercadoria, previamente disponibilizada, considerada dentro de requisitos de indivisibilidade, disponibilidade e especificidade, que permite a aplicação do conceito de fato gerador consoante o preceito do artigo 13 da Lei Complementar 87/96. O mesmo ocorre com os “pacotes de pontos” oferecidos pelas operadoras de celulares, pelo qual o usuário adquire em preço fixo, incidindo o ICMS sobre o valor contratado, quer use ou não a totalidade de pontos.Tratar-se de tributo devido em razão da negociação do produto, em termos mais vantajosos para o adquirente e, pelo volume de consumo ao fornecedor, que não se efetiva com a tradição da mercadoria, caracterizada na saída de um estabelecimento e entrada em outro, mas na disponibilidade do potencial de utilização a um preço mais em conta. Curioso é observar que o adquirente concorda em pagar o preço do “pacote”, independente da energia consumida ou mesmo que não use todo o potencial energético, mas se recusa em recolher o ICMS.
Assim, inquestionável é o reconhecimento da legalidade na forma de aplicação da Lei 10.438/02 quanto ao lançamento da alíquota integral do tributo sobre o valor total das faturas de energia elétrica contratada, embora na Nota Fiscal/Fatura venha destacada do ICMS pelo tarifário agrupado em faixas de consumo, apenas para efeitos contábeis, pois não ocorre a situação do inciso III do artigo 97 do CTN, dos artigos 5º II e 150, I da Constituição Federal, mas a hipótese do artigo 13, inciso I da lei complementar 87/96 que regula o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, com a base de cálculo aferida a partir do valor total da operação contratada, ou seja, onde “a reserva potencial que se destaca também perfaz o montante global da operação, sendo desta parte e, portanto integrante da base de cálculo”, como bem concluiu o Professor José Viana Ulisses Filho em decisão no Mandado de Segurança 001.2006.036087-0, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital.Nesta ação não se pode discutir a legalidade ou regularidade de crédito tributário, consubstanciado pelo lançamento na fatura, matéria a ser discutida na ação principal, mas sim a ocorrência dos requisitos para a concessão da medida cautelar, não somente o perigo de prejuízo financeiro enquanto corre a ação, mas também a aparência do bom direito, mas não é o que se depreende da dissertação e das provas trazidas com a inicial. Conforme foi posto, o direito é questão controversa, que demanda o conhecimento prévio dos fundamentos jurídicos e fáticos que ensejaram a decisão administrativa e um acordo contratado exclusivamente entre fornecedor e consumidor de energia elétrica, sem levar em conta o tributo devido.
Ante o exposto julgo improcedente o pedido, para denegar a medida cautelar e condenar a demandante no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% do valor da causa.
P. R. I. Certifique-se o desfecho nos autos principais. Oficie-se ao relator do Agravo dando ciência da presente decisão que torna sem objeto o recurso instrumental, já que os possíveis recursos não têm efeito suspensivo e, transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se, com as devidas anotações na Secretaria e Distribuição.
Fórum do Recife, segunda-feira, 2 de outubro de 2006.Luiz Fernando Lapenda Figueiroa Juiz de Direito.”

Da mesma maneira, sendo a matéria visada meramente de direito, de profundo conhecimento de todos os integrantes das Câmaras de Direito Público, não se justifica a baixa dos autos, estando a causa madura para julgamento, como exige o § 3º do artigo 515 do CPC.

Outro aspecto relevante a iluminar a questão sub judice, diz respeito ao fato do presente caso tramitar no leito estreito do mandado de segurança, a exigir prova pré-constituída, bem como a liquidez e certeza do direito pleiteado.

Assentados estes 02 (dois) pressupostos, passemos a analisar os argumentos das partes e os fundamentos da sentença.

A sentença impugnada, proferida em Mandado de Segurança, reputou correta a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS em razão de contrato de fornecimento de energia celebrado entre o apelante e a companhia Energética de Pernambuco.

Nas razões recursais, há a indicação de que o tributo em epígrafe não incidiria sobre a disponibilização de energia elétrica propiciada pelo pacto mencionado, tese esta defendida pela empresa apelante objetivando a abstenção da cobrança do ICMS incidente sobre referida parcela de energia disponibilizada sob a forma de potência média, que, todavia, não merece acolhimento, pelos argumentos que a seguir expostos.

Consoante reconhecido pela própria apelante, ela enquadra-se como Pessoa Jurídica que, por seus escopos empresariais, opera sob regime de tensão elevada, o que demanda fornecimento ininterrupto de energia elétrica e a conseqüente necessidade de disponibilização constante de reserva de potência de energia suficiente a evitar colapso no sistema e danos nos seus equipamentos, o que justifica o regime especial de tributação em apreço.

O ponto central da lide diz respeito, pois, à possibilidade de inclusão da demanda contratada de potência elétrica na base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.

Esta Relatoria, a exemplo de outros Desembargadores componentes dessa Corte de Justiça, a um primeiro momento e até pouco tempo atrás, viu-se seduzida pela tese abarcada, majoritariamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o ICMS deve ter como base de cálculo “o custo da energia efetivamente consumida”.

Todavia, a evolução dos estudos relativos às peculiaridades de que se reveste a operação de circulação da energia elétrica, evidenciaram aspectos que, até então, encontravam-se nebulosos e cuja essencialidade me levaram a firmar convencimento na esteira de tese contrária àquela que até então vinha adotando.

De início, embora reconheçamos que a quase uniforme jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais e Superiores acata a tese de que o ICMS incide tão somente sobre o montante da energia efetivamente consumida, em acolhimento a parecer ofertado pelo eminente jurista Gilberto Ulhôa Canto sobre o tema em apreço, vimos demonstrar que também é verdade que a interpretação que o apelante pretende fazer prevalecer ofende literal disposição constitucional.

– DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL CONFERIDO À MATÉRIA:

A teor do artigo 155 da Constituição Federal, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Ora, a própria Magna Carta utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, pelo que se evidencia o equívoco no qual incide os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação, ante a ofensa à literalidade da norma constitucional.

Sendo a Constituição norma de hierarquia superior, cai por terra quaisquer dúvidas e discussões acerca da não incidência do ICMS sobre a denominada demanda de potência, pois a sua resolução advém da própria literalidade do citado artigo 155, que, por si só, é suficiente para rechaçar a tese da restrição do fato imponível do ICMS ao consumo efetivo da energia elétrica.

A disciplina expressa da Constituição Federal é, pois, superior, e deve prevalecer sobre quaisquer outras.
É sabido que, ao instituir um imposto, deverá o legislador optar pela situação que, a seu juízo, repute como suficiente à ocorrência do seu fato gerador, recaindo a escolha, no caso do ICMS, sobre a promoção de operações relativas à circulação de mercadorias e à prestação de serviços, a teor do inciso II do artigo 155 da Magna Carta.

Da própria exegese do texto constitucional, pois, infere-se que, ao fixar-se a hipótese de incidência do ICMS, o legislador não fez alusão à destinação conferida ao bem objeto de circulação, sequer à finalidade que determinou sua aquisição, restringindo-se ao ato de colocação da mercadoria em circulação.

– DO DISCIPLINAMENTO INFRACONSTITUCIONAL:

Para além da Constituição Federal, a legalidade da cobrança do ICMS sobre a parcela denominada “demanda de potência” tem guarida na Lei Complementar nº 87/96, cuja interpretação há de ser igualmente literal, por ser esta a melhor forma de se aferir o real sentido das normas de Direito Público.

A Lei Complementar do ICMS estabelece, expressamente, em seu artigo 13, que a base de cálculo do citado imposto nas operações relativas à circulação de mercadorias em geral, aí incluída a energia elétrica, é constituída pelo valor da mercadoria adicionado aos demais valores imputados aos adquirentes.

Assim é que, representando a demanda de potência parcela obrigatória nos contratos de fornecimento de energia elétrica aos consumidores de grande porte, sendo o seu custo componente obrigatório do preço final da mercadoria energia elétrica, não há como dissociar a demanda continuamente disponibilizada da própria energia.

À falta de uma explicitação, por parte da Lei Complementar nº 87/96, do marco temporal da ocorrência do fato gerador da circulação de energia elétrica, convencionou-se adotar como elemento determinante desse momento a genérica alusão feita pelo legislador à “saída da mercadoria do estabelecimento”, o que, com o tempo, mostrou-se, todavia, inviável, ante a complexidade da operação de circulação do bem em tela, cujo sistema compõe-se de diversas usinas interligadas a um operador nacional, de modo a ensejar a impossibilidade de identificação do estabelecimento produtor que deu saída à energia elétrica fornecida a um determinado consumidor, ensejando, assim, a percepção de que o momento em que se dá a entrega da energia no ponto de conexão do sistema elétrico com as instalações da unidade consumidora (localizado no limite da via pública com o imóvel) é quando verdadeiramente se concretiza o fato gerador do ICMS.

A compreensão dos reais significado e amplitude da denominada “demanda contratada”, permitiu-me distingui-la do conceito de “energia” e, portanto, ter uma percepção do equívoco em que, data venia, laborou o eminente jurista Gilberto Ulhôa Canto ao ofertar parecer sobre o tema que serviu de norte ao atual entendimento dominante no STJ.

A teor do inciso IX do art. 2º, da Resolução ANEEL nº 456/2000, demanda contratada consiste em uma demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento, expressa em quilowatt (kW).

– DOS CONCEITOS EXTRAJURÍDICOS ESSENCIAIS À COMPREENSÃO DA LIDE:

Demanda contratada é, pois, a potência máxima solicitada pelo consumidor e assegurada pela concessionária, estimada como necessária para o pleno funcionamento dos seus equipamentos.

Daí se conclui que “potência”, medida em quilowatts, é a quantidade de força conferida pelo sistema elétrico para que um equipamento funcione quando acionado, sendo “consumo” a quantidade de energia elétrica absorvida por uma instalação em quilowatt-hora (kWh) ou megawatt-hora (MWh), razão pela qual pode-se afirmar que “demanda contratada” é algo que está diretamente relacionado com a intensidade de potência garantida ao consumidor, para que ele possa utilizar energia elétrica até a máxima força (potência) contratada, sem riscos de quedas de tensão e conseqüentes danos aos equipamentos que possui.

É de se ter em mente, ademais, que a demanda de potência figura em cláusula do contrato de fornecimento firmado entre a concessionária e o consumidor de alta potência, a exemplo do apelante, atuando como um mecanismo fundamental à segurança, confiabilidade e estabilidade dos sistemas elétricos, de modo que os próprios consumidores de citada categoria devem dimensionar e declarar a demanda máxima provável da potência elétrica que será necessária ao pleno funcionamento de seus equipamentos.

Não pode haver fornecimento de energia elétrica sem que seja garantia uma potência elétrica mínima na rede de distribuição e tanto é assim que, quando o consumidor efetua o pedido de fornecimento de energia elétrica à concessionária, deve, obrigatoriamente, emitir uma declaração descritiva da carga instalada na unidade consumidora, o que irá resultar no seu enquadramento como consumidor do Grupo B, que engloba as unidades consumidoras em tensão inferior a 2,3 quilovolts (kV) e que celebra com a concessionária contrato de adesão e consumidor do Grupo A, atendido pela rede de alta tensão, de 2,3 a 230 quilovolts (kV) e que, por apresentar elevada carga instalada, celebra contrato de fornecimento, que dentre outras, contém cláusulas que versam sobre tensão de fornecimento e demanda de potência elétrica.

Diante dessa distinção de perfil entre os citados grupos de consumidores de energia é que a Agência Nacional de Energia Elétrica definiu duas formas de tarifação, quais sejam, a monômia, cujo faturamento é feito apenas com base no consumo de energia elétrica ativa, sendo o custo da demanda de potência incorporado ao custo do fornecimento de energia em megawatt-hora e a binômia, cujo faturamento é definido com base em dois componentes: a demanda contratada de potência e o consumo de energia elétrica.

Da análise dessa estrutura tarifária se infere que, para os consumidores do Grupo B, não há medição de demanda de potência requerida pela unidade consumidora, nem discriminação da mesma no contrato de adesão, mas os custos do fornecimento e instalação dos medidores e demais equipamentos estão, de forma rateada entre tais consumidores, incorporados na tarifa de fornecimento da energia elétrica, de modo a concluir-se que sobre esses custos incide ICMS, não sendo, portanto, razoável admitir que os consumidores de grande porte, que demandam maiores investimentos no sistema de fornecimento de energia para que tenham seu consumo atendido, não paguem ICMS sobre o componente demanda de potência, do contrário resultaria no que chamo de “Robin Hood” às avessas (tira-se dos pobres para dar aos ricos), em que apenas os consumidores de baixa potência arcariam com o rateio dos custos operacionais de fornecimento de energia elétrica.

Outro ponto central para uma melhor compreensão da matéria em apreço consistiu na fixação do exato momento em que se considera ocorrido o fato gerador do ICMS nas operações internas de circulação de energia elétrica.

Decerto, o sistema através do qual circula o bem posto à disposição compõe-se de diversas usinas interligadas a um operador nacional, de modo a ensejar a impossibilidade de identificação do estabelecimento produtor que deu saída à energia elétrica fornecida a um determinado consumidor, ensejando, assim, a percepção de que o momento em que se dá a entrega da energia no ponto de conexão do sistema elétrico com as instalações da unidade consumidora (localizado no limite da via pública com o imóvel) é quando verdadeiramente se concretiza o fato gerador do ICMS.

– DA ADEQUAÇÃO DA TESE QUE ORA SE EXPÕE AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

E não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que, sendo a energia elétrica um produto de natureza diferenciada, cuja operação de circulação possui características peculiares, exteriorizando-se, como explanado, pela sua disponibilização ao consumidor, nada mais lógico que se aplicar uma forma diferenciada de tributação.

No dizer de Ives Gandra Martins, em sua obra Hipótese de Imposição do ICMS nas Operações com Energia Elétrica – Peculiaridades nas Operações Interestaduais, in RDA nº 225, pág. 411: “A geradora e o comprador devem considerar como fato gerador do ICMS o local da disponibilidade de energia, de acordo com o ajustado nos contratos, que, no particular, simplesmente reproduzem o que dispõe a norma editada pela ANEEL.”.

Esta conclusão advém de uma interpretação sistemática do Ordenamento Jurídico, através da qual, considerando a definição de energia elétrica como coisa móvel, impõe-se a incidência das normas que disciplinam os poderes de disposição do proprietário sobre a coisa e a transferência de domínio dos bens móveis mediante o instituto da tradição.

Assim é que há circulação, aperfeiçoando-se o fato gerador do ICMS, a partir do momento em que a energia elétrica, na potência contratada, cujo conceito já foi esclarecido, é entregue no ponto de conexão do sistema elétrico com a instalação da unidade consumidora, ficando o adquirente, desde então, com poderes de disposição sobre a coisa, sendo a utilização ou destinação dessa potência contratada e disponibilizada pelo fornecedor circunstância irrelevante para a composição da base de cálculo do ICMS.

A equivocada inteligência acerca do fato gerador do ICMS, segundo a qual a sua incidência deveria restringir-se ao valor da energia elétrica efetivamente consumida, adveio da inserção de considerações econômico-financeiras, de natureza extrajurídica, portanto, sobre o conceito de “operações de circulação”, o que contribuiu para o desvirtuamento dos contornos da norma constitucional.

Consoante leciona Paulo de Barros Carvalho, em seu artigo “Hipótese de incidência do ICM”, in Revista de Direito Tributário nº 11/12, pág. 251/268: “O “fato gerador”, empregado nos textos que disciplinam a atividade tributária, neste país, não significa além do que o critério temporal dos vários supostos de regras jurídico-fiscais, como veremos, a breve texto. O critério material da hipótese do ICM está estruturado em função do verbo (promover) e respectivo complemento (operações relativas à circulação de mercadorias).(…).O ICM foi imaginado para gravar todas as operações jurídicas que suscitassem a circulação de mercadorias.(…). Posto isso, a circulação de mercadorias, desde que promovida por força de negócio jurídico, de que título for, estará sujeita á incidência do ICM. Esta a importância capital da palavra “operações”, inserta no Texto Supremo e lamentavelmente esquecida no nível da aplicação efetiva e prática do tributo”.

O ato de “promover a circulação” evidencia-se, pois, como essencial à definição da hipótese de incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, daí a necessidade de delimitarmos os seus contornos.

Segundo expõe Cesare Vivante, circulação é a passagem das mercadorias (aí incluído tudo o que se constitui objeto de atividade comercial) de uma pessoa a outra, sendo incabível conferir-se significados extra-jurídicos a tal conceito, sob pena de inconcebível desvirtuamento.

Irresignando-se contra a distorção que vem sendo conferida à real substância da expressão “operações de circulação”, Paulo de Barros Carvalho, no bojo do já citado artigo por ele publicado, assim se manifesta:

“A doutrina de Alcides Jorge Costa manifesta-se, categórica ao repudiar explicações econômicas (ao conceito de circulação). Ouçamo-la: “Por fim, qualquer conceito de circulação tomado à economia política é incompatível com a tributação das transferências de um para outro estabelecimento da mesma empresa.”. Aliás, criticando a posição de Berliri, já houvera exibido o mestre paulista frontal discordância às fórmulas econômicas, como se depreende deste excerto de sua valiosa contribuição ao estudo sistemático do ICM: “Portanto, a afirmação de Berliri, de que o imposto sobre o valor acrescido é um imposto sobre o consumo e que a conseqüência é a de tornar-se devido apenas quando ocorra o consumo ou fato a ele equiparado pelo legislador, resulta da aplicação de um dado econômico a um fato jurídico. Esta afirmação é, por isso mesmo, inaceitável” (…). Não é o fato imponível do ICM, por certo, um fato jurídico? De que modo aplicar-lhe notas da ciência econômica, tais como “fonte de produção”; “consumo final”, de acordo com suas natureza e “finalidades”; e “cada etapa do percurso”? (…) A proporção semântica do vocábulo “circulação” deve ser procurada, pensamos, nas estritas fronteiras do Direito. E por isso mesmo adquire foros de inteira procedência, o entendimento de Geraldo Ataliba”, para quem, “em termos jurídicos, “circular” é mudar de titular; “circular” é mudar de pertinência jurídica. “circulação” jurídica é mutação de titular. Não há identidade entre situação física ou econômica (inapreciável juridicamente) e circulação jurídica. Tanto é assim que, juridicamente, os imóveis circulam e, no entanto, fisicamente não podem fazê-lo.”

Implicando a circulação, pois, a transmissão de um conjunto de direitos que confere poderes de disposição sobre a coisa, o aperfeiçoamento do fato gerador do ICMS dá-se no momento da colocação da energia elétrica à disposição do consumidor.

A disponibilidade jurídica, portanto, é o fenômeno que realmente importa no plano do ICMS, e, estando a “demanda de potência” inserida no âmbito dessa disponibilidade, mostra-se justo e razoável que sobre ela e não apenas sobre o consumo efetivo incida o imposto em tela.

Do exposto conclui-se que, sendo a demanda contratada a potência colocada à disposição do consumidor para melhor atender às suas necessidades, bem como sendo o fato gerador do ICMS o momento em que dita demanda de potência é disponibilizada no ponto de conexão do sistema elétrico com a instalação da sua unidade e levando-se em consideração, ademais, que para colocar à disposição a já citada potência contratada ao consumidor eletrointensivo (de alta potência), a concessionária faz investimentos maiores, nada mais justo que a política tarifária desta operação leve em conta o binômio demanda de potência disponibilizada e energia efetivamente medida e consumida, sob pena de, em assim não sendo, haver quebra do equilíbrio financeiro-contratual e, conseqüentemente, enriquecimento sem causa por parte do consumidor.

Nessa esteira, leia-se acórdão da lavra da Exma. Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, exarado no bojo do REsp nº 609.332:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – ENERGIA ELÉTRICA – TARIFAÇÃO – COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA – LEGITIMIDADE.
1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do Consumidor.
2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifado a partir de um binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia efetivamente medida e consumida, conforme o Decreto 62.724⁄68 e Portaria DNAAE 466, de 12⁄11⁄1997.
3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.
4. Recurso especial improvido.”
(RECURSO ESPECIAL Nº 609.332 – SC (2003⁄0208800-8). RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON. Data do Julgamento: 09 de agosto de 2005. Publicação DJ: 05 de setembro de 2005)

Frise-se que as empresas de telefonia móvel e fixa também se valem do conceito de disponibilidade jurídica para composição das tarifas incidentes sobre as operações referentes aos denominados “planos de minutos”, eis que, nesses casos, incide uma mesma tarifa, quer o consumidor utilize toda a “franquia de minutos” disponibilizados ao mês, quer sua faixa de consumo seja inferior ao que foi disponibilizado.

Ainda no que respeita às empresas de telefonia, convém esclarecer que a “benesse” consistente na “reserva” dos minutos não usufruídos em um mês para o mês subseqüente, não desnatura a validade do uso do instituto da disponibilidade jurídica como determinante da hipótese de imposição do ICMS, sobretudo quando se tem em mente que dita reserva de minutos decorreu da pressão dos consumidores sobre a Agência Nacional de Telecomunicações, órgão regulador do setor, conquista essa que poderia ser alcançada igualmente pelos denominados consumidores de “alta potência”.
Embora haja a natural dificuldade de compensar, para o mês seguinte, a tensão elétrica não utilizada, como ocorre com os minutos de pulso dos celulares, já que a mesma não é armazenável, não é impossível obter-se uma solução viável para o setor energético.

Impende que se transcreva, pela lucidez com que foi desenvolvido, trecho de artigo da lavra de Paulo Hiberson Pessoa Gouveia de Melo, Auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco – TCE:

“A Demanda Contratada de Potência compõe o valor da operação de fornecimento de energia elétrica, caracterizando-se como custo de fornecimento e devendo, portanto, integrar a base de cálculo do ICMS incidente sobre as operações relativas à energia elétrica. O valor da operação é composto pelos elementos que são agregados ao valor da mercadoria até a formação do seu preço final a ser arcado pelo consumidor. Como bem colocou José Benedito Miranda, os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes de consumo e de Demanda Contratada de Potência são elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica. Acrescentando que a exclusão do componente tarifário Demanda de Potência da base de cálculo do ICMS cria um odioso e inconstitucionalmente vedado privilégio para os consumidores de grande porte, em detrimento do pequeno consumidor, que também paga pelos custos referentes à Demanda de Potência, uma vez que os preços fixados pela ANEEL para a tarifa residencial já embutem os seus custos, concorrendo, assim, para a formação da base de cálculo do ICMS.”. (Revista da Esmape – Recife – v.12 – p.331-350 – jan./jun. 2007)

Por todas as razões expostas, não obstante as ponderáveis razões em que se funda a jurisprudência, firmo o meu posicionamento sobre a matéria pela incidência do ICMS sobre a denominada demanda contratada de energia elétrica e pela conseqüente inconsistência do pleito do apelante de restituição de valores já recolhidos a título de ICMS incidente sobre potência de energia elétrica disponibilizada, a despeito do Superior Tribunal de Justiça persistir uniformemente julgando as lides que lhe são postas sob apreciação em sentido diverso.

Insta ressaltar que o posicionamento que ora se expõe não é isolado neste TJPE, comungando desse raciocínio o Eminente Des. Francisco Bandeira de Mello, componente da 8ª Câmara Cível, que, em decisão exarada nos autos do Agravo de Instrumento nº 0148.479-1, publicada no Diário Oficial do Estado, em 08 de fevereiro de 2007, primeiramente, sintetizou, com excelência, as diversas definições constantes da Resolução nº 456/00, procedendo a um correto enquadramento jurídico da matéria, ao asserir:

“Assim, ‘demanda reservada” não significa “estimativa” de energia a ser consumida (no período de faturamento), nem “reserva” de energia, a ser ou não consumida, mas sim a indicação referencial da “carga” que o consumidor de grande porte utilizará em seu estabelecimento, sendo esta carga referencial objeto de tarifação fixa, eventualmente complementada pela cobrança de tarifa de “demanda de ultrapassagem”, caso o estabelecimento, em algum momento do período de faturamento, venha a utilizar, concretamente, uma “carga” superior àquela contratualmente apontada como referência.” e, posteriormente, arrematou, aduzindo: “Em suma: não obstante a energia efetivamente consumida venha a consubstanciar o núcleo central do aspecto material da hipótese de incidência (a circulação de mercadoria), a correspondente base de cálculo não se limita ao custo da energia consumida, isoladamente considerado, eis que alcança a operação como um todo, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar nacional nº 87, de 13 de setembro de 1996. (…) Em outras palavras, a rubrica atinente à “demanda contratada” integra o preço da operação de fornecimento de energia elétrica, seja embutido no preço atribuído à energia consumida, no caso dos consumidores de baixa tensão, seja mediante aferição e cobrança destacada, no caso dos consumidores de alta tensão. Penso, nestes termos, que os precedentes do STJ nessa matéria, partem da premissa, que à primeira vista parece-me equivocada – com a devida vênia -, de que a tributação sobre a rubrica de “demanda contratada” significaria a cobrança de ICMS por sobre energia não fornecida, e como tal fora do alcance da hipótese de incidência daquele imposto, daí derivando conclusão com a qual – pela inadequação da premissa -, não comungo.”

Por fim, merece menção o fato de que a tese defendida neste voto logrou êxito pela 1ª vez nesta Sétima Câmara em 24 de abril do corrente ano, no Agravo Regimental nº 0145.551-6/01, por maioria de votos, destacando-se no Acórdão os seguintes trechos: “4. A própria Magna Carta utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, pelo que se evidencia o equívoco no qual incide os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação, ante a ofensa à literalidade da norma constitucional.”; “6. Da própria exegese do texto constitucional, pois, infere-se que, ao fixar-se a hipótese de incidência do ICMS, o legislador não fez alusão à destinação conferida ao bem objeto de circulação, sequer à finalidade que determinou sua aquisição, restringindo-se ao ato de colocação da mercadoria em circulação.” e “9. E não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que, sendo a energia elétrica um produto de natureza diferenciada, cuja operação de circulação possui características peculiares, exteriorizando-se, como explanado, pela sua disponibilização ao consumidor, nada mais lógico que se aplicar uma forma diferenciada de tributação.”

– DAS CONCLUSÕES:

Senhores Desembargadores, senhora Procuradora de Justiça: Estou absolutamente convencido de que os argumentos supra referenciados são mais que suficientes para demonstrar a impertinência da tese que tenta impingir a exclusão da demanda contratada de potência elétrica na base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, em que pese o meu profundo respeito às inteligências daqueles que pensam em contrário.

Todavia, o caso concreto diz respeito a um apelo em mandado de segurança, o que, por si só, reforça mais ainda os argumentos supra.

Ora, direito líquido e certo é aquele cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documental, sem que se demande dilação probatória.

Como se falar em direito líquido e certo quando:

1) A própria Constituição Federal utilizou-se da expressão “operações relativas à circulação”, não fazendo qualquer referência ao “consumo da mercadoria”, como querem, equivocadamente, fazer crer os que pretendem restringir a incidência do ICMS ao efetivo consumo da energia elétrica posta em circulação;

2) A Lei Complementar nº 87/96 estabelece, expressamente, em seu artigo 13, que a base de cálculo do citado imposto nas operações relativas à circulação de mercadorias em geral é constituída pelo valor da mercadoria – in casu, a energia elétrica – adicionado aos demais valores imputados aos adquirentes, aí incluída, evidentemente, a demanda de potência contratada;

3) A existência de contrato firmado entre a concessionária e o consumidor de alta potência (partes maiores e capazes) e com objeto lícito, pelo qual foi acordado o fornecimento da energia elétrica, figurando a demanda de potência entre as cláusulas elaboradas, consoante dados fornecidos pelo próprio consumidor, o qual informou a potência elétrica máxima provável que seria necessária ao pleno funcionamento de seus equipamentos.

É o consumidor eletrointensivo quem arbitra a potência provável que necessitará, de modo que a ele é dado o conhecimento de que este cálculo resultará em uma cobrança em kilowatts/hora mais alta, o que obrigará a distribuidora a disponibilizar equipamentos com custos bem maiores e, depois, consome bem menos do que arbitrou e quer pagar só pelo consumo efetivo, o que, no mínimo, representa indício de má-fé;

Ora, se a energia foi gerada e transmitida, fatalmente a empresa destinatária terá que pagar às geradoras/transmissoras, já que a energia em si é apenas mais um insumo do consumidor de alta potência, que pode calcular seu impacto nos custos de produção e inclui-lo no preço final do seu produto, de modo que o ônus será repartido apenas entre os consumidores deste e não entre a população em geral.

4) Já existem julgados divergentes deste TJ/PE, acolhendo a tese que ora defendo, dentre eles, inclusive, um Acórdão emanado do julgamento, à unanimidade de votos, do Agravo de Instrumento nº 0151.493-6, havido em 04 de setembro do corrente ano.

Ante o exposto, VOTO PELO NÃO PROVIMENTO DA APELAÇÃO.

Recife, ________ de _________________ de 2007.

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Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

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