DECLARAÇÃO DE OPOSIÇÃO À SUSTENTAÇÃO ORAL

08-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Desde minha promoção à superior instância estadual, em 2005, tenho, conjuntamente com meus pares, empenhado-me na consolidação de um pensamento coeso no seio desta Corte. Não me refiro, contudo, a uma uniformidade monolítica da apreensão dos fenômenos jurídicos, pois não advogo em prol da letargia intelectual de nossos magistrados, negando a dinâmica do pensamento dialético.

Falo, sim, da necessidade de uma harmonização dos processos de interpretação e aplicação do Direito, afinal, sendo o Judiciário o Poder ao qual cabe imprimir contornos de definitividade à normatização abstrata decorrente da atividade legiferante, aperfeiçoando o trabalho iniciado pelo Poder Legislativo, insta exigir-se, de nossos pretórios, a máxima coerência sistêmica possível do conjunto de suas decisões. Neste sentido, nosso Tribunal de Justiça Estadual vem se empenhando, diuturnamente, mediante a adoção de medidas como a edição de Súmulas jurisprudenciais, destinadas à consecução do ideal de segurança jurídica que é de se esperar, sobretudo, de uma Corte Recursal.

Neste contexto, em meados do 2º semestre de 2007, em sessão de julgamento do 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPE, renomado advogado do nosso Estado assumiu a tribuna, objetivando ofertar sustentação oral em Agravo Regimental. Objetei tal pretensão, com o vigoroso apoio do Desembargador Substituto Lúcio Grassi, emérito professor de Processo Civil.

Na ocasião, fui informado que, dias antes, a Corte Especial deste sodalício havia autorizado tal prática, pretextando ampla defesa e contraditório, garantias de dignidade constitucional. Não me intimidei e suscitei questão de ordem, atinente à inaplicabilidade do artigo 255 do RITJPE, dispositivo que franqueia, aos advogados interessados, o direito à sustentação oral por até 15 minutos, em sede de Agravos Regimentais, balizando meu posicionamento no princípio da razoabilidade. Colhidos os votos, por ampla maioria, prevaleceu a tese por mim apresentada.

Ainda em 2007, em duas outras ocasiões, suscitei a questão de ordem e, mesmo a despeito da literalidade regimental, o 1º Grupo de Câmaras Cíveis reiterou que, no julgamento dos agravos domésticos, seria incabível sustentação oral. A propósito, é essa a tese perfilhada no unânime entendimento da 7ª Câmara Cível, reiterado em diversas ocasiões.

Esta interpretação, malgrado a aparente insubordinação, coaduna-se com uma exegese abalizada, tanto do ponto de vista lógico quanto teleológico, como passo a expor.

Não é necessário o dispêndio de muitas linhas para atestar o caráter acessório do Agravo Regimental em relação ao Agravo de Instrumento, em cujo bojo são prolatadas a maioria das decisões combatidas por aquele recurso. Ora, dessa qualidade, é de se inferir que o apelo doméstico constitui uma modalidade mais singela de recurso, contando, inclusive, com prazo diminuto (cinco dias, contra dez do Instrumental), dispensa de preparo e ausência de contra-razões. Por reapreciar, via de regra, meros incidentes processuais, é-lhe conferido, pois, tratamento muito simplificado em relação ao Agravo de Instrumento.

Considerando que o artigo 554 do CPC nega, explicitamente, a possibilidade de sustentação oral no julgamento dos instrumentais, venho, desde sempre (e, como dito, até há pouco, endossado por grande parte de meus pares), negando, em sessões, pedidos quejandos por parte dos causídicos, por decorrência do argumento lógico-hermenêutico a fortiori ad majus, consubstanciado no brocardo “quem não pode o menos, não pode o mais”: se é impossível sustentação oral no principal, com muito mais razão, não o poderá no acessório. É uma conclusão apodítica!

Entretanto, para minha surpresa, recentemente, lamentei ter presenciado uma decisão prolatada na contramão desse laborioso trabalho até então desenvolvido, quando a Seção Cível deste TJPE, em sessão da qual tomei parte, posicionou-se contrariamente a um entendimento já bem repisado no seio da Corte.

Mais grave ainda, penso eu, pois o pedido de sustentação oral apresentado pelo Procurador Geral do Estado, em rumoroso processo que tramita em nosso Judiciário, deu-se em sede de Embargos de Declaração, inobstante regra que direciona tal instituto apenas para integrar o julgado, em casos de omissão, contradição ou obscuridade.

Na malfadada sessão, tentei desenvolver esse raciocínio, debalde, porém, pois abafado foi por uma pletora de discursos melífluos que, imbuídos de romantismo “constitucionalista”, expressavam todo o melindre dos oradores a respeito da prática que, até então, muitos deles chancelavam, mas que, agora, subitamente, assomava como uma investida da tirania contra o princípio da ampla defesa. Assim sendo, após um pomposo brandir de chavões, definiu-se (vencidos eu e o Des. João Bosco Gouveia de Melo, mantendo nossa coerência histórica quanto à questão), entre os presentes, por franquear, ali, ao patrono requerente, os 15 minutos de sustentação oral, na forma do prefalado art. 255 do Regimento Interno. Ao ensejo, é indispensável o registro da sensível ausência, naquela oportunidade, do eminente Des. Fernando Cerqueira, o qual, por certo, não modificaria um milímetro que fosse da sua posição original contrária a tal “liberalidade”.

Sinceramente, em nada me convenceu a retórica palrada naquela sessão, muito provavelmente porque não se estava, ali, argumentando com vistas a uma persuasão racional, nem se esperava submeter o discurso a uma desconstrução dialética. Na ocasião, data venia, somente se buscava inflamar um auditório pelo recurso ao apelo fácil de lugares-comuns como os do Estado Democrático de Direito, da prevalência da Constituição sobre a forma e outros standards igualmente sedutores a um debate político, mas de pouca serventia para o deslinde da contenda jurídica em apreço.

Por isso, ressaltei que a interpretação por mim ainda esposada, conquanto abandonada por muitos na aludida sessão de julgamento, sobrevive, outrossim, ao contrário do alegado então, a uma análise teleológica. De fato, como mencionei, a tônica da argumentação desenvolvida quando da guinada de entendimento foi a da homenagem a princípios constitucionais processuais – devido processo legal e ampla defesa. Mas, como demonstrarei a seguir, não ofende tais preceitos.

Robert Alexy, em sua “Teoria dos Direitos Fundamentais”, propõe uma tipologia das normas, distinguindo-as entre regras e princípios. A primeira categoria se submete à chamada “regra do tudo-ou-nada”, isto é, ou se aplicam totalmente a um caso ou não incidem sobre ele. É impossível a concorrência de duas regras sobre um mesmo elemento. No que tange aos princípios, são estes qualificados como “normas de otimização”, isto é, devem ser aplicados com a maior amplitude possível, mas possuem extensão volátil, podendo, ora aparecer mais intumescidos, ora mais contraídos, justamente porque, nesta categoria, é concebível a colisão de normas sem a necessária exclusão de uma em prol da outra. Nessa categoria é que se insere a propalada garantia de ampla defesa.

Ora, na qualidade de princípio, a ampla defesa se vê, volta e meia, em conflito com outros preceitos, inclusive de hierarquia constitucional. Entre os princípios com os quais tem de se embater, estão a razoabilidade e a legalidade. Todos, apesar de se chocarem, podem conviver, in casu, sem a preterição de qualquer deles.

Não nego (aliás, na qualidade de magistrado, nem poderia fazê-lo) à parte a garantia de ampla defesa, mas, enquanto garantia processual, por óbvio, efetiva-se no curso de um processo, processo que possui regras objetivas, instituidoras dos procedimentos a serem adotados na resolução da lide, à qual serve como os trilhos à locomotiva, segundo a metáfora comumente empregada para fins didáticos. Ora, todo direito pleiteado e toda garantia reivindicada devem ser exercitados dentro dos limites das normas processuais, por imperativo da legalidade e, igualmente, da razoabilidade, a fim de não se tumultuar a relação processual a ponto de convertê-la numa exibição de parolagem.

Ninguém, por exemplo, estranha a ausência de contra-razões ao Agravo Regimental, ou defende a recorribilidade de despachos de expediente por suposta contrariedade à ampla defesa. Não estranham porque são limitações de acordo com a lei processual e razoavelmente compatíveis com as finalidades do processo. Por que, então, esses pruridos a respeito da ausência de sustentação oral em sede de Agravo Regimental e, pior, ainda, em Embargos Declaratórios? Ora, a ampla defesa já se exercitou no momento em que, à parte irresignada, ensejou-se recorrer regimentalmente; a única diferença foi o canal da sua expressão: documental, não oral. Vá lá que o Regimento Interno permita a defesa oral, mas, como aqui se explicou, é uma previsão inconsentânea com a nossa sistemática processual!

E acrescento: são enormes os riscos de ferimento de um direito fundamental pela aparência de atendimento à ampla defesa – o direito à razoável duração do processo, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45. Ora, ensejando-se exposição oral aos advogados, em Agravo Regimental, está-se, por conta de um recurso simples, atrasando toda uma sessão de julgamento, inclusive, trancando-se-lhe a pauta, na medida em que nela não são incluídos os agravos domésticos. E mais: um advogado ardiloso pode se valer de tal expediente para procrastinar o julgamento, pelo colegiado, de outro processo mais robusto que esteja sob seus cuidados.

Outro complicador resultante da aludida sessão de julgamento da Seção Cível é que, ali, não bastante o resgate do art. 255 do RITJPE (a despeito de sua sutil ilegalidade), ensanchou-se, também, uma ilegalidade flagrante, que foi admitir sustentação oral em Embargos de Declaração, em manifesta afronta ao art. 554 do CPC, que proscreve, expressamente, tal hipótese.

Malgrado o risco de que minha tese não reste sufragada por este preclaro colegiado, estou reconfortado em saber-me consentâneo com o entendimento adotado, justamente, por nossa Suprema Corte Constitucional, que, em decisão tomada pelo Tribunal Pleno, dirimiu questão de ordem, posicionando-se pelo descabimento de sustentação oral em sede de Agravo Regimental e, expressamente, declarando a constitucionalidade de tal disposição:

“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM EM AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI 9756/98. ARTIGO 557/CPC. AGRAVO INTERNO. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Recurso extraordinário. Aplicação do artigo 557 do Código de Processo Civil. Procedência da impugnação por estar o acórdão recorrido em confronto com a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental contra a decisão do relator, no qual à parte agravante caberá infirmar a existência dos requisitos necessários à prolação do ato monocrático. 2. Agravo regimental. Sustentação oral. Impossibilidade, por cuidar-se de procedimento contrário à ratio do artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil, tornando inócua a alteração legislativa, cuja finalidade essencial é a de dar celeridade à prestação jurisdicional. Ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório. Inexistência, visto que a norma constitucional não impede a instituição de mecanismos que visem à racionalização do funcionamento dos Tribunais. 3. Questão de Ordem resolvida no sentido do não-cabimento de sustentação oral no julgamento do agravo interposto da decisão fundamentada no § 1o do artigo 557 do Código de Processo Civil” (STF, Tribunal Pleno, RE-AgR-QO 227089, Rel. Min. Maurício Corrêa, D.J. em 21.11.2003 – grifo nosso).

Ainda que a contundência dos argumentos aqui aduzidos não venham a bastar para retomar o posicionamento do 1º Grupo de Câmaras Cíveis, decerto, servirão para registrar a minha coerência de consciência, por isso, reduzi-os a termo para que se consigne, nos autos, minha oposição à exposição oral por parte do nobre patrono no caso vertente. Doravante, não mais formularei questão de ordem em casos quejandos. Não pretendo tomar o tempo de V.Exas., mais premido ainda, agora, com o risco de uma miríade de pedidos de sustentação oral. Limitar-me-ei a requisitar, como faço agora, a juntada aos autos de uma peça de oposição ao deferimento de sustentação oral. Ressalto, entretanto, de logo, que, se algum dos meus colegas suscitar a aludida questão de ordem, contará com o meu apoio e voto.

Recife, ___ de _________________ de 2008.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Desembargador

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