SENTENÇA 1% (UM POR CENTO)

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 00197045509-8.
Ação Civil Pública.
Requerente: Ministério Público.
Requerido: Município do Recife.

S E N T E N Ç A Nº 19610411998- LCF

EMENTA: É competente a Justiça da Infância e da Juventude para as Ações Civis Públicas relativas a interesses difusos de crianças e adolescentes. A eventual destinação de recursos do Fundo Municipal para ONG’S que atuam na área não transfere a competência para Vara da Fazenda Municipal. Inexiste carência de ação em pleito que pretende obrigar município a transferir ao Fundo Municipal dotações já previstas em Lei, sendo o Ministério Público legitimado para a propositura da Ação, tendo o “Parquet” interesse de agir. É juridicamente possível o pedido em sede de Ação Civil, apenas estando limitado o Judiciário a não impor obrigações que já não estejam estabelecidos em Lei, para não quebrar o principio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes e não se imiscuir em questões de oportunidade e conveniência. É constitucional o § único do Art. 227 da Constituição Estadual que determina ao Estado e Municípios a aplicação mínima de 1 % (um por cento) dos respectivos Orçamentos gerais em programas e ações voltados para criança e adolescente vulnerabilizados ou em conflitos com a Lei, não havendo vício de iniciativa ou ofensa ao Art. 167, IV da Constituição Federal que proíbe especificamente a vinculação de receitas de imposto a órgão, fundo ou despesa. O fato do STF haver concedido Liminar em Argüição de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da República não opera efeito vinculante a impedir declaração Judicial de 1º grau em contrário, pois tal só ocorreria caso a hipótese fosse de decisão de mérito em Ação Declaratória de constitucionalidade de Lei ou ato normativo federal. Desde que não ofenda principio da C.F. podem as Constituições. Estaduais., como poder constituinte originário, criar direitos. No caso concreto, apenas destacou os princípios constitucionais da descentralização político- administrativa e da prioridade absoluta para crianças e adolescentes. A Lei Orgânica do Município agasalhou o regramento do referido dispositivo da Constituição Estadual e cometeu ao COMDICA a definição das políticas, controle de ações e a aplicação dos recursos para tal. A democracia participativa do Art. 204, CF não é excludente da”democracia representativa”. Não há invasão de competência do Conselho em atributos privativos do Executivo, que antes estava hipertrofiado, planejando, executando e fiscalizando todas as ações isoladamente. Tentativas de se sobrepor ao Executivo em situações concretas devem ser coibidas pelo Judiciário. As Lei Orçamentárias são de iniciativa privativa do Executivo, e, no caso concreto, há previsão expressas de dotações próprias do Município a serem transferidas para o Fundo da Criança em valores compatíveis com o percentual da Carta Estadual. O caráter. autorizativo da Lei do Orçamento não permite ao Executivo simplesmente negar-se ao cumprimento da Constituição Federal, Constituição Estadual, Lei Orgânicas, etc, Pretextando não lhe ser mais conveniente e oportuno. O instrumento do ” Ajuste de conduta” previsto no Estatuto seria a via ideal para evitar litígios como o do presente caso. O incremento da receita própria em 7, 1 % deveria justificar maior aplicação de verbas naquilo que é prioridade absoluta e não redução da previsão Orçamentária. É indispensável a fixação de jurisprudências balizando o limite de intervenção do Judiciário em matéria de interesse difusos. Os recursos financeiros para os vulnerabilizados devem necessariamente transitar pelo fundo gerido pelo COMDICA. É da lei a possibilidade de tais recursos serem aplicados por entidades governamentais. A definição prévia de planos de aplicação. com critérios adequados de prioridade permitem identificar ações governamentais ou não mais favoráveis as crianças e adolescentes, existindo exemplo de funcionamento adequado de fundo similar. Não cabe ao Município, e sim ao Conselho Municipal, a formulação de programas e políticas de atendimento, não podendo ser exigido pelo Judiciário a criação ou ajustes nas ações de sua responsabilidade sob pena de se imiscuir em questões de conveniência e oportunidade. O Conselho Municipal não pode acordar sobre redução dos valores a serem transferidos pelo Município. Obrigação do Município repassar ao Fundo a diferença entre os valores já transferidos e a previsão Orçamentária. Fixação de 90 dias como prazo razoável para tal. Multa diária de R$ 1.500,00 para a hipótese de inadimplemento, reduzindo pela metade o valor proposto pelo “Parquet ” pela diminuição do valor da obrigação e importância da medida. Procedência parcial para obrigar a transferência apenas das diferenças apuradas em relação às receitas próprias e para desobrigar o Município de ajustar os seus programas em execução ou de criar novos, salvo por vontade própria do administrador, enquanto não definida a Política de Defesa e Promoção dos direitos da Criança e do Adolescente pelo Conselho Municipal’.

Vistos, etc…

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, pelas Promotoras Públicas signatárias da peça exordial, com fundamento nos Artigos 127; 129,111, e 227 do Constituição Federal ele Artigos 94 e inc.; 97, § único; 148, IV; 201, V; 208, § único; 209; 210, I, todos da lei n.O 8069/90 e subsidiariamente na lei n.O 7347/85, ingressou neste Juízo com AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido liminar, contra o MUNICíPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público interno, legalmente representado pelo Exmo. Sr. Prefeito Municipal, por pratica de conduta omissiva, apresentando, sinteticamente, os seguintes argumentos: a) Competência deste Juízo para processar e julgar o presente feito, em razão da matéria, por expressa disposição legal, já reconhecida pelos tribunais; pela perfeita constitucionalidade de norma; Igual orientação de melhor doutrina; inaplicabilidade da Norma Constitucional respeitante ao foro privilegiado para julgamento de prefeitos perante os Tribunais de Justiça e do Regimento Interno do TJ-PE que trata dos Mandados de Segurança. Acresce ainda que a parte passiva da demanda é o Município (pessoa jurídica) e não o Prefeito Municipal (pessoa física), além de que as normas de competência jurisdicional não comportam interpretação analógica; b) Interesse e legitimidade do Ministério Público para propor a ação, à luz do Artigo 127 da Constituição Federal a respeito dos interesses difusos; do Artigo 129, 111 da Carta Constitucional, o que é repetido no Artigo 5° da Lei n.o 7347/85; Art. 210, I, do Estatuto; Art. 25, V, “a” da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e no Art. 1°, IV, “a” da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, apontando, também, orientação doutrinária nesse sentido; c) dos fatos: que instaurou inquérito Civil Público para apurar a respeito da política do Estado e do Município aos denominados” meninos de rua”, expedindo ofícios as autoridades publicas executoras e geradoras dessa política; que várias entidades não governamentais requereram ao Procurador Geral de Justiça do Estado a instauração de inquérito, quando este já havia sido instaurado há mais de 4 (quatro) meses, reivindicando a Competência do COMDICA para gerir o Fundo Municipal, para o qual a Lei Orçamentária consignou, em rubrica específica, dotações que menciona; que segundo estas Ong’s os repasses de verbas previstas no orçamento 97 foram irrisórios e sem consulta ao Conselho, impedindo a implementação dos programas especializados, o que já havia sido apurado no inquérito civil, quando o Coordenador do Conselho Municipal informou por Ofício que apenas 0,66% das dotações orçamentárias haviam sido repassadas; que houve novo repasse entre Julho a Setembro de 97, totalizando R$ 214.000,00 ( duzentos e quatorze mil reais) de dotações do Município, quando o previsto para o ano era de 2.427.000,00 ( dois milhões, quatrocentos vinte e sete mil reais); que a previsão orçamentária para o fundo era de 11.257.000,00 ( onze milhões, duzentos cinqüenta e sete mil reais) dos quais 8.830,000,00 ( oito milhões, oitocentos e trinta mil reais) seriam oriundos de outras fontes; Que no inquérito Civil ficou apurado a ausência de uma regular política de atendimento a jovens e infratores que estão tom os seus direitos violados e ameaçados já que não conta o município com programas que garantam Proteção Integral, tais como: Programa Oficial de auxílio à Criança e Adolescente que fazem da rua o seu espaço de sobrevivência; Programa de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico em regime hospitalar e ambulatorial e de tratamento dirigido a crianças e de adolescentes, alcoólatras e drogados; d) Do mérito: que está inviabilizada a participação de organizações representativas e a descentralização política administrativa, pois, além de insipiência dos programas de proteção integral, a municipalidade resiste ao cumprimento do Art. 4° da Lei n.O 15.820/93 que prevê como receita do fundo municipal da Criança e do adolescente dotações consignadas na Lei orçamentária local; que o Município não vem dando qualquer prioridade ao atendimento à criança e adolescente, contra expressa previsão Constitucional da prioridade absoluta, pois o atendimento à Infância e Juventude, segundo matéria Jornalística respeitante ao orçamento para 1998, representa o sétimo lugar, negando os objetivos Constitucionais, já que a discricionariedade do poder público no atendimento aos menores tem agora outra dimensão; Que não é aceitável argumentos que a nova ordem de participação política configura uma invasão na esfera de discricionariedade, em face dos interesses difusos, pois a democracia representativa não exclui a participação dos cidadãos em geral; que a ação visa preservar a atuação fixada em Lei para o COMDICA, garantido a participação na gestão da coisa pública e a prioridade absoluta para a infância e Juventude; Que o Município fez programação de execução financeira bastante aquém da previsão orçamentária, mas nem estas quantias liberou; que, em um segundo aspecto, visasse a existência de políticas que traduzam o ideário Constitucional de prioridade absoluta e a descentralização administrativa; que o Município tem feito repasses vultosos à LAR, quando os programas desta atendem poucos jovens ( e assim mesmo só aqueles que buscam atendimento) e com soluções paliativas, caracterizando paradoxo entre “custos x benefícios”, além dessa Instituição ter excelente programação financeira para o 2° semestre 97 e generosa previsão orçamentária para 1998, quando todas as outras Ong’s registradas no Conselho receberam até 26/09/97 a quantia de 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); que a municipalidade atua numa estreita visão da democracia, ao realizar, de forma independente desse Conselho, a fixação, implementação e execução das políticas de atendimento naquela área; Que as noticias de argüição de ação direta de inconstitucionalidade do Art. 227, § único, da Constituição Estadual mostra a contraditória postura da municipalidade, posto já haver repassado insuficiente valor ao Fundo Municipal e agora pretende mudar de conduta, inviabilizando o repasse dos recursos financeiros restantes ao Fundo Municipal, pois é ele quem assegura o cumprimento adequado do papel conferido ao Conselho; Que na falta de repasse e a insuficiência dos programas Oficiais de atendimento à Criança e Adolescente visualiza-se a omissão de municipalidade em atuar na área da Infância e Juventude sob o principio da prioridade absoluta; e) Do pedido liminar: pelas razões de fls. 7/8, requereu que liminarmente fosse feito o imediato repasse ao Fundo da Criança e Adolescente de cota mensal que mantenha proporção entre o total de receita estimada para 1997 para o mesmo e a dotação total do fundo, o que corresponde a 1,45% da receita, que deve incidir sobre aquela realizada ao longo do último trimestre de 97, fixando prazo para cumprimento, sob pena de multa diária de R$ 3.000,00; Do pedido do mérito f.1) repasse integral ao fundo dos recursos previstos na Lei Orçamentária, conforme receita efetivamente realizada; f.2) determinar ao município que ajuste a formulação de programas e políticas de atuação; f.3) que o município, na formulação do programa de atendimento, possibilite a participação do Conselho Municipal, nos limites do art. 227, CF., f.4) que o Município crie Programa oficial de atendimento à crianças e adolescentes que fazem da rua seu espaço de sobrevivência; f.5) que determine ao Município criar programas de atendimento médico – psicológico e psiquiátrico em regimento hospitalar e ambulatorial, destinado à crianças e adolescentes; f.6) Determinar a criação de programa de atendimento e proteção à crianças e adolescentes alcoólatras e envolvidos com substâncias entorpecentes.

À inicial juntou documentos de fls. 24 usque 352.

Às fls. 353 exarei despacho considerando o Artigo 2° da Lei Federal nº 8437/92, para prévia manifestação do” Representante Judicial do Município”, em 72 horas, sobre o pedido de Liminar, determinando, ante a dubiedade da terminologia legal antes aspeada, a intimação tanto do Prefeito como do Secretário de Assuntos Jurídicos do Município ( embora a rigor bastasse o chefe da edilidade, que é quem representa o Município em Juízo e fora dele). No mesmo despacho determinei citação para contestar, querendo, no prazo da Lei, sob pena de revelia.

Dentro do tríduo legal, o Município do Recife, às fls. 357 a 370, anexando documentos de fls. 371 a 373, impugnou o pedido liminar, argüindo, sinteticamente, o seguinte: a) Ausência de fundamento na Legislação Pátria para, em sede de liminar, o município ser obrigado a repassar ao fundo da criança e de adolescente cota mensal à proporção de 1,45% de receita realizada; b) Ausência de ouvida de qualquer representante da edilidade no inquérito civil; c) violação, pelo Ministério Público, do Art. 5°, inciso IV da Constituição Federal, por não lhe assegurar, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa; e) Que não se leva em conta as diversas políticas públicas do Município afetas à matéria, executadas por diversos setores da administração, concentrando-se a inicial apenas no programa” espaço aberto”, a cargo da coordenadoria da criança e do adolescente, em que pese terem os autores da inicial recebido comunicação de todas as ações em execução, tanto por parte da coordenadoria antes referida, como pela secretaria de política sociais (referenciando informações sobre as principais delas); f) Que as Promotoras confundiram receita prevista com resultado de arrecadação própria e de transferência mencionadas no Orçamento que não chegaram a se efetivar; g) Incompetência. ratione materiae deste Juízo, declinando-se para a Vara da Fazenda Municipal, pois nesta ação discute-se matéria financeira e não propriamente interesses de crianças e adolescentes, já que se diz respeito aos interesses de Ong’s que visam participar da execução do orçamento local, recebendo receitas municipais através do fundo da criança e do adolescente; h) Que o Ministério Público não tem legitimidade para propor à ação, pelas mesmas razões que argüi a incompetência absoluta do Juízo; i) Que o pedido liminar é improcedente, por não haver obrigação legal de repasse das verbas ao Fundo Municipal. Que os Orçamentos anuais fazem uma estimativa de receita e autorizam as despesas. Cita doutrinadores a respeito da questão da oportunidade de execução de despesas autorizadas no Orçamento, mesmo havendo a arrecadação efetiva; j) Que a única regra jurídica sobre as obrigações de gastos da Juventude é o parágrafo único do Art. 227 da Constituição Estadual de Pernambuco, que incorre em inconstitucionalidade formal e material. Formal, por vício de iniciativa; material por colidência com a norma do art. 167, IV, C.F. ( aponta decisão do STF em casos análogo ). Que a autonomia municipal assegurada na CF também foi atingida com a regra da Constituição Estadual. Que o Procurador Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADIN n.O 1689-2) junto ao STF, acatando representação formulada pelo Prefeito do Recife; I) Que o Provimento jurisdicional buscado na demanda não é possível, pois o Judiciário não pode obrigar o Executivo a proceder determinada despesas, por ser claramente atentatório ao principio da tripartição do poderes. Que o controle judicial dos atos da administração é voltado apenas para a legalidade, não incidindo sobre o mérito (oportunidade e conveniência), tal como jurisprudencialmente tem sido entendido; m) Impossibilidade de concessão da liminar, ante a vedação de seqüestro de Rendas públicas, chamado no caso de verdadeira adjudicação, referenciando entendimento pretoriano sobre o tema; n) Que a liminar, se concedida, teria cunho satisfativo, o que violaria o principio do duplo grau de jurisdição.

Ás fls. 375/401, em prazo hábil, o Município do Recife contestou o pedido, alegando, em síntese: a) Renovação dos argumentos de impugnação à liminar, inclusive as preliminares de incompetência do Juízo, carência de ação (ilegitimidade do Ministério Público, impossibilidade jurídica do pedido, ausência de interesse de agir); b) o caráter meramente autorizativo da lei Orçamentária, destacando que por unanimidade foi concedido a liminar suspendendo o Artigo 227, §, único da Constituição Estadual; c) Que apesar de demasiadamente genérico o pedido de formulação de políticas e Programas de. atendimento às crianças e adolescentes, ofendendo o Art. 286, CPC, o Município aponta que as questões ali tratadas já estão sendo suficientemente atendidas pela municipalidade.

A peça de resposta juntou documentos de fls. 402 usque 467.

O Ministério Público, às fls. 469 usque 487, discorreu sobre os argumentos expendidos pelo Município do Recife, quer na impugnação à liminar, quer na contestação, buscando rebater cada um deles, em especial aqueles respeitantes às preliminares.

No despacho de fls. 488/488v, rejeitei as Preliminares suscitadas, pelas razões ali apontadas. Aduzi de que era mais relevante o julgamento de mérito com celeridade de que apreciar concessão ou não de liminar e da desnecessidade de dilação probatória.

Às fls. 492/501. o Município do Recife ingressou com AGRAVO da decisão que rejeitou as Preliminares, pleiteando reapreciação ou que fique o recurso retido, nos termos do CPC, motivando fosse exarado em seu rosto o seguinte despacho: ” N. Autos!. 1) Agravo é Recurso a ser deduzido perante o 2° grau. 2) Como Agravo retido pode ser recebido na 1ª Instância, só que, neste caso, não há Juízo de retratação, o que me impede de apreciar a pretensão; 3) Assim, fiquem nos autos, como pleiteado, para apreciação como Preliminar de eventual Apelação (se no prazo, o Município, querendo, deduza o Agravo perante o TJ-PE). A conclusão para sentença. Em 05103/98, as partes foram intimadas deste despacho. Não houve questionamento sobre a desnecessidade de dilação probatória. Os argumentos do Agravo que ficou retido são os mesmos dantes apontados, acrescido de referência de que “O MM. Juiz de Direito rejeitou as Preliminares, sem analisa-Ias separadamente “, além do que, “após o ajuizamento, foram repassados R$ 500.000,00 ( quinhentos mil reais) ao Fundo, estando garantido, como restos à pagar do ano de 1997, o repasse entre Janeiro a Março 1998 da importância de R$ 600.000,00 ( seiscentos mil reais)”.

A parte requerida ingressou, também em tempo oportuno, com impugnação ao valor da causa, que foi devidamente contrastada e objeto de decisão anterior deste juízo.

É o relatório, passando a decidir, com pequeno retardo, face ao acumulo de serviços.

Inicialmente cabe-me, ainda que achando inteiramente desnecessário, tecer comentários sobre as Preliminares apresentadas pelo réu, as quais já havia rejeitado no despacho de fls., em razão da afirmativa contida no Agravo retido de que este Magistrado não as rejeitou separadamente. Além do despacho de fls. 488/488v dizer as razões da rejeição (de forma blocada, é verdade, até porque me parecia óbvio a desnecessidade de aprofundamento), implicitamente separou cada uma delas ao usar a expressão: “rejeito a todas elas, escudando-me primeiro nos bens lançados argumentos jurídicos do Promovente às fls. 472 usque 475″. Ora, se o autor contra-minutou uma a uma cada Preliminar apontada pelo réu e se este Magistrado acatou os seus argumentos como razão de decidir, qualquer leitor menos avisado pode inferir que isto tem o mesmo significado que teria se tivesse sido transcrito” Ipisis literae ” para o despacho o conteúdo de cada um dos argumentos do ” Parquet”.

Ainda assim, como parece que se deseja o “Doce de côco, feito do Côco, tirado do coqueiro da beira da praia”, passo a reingressar no tema, aduzindo o seguinte:

I – Incompetência absoluta do Juízo ( declínio de competência para uma da Varas da Fazenda Municipal).

O objeto da ação é tutelar interesses da criança e do adolescente. Trata-se aqui de direitos difusos destes e não de direitos privados de ONG’S. A ação não versa sobre direito financeiro, embora tenha repercussão no campo das finanças públicas como decorrência (como diz o dito popular, ” nada se faz sem dinheiro” ). A luz dos Artigos 146, 147 e 148, IV, não há dúvidas sobre a competência Privativa da Justiça da Infância e da Juventude em processar e julgar o presente feito. Na exordial, o demandante já antecipava contra – argumentos temendo que se invocasse foro especial do Prefeito, ante uma defeituosa interpretação Constitucional. Nada daquilo foi objeto da impugnação ou resposta. Entretanto, a discussão não imaginada pelo autor, querendo a transferência de competência para uma das Varas da Fazenda Municipal, é de um primarismo interpretativo a toda prova, posto querer que a norma da Organização Judiciária local (indevidamente interpretada, registre-se, pois não se considera que data ela de 1970, por via de simples Resolução do TJ-PE, já que na época a Assembléia legislativa estava fechada por ato do Governo Militar e não faz o confronto com aquelas previstas para a então denominada” Vara de Menores Abandonados e Infratores” e quando nem existia no Ordenamento jurídico brasileiro a figura de Ação Civil Pública) possa se sobrepor à expressa determinação de Lei Federal que complementa materialmente as disposições dos Arts. 206 e 227 da Carta Magna.

Assim, pelos argumentos supra; pelo despacho de fls. e pelas posições que o Ministério Público defendeu às fls. 472/473, insisto no indeferimento da Preliminar;

II – Carência de Ação:

a) Falta de legitimidade do Ministério Público:

A legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses difusos decorre da própria Constituição Federal. Na listagem das competências do “Parquet” contidas no Ar!. 201 do Estatuto também consta no inciso V expressamente: f) promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3D, inciso li, da Constituição Federal ” O mesmo comando pode ser encontrado no art. 210 que versa sobre ação civil pública. A tese só faria sentido se o “Parquet” estivesse a defender os interesses financeiros das ONG’S, o que não é o caso, como já apontado no item anterior, pois o aspecto econômico financeiro é uma mera conseqüência da pretensão que visa assegurar as crianças e adolescentes do Recife uma política de atendimento, com tutela integral, com. a participação da comunidade no processo de sua formulação, com dotações financeiras para a sua execução. Assim, resta apenas repelir a Preliminar;

b) Impossibilidade jurídica do pedido:

Esta Preliminar se confunde com o mérito. Em Ação Civil promovida pelo Ministério Público contra o Estado de Pernambuco, sobre prestação educacional em determinado bairro do Recife, tal argumento Preliminar também foi suscitado e por mim rejeitado. Por que será que os administradores públicos dos mais diversos matizes político ideológicos têm tanto receio de que seus atos possam ser apreciados pelo Judiciário? É lamentável que a doutrina velha sobre controle jurisdicional do ato administrativo continue sendo a linha de defesa de tantos.

Não há intervenção indevida do Judiciário, nem é quebrado o principio de independência e harmonia dos poderes quando o Judiciário, em sede de Ação que pleiteia a tutela sobre direito difuso, determina que o agente do executivo cumpra segundo o já expresso em lei. Em tese, o que o MP (expressamente legitimado, como dito) pleiteia é que a Constituição e a lei sejam cumpridas. Quando o Judiciário concede está adstrito a estes limites. Não se trata de Conveniência e oportunidade, como alguns insistem em querer, mas, repita-se à exaustão, de fazer com que o limite da Lei seja respeitado pelo administrador público (Entendo ser pertinente lembrar que naquela ação, dentre outros requerimentos, queria-se que o Estado recebesse a doação de um terreno e nele construísse uma escola em prazo certo. Ao mesmo tempo em que obriguei o Estado a oferecer uma escola de qualidade salas de aula com bancas, iluminação, areação, livros, presença de professores, etc – , por ser decorrência de lei e da Constituição, não acatei a proposta doação com encargo, porque aí sim é conveniência do administrador receber ou não o imóvel que se queria doar; construir ou reformar um prédio; alugar de terceiro, etc, não podendo o Judiciário intervir com “Achismos” ).

A propósito, cabe transcrever o Acórdão na apelação civil n.’ 596.017.897/ Santo Ângelo -RS, onde resta claríssimo a possibilidade de atuação do “Estado Juiz” determinando ao administrador público a instalação de obras e serviços para os quais existam previsão Constitucional ou legal:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOLESCENTE INFRATOR. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUiÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO MEMBRO INSTALAR E MANTER PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMi-LlBERDADE PARA ADOLESCENTE INFRATORES. 1. Descabimento de denunciação da lide à União e ao Município. 2. Obrigação de o Estado-Membro instalar (fazer as obras necessárias) e manter programas de internação e semiliberdade para adolescentes infratores, para o que deve incluir a respectiva verba orçamentária Sentença que corretamente condenou o Estado a assim agir, sob pena de multa diária, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Norma constitucional expressa sobre a matéria e de linguagem por demais claro e forte, a afastar a alegação estatal de Que o Judiciário estaria invadindo (critérios administrativos de conveniência e oportunidade e ferindo regras orçamentárias. Valores hierarquizados em nível elevadíssimo àquele. atinentes à vida digna dos menores. Discricionariedade. Conveniência/oportunidade não pemitem ao administrador se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal. 3. Provimento em parte, para aumentar o prazo de conclusão das obras e programas e para reduzir a multa diária. ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, a unanimidade, rejeitadas as preliminares: prover em parte o apelo em reexame necessário, confirme parcialmente a sentença, nos termos dos votos a seguir transcritos. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, (Excelentíssimos senhores Desembargadores Eliseu Gomes Torres, Doutor Carlos Alberto Alves Marques, Juiz de Alçada em Regime de Substituição. Porto Alegre, 12 de Março de 1997. Des. Sérgio Giscilo Pereira – Relatar-presidente

Não é demais registrar que o TJ-RS, grande paradigma do Judiciário brasileiro, já havia anteriormente decidido no mesmo sentido, em outras Câmara Cíveis mantendo sentenças dos Juizes Regionais de Uruguaiana e Santa Maria e pelo Juiz da Comarca de Passo Fundo. Aliás, da decisão de Passo Fundo, de lavra do eminente J Eugênio Fachini Neto, Mestre em Direito e Doutorando na Itália, vale a pena transcreve seguinte trecho: “.. a atuação do Judiciário deve ser vista como uma forma de colaborar para a real identificação do interesse público – Que deve ser o único fim buscado pelos três poderes. Não se trata. portanto. de uma atividade propriamente censória ou punitiva, mas de um mecanismo previsto no sistema democrático para tentar qarantir que o bem público realmente seria alcançado sempre “.

Desta forma, não há como prosperar a Preliminar.

c) Falta de interesse de agir do Ministério Público.

Esta então não merece maiores considerações. É óbvio o interesse processual do Ministério Público. Se o interesse de agir corresponde à necessidade de parte ir ao “Estado-Juiz” pleitear determinado provimento; Se não cabe buscar em Juízo algo que foi obtido, na prática, certo também é que não cabe à parte demandada apresentar ações concretas e por conta própria entender que tudo o que foi pleiteado já é por ela atendido. No mérito é que se analisará o que, quando e em qual proporção está ou não sendo propiciado pelo requerido. Resulta então de que outro caminho não existe que não o indeferimento dessa Preliminar, de sorte que restam todas rejeitadas.

Sobre o mérito, acredito ser de todo conveniente o desdobramento de cada um dos argumentos mais relevantes de parte a parte, e mesmo de temas correlatos e vitais para o deslinde da causa e não abordados, a saber:

A. ARTIGO 227, § ÚNICO DA CONSTlTUIÇÃO ESTADUAL:

A rigor, seria despiciendo falar-se a respeito do referido artigo, vistos não ser ele invocado pela parte autora como lastro para o seu pedido. Todavia, não pode ser ignorado que a sua existência instrumentalizou a representação feita pelas ONG’S ao “Parquet”; Que parcela ponderável da defesa do Município foi voltada para aduzir de inconstitucionalidade de tal dispositivo; Que por representação sua, acatada pelo eminente Procurador Geral da República, foi argüida a inconstitucionalidade do texto Constitucional Estadual referido (ADIN nº 1689-2), assim como que, por unanimidade, foi concedido a Liminar pelo STF, suspendendo os seus efeitos. Da Mesma forma, há que ser considerado o aforismo jurídico sobre a função jurisdicional li dá-me o pedido, que te darei o direito”. Não bastasse tudo isto, estou vivamente convencido de que esta é uma questão nodal a ser analisada como espécie de pré-requisito para se adentrar nos pedidos específicos da ação, seja para concedê-Ios, seja para indeferí-Ios.

Diz o Art. 227 (Caput) e o seu parágrafo único:

“O Estado e os Municípios promoverão Programas de assistência integral à criança e ao adolescente, com a participação deliberativa e operacional de entidades não governamentais…………. ( grifei).

I a V – omissis.

Parágrafo único – para o atendimento e desenvolvimento dos Programas e Ações explicitados neste Artigo, O Estado e os Municípios aplicarão anualmente. no mínimo. o percentual de um por cento dos seus respectivos Orçamentos gerais ( grifei).”

A Ação direta de Inconstitucionalidade nº 1689-2 alega que o transcrito parágrafo único do Art. 227 da Carta Estadual ofende aos artigos/18; 25; 30; 11; 61,1°, 11, “b” (inconstitucionalidade formal) e ao Art. 167, IV da Constituição Federal (inconstitucionalidade material).

Exatamente porque o efeito vinculante decorre exclusivamente das decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em ações declaratórias de constitucionalidade de Lei ou ato normativo Federal ( § 2°, Art. 102, CF), não atingindo, portanto, as ações diretas de inconstitucionalidade, as leis estaduais e, muito menos, a mesma eficácia com simples Liminares. Ouso colocar entendimento diametralmente oposto aquilo Que estudou o pedido e a concessão inicial.

Em primeiro lugar, custa-me crer que o texto oficial de ação seja aquele juntado pelo réu às fis. 373, transcrito do Diário de Pernambuco, pois ali nem se referencia quem é o requerido ( vagamente menciona: ” colhidas as informações necessárias”), embora não tenha olvidado a necessária intervenção do advogado – geral da União ( no caso concreto, por óbvio, pouco ou nada terá a dizer). O fato da constituição apresentar taxativamente os legitimados ativos para a proposição de tal ação, data vênia, não implica em deixar-se de lado os princípios gerais do processo, devendo a parte autora nomear expressamente os interessados em contraditar a pretensão. Com o maior respeito do mundo ao Ministro relator – Sidney Sanches -, excepcional jurista Paulista, que tanto se destacou como Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, quando, à época, era Desembargador do Estado de São Paulo, registro minha opinião de que antes de mais nada deveria ter sido determinado a emenda à inicial, para evitar que ficasse à cargo de um simples funcionário burocrático a identificação de quem é a parte requerida ( no caso concreto, como se vê às fis. 371, muito bem identificado, mercê, provavelmente, de tanto praticar tal tarefa).

Embora não esteja totalmente convencido da obrigatoriedade, trago, ainda, à colação um argumento intrigante: Da forma em que está redigido aquele dispositivo, o Executivo não teria que ser chamado também como litisconsorte passivo necessário (distintos os interesses a serem defendidos pela Assembléia Legislativa no que toca a Constituição propriamente dita e do Executivo como destinatário co-obrigado de Norma)?

Em segundo, não vejo tais inconstitucionalidades e muito menos que o caso “sub-judice” guarde qualquer co-relação com as decisões trazidas à cotação.

No que pertine ao alegado vicio da iniciativa no dispositivo Constitucional Estadual, por suposta ofensa ao artigo 61, § 1° da Magna Carta, já que matéria Orçamentária é de iniciativa privativa do Executivo, não vejo como se acatar os argumentos trazidos a debate. A primeiro porque se desconhece episódio recente da nossa história que foi a Assembléia Nacional Constituinte, cujo produto – a atual Constituição Federal – corresponde a uma ruptura com o ordenamento jurídico anterior, criando as novas bases de relação jurídica – social entre as pessoas ( irrelevante que para uns seja a ” Constituição cidadã”, para outros uma carta de utopias e que alguns que critiquem o exclusivismo de representação dado apenas aos parlamentares eleitos para naquela legislatura funcionarem, também, como constituintes). É nela que se prevê as adaptações, em um ano, das Constituições Estaduais. Estas estavam ( e estão) limitadas apenas a não contraditarem princípios Constitucionais Federais. Isto representa a velha separação entre “Poderes Constituintes originários” e “Poderes Constituintes derivados” . O Estado de Pernambuco, dentro de sua autonomia, escolheu, e muito bem, princípios da Constituição Federal para priorizar: a descentralização política administrativa e a prioridade absoluta ( Proteção Integral) à Criança e ao Adolescente. Ou seja, para o caso concreto a vedação poderia ser apenas do ponto de vista material, pois, se assim não fosse, se chegaria ao cúmulo do absurdo de se dizer surrealisticamente que haveria inconstitucionalidade formal intrínseca do próprio art. 167, IV, da CF, já que ali não houve iniciativa do Presidente para estabelecer as vedações nele contidas.

A Segundo porque, obviamente, o que o Art. 61, § 1° , CF impede são usurpações de iniciativas privativas do Executivo por outros Poderes em matéria Orçamentária propriamente dita ( como vinculação de receitas à despesa; criação de gastos sem receitas previstas, etc) e não fixação de princípios gerais a serem respeitadas por ocasião da feitura das leis Orçamentárias específicas. A proposta de lei Orçamentária anual, o plano plurianual, etc, estes sim estão protegidos no regramento do referido do Art. 61 C.F.

Basicamente os mesmos argumentos são igualmente válidos para a alegada ofensa à autonomia financeira e, via de consequência, à própria autonomia municipal, posto que não há nada no Art. 227, § único da C. E. P. que contrarie o direito constitucional do ente de governo” instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo de …..” Na Carta Estadual apenas há um enunciado geral sobre um mínimo (minimorum, aliás) que deva ser destinado às graves questões sociais. O produto da arrecadação pode e deve ser aplicado livremente pelo Município, nos Programas, Projetos e Ações que julgar convenientes (respeitados, no caso concreto, as disciplinas da política municipal de prevenção, Proteção e atendimento à crianças e adolescentes, como se verá adiante), desde que somados as diversas linhas de atuação do art. 227 da CEPo os seus valores sejam, no mínimo, equivalente 1% ( um por cento) do Orçamento geral do Município.

No que tange à argüida questão de inconstitucionalidade material, parece-me que comporta elementos mais complexos.

De um lado, observa-se a defeituosa redação do § único do Art. 227 da CEP., tratando como da mesma espécie coisa de gêneros diferentes, constatando-se que a obrigatoriedade de aplicação sobre percentual de orçamento inclui uma evidente contradição. E se a receita efetivamente realizada for inferior, estariam os administradores Estadual e Municipais obrigados a aplicar os valores da Previsão ?; e se maior a arrecadação: bastaria que se aplicasse o valor da previsão, prejudicando as crianças e adolescentes e o próprio objetivo colimado no dispositivo?

De outro lado, o que o Art. 167, IV da C.F proíbe é a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesas. Se a Carta Estadual fala em percentual do Orçamento ( seria melhor que tivesse dito receitas, ou receitas próprias. Por exemplo), não está violando a Constituição federal que trata apenas de impostos ( as receitas da União, Estados e Municípios, como é sabido, compõe-se de tributos: impostos, taxas, contribuições de melhorias – doações, transferências, etc). Mais ainda, a vedação é para órgãos, fundos ou despesas. A CEP. trata de um percentual da receita global para programas e ações, o que é complemente diferente.

Pouco antes da Instalação dos Governos militares no Brasil (uns chamam de revolução, outros de golpe), havia sido editado a Lei federal n.o 4320/64, tratando da elaboração do denominado ” Orçamento – Programa”.

Todas as legislações do período João Goulart foram revogadas, menos aquele monumento jurídico.

O passar dos anos levou a que lei esparsas viessem para aperfeiçoa-Ia, não para desmonta-Ia, já que filosoficamente é perfeita. Neste País onde, infelizmente, é tão grande a distância entre a realidade e as normas, rapidamente prevaleceu o conceito de que A LEI OR AMENTARIA É UMA MERA FIC ÃO ( não no sentido de que estima uma receita e prevê despesas dentro de tal expectativa, mas sim porque são violados sistematicamente, funcionando, na prática, como uma simples burocracia até dispensável na visão de alguns – por exemplo: veja-se que até 1997, como o Congresso não aprovava previamente o Orçamento do ano posterior o Executivo da União seguia governando, praticamente ao seu bel-prazer, não demonstrando qualquer apetite em incentivar os seus aliados em votarem a Lei autorizativa com brevidade).

Talvez pelo fato de antes de assumir a judicatura por longos anos (1974/1982) haver trabalhado em vários órgãos de assistência a municípios, não posso concordar com este viez que se introduziu na cultura dos Órgãos Públicos.

E dessa experiência profissional anterior que trago a convicção plena que o Constituinte Estadual não extrapolou dos limites com a disciplina dita inconstitucional.

No enunciado do caput, indica-se, como já dito, dois princípios basilares da Constituição federal: a descentralização política administrativa (art. 204, CF), incluindo-se na agenda a democracia participativa ao lado da democracia representativa e a prioridade absoluta para as crianças e adolescentes ( art. 227, CF), trazido da doutrina de Proteção Integral das Nações Unidas. Nos incisos I e V norteia quais são os Programas que precisam de implementação dentro desses princípios. O Constituinte Estadual, por assim dizer, selecionou ações prioritárias para a os desvalidos dos desvalidos”.

Não se contempla, por exemplo, a questão da saúde, da educação, do lazer, de profissionalização, da convivência familiar e comunitária, que devem ser direitos de todas as crianças e adolescentes, mas sim de categorias especiais. Destes, mais necessitados ainda de prioridade absoluta e Proteção integral, que são aqueles em situação de risco ou envolvidos em atos infracionais, portadores de deficiências, drogadictos, etc.

No parágrafo único, aponta, genericamente, os meios para que essa atuação direta possa ser prestada: destinando um percentual mínimo do Orçamento para ações preventivas e corretivas nessas áreas.

Filosoficamente, ouso dizer Que este é o mais Constitucional de todos os dispositivos da Carta Estadual.

O seu contexto indica apenas que na elaboração do Orçamento o Município identifique estas ações preventivas e corretivas e as inclua dentre aquelas que receberão aporte de verbas, além de, para não ser letra morta de Lei, aponta que o somatório dos valores destinados não seja inferior ao percentual de 1% (um por cento) do Orçamento.

Não há, assim, qualquer violação à vedação de vinculação prevista na Constituição ( por exemplo: X% do IPTU para a Secretaria tal ou para construiu tal obra, etc).

Negar aos Estados federados e aos municípios a possibilidade de identificar sua prioridades, tratando simetricamente realidades tão dispares desse a Brasilzão” é que materializa inconstitucionalidade, ferindo-Ihes de morte em suas autonomias.

Sobre este tema, cabe renovar que não tem ele repercussão direta nesta Ação, na medida em que não integra o pedido e que o Município quando elaborou em 1996 o Orçamento de 1997 já incluiu as dotações dentro dos preceitos supra e a finalidade da pretensão é voltada para a alegada omissão na execução de Lei Orçamentária. Sua análise tem uma função preparatória para o que se seguirá nos itens subseqüentes.

8) DA LEI ORGÂNICA DO MUNiCíPIO DO RECIFE.

Dentro da filosofia constitucional, ficou estabelecido prazo para as adaptações das Constituições Estaduais e, logo após a promulgação destas, cada Município editaria sua lei de Organização Municipal. logicamente a L.O.M. deverá guardar consonância com a Constituição federal e com a Constituição Estadual.

A Lei Orgânica do Município do Recife, em seu artigo 145 e parágrafo único estabelece:

“Art. 145 – O Município criará o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Parágrafo único – O Conselho referido neste artigo, de natureza deliberativa e de composição paritária, entre representantes das políticas públicas e das entidades representativas da sociedade. definirá as políticas relativas à criança e ao adolescente, o controle das ações e a aplicação dos recursos previstos no Parágrafo único, art. 227 da Constituição Estadual”.

Avulta do conteúdo deste artigo alguns aspectos relevantes como a natureza deliberativa, a composição paritária, a competência expressa para definir políticas, controle de ações e aplicação de recursos.

É, portanto, um conselho completamente diferente de tantos outros que existem a mais tempo e já introjetados na cultura da administração pública ( por exemplo: Conselhos Estaduais e Municipais de saúde, de educação, de assistência social; de transporte da Região Metropolitana, etc). Estes são de natureza consultiva, apenas opinando sobre ações a serem executadas. O de Promoção de direitos decide o que deve se fazer, quando, como e quem será o agente, e a origem dos recursos. O Executivo do Município, do Estado ou da União, constituem importantíssimos parceiros e agentes executores, seja pela natureza de sua funções inerentes, seja porque, em cada âmbito de competência, já entra com metade da composição dos conselheiros, mas, em qualquer caso, terá que respeitar as deliberações do Conselho.

Esta lógica foi inserida na Lei federal nº 8069/90, regulamentando o Art. 204 da C.F. e trazida com muita competência para a Lei Orgânica do Município do Recife. A propósito dessa última referência, basta se vê o capítulo da L.O.M.R. sobre o processo de participação popular para se constatar o quão foi feliz o legislativo municipal ao trazer para a lei local o detalhamento do comando programático da Magna Carta.

Não há qualquer invasão de competência do Executivo (na teoria, registre-se) com tal lógica de democracia participativa. Apenas o Poder Executivo no Brasil, hipertrofiado como em nenhum estado de direito do mundo, sempre se viu e agiu como uma espécie de “Paladino do Oeste”, ou “Sheriff”’ da sociedade em geral e dos demais poderes e sozinho sempre planejou, executou as ações públicas, com todos as desmandos e mazelas, sobejamente conhecidos. Fiz a referência de que o modelo teoricamente é o adequado, por ser forçoso reconhecer que alguns que se dizem defensores da democracia participativa nada mais são do que derrotados enrustidos nas urnas e sequiosos para paralisarem as ações daqueles que foram escolhidos pelo povo para representa-Ias, ou, pior ainda, quererem impingir aos vencedores que executem o seu plano de ação que foi rejeitado pela população nas eleições democráticas (mau comparando, parece o movimento feminista da década de setenta, que não traduzia ações a favor de mulheres e sim contra os homens).

É exatamente a constatação da concentração de poderes no Executivo e da existência da verdade mesquinha a que aludi no parágrafo anterior que leva o verdadeiro democrata a não se alinhar nem com uma nem com outra postura e lutar para que o modelo adequado seja praticado no mundo real sem os vi cios e ranços que o deformam.

Valem aqui os mesmos argumentos antes expendidos no cotejo entre os limites da Constituição Estadual frente a Carta Federal. O legislador municipal aceitou integralmente o preceito do Art. 227, § único da CEP. Poderia não tê-Ia feito, ou simplesmente omitido qualquer referência àquele dispositivo ou questionado a sua constitucionalidade, como agora fez o Executivo local após tantos anos de sua vigência. Não ! o legislador do município, dentro do princípio de autonomia municipal, optou claramente por incorporar à normativa local a filosofia da Carta Estadual. Não há o Que se discutir. É lei em Recife. e Lei existe para ser cumprida. Aqui valem também os mesmos argumentos já apresentados sobre a participação do Executivo no processo de feitura da Organização Municipal.

DO ORÇAMENTO

É da iniciativa privativa do poder executivo as Leis que estabelecem: I – o plano plurianual orçamentário; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.

Para que fique bem claro aqueles não versados no tema, cabe detalhar o conteúdo supra, mesmo que superficialmente: A Lei que institui o Plano plurianual estabelece as diretrizes políticas, os objetivos, as estratégias de ação, os planos, formas de financiamento, de moldes a que os planos e programas setoriais sejam elaborado em consonância com o seu conteúdo; A Lei das diretrizes contempla metas e prioridades da administração, inclusive as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, prescipuamente orientando a elaboração de Lei Orçamentária anual; já a Lei Orçamentária contempla o orçamento fiscal referente aos poderes municipais, SEUS FUNDOS, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, assim como o orçamento de investimentos de empresas em que o Município, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Ele abrange todas as receitas e despesas dos poderes municipais, seus fundos órgão, etc. Expressamente lhe é vedado que contenha elementos estranhos à previsão de receitas e fixação de despesas, exceto autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito. Todas elas obedecem a processo legislativo especialíssimo.

Esta rápida noção sobre Orçamento e normas gerais de direito financeiro se faz necessário para se referenciar duas constatações:

A leitura das Leis Municipais referidas anteriormente (além da Lei Orçamentária para este exercício 98) deixa claro que o princípio contido na CEP, e na LOMR. foi inserido em todas as normas Orçamentárias do Recife. Ou seja, a curto prazo não há nenhum efeito prático ( até o limite temporal do último Plurianual) se eventualmente o STF declarar inconstitucional o Art. 227 § único da CEP. Mais ainda. com as normas Orçamentárias cai totalmente por terra o argumento de não participacão do Executivo no processo legislativo que previu as despesas objeto desta ação.

DO CARÁTER MERAMENTE AUTORIZATIVO DO ORÇAMENTO

Este é um dos argumentos clássicos utilizados sempre que o Poder Público se vê atacado em Ações Civis Públicas. Arraigado na velha doutrina da intocabilidade da conveniência e oportunidade, ele torna-se sedutor e espécie de último bastião de defesa doutrinária. Ou seja, acaso superado todos os obstáculos sobre a obrigação do Executivo fazer ou deixar de fazer alguma coisa, logo de ouve: ” não há previsão Orçamentária para tal despesa; “ou” a Lei Orçamentária apenas autorizou tal despesas, não estando o Executivo obrigado a realizá-Io, seja por receita inferior à previsão, seja ( mais uma vez) porque não era mais conveniente ou oportuno realizá-Io “. Para o primeiro argumento, a única solução que a via da Ação Civil Pública pode obrigar é a inclusão na proposta Orçamentária do ano seguinte e na subseqüente execução financeira semestral, com multa pecuniária para o inadimplemento. No segundo, a questão da resistência toma um rumo mais grave, pois se caracteriza não como manifestação do regime Presidencialista ou da autonomia de Poderes, como dizem alguns, mas grotesca caricatura do ABSOLUTISMO.

Pretende o administrador público sobrepor sua vontade imperial à Convenção Internacional ratificada pelo Brasil; Constituição Federal; à Constituição Estadual; Lei Orgânica; Lei do Plano Plurianual; Lei das diretrizes Orçamentárias e Lei do Orçamento anual, se achando acima do bem e do mal, não podendo ser fiscalizado pelo povo (exceto nas eleições); nem pelo Ministério Público e ser indébita qualquer intervenção do Judiciário.

No caso concreto, cabe alinhar alguns argumentos específicos:

1) O Brasil ratificou a Convenção de New York sobre os direitos da criança, com a doutrina de Proteção Integral do ONU ( só 2 Países do mundo não a ratificaram; EEUU e Somália). Isto quer dízer que os seus princípios se incorporaram à normativa interna do nosso País. E nela que a prioridade absoluta tem sua origem;

2) A Constituição Federal diz que a criança e o adolescente tem prioridade absoluta. Ou seja, prirmazia total. É importante o registro de que não !lá na Magna Carta nenhuma outra disposíção similar Ou análoga. Em outras palavras, a Lei das Leis impõe que sobre qualquer outro destinatário ou setor de vida em sociedade SEMPRE a criança e o adolescente estejam em 1° lugar.

O Sr. Prefeito, ao contrário, diz que esta é a 78ª prioridade de sua administração em conflito direto com a convenção e o comando constitucional (pessoalmente até penso que isto foi um episódio isolado expresso indevidamente ou mal traduzido pelo Jornalista, até porque distancia um pouco de sua prática administrativa, seja para ações correlatas que não integram diretamente o rol daquelas especificamente destinadas aos vulnerabilizados, como as áreas de saúde e educação, seja por programas de excepcional importância para aqueles em situação de risco, como o bolsa-escola e o competente direcionamento às ações da Legião Assistencial do Recife em favor dos a “Meninos de rua” dado por sua esposa – Dra. Jane Magalhães).

3) A Constituição Estadual explícita em cinco incisos do Art.. 227 quais são as áreas nas quais se obriga a aplicação do percentual de 1% (um por cento). O Município em sua defesa tergiversa ao incluir outros investimentos sociais relevantíssimos para dizer que aplica muito mais do que este percentual;

4) A Lei Orgânica do Município diz que o Órgão formulador e gestor dos recursos para tais ações é o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e Adolescente. Mais uma vez o Município tergiversa ao querer computar iniciativas em que efetuou gastos diretamente, fora dos planos aprovados no Conselho e com fundos por este geridos;

5) As normas Orçamentárias, em especial aqui as Lei Orçamentária do ano de 1997 diz os valores específicos para tal finalidade (R$ 2..427.000,00). O Município fez uma Programação financeira extremamente aquém desse valor e, pior ainda. não fez o repasse dessa verbas reduzidas;

6) Comprovado que na época do ajuizamento da Ação não havia repassado nem 1% ( um por cento) dos 1% (um por cento), em sessão do COMDICA, uma das suas mais ilustres conselheiras, integrando a parcela governamental dos seus membros, traz uma boa (ótima) nova. Repasse de uma grande quantia ainda em 1997 ( 500 mil) e mais 600 mil entre Janeiro a Março 98 a título de ” restos a pagar” do exercício anterior. Como foi noticiado na mídia este “acordo”, e que verbas foram repassadas para ONG’S pelo COMDICA e ninguém até agora” chiou” na imprensa, quero crer que realmente os. repasses aconteceram. A soma desses valores com aqueles repassados até o ajuizamento não totalizam nem 50% do valor previsto. Surge ai uma questão: Tem o conselho legitimidade para abdicar de dotações que teriam que lhe ser repassadas não para o próprio colegiado, mas para ações direcionadas para crianças e adolescentes vulnerabilizados? ; Quem lhes outorgou procuração com tais poderes?

No plano político, acho a iniciativa salutar e sempre defendi que uma solução negociada talvez fosse a grande solução para evitar novos impasses nos anos subsequentes. Acho louvável que a Prefeitura, embora tardiamente, e só após o ajuizamento, tenha incluído a questão na sua agenda de prioridades. Afinal de contas, como diz a sabedoria popular; . Antes tarde do que nunca!”. Mas só no plano político. A solução era magistral se encontrada antes do ajuizamento. Agora cabe ao “Estado-Juiz” o deslinde da questão, pois nem mesmo o Ministério Público (autor da ação) pode mais fazer acordo nos autos, por se trata de direitos indisponíveis ( vida, saúde, etc) de terceiros. A solução seria um ” ajuste de conduta”, maravilhosa previsão do Estatuto para prevenir litígios e solucionar problemas na área da Infância, mas, a julgar pelas notícias veiculadas na imprensa (e nunca desmentidas) de que o Exmo. Sr. Prefeito municipal teria dito: ” Primeiro só necessita de ajuste quem é débil ou marginal. Como eu não sou nem uma coisa nem outra, considerarei uma ofensa se me encaminharem um documento desse teor” parece que no momento isto é uma utopia.

7) a causa do repasse menor do que a metade da previsão seria a baixa de arrecadação?

Esta seria uma explicação lógica e razoável. Se a arrecadação foi inferior ao previsto, obviamente alguns segmentos teriam que ter dotações reduzidas. O trabalho seria apenas se verificar se o “sacrifício” foi mau distribuído, punindo-se apenas a área que para a Constituição Federal constitui prioridade absoluta.

É com um misto de alegria e tristeza que registro que tal não ocorreu. Alegria porque, a teor do noticiário veiculado na imprensa ( que determino seja anexado aos autos), materializando óbvio “Press-relese” produzido na assessoria da PCR, o que houve foi um superávit de 7,1% ( sete, virgula, um por cento) sobre a arrecadação prevista. Triste porque este incremento de receita, fruto do esforço do Prefeito, secretários e funcionários em geral, pois nada houve de relevante no campo macro – econômico que o justificasse, em nada aproveitou as crianças e adolescentes recifenses. Ao contrário, apesar dele o município repassou ao fundo algo em torno de 50% (cinquenta por cento) da previsão.

8) A Lei Orçamentária é meramente autorizativa.

Esta afirmativa é absolutamente verdadeira, mas não com a acepção que lhe quer emprestar a defesa do requerido. Do ponto de vista técnico Orçamentário, e para isto que existe a Lei. Se de um lado estima a receita, de outro programa o que será executado com tal numerário.

Isto representa a própria essência do conceito do ” Orçamento Programa” Os demais elementos que o constituem, como a programação da execução financeira ou os planos plurianuais nada mais são do que as vertentes do curto e do longo prazo do mesmo conceito. Óbvio é, como já dito, que a receita pode ser inferior (quase sempre isto ocorre por defeito de planejamento). Também podem ocorrer emergências e catástrofes ( para isto existem as reservas de contigência e as possibilidades da própria Lei para suplementação de dotações). Igualmente em todos os planos de qualquer administração . pode ocorrer que determinado segmento ganhe prioridade e exija aceleração (por exemplo, assinatura de convênios com verbas extra-orçamentária para obra ou serviço já previsto no Orçamento e que exija contra-partidas). São inúmeras as situações em que de forma legítima pode se considerar a Lei Orçamentária como peça eminentemente autorizativa.

Como já referenciei, esta ficção não se confunde com arbítrio. A proposta Orçamentária não pode ser um simples papel sem qualquer vinculação com a realidade, completamente diferente da prestação de contas do exercício. Se assim não for, para quê Orçamentos programas? É de se aceitar a versão grotesca de que as Leis existem para serem violadas?

Há um liame invisível, mas efetivo, a ligar os planos do administrador; a Lei Orçamentária e a sua execução. Fora disso é arbitrário puro e simples, sem respeito ao Estado de direito.

No caso concreto, veja-se, em ordem decrescente:

I) A convenção ratificada pelo Brasil e a Constituição Federal dizem que criança e adolescente tem prioridade absoluta;

II) A Constituição Estadual impõe um ínfimo percentual obrigatório ao Estado e Municípios para aplicação a favor destes;

III) A Lei Orgânica do Município ( por assim dizer, Constituição Municipal) obriga este pequeno percentual para o fundo da criança e do adolescente;

IV) A Lei Orçamentária (de iniciativa do Executivo) aponta valores compatíveis com este percentual e com a lógica supra;

V) Na programação de execução financeira, a Prefeitura reduz este valor e, na prática, nem esta redução transfere ao fundo;

VI) A prestação de contas aponta que o Município teve superávit financeiro;

VII) Apesar de tudo isto, a Prefeitura não transfere dotações suficientes ao fundo.

É a isto que querem chamar de “Lei meramente autorizativa” (sic)?

Ao meu ver, o que resta caracterizado é uma hiper-manifestação de absolutismo, impensável até pelo” Rei-Sol”, Luiz XIV, quando cunhou a frase “Le etat c’ moi” .

Custa-me crer que o entendimento defendido seja exatamente aquilo que pensa o Sr. Prefeito Municipal. Seria enormemente frustrante não só para mim, mas também para milhares de Pernambucanos que já sufragaram seu nome para Vice-Governador; Governador; Senador (não eleito); Deputado Federal e Prefeito da Capital. professor emérito da Faculdade de Direito; Jurista de escol; Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal em momento crítico da Nação, é ele um dos poucos políticos brasileiros respeitados por sua competência, honra, altivez, seriedade no trato da coisa pública, inclusive, e principalmente, por seus adversários ideológicos.

Por isso mesmo procurei identificar o seu posicionamento pessoal sobre o tema em tela, quando posto academicamente e em tese, encontrando a sua essência em palestra que proferiu em 28/06/97, sob o tema “As Políticas Públicas e o Judiciário”, por ocasião de Encerramento do Congresso da Associação dos Magistrados Brasileiros -AMB, realizado em Recife.

Naquela ocasião, cujo texto integral determino seja junto aos autos, o que pude depreender é que o Jurista Roberto Magalhães defende as posições acadêmicas tradicionais, construídas antes da chegada ao Brasil do Instituto das Ações Civis Públicas para direitos difusos e coletivos, o que é inteiramente compreensível, pois coincide, de uma certa forma, com o seu afastamento da efervecência dos debates acadêmicos e da predominância em sua vida da atividade político partidária.

Entendo conveniente pinçar e transcrever partes principais do texto, para demonstrar a unidade de seu pensamento. É lógico e coerente nas suas posições, embora pessoalmente não concorde com a maioria delas, pelos diversos argumentos que já expendi anteriormente. Há momentos em que observo identidade absoluta entre o seu o meu pensamento, como na ocasião em que trata da visão distorcida de alguns defensores da chamada democracia participativa (basta se comparar o que este Magistrado disse às fls.13/14 e a transcrição nos itens 7 e 10 abaixo).

Veja-se abaixo a síntese do seu pensamento sobre o assunto:

1) “Política Pública é um conjunto de diretrizes e ações governamentais conscientemente adotadas, para alcançar propósitos e objetivos determinados e relacionados com o interesse público”;

2) “Mas não apenas o Executivo decide sobre as políticas públicas”;

3) “No exercício da função de governador do Estado nos anos 80, víamos o Poder Judiciário como o Poder que a qualquer momento poderia sustar ou anular atos do Executivo, em reconhecimento de direitos individuais ameaçados ou violados…” “…mas como Prefeito, diferentemente, vislumbramos o Judiciário como o Poder que tem condições de assegurar ao Prefeito o exercício pleno do seu mandato eletivo e ao Município a autonomia que lhe é Constitucionalmente assegurada”;

4) Sobre a opinião de Miguel Reale em relação à Constituição de 1988, nela identificando como traço marcante o predomínio da sociedade sobre o Estado: Data Vênia. pensamos que não se trata de predomínio, mas de relevância. Ou seja, o Estado existe para cumprir políticas e fins de interesse da sociedade. E não a sociedade existindo para justificar a presença do Estado”;

5) “Aquele que conquiste, em eleição livres, a maioria do eleitorado estará legitimado pela própria sociedade civil para governar a cidade, o Estado ou Pais, conforme o caso”;

6) “O corpo eleitoral não é um entre dissociado da população, antes a representa com absoluta legitimidade”;

7) “Há quem por desconhecimento do direito Constitucional e da teoria do Estado, pretenda ver, a partir da Carta de 1998, a subordinação dos Poderes Executivos do Estado e dos Municípios à vontade e interesses de entes auto-proclamados representantes da sociedade civil. na fom1Ulação de Políticas Públicas”;

8) “Já precisamos recorrer ao STF, através de representação ao ilustre Procurador Geral da República, a fim de assegurar a autonomia do Município e, consequentemente, a intangibilidade do mandato que exercemos”;

9) Sobre alguns Conselhos Municipais: ” ……. ” no entanto, talvez por terem menos tradição e experiência, ou por motivação política, são levados a acatar uma postura concorrente com a do exercício do Poder Executivo. Chegam a negar a legitimidade da iniciativa dos Governadores ou Prefeitos, na formulação de Políticas Públicas, sem que haja seu pronunciamento prévio e sua aprovação, até mesmo no caso de envio de mensagem a Projeto de Lei ao Poder Legislativo”;

10) “A participação da sociedade na formulação e exercício das políticas é saudável e pode, embora não necessariamente, suprir insuficiências e desvios de representação política e institucional. Todavia, é da mais elementar evidência que a participação, mesmo que prevista na Constituição Federal, não pode limitar ou excluir as atribuições dos poderes legitimamente constituídos nos três níveis da federação. Ou seja, a participação é um plus no sentido de aperfeiçoar a representação e não um substituto desta”;

11) A propósito de questão que ele próprio aponta no que pertine ao alargamento de forma quase ilimitada das atribuições do Ministério Público através da Ação Civil Pública na defesa dos interesses difusos, conferindo poderes, por decorrência, ao Judiciário de controlar os atos administrativos não apenas pela ótica da legalidade, mas também das políticas públicas (programas, projeto, verbas orçamentárias, etc) após registrar que sabe das decisões de 1ª Instância nesse sentido e transcrever acórdão da r. seção do STJ: ” não acreditamos que Políticos vocacionados e dedicados à coisa pública se interessem por enfrentar os rigores de uma companhia eleitoral para, depois de vitoriosos, se tomarem meros. instrumentos de entidades e pessoas sem a legitimidade do voto.. Além disso, um Poder Executivo sem poderes constitucionais da gestão pública seria como um Judiciário sem os seus predicamentos: um poder aparente”

12) “Enquanto não se formar jurisprudência definitiva sobre a possibilidade ou não do Judiciário entrar no exame do mérito dos” atos administrativos, alterar Políticas Públicas e decidir sobre a execução orçamentária dos Estados e Municípios, estaremos a viver tempos de insegurança e incertezas. em meio a um número cada vez maior de conflitos e processos judiciais. Temos a convicção de que o Poder Judiciário terá no próximos anos uma extraordinária participação, através da construção jurisprudencial, no deslinde de inúmeras questões como as duas aqui levantadas”.

A leitura atenta dos trechos leva a duas constatações. A primeira é ótima e salutar, pois se resolve no campo das idéias. Salta os olhos, por tudo que afirmei antes, ao apreciar as Preliminares e temas anteriormente abordados, que vetustamente divirjo de: maioria das posições do Sr. Prefeito Municipal sobre este tema. Ainda academicamente, em” um estado de direito onde o conflito de idéias passa a ser visto como algo de construtivo para, . a sociedade, permito-me, rapidamente, complementar as minhas posições anteriores, dizendo sobre os trechos da fala do Dr. Roberto Magalhães:

1) 0 conceito teórico é bom, mas não guarda coerência com’ a-! situação fática onde a omissão de municipalidade e o deslocamento das verbas do que deveria ser prioridade absoluta inviabilizaram a Política Pública prevista para a criança e o adolescente;

2) Concordo com a frase sobre a não exclusiva decisão do Executivo. ‘. sobre Políticas Públicas, apenas não limito a possibilidade de intervenção do Judiciário a questão da legalidade;

3) As 2 (duas) visões sobre o papel do Judiciário não são excludentes. Falta apenas somar a elas a perspectiva de atuação. Sobre Políticas Públicas (ação ou omissão), em desacordo com a Lei, sem excessos para assegurar a autonomia, independência e isonomia dos Poderes e não descambar para estritas situações de conveniência e oportunidade;

4) É exatamente pela absoluta correção do conceito que não pode o Poder Público local atuar contra o explicitado na Convenção da ONU, Constituição Federal, Constituição Estadual; Lei Orgânica do Município; Leis Orçamentárias;

5) A frase é verdadeira, em termos. A vitória eleitoral não tem o condão mágico de transformar-se em um “cheque em branco” dado pela sociedade para que o vitorioso haja da forma que quiser e pensar;

6) Este conceito basilar da democracia representativa começa a ser abalado. Consubstancia uma “quase verdade”. No início de Abril a imprensa mostrou resultados de teses de Mestrado onde se aponta o declínio vertiginoso de eleitores que comparecem às eleições em Países nos quais o voto é facultativo, assim como que dentre os que comparecem a maioria vota nulo e em branco. Que em Pernambuco 49% (quarenta e nove por cento) dos votos proporcionais foram nulos e brancos. Pesquisas sem cunho científicos também constatam que a maioria dos eleitores não lembram em quem votaram na eleição passada e só o fizeram porque no Brasil o voto é obrigatório;

7) A frase é mais que verdadeira. É por estas e outras que vejo como inafastável a presença do “Estado-Juiz” para dirimir conflitos, e para afastar excessos de interpretações dos que querem o alijamento dos poderes constituídos;

8) É salutar que a Prefeitura tenha buscado o Judiciário para dirimir o conflito, embora, como já registrado, não concordo com os fundamentos do pedido da suposta inconstitucionalidade e, via de conseqüência, que a disposição da Carta Estadual não ofende a autonomia municipal{ e não atinge o mandato dos seus dirigentes eleitos;

9) Como já afirmei, o choque aqui é cultural, pois este Conselho tem em legislação Federal, Estadual e Municipal atributos distintos dos outros conselhos que lhe precederam na existência. É óbvio que aqui ou acolá possam surgir excessos. Quando isto ocorrer e não for possível resolver na mesa de negociação (quase sempre será possível, até porque sua composição é paritária), o conflito deve ser dirimido pelo “Estado-Juiz”;

10) Concordo em gênero, número e grau com a frase e acho que ela se encaixa como uma luva no caso concreto. É saudável, supre insuficiências e desvios da representação política; não excluir os poderes locais e representa um PLUS para aperfeiçoar a representação;

11) É ótimo que o Sr. Prefeito já saiba das decisões do 1º grau (parece que desconhecidas pelo Procurador da Prefeitura). Melhor será agora após esta sentença, pois saberá que na 2ª Instância o entendimento já está prevalecendo, como antes apontei. Ao contrário de que pensa o Dr. Roberto Magalhães, acho que políticos vocacionados e dedicados à coisa pública continuarão a se interessar por mandatos executivos caso finalmente se fixe o entendimento de que o Judiciário pode deliberar sobre políticas públicas. Aquele que age dentro da Lei ( de quem somos todos escravos) nada terá a temer. O arbítrio e a prepotência diminuirão; as pessoas e entidades não detentoras de mandatos terão um freio para os seus instintos de querer imobilizar a todo o custo os administradores eleitos: teremos, em fim, uma sociedade mais justa;

Comungo da preocupação do Prefeito sobre o uso indevido das ações civis, quer pelo Ministério Público, quer pela sociedade civil, quando se observa nas noticias da imprensa pleitos ingênuos até irresponsáveis, como se estas ações fossem a panaceia do mundo. Mas isto não justifica ser contra o instituto. Ao contrário, cabe estimulá-Io para que nas condições do item 12 sejam os pleitos tratados com mais profissionalismo.

12) A frase é lapidar. Estamos todos nesta ação (sociedade civil, Ministério Público, Município e Judiciário) fazendo nossas partes para construir este edifício. Cada um firmou sua posição. Pela própria natureza constitucional, cabe ao Judiciário julgar em 1º grau. São vários os Estados da federação em têm disposições similares à Constituição Pernambucana; são centenas de municípios que têm em suas Leis Orgânicas artigos análogos ao da L.O.M. do Recife; em todos os orçamento da União, Estados e Municípios são previstos dotações Orçamentárias para programas destinados à crianças e adolescentes em situação de risco ( às vezes também não aplicados, contra todas as normas em vigor). Tenho a consciência de que neste momento estamos fazendo História. Não só para Recife e Pernambuco como para todo o Brasil. Serão os recursos desta decisão, que certamente ocorrerão, que indo ao Tribunal de Justiça do Estado e/ou aos Tribunais Superiores, seja qual for a decisão final, que balizarão definitivamente a questão como propugna o ilustre Prefeito Municipal.

A 2ª constatação é péssima, pois se observa um enorme e radical distanciamento entre as posições do chefe da edilidade municipal (diga-se novamente, emérito Jurista, constitucionalista e comercialista de escola) e as posições apontadas na contestação do Município.

Comparo e lembro-me da versão popular do quadro em que o subordinado faz de tudo para agradar o chefe, embora, no mais das vezes, se excedendo no resultados que este pretendia alcançar. Não deve ter lido o discurso do chefe.

As posições defendidas são tecnicamente frágeis, juridicamente indefensáveis e politicamente desastrosas, pois colocam o Prefeito como uma espécie de inimigo da prioridade absoluta para crianças e adolescentes e defensor intransigente de meros formalismos.

Exorbitou o administrador local ao transferir dotações obrigatórias da área da infância e o seu ato “contra-Iegis” se submete ao controle do Judiciário, pois não se circunscreve nos limites da conveniência e oportunidade.

DO PAPEL DO CONSELHO E DO FUNDO MUNICIPAL

A Lei municipal nº 15.604 de 18.02.92 dispõe sobre a política municipal dos direitos da criança e do adolescente, criando o Conselho municipal de Defesa e Promoção dos seus direitos. Textualmente, no caput do artigo segundo, diz que este Conselho é o órgão controlador e deliberativo da política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente e, no inciso IV deste artigo fala em destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a Proteção à Infância e à Adolescência. No parágrafo único do artigo terceiro fala na necessária consulta ao Conselho sobre criação de programas que digam respeito a criança e ao adolescente de caráter compensatório ou supletivo às políticas sociais básicas do município.

Dentre as suas competências para o caso concreto, avultam as de definição, junto aos Poderes Executivo e Legislativo municipais, de percentual de dotações orçamentárias a ser destinado a execução das políticas sociais básicas e assistenciais referentes à criança e do adolescente e GERIR O FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E 00 ADOLESCENTE.

Este fundo é composto de recursos do Orçamento municipal, transferências Estaduais e Federais, doações de contribuintes, multas produtos de convênios. Com dotações e rubricas Orçamentárias próprias, é o Conselho quem fixa critérios para utilização dos recursos financeiros. ( para isto recebendo consulta do Executivo municipal, quando da elaboração da Lei de diretrizes orçamentárias e do Orçamentos anual).

A Lei nº 15.820 de 24.11.93 institui o fundo municipal, observando as regras supra, sendo de se destacar que tem ele o objetivo de assegurar condições financeiras e de gerência dos recursos destinados à execução da Política municipal de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, e que o mesmo é vinculado direta e exclusivamente ao Conselho Municipal. Os seus recursos, dentre outras destinações, devem ser aplicados para: o repasse de recursos A ENTIDADES GOVERNAMENTAIS e não Governamentais que desenvolvem atividades de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. (grifei!).

Não é demais o registro de que a primeira Lei mencionada foi iniciativa do então Prefeito e hoje Deputado Estadual Gilberto Marques Paulo ( que foi secretário de Justiça e do Governo do atual Prefeito da Capital quando este era o Governador do Estado) a segunda do Dr. Jarbas Vasconcelos, que antecedeu ao atual Burgomestre, sendo o seu principal apoiador no embate eleitoral. Faço o registro para mostrar apenas que não se trata de legislações promovidas por antecessores de orientação política ideológica diferentes daquelas que reinam na atual administração, ao contrário. Vale também para demonstrar que aqueles que governam o município a partir da vigência da Carta federal /88, Constituição Estadual 89, Lei nº 8069/90, Lei Orgânica do Município estavam sintonizados ( pelo menos no plano teórico) com as lógica de doutrina da proteção integral das Nações Unidas e com o princípio de prioridade absoluta nela inserido.

Não há dúvidas de que é legal e legítima a cobrança do Conselho Municipal em querer a participação nas fases preparatórias do Orçamento local e na definição de programas e políticas compensatórias ou supletivas. Dúvidas também não há que lhe cabe, com exclusividade, fixar os critérios para aplicação dos recursos do fundo.

Entretanto, observo a existência, não só aqui em Recife, mas em todas as cidades e Estados brasileiros de uma visão completamente distorcida do papel financiador do fundo. Seja na representação formulada pelas ONG’S, na exordial e réplica do Ministério Público e na impugnação e contestação do município, é possível se encontrar, expressar ou tacitamente, o conceito de que as dotações dos fundos municipais devam ser dirigidas para as ações de organizações não governamentais que atuam na área da criança, quando isto consubstancia ótica vesga e distorcida do modelo teórico pensado na feitura do Estatuto da criança e do adolescente e, pior ainda, da expressa previsão legal.

O modelo teórico não quer a concorrência com o Poder Executivo. Pugna pela definição de competências. Antes tudo se concentrava no Poder Executivo. Hoje os papéis dos diversos atores ganham novos contornos. Não fazia sentido o macroplanejamento a sua execução e fiscalização ficarem oniscientemente a cargo do mesmo ente de governo. Por isto mesmo, seja a nível federal, Estadual ou municipal, os respectivos conselhos formulam a política dos direitos da criança e do adolescente, integrados às políticas sociais básicas e assistenciais, com exclusividade. Mas de forma conjunta e articulada com o Executivo ( no caso concreto, o município), atuam na definição de prioridades de programas, projetos e ações e na alocação de recursos. Como coordenador do sistema, têm a atribuição exclusiva ( mas com o apoio de todos os agentes executores) na fiscalização da implementação da política pré-traçada.

Mas a Execução não lhe cabe. É feita pelo poder público (prioritariamente) e supletivamente por entidades intermediárias da própria sociedade civil.

Se o Conselho é gestor do fundo municipal e se nessa qualidade elaborou o plano anual de aplicação, fixou critérios para a utilização dos recursos, firmou convênios, captou recursos, fixou prioridades, à luz da política pré-traçada, óbvio é que suas dotações não podem continuar a merecer a visão de ” saco de esmola” de verbas públicas em favor das ONG’S.

É provavelmente por causa dessa visão distorcida que os Conselhos de todos o país ficam imobilizados, deitados eternamente em berço esplendido”, esperando e contando apenas com os repasses de verbas Orçamentárias do Poder Executivo. Não se observa em lugar nenhum uma postura marcante para ampliar as doações a que alude o art. 260 do Estatuto, mesmo sabendo-se que desde o governo Itamar Franco que foi editada um Decreto para regulamentar as contribuições das pessoas jurídicas. Só isto bastaria para justificar um vigoroso plano de articulação com associações comerciais, federação das industrias e dos Bancos, etc.

A Lei fala em repasse de recursos do fundo para entidade Governamentais e não Governamentais e, repita-se, prioritariamente as políticas públicas devam ficar a cargo do Poder Público.

Disso decorre que a “mens legis” é completamente distinta daquilo que vem sendo praticado.

Exemplificando com o caso concreto, o município deveria fazer o seguinte: a) incluir no orçamento anual ( e demais leis Orçamentárias), nas devidas rubricas das unidades administrativas adequadas, as dotações para saúde, educação, transporte, lazer, esportes, profissionalização, cultura, suplementação alimentar,etc; b) na previsão Orçamentária do fundo, incluir pelo menos 1% ( um por cento) do seu Orçamento geral para ações que guardem coerência com os incisos I a V do Art. 227 da Constituição Estadual, como manda o art. 145 da lei Orgânica do Município; c) na previsão de despesas de órgãos de administração direta ou indireta, ou beneficiadas com transferência, como por exemplo: secretaria de políticas sociais; coordenadoria da criança e do adolescente, LAR, etc, pelo menos, parcela delas serem sustentadas com dotações do fundo municipal; d) na época oportuna, apresentar ao Conselho os planos de aplicação para serem apreciados e, se aprovados, contarem com a efetiva alocação de recursos do Fundo Municipal (sejam os do Orçamento local, de transferência Estaduais e Federais, doação de contribuintes, multas, etc).

O conselho tem que ter critérios decentes para a utilização dos recursos; tem que fazer um plano de aplicação anual; acompanhar e avaliar a aplicação do numerário. A análise há que ser de conteúdo técnico. Se os planos de aplicação apresentados pela P.C.R. forem todos eles melhores e mais transformadores do que os formulados pelos ONG’S, que a ela (Prefeitura) se destine a totalidade dos valores disponíveis. Em contrário senso, se a constatação for totalmente favorável aos planos de aplicação das ONG’S, que estas façam jus aos valores integrais. Cada um que cuide de aprimorar suas ações, com idéias inovadoras, lúcidas, baratas e eficazes. O desaconselhável é que um gênio “qualquer proponha dividir em metade para os governamentais e metade para os não governamentais, por ser o conselho paritário, pois neste caso estará se fundando um novo cartório, provavelmente distanciado das reais necessidades da população.

Este modelo não é impossível de ser posto em prática. Faltou até agora vontade política de viabilizá-lo, praticamente em todos os rincões do Pais. De um lado os Executivos dos Estados e municípios fazem de tudo para manter o controle político (com. p. minúsculo) das verbas. De outra, as ONG’S, ou parte delas, apenas sabem espernear e apontar erros, sem uma visão nítida do que seria a alternativa correta. Outras preferem ficar pousando de vítima, para terem acesso a ajudas internacionais. Finalmente, ainda existem algumas que conseguem ter acesso ás verbas públicas, são beneficiadas quando .pinga algum trocado. no fundo( municipal, Estadual ou federal) e não têm qualquer interesse em mudar o . Status Quo”.

Aqui mesmo em Pernambuco existe um fundo que funciona há cerca de 20 anos nos moldes apontados sem que tivesse havido qualquer problema político ou técnico, quer quando havia muitos recursos disponíveis, quer nos períodos de escassez.

Trata-se do fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife, FUNDERM, que tem como gestor a Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife-FIDEM. Os planos de aplicação são analisados e, após aprovados, já financiaram no passado ações de Secretarias de Estado, da Compesa, Celpe, todas as Prefeituras da RMR, da própria FIDEM, de ONG’S, etc. Não consta que os Governadores Moura Cavalcanti, Marco Maciel, José Ramos, o próprio Roberto Magalhães, Gustavo Krause, Miguel Arraes, Carlos Wilson, Joaquim Francisco e novamente Miguel Arraes tenham tido qualquer tipo de problema com o mecanismo, ou que tenham se sentido diminuídos por terem que disputar as verbas do FUNDERM mediante a apresentação de planos de aplicação.

Por Que não se transferir a tecnologia? Por Que não se adaptar o modelo? Por Que este mesmo impasse existe em relação ao Fundo Estadual. Quando em ambos os casos as respectivas legislação indicam o caminho supra para solucionar o problema?

Só a falta de vontade política pode justificar o Quadro atual. Estou convencido de que a adoção do modelo supra fortalecerá institucionalmente o Conselho Municipal; assegurará uma melhor alocação das poucas verbas disponíveis; livrará os governadores e Prefeitos de cobranças sonhadoras, desfocadas da realidade e para as quais não existam recursos financeiros previstos.

F)DO AJUSTE À FORMULAÇÃO DE POLÍTlCAS DE ATENDIMENTOS POR PARTE DO MUNICíPIO ( especificamente para auxiliar as crianças e adolescentes que fazem da rua o seu espaço de sobrevivência, para o tratamento médico – psicológico e psiquiátrico destes em regime hospitalar e ambulatorial; para tratamentos e prevenção de crianças e adolescentes alcoólatras e/ou envolvidos com substâncias entorpecentes).

É a Lei n.O 15.604/92, que diz o COMDICA é o órgão controlador e deliberativo de política de promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Na mesma Lei, no Art. 4°, I, consta que compete ao Conselho a formulação da política municipal dos direitos da criança.

Faço o registro para, coerentemente com argumentos anteriores, registrar que o município (Prefeitura) não é o formulador de política municipal e sim um dos seus executores (talvez o mais importante deles).

Se não tem responsabilidade direta na formulação, não pode ser demandado para fazê-Io.

Se o autor queria ir fundo na questão, no mínimo deveria ter chamado o Conselho Municipal como litisconsorte passivo.

O teor da argumentação para o pedido (e não este propriamente dito) deixa a entender que o que se questiona é a qualidade dos Programas e Projetos em execução e a suposta privilegiatura para um dos executores ( LAR).

Ao meu ver. o aprofundamento da Questão fatalmente levará o Judiciário a se envolver com Questões específicas de conveniência e oportunidade. privativas da administração local.

Não se conhece qual a política municipal, porque só agora em 1998 está sendo debatido no COMDICA uma proposta que, após emendas, ganhará oportunamente contornos definitivos ( determino que se junte aos autos cópia da versão em estudos e do Oficio de encaminhamento que a encampou) . Não dá para tapar o sol com uma peneira. O Conselho Municipal, apesar de sua eficiência, da boa vontade e seriedade dos seus membros e equipe de apoio, ainda não conseguiu formular aquilo que seria sua principal e fundamental atribuição que é a de gerar esta Política (registro que por indicação da Presidência do TJ-PE, nos termos da Lei, sou o representante Titular do Judiciário no COMDICA. Entendo que não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade na participação do Judiciário em tais conselhos – Até escrevi texto já publicado sobre o assunto, em conjunto com o Professor Luiz De La Mora, mas não concordo que o próprio Juiz da Infância seja o seu representante. Tanto à prova que não compareci a nenhuma de suas sessões ordinárias ou extraordinárias, cabendo ao suplente a participação, ali comparecendo única vez para proferir Palestra).

Se a política municipal não está traçada por quem de direito, não cabe à Prefeitura traçá-Ia. Se não há um paradigma para balizar o conteúdo dos programas e projetos a serem executados (pelo município, ou por quem quer que seja), não pode o Judiciário impor ajustes nos programas e projetos em execução ou obrigar a criação de novos.

A propósito, em recente conversa com a Professora Tânia Maria da Silva, docente da Universidade do Rio de Janeiro – UERJ, especialista na matéria e autora de obras de fôlego sobre a matéria, a mesma dizia-me (com justa razão) que parcela do problema com as ações civis públicas decorrem do fato de que não se saber pedir. Pleitos genéricos; dirigidos contra parte incompetente para figurar no polo passivo de demanda; impossíveis de atendimento; ideologicamente comprometidos com esta ou aquela corrente política, são uma constante. Apontava ela que ouvira de Procuradores Estaduais e Municipais, seus ex-alunos, que só isto era o que vinha permitindo uma relativa margem de manobra da defesa. Aduziu ainda que acreditava que a solução só seria encontrada quando as ações forem absolutamente pontuais, como por exemplo: falta um posto de saúde no bairro tal; a escola qual precisa de bancas, quadros negros, bebedouros, etc.

Mesmo que pudesse circular sem limites pelo campo da discricionariedade (o que não é possível), no caso concreto não posso concordar com algumas afirmativas da parte autora. Não vislumbro excesso de verbas ou privilegiatura à favor da LAR., muito menos que os recursos alocados apontem para uma insatisfatória relação “custo X benefício”. Ao contrário, bom seria que mais recursos fossem direcionados para a LAR e para outros agentes sociais, governamentais ou não. Os resultados de ação da profícua gestão da Ora. Jane Magalhães à frente do órgão são palpáveis, embora que, como é grave a questão, muito ainda existe para se fazer.

O denominado” espaço – aberto” dirigido a crianças e adolescentes que fazem da rua seu espaço de sobrevivência tem cada vez mais melhorado sua atuação. Outras ações da LAR, da coordenadoria da Criança e do Adolescente também. O “Bolsa escola. está sendo expandido. A Lei federal fala em municipalização do atendimento (e não Prefeituralização), mas também em um conjunto articulado de ações. Neste contexto o Estado, através do programa “Mão Amiga” também está cumprindo um bonito papel. O problema é que é multifacetado e de uma magnitude imensa. Sem intervenções sérias nas causas, nunca será resolvido, pois para cada criança tirada das ruas, duas aparecem para substituí-Ia. (a propósito: será que o “Mão Amiga” e outros programas Estaduais também não tem defeitos? Mesmo insistindo que o Judiciário não pode e não deve julgar questões de conveniência especifica, não é demais indagar: Se a Portaria nº 01/93 – fls.93/95 – também se destinava à apuração da política estadual de atendimento aos “meninos de rua”, onde está o seu desdobramento para o Estado? Encerrou-se o inquérito Civil Público? já foi arquivado nos moldes exigidos pelo Estatuto?; foi ajuizado igualmente ação civil pública contra o Estado?).

É um fato que direta ou indiretamente o município atende a casos de tratamento médico – psicológico e psiquiátrico em regime ambulatorial a crianças e adolescentes (em sua rede geral de saúde, pois em várias ocasião este juízo oficiou requisitando prioridade de atendimento), o mesmo fazendo para alcoólatras e drogadictos. Reconheço que o serviço prestado é inadequado e insuficiente, mas não me cabe ajustar o atendimento. O paradigma deve ser criado na política municipal, pelo COMDICA, e, só após isto, se não cumprido, injustificadamente, e que caberá ao Judiciário intervir.

G) DO REPASSE DAS DOTACOES DE 1997 NÃO EFETIVADAS ATÉ AGORA

A Prefeitura após o ajuizamento, como já registrado, fez um repasse de aproximadamente 500 mil reais até Dezembro de 1997 e se comprometeu a repassar algo em torno de 600 mil reais, a titulo de restos a pagar até Março de 98. A soma dos recursos mencionados com aqueles repassados até o aiuizamento não atingem o percentual mínimo de Lei. (junte-se fax do Conselho comprovando o total dos valores 97 repassados, totalizando R$ 1.212.000,00, ou seja, pouco menos de 50% de dotação Orçamentária).

O Conselho Municipal não tinha e não tem legitimidade para fazer o acordo redutor de valores a serem repassados, após o ajuizamento da Ação (seria salutar se ocorrido antes dela como já dito).

De tal constatação e de todos os argumentos já demonstrados de que o sentido autorizativo do Orçamento não descarta o Município da obrigação de aplicar o percentual mínimo legal e que é legítimo ao Judiciário impor-lhe tal obrigação, em sede de ação civil pública, para a qual o Ministério Público é sujeito ativo legitimado, resta claro que falta o município realizar operação matemática somando tudo o que já transferiu e subtrair do valor de previsão original, para encontrar o que falta ainda repassar. (de 1988 só pode computar aquilo que foi pago a título de restos a pagar de 1997 e não as transferência relativas ao Orçamento deste ano). Se verdadeiros os números informados pelo COMDICA antes mencionados, resta transferir relativos ai 1997 a quantia de R$ 1.215.000,00 (hum milhão, duzentos e quinze mil reais).

Seus competentes técnicos em administração financeira saberão como fazer os remanejamento e suplementações para que tal seja viabilizados, dentro dos limites permissivos da própria Lei Orçament4ria. É evidente que o dinheiro realmente arrecadado precisa estar disponível nas contas municipais para ser transferido ao Fundo. A Lei permite ao Juiz a fixação de prazo para o i adimplemento e estou convencido que 90 (noventa) dias é mais do que razoável para que: tal operação se concretize, mesmo que, por absurdo, os limites autorizativos de suplementação de Lei Orçamentária anual já estejam estourados e seja necessário remeter Projeto dei Lei para nova autorização.

No mais, resta esperar que o bom senso prevaleça para que outra ação de conteúdo análogo não tenha que se repetir, já que esta se dirigiu apenas para o Orçamento de 1997.

Obedecidas foram as formalidades legais e o pedido está de acordo com o direito.

Ante o exposto, Julgo parcialmente procedente o pedido da exordial para, com fulcro nos artigos 18; 25; 30; 11; 61, I, II; 102, §, 2°; 127; 129, III; 167, IV; e 227 da Constituição Federal, c/c Art. 269, I, Código de Processo Civil; 94 e inciso; 97, § único; 148, IV; 201, V; 208, § único; 209; 210, I, todos da Lei Federal n° 8069/90, Art. 5° e demais disposições atinentes da Lei federal n° 7.347/85; Art. 25, V, “a” da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público; Art. 227, § único da Constituição do Estado de Pernambuco; Art. 145, da Lei Orgânica do Município do Recife; Lei Municipal n° 15.604/92; Lei Municipal n° 15.820/93 e nas Leis Orçamentárias do Município do Recife, determinar Que o Município transfira ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente a Quantia equivalente à diferença encontrada entre os valores já transferido no ano de 1997 a título de “restos a pagar” no 1 ° bimestre de 1998, e a dotação originalmente prevista no Orçamento de 1997 para aquele Fundo ~OOO,OO), no prazo de 90 (noventa) dias sob pena de multa pecuniária R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais) que passará a incidir nos termos do Artigo 213, § 3°, da Lei nº 8069/90 (exigível com o trânsito em julgado, mas devida desde o descumprimento), a qual, caso venha a ocorrer, reverterá em favor do próprio Fundo Municipal (M. 214, LECA), excluindo do Município a obrigação de ajustar os seus Programas em execução, ou de criar novos, salvo se por vontade própria do administrador, acaso reconheça a sua inexistência ou insuficiência, enquanto não esteia aprovada a política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente por parte do COMDICA e definido os prO!1ramas, Projetos e ações Que futuramente esteiam a cargo do Município.

FIZ JUSTIÇA!

Sem custas, ex-vi dos Artigos 141, § 2° e 119 da Lei n.º 8069/90. Nos termos do Artigo 475,11, do CPC, determino a subida dos autos ao 2° grau para reapreciação obrigatória, independentemente de recursos voluntários, tão logo decorrido o prazo recursal.

P.l.R., em segredo de Justiça.

Tendo em vista os comentários tecidos a respeito do Adin. nº 1689¬2, determino que sejam remetidas cópias desta decisão ao Exmo. Sr. Ministro relator; Exmo. Sr. Procurador Geral da República e ao Exmo Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco.

Recife, 28 de Abril de 1998.

a) Luiz Carlos de Barros Figueiredo.

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