Proc. nº
Vistos, etc….
O Órgão Ministerial Público, através de suas representantes com exercício neste Juízo da Infância e da Juventude, com fundamentos no art. 796, CPC, ingressou neste Juízo com Ação Cautelar inominada contra ………., pelas razões fáticas e jurídicas de fls.
Sinteticamente, alega-se que a partir dos primeiros dias de maio de 1994 em vários pontos da cidade passaram a ser exibidos “out-doors” com a finalidade da ….. ampliar suas vendas, nos quais se exibe a figura de uma gilete e o texto que transcreve; Que todos que lêem a propaganda lembram-se das crianças e adolescentes que estão nas ruas, tirando dai o seu próprio sustento e de familiares, seja pedindo esmolas, limpando pára-brisas ou vendendo frutas ou outros objetos quando os veículos param nos semáforos; que mesmo admitindo que alguns praticam assaltos com o uso de gilete, isto não quer dizer que todos cometem assaltos; que a partir da propaganda todos passaram a ser tratados com discriminação, sendo ela responsável por insuflar ainda mais o tratamento constrangedor e vexatória a que são submetidos os menores; que a propaganda é de mau gosto, oprime, aterroriza, constrange e denigre a imagem do menor; que “não é fechando nossos carros e refrigerando-os que estaremos livres da violência e da miséria que reina em volta de nós, à falta de políticas sociais básicas “; que o Ministério Público vem promovendo as Ações aos adolescentes infratores; que a absoluta prioridade; a dignidade e respeito estão assegurados na Constituição Federal e na Lei nº 8.069/90; que o público reprova aquela propaganda.
À inicial se juntou documentos de fls., com fotografias e texto de matéria veiculada no Jornal …..
Às fls, concedi a liminar pleiteia, pelas razões ali expendidas.
Às fls, o Ministério Público aditou a exordial para incluir no polo passivo da demanda a ……e do Jornal ……., por também veicular a mesma propaganda, sendo recebido o aditamento. Ás fls. consta folha do jornal …. comprovando a veiculação da propaganda na imprensa escrita.
Citação regular.
Às fls. a ……, por seu diretor, informa de imediato providenciou a cobertura dos “out-doors” da ……dentro do prazo estabelecido, esclarecendo que somos apenas veículo de propaganda e reproduzimos mensagens cujo conteúdo é de responsabilidade do anunciante e executado por sua ordem, pelo que nada temos com a qualidade da informação e o mérito da mensagem veiculada.
Ás fls, a …… apresentou sua contestação alegando, sumariamente, que: o cabimento da medida é um tanto discutível, pois idealiza através de exercício subjetivo que ” a figura de uma gilete ficou associada à das crianças que fariam abordagem de veículos para pedir dinheiro”; que a medida fere a Carta Magna quando impede a “livre manifestação do pensamento” e a “livre convicção filosófica”; que o demandante admitiu na exordial que ocorrem assaltos com o uso de gilete como arma; que a autoria material e planificação do “design” não foi sua, apenas concordando por consultar os seus interesses comerciais, pois jamais teve a intenção de atingir o menor pobre e carente; diz que a publicidade à liminar ensinou todos os delinqüentes que existe mais uma arma disponível por preço módico em qualquer bodega. Requereu que fosse entendido como satisfeita a finalidade da proposição judicial, à vista de que “os “out doors” foram integralmente retirados pela empresa que ali os colocou e que não foi a demandada” que satisfeita a impetração, seja ela arquivada sem sucumbência.
A Editora …., às fls, apresentou sua contestação. Preliminarmente argüiu ilegitimidade de parte, pois nenhuma responsabilidade tem pelo conteúdo das mensagens veiculadas em anúncios comerciais consigo contratados. Que deu cumprimento à ordem para não mais veicular a mensagem, embora insistindo que o mérito desta Cautelar não atinge a esfera jurídica da contestante, pleiteando a sua exclusão da lide, diz que a argüição do Ministério Público parte do sofisma de que todos a que vêem o anúncio imediatamente induzem que o problema que ele traz à tona seja concernente aos menores de rua; Que a idéia de que pode haver assalto com gilete, canivetes e facas não se dirige só a infratores menores; que indiretamente os condicionadores de ar impedem que o motorista seja assaltado com armas brancas.
….. contestou às fls, aduzindo que foi contratada para colocação das propagandas, sem que haja nenhum nexo de responsabilidade com o conteúdo da matéria exposta, requerendo a sua exclusão do polo passivo da lide.
O Ministério Público se pronunciou às fls. Em 1º plano alegou que não procedem os argumentos de exclusão de relação processual de três (03) das empresas requeridas, tanto que já fizeram a sua parte retirando o anúncio, acatando e reconhecendo o pedido. Em segundo plano contra-argumentou os fundamentos do mérito da … e da Editora, renovando os argumentos da vestibular, pleiteando o arquivamento, pois satisfeito o pedido, julgando-se procedente a pretensão em todos os seus termos.
Ás fls exarei despacho premonitório sobre a desnecessidade de dilação probatória, por se tratar de matéria apenas de direito, o qual foi publicado no Diário do Poder Judiciário de xxxx, não sendo passível de Recursos.
Passo agora a sentenciar, com retardo, face ao acúmulo de serviços neste Juízo:
Em primeiro lugar cabe analisar os pedidos de exclusão da relação processual. Lamentavelmente, impõe-se o acatamento de tese da Editora e da Empresa , que embora não deduzido por meio de advogado, é o mesmo da … em seu ofício de fls.
Digo lamentavelmente porque ao que se observa no conteúdo das respectivas respostas é um total descaso pela ética e pela mora. fica acentuado que estão à disposição para qualquer tipo de anúncio comercial, que o “conteúdo é de responsabilidade do anunciante”, a quem cabe também ” a responsabilidade relativa à qualidade dos produtos comerciados; a idoneidade do anunciante,” sendo que limita-se a divulgar o anúncio, desde que evidentemente o anunciante pague o preço cobrado, algo assim como uma espécie de “prostituição dos meio de comunicação”. Como negócio jurídico, não há dúvidas que assiste razão às empresas citadas, pois assinaram um contrato e cumpriram “ao pé da risca”, e quando colocados em cheque pela Justiça imediatamente retiraram a propaganda.
Esta é a “lição”” que estão passando para futuras gerações. Havendo dinheiro tudo pode. Filosoficamente penso que as coisas sempre funcionam melhor quando o “Estado” não intervém. Posturas como as assumidas pelas referidas empresas abalam as convicções de qualquer um, pois mostram que Conselho de Auto-Regulamentação não funcionam em Países como o Brasil, pois não se observa análise prévia e crítica dos comerciais, salvo se houver intervenção do Judiciário. A propósito, veja-se que no campo da propaganda eleitoral todos os anos surgem problemas com “out-doors” de candidatos afixados fora da época e dos locais autorizados, enquanto que invariavelmente as empresas de publicidade usam o mesmo estratagema de dizer que não lhes cabe responsabilidade, e sim ao anunciante. Urge uma modificação legislativa, que também responsabilize a empresa veiculadora, pois, com certeza, não mais ocorreriam fatos como o contido nos presentes autos. A certeza de exclusão no caso concreto era tão forte que a ….. nem se deu ao cuidado de se fazer representar por advogado.
Nem a nível da Lei de Imprensa, nem no Código de Defesa do Consumidor haveria espaço legal para co-responsabilizar as empresa que veicularam a propaganda, estando certo o Titular do direitos , no caso a ….. À falta de uma Legislação mais adequada, resta a esperança de que a nível de auto-regulamentação estas Empresas abandonem um pouco sua postura mercantilista, fazendo uma triagem do conteúdo do material que anunciam, recusando aqueles moral e eticamente inaceitáveis.
Assim, de logo, excluo da relação processual as requeridas: Editora ….., Empresa ….. e ……..
No mérito, cabe se verificar o seguinte:
I – O produto que se pretendia incrementar as vendas tem inúmeras outras qualidades, como manter o veículo climatizado, com menos efeitos de calor ou frio externo; diminui o impacto da poluição sonora e ambiental, etc. No entretanto, buscou-se o impacto do pavor da classe média alta com a violência das cidades. A Nota “Comercial do APARTHEID” publicada no Jornal do Commercio de 17 /05/94, no Jornal das ruas” – Edvaldo Costa – é genial. Foi ao cerne do problema com muita competência. Dias após o grande comunicador da rádio e TV Jornal do Commércio Geraldo Freire expendia no “Programa do Meio” idêntico posicionamento. A Propaganda é enganosa, primeiro pelo falso modelo de que os ricos devem ter barreiras para se proteger dos pobres, como se fosse possível se isolar da violência e da miséria. Segundo porque tenta vender a mentira de que quem tem um ar condicionado no carro está livre de assaltos. No referido programa, Geraldo Freire registrou caso de um amigo seu que foi assaltado com ar condicionado e tudo.
É no mínimo hilário que um grande jornalista e um grande comunicador, que por dever de ofício vivem perto do povo e interpretam seus sentimentos, digam exatamente o contrário do que diz o advogado pago pelo mesmo patrão.
Não foi negado pelas autoras que existem adolescentes assaltando nos sinais. Isto é um fato, fruto da miséria e da violência. Nas 2(duas) Varas da Infância e da Juventude da Capital tem se agido rigorosamente contra estes casos. Adolescentes que praticam infrações leves ou com boas chances de recuperação são mantidos em meio aberto, recebendo medidas de liberdade assistida ou Prestação de Serviços à Comunidade.Os casos graves (inclusive os que usam armas para assaltar em semáforos) são internados (Privado de liberdade) por até 3 anos consecutivos. É uma pena que a FUNDAC e a PMPE ainda não se deram conta que a sociedade EXIGE segurança externa nas unidades de internações para que estes não fujam e voltem a delinqüir.
Ninguém negou que adultos também praticam crimes com arma branca em sinais de trânsito. É querer se tapar o sol coma peneira não se admitir que 90% do contigente de pessoas que se aproximam dos carros nos semáforos é formado por crianças e adolescentes; que quase a totalidade destes não delinqúem e apenas pedem esmolas, limpam pára-brisas e entregam flores ou vendem bugigangas. A propaganda, sem sombra de dúvidas, exacerbou o sentimento de alguns contra os chamados “meninos de rua”, pelo simples fato de que é feio vê-los maltrapilhos pelas cidades e para alguns é melhor “esconder” esta miséria social em instituições fora dos centros urbanos, sem se dá conta de que este modelo é fracassado no mundo inteiro, pois tais isolamentos são geradores e multiplicadores de violência.
As três (03) empresas já referenciadas foram excluídas da relação processual. A …. tenta se livrar também transferindo a responsabilidade de criação para um “design”, autor material e planificador de propaganda, cujo nome não forneceu, como se não fosse de sua total responsabilidade a feitura do Comercial. Da mesma forma tenta “pular fora” da veiculação, quando diz que a propaganda foi retirada pela empresa que ali a colocou, “e que não foi a demandada”. Chega até a insinuar que por força do pedido e da liminar se ensinou a delinqüentes que existe mais uma arma disponível por preço módico. Ora, o pedido e a liminar só existiram porque a ganância do anunciante não mediu esforços para chocar a opinião pública, e a lição que fica para a demandada ou qualquer outra empresa é que a Justiça está atenta e não vai tolerar que fatos semelhantes se repitam. Quando concedi a liminar estava consciente de que provavelmente o prazo contratado para a veiculação estava se acabando e que os “out-doors” seriam naturalmente substituídos em breve. Sabia também que indiretamente haveria uma nova propaganda gratuita ´para a … pois a imprensa falada escrita e televisada fatalmente divulgariam a medida, gerando o que Roberto e Erasmo Carlos já cantaram na música “FALEM BEM OU MAL, MAS FALEM DE MIM”. Avaliei os riscos e entendi que se não houvesse a mediata intervenção outras peças similares ou mais agressivas passariam a ser veiculadas. Estou convicto de que decidi acertadamente. Primeiro pela retirada; segundo pela adesão maciça da opinião pública à providência; terceiro porque nestes 3 meses do ajuizamento e liminar ninguém mais ousou repetir tal linha agressiva de publicidade.
Não vejo dúvidas de que a peça publicitária atenta à dignidade e ao respeito. Claro também é que a Lei nº 8069/90 legitima o Ministério Público para ajuizar todas a s Acões Civis Públicas de interesses coletivos e difusos, inclusive as mandamentais, se inserindo a presente ação dentro dessa previsão legal (Art. 210, V; 210, l; 212; LECA).
A finalidade da ação foi inteiramente alcançada com o cumprimento da liminar. Como frisei no despacho inicial, eventuais sanções pecuniárias como previsto na Lei nº 8069/90 somente caberiam caso descumprida a ordem. Nisso tem razão a ….. em sua contestação, aliás aceito pelo Ministério Público às fls.
É inaceitável, entretanto, a idéia de que por ter sido satisfativa a impetração deva simplesmente ser ela arquivada. Impõe-se decidir sobre o mérito, como venho fazendo nesta Sentença, o que não se confunde em aplicar sanções a demandada, nem mesmo os efeitos de sucumbência (tão temidos pela ….), pois segundo o art. 141, parágrafo 2º do Estatuto não há pagamento das custas nos processos de competência da Justiça da Infância e da Juventude.
Observadas foram as formalidades legais.
Ante o exposto, com arrimo nos arts. 269, l, 796, CPC; 208 e seg. da Lei 8069/90, Julgo procedente o peido da exordial, para fins de convalidar a liminar originalmente concedida, manter assim a proibição de sua nova veiculação sob pena de multa pecuniária ali estabelecida, excluída da relação processual a Editora …, Empresa …. e Empresa ……
Sem custas e sem condenação em sucumbência, conforme art. 141, parágrafo 2º, LECA.
P.R.I., em segredo de Justiça.
Recife, 23 de agosto de 1994.
Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.
a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo