RELATÓRIO/VOTO E ACÓRDÃO DA APELAÇÃO CIVIL SOBRE PEDIDO DE NOVA CORREÇÃO DE PROVA DISSERTATIVA NO CONCURSO DE TÉCNICO JUDICIÁRIO, NO QUAL A CANDIDATA É DEFICIENTE AUDITIVA

08-11-2019 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante: B. L. de F. B.
Apelados: Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Dr. Haroldo Carneiro Leão Sobrinho, nos autos da Ação Anulatória c/c Obrigação de Fazer e Indenização por Danos Morais nº 0000117-27.2018.8.17.2001, promovida por B. L. de F. B., em desfavor do Estado de Pernambuco e do Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – IBFC, na qual julgou improcedente o pedido de nova correção da prova discursiva lançado na atrial.

Para uma melhor visualização da lide, peço vênia para transcrever relatório sentencial:

_________________, brasileira, solteira, estudante de Direito, inscrita no RG sob o nº __________ SDS/PE e no CPF sob o nº ____________, com residência situada na ______________, vem, por seu advogado, propor processo de conhecimento em face de ESTADO DE PERNAMBUCO, pessoa jurídica de direito público interno, cujo órgão de representação judicial está situado na Rua do Sol, 143, Santo Antônio, Recife/PE, e do INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO (IBFC), com endereço situado na Rua Waldomiro Gabriel de Mello, 86 – Chácara Agrindus, CEP 06763-020 – Taboão da Serra – SP;, pugnando a procedência do(s) pedido(s)

1. Diante de situação que legitima a intervenção do Poder Judiciário, e considerando o disposto no subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15), que seja nomeado Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras para que, em atenção aos direitos da candidata, proceda à nova correção de sua prova discursiva (redação), cujo resultado deverá ser considerado como oficial pelo TJPE e Comissão Organizadora do Concurso (inscrição nº 0712262-4, cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional), procedendo-se à eventual reclassificação da candidata;

2. Na eventualidade de Vossa Excelência entender que não é possível acolher o pedido anterior, que os Demandados sejam obrigados a realizar nova correção da prova discursiva da Srta. _____________ (inscrição nº ________, cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional), indicando e comprovando o currículo do Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras que efetuará a correção. Que a candidata seja reclassificada conforme a nova pontuação por ela obtida;

3. Condenação dos réus no pagamento das custas processuais/periciais e honorários advocatícios sucumbenciais no importe de 20% do valor da causa.

O pedido liminar não foi apreciado.

RESPOSTA DO RÉU

O ESTADO DE PERNAMBUCO ofertou Contestação, aduzindo ausência de citação dos litisconsortes necessários e a impossibilidade de revisão judicial do critério de avaliação adotado no concurso público.

O IBFC suscitou a ilegitimidade passiva sob o argumento de que seria órgão com função meramente executiva.

A parte Autora apresentou Réplica.

O Ministério Público foi intimado a se manifestar, opinando pela extinção do processo.

É o Relato. Decido.

 

Sentença prolatada (ID nº 6142830), a qual julgou improcedente o pleito autoral, condenando-a em custas e honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% sobre o valor da causa.

Irresignada, a demandante apela (ID. 6142832).

Nas suas razões, repete toda a tese atrial, em especial, a questão de que houve negativa de vigência ao art. 1º e interpretação/aplicação equivocada do parágrafo único do art. 4º, ambos da lei nº 10.436/02.

Contrarrazões pelo IBFC (ID. 6142836) e pelo Estado de Pernambuco (ID. 6368783). Em cada contraminuta, as partes pugnam, por óbvio, pelo não provimento do recurso da parte adversa.

O Estado de Pernambuco acresce, nas suas contrarrazões, a preliminar de ausência de citação dos litisconsortes necessários.

Manifestação ministerial, nesta Instância (ID. 6943189), a Procuradora de Justiça se despontou pelo não provimento do apelo.

É o relatório. À pauta.

Recife,          de                         de 2019.

 Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Relator

 

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 3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO – preliminar – necessidade de formação de litisconsórcio 08

 

Em juízo de admissibilidade tenho que o apelo foi tempestivamente interposto. Recebo em duplo efeito.

Ultrapassado o juízo de admissibilidade, passo ao voto.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais aprovados no concurso público, uma vez que possuem mera expectativa de direito. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.

LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

  1. Hipótese em que o Tribunal local consignou (fl. 632, e-STJ): “Como se observa, o CESPE/UnB é mero executor do certame, contratado, neste caso, pelo Estado do Piauí para elaboração e execução do processo seletivo, não possuindo, assim, razão para se acatar as preliminares arguidas pelo Estado”.
  2. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, tendo a banca sido contratada pelo Poder Público do Estado, para atuar como mera executora, atuando por delegação, compete ao juízo comum estadual dirimir controvérsias acerca do referido certame.
  3. O Superior Tribunal de Justiça entende que, em se tratando de concurso público, não há a formação de litisconsórcio passivo necessário, visto que os candidatos detêm apenas expectativa de direito à nomeação.
  4. O STJ possui entendimento de que, para aferir a existência de direito líquido e certo à concessão da segurança ou a necessidade de dilação probatória, seria preciso exceder os fundamentos colacionados no acórdão recorrido, com a incursão no conteúdo fático-probatório dos autos, o que implica reexame de provas, inviável em Recurso Especial, consoante a Súmula 7/STJ.
  5. Agravo Interno não provido.

(AgInt no REsp 1747897/PI, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 11/03/2019)

No caso em apreço, também se faz desnecessário quando a decisão não tem o condão de garantir a aprovação final do candidato no concurso e há mera expectativa de direito ao preenchimento da vaga pretendida.

Assim, voto pela rejeição da presente preliminar.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

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3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
VOTO – mérito 08

A questão sob análise estaciona no pedido de (nova) correção da prova subjetiva (redação) da apelante, desta vez, por “Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras”.

Para tanto, alega que seu direito repousa no “subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15)”.

Pois bem.

Antes de transcrever as normas do concurso público em referência (Edital) e os preceitos legais apontados pela apelante, necessário que se diga que a apelante, ________________, participou do concurso público do TJPE, inscrição nº ________, para o cargo de Técnico Judiciário-TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional, como pessoa com deficiência. Na sua prova subjetiva (redação), obteve a nota de 27,4 enquanto que o Edital previa, como nota mínima, 30 pontos.

Edital

          6.11. Ressalvadas as disposições especiais contidas neste Edital, os candidatos portadores de deficiência participarão do concurso em igualdade de condições com os demais candidatos, no que tange ao horário, ao conteúdo, à correção das provas, aos critérios de avaliação e aprovação, à pontuação mínima exigida e a todas as demais normas de regência do concurso.

Recomendação nº 001, de 15 de Julho de 2010. Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

          4. Quanto aos critérios de avaliação

           4.1. O edital deverá explicitar os mecanismos e critérios de avaliação das provas discursivas e/ou de redação dos candidatos surdos ou com deficiência auditiva, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística da LIBRAS.

           4.2. Deve-se considerar que a pessoa surda educada na língua de sinais, necessariamente sofrerá influências desta na sua produção escrita, tornando necessário o estabelecimento de critérios diferenciados de correção de provas discursivas e de redações, a fim de proporcionar tratamento isonômico aos candidatos surdos. Nesse sentido, deverão ser instituídos critérios que valorizem o aspecto semântico (CONTEÚDO) e sintático em detrimento do aspecto estrutural (FORMA) da linguagem, fazendo-se a distinção entre “conhecimento” e “desempenho lingüístico”.

4.3. Deverão ser previstos, na aplicação de prova discursiva e/ou de redação, mecanismos que indiquem ser o candidato com deficiência auditiva, sem que seja ele identificado nominalmente.

           4.4. As provas de redação e/ou discursivas, aplicadas a pessoas surdas ou com deficiência auditiva, deverão ser avaliadas somente por Professores de Língua Portuguesa para Surdos ou professores de Língua Portuguesa acompanhados de um intérprete de Libras.

Lei nº 13.146/15 – Lei Brasileira de Inclusão – LBI.

          Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

          […];

          III – tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social;

          Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

          § 1o Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. […]

Fazendo uma circunspeção acerca do tema, pode-se verificar que merece guarida o pedido da apelante em ter a sua prova revista, desta vez por professor habilitado às suas necessidades, quais sejam, de pessoas surdas alfabetizadas em libras que necessitam que sua prova discursiva atendam as especificidades da língua.

Para tanto é importante que se faça os seguintes apontamentos.

É de saber comezinho que a intervenção do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, somente tem lugar na hipótese de flagrante ilegalidade na elaboração ou correção de provas, por parte da banca examinadora, sem o respeito às normas veiculadas no edital. No caso em concreto, a apelante requer que sua prova seja corrigida por meio não disponibilizado em edital, ou seja, que sua prova seja corrigida por professor habilitado em libras, hipótese não contemplada no edital.

Portanto, não se trata de alteração de gabarito, ou pior, correção da prova pelo judiciário. Não é isso. O caso apresentado concentra-se na necessidade (ou não) de correção da prova discursiva por profissional habilitado em libras considerando, por certo, as especificidades linguísticas da Libra.

Assim, tenho que as teses impugnadoras dos réus concentraram-se no fato de que a candidata deveria ter solicitado a condição especial para a aplicação do teste. Como dito, não há o que falar em aplicação, mas sim em correção.

Sobre tal ponto, se os réus tivessem provado que o exame discursivo aplicado à apelante fora, de fato, corrigido por profissional habilitado em libras, não haveria mais discussão aqui e a nota seria mantida.

Porém, é patente a distinção entre a causa de pedir/pedido da candidata/apelante e a defesa técnica apresentada os réus/apelados, vejamos:

          Todavia, a candidata em comento, não apontou nenhum registro na Ata de Aplicação de Prova, sobre qualquer descumprimento de solicitações ou situações anormais durante a realização das provas na sua sala.

As condições para que a candidata realizasse a prova foram todas providas e, a mesma conseguiu transcrevê-la normalmente. (IBFC – ID 6142807).

 

… houve total atendimento às solicitações da Autora no tocante à assistência técnica necessária à deficiência da mesma para realização da prova discursiva. Portanto, foram devidamente fornecidas à Autora as condições asseguradoras de isonomia material entre a mesma e os demais candidatos considerada a sua deficiência, verificando-se a lisura e regularidade em todo o procedimento de aplicação e correção da prova. (Estado de Pernambuco – ID 6142815).

 

Por outro lado, tenho que resta frágil a alegação do Estado de Pernambuco ao afirmar que “verifica-se dos próprios documentos acostados à inicial, notadamente da cópia da prova de redação da Autora (anexa á inicial) que a mesma, quanto à forma, apresenta-se absolutamente escorreita, sendo patente que a mesma apresenta alfabetização na língua portuguesa, não apresentando qualquer dificuldade de escrita decorrente de sua deficiência auditiva”.

Ora, ao tempo que defende que o judiciário não pode interferir na correção das provas, passa a defender, como próprio avaliador fosse, que a prova da candidata não teve qualquer relação de prejudicialidade, quanto a correção, com a deficiência apresentada. E acrescenta: “apresenta alfabetização na língua portuguesa”. Parece contraditório, e é.

Nesta toada, agiu em erro in judicando o magistrado sentenciante ao acolher a tese de que a deficiência apresentada pela candidata em nada prejudica na execução da prova discursiva. Neste ponto, transcrevo trecho da fundamentação da sentença:

          A prova de redação foi apresentada à candidata na forma escrita, com orientação suficiente à compreensão do tema, sendo o critério de avaliação do edital circunscrito ao exame de texto escrito produzido pelo candidato.

         Não me parece razoável, para o caso específico, exigir a presença de avaliador na banca examinadora versado em linguagem de sinais (natureza visual-motora).

         A candidata pode se expressar na forma escrita de forma clara, como se exemplifica o documento id. 26890380 (recurso administrativo), id. 26890509 (requerimento administrativo) e as diversas correspondências eletrônicas acostadas aos autos produzidas pela candidata.

Assim, ao tempo que defendem – réus e juiz sentenciante, de que não cabe ao judiciário reavaliar questões de concurso, passam a “corrigir” a redação da candidata atestando que não houve prejuízo na correção. Passaram a ser, de fato, avaliadores.

É temerário apontar que a candidata se expressa “com orientação suficiente à compreensão do tema” em razão de ter redigido recurso administrativo, requerimento administrativo e emails como sendo suficiente, em grau de avaliação técnica em um concurso público. Parâmetros totalmente distintos.

Como se não bastasse, a libras é considerada língua oficial1 e, não língua substitutiva. Assim, provas escritas na língua portuguesa, devem obedecer a orientação gramatical-linguística das Libras.

Resta saber se a ausência dessa hipótese de correção acarreta em flagrante ilegalidade capaz de autorizar a revisão da prova e, caso positivo, se acarreta em violação ao princípio da vinculação do edital do certame.

POIS BEM.

A pessoa com surdez tem uma dificuldade natural por não conseguir interpretar a linguagem falada e empreende um esforço ainda maior para memorizar os signos e as regras gramaticais, já que correlaciona as ideias de maneira diferenciada por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).

Neste ponto, ao contrário dos réus – que não trouxeram qualquer prova, a apelante anexou três pareceres dos professores Silas Nascimento dos Santos (ID 6142787) – Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Educação Especial pela Faculdade Frassinete do Recife, por Priscylla Alexandra dos Santos Freitas Souza (ID. 6142794) – Licenciada em Letras/Português pela Faculdade de Formação de Professores de Belo Jardim FABEJA e Especialista em Língua Brasileiras de Sinais – Libras pelo Centro Universitário Sociesc e, pela Professora, Raquel de Fátima Feitosa (ID 6142797) – Licenciada em Letras Português/Inglês – FABEJA, Especialista em Língua Portuguesa AEB e Licenciada em Letras/Libras pela Universidade Federal da Paraíba.

Todos eles apontaram que “a limitação auditiva impõe dificuldade no processo de aquisição dessa modalidade” (escrita) assim, corroboram a necessidade de correção de provas por pessoas (professores) aptas a alcançaram essa necessidade.

Trata-se, portanto, de equidade em concurso público. Não podemos falar em igualdade, pois estaríamos dando às pessoas as mesmas oportunidades (no caso, o mesmo método de correção), quando na verdade, devemos adaptar as oportunidades deixando-as justas, caso a caso.

Não distante disso, é fato que o dever decorre de previsões na Constituição Federal, que garantem o direito à igualdade, cidadania e dignidade da pessoa humana e veda qualquer tipo de discriminação, além de assegurar medidas assistivas, adequadas a necessidade de cada caso em concreto.

Na busca pela igualdade material e promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, o Poder Legislativo Estadual, no uso de sua competência legislativa concorrente, segundo art. 24, XIV, da Constituição Federal, dedica-se à edição de normas que busquem a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Dentre esses objetivos está a necessidade de neutralizar ou minimizar as dificuldades de inserção enfrentadas pelas pessoas com deficiência.

Em âmbito infraconstitucional, os direitos dos portadores de deficiência são assegurados pela Lei Federal nº 7.853/89, que visa sua integração social, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99; pelo Decreto nº 6.949/2009, que incorporou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento jurídico pátrio.

Já em nível estadual, vigora a Lei nº 16.358/18 que, embora não estava em vigor quando da execução do concurso (Edital de 2017), apresenta elementos que garantem o uso correlato dos princípios garantidores da equidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, em especial, daquelas pessoas com deficiência, vejamos:

Art. 1º As provas escritas realizadas por pessoas com deficiência auditiva, em vestibulares e processos seletivos de qualquer natureza, no âmbito do Estado de Pernambuco, para ingresso de estudantes em cursos de ensino técnico ou superior, deverão ser corrigidas por profissionais com habilitação em Libras.

  • 1º Entende-se como Libras (Língua Brasileira de Sinais) a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil, nos termos da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
  • 2º Para fazer jus à correção da prova escrita por profissional habilitado em Libras, o candidato com deficiência auditiva deve informar sua condição no ato da inscrição no vestibular ou processo seletivo, conforme o caso.

 

Assim, hoje, em virtude da vigência da referida Lei, não haveria espaço para debates. O direito estava garantido e pronto.

Assim, afastando a aplicação retroativa da lei, mas, utilizando os argumentos influenciadores desta, só me fazem acreditar na potencialidade do direito apresentado, principalmente, quando atinamos aos princípios constitucionais já citados.

Neste sentido, ainda nas razões do projeto de lei, o Deputado Ricardo Costa, fez constar na justificativa do seu projeto (lei nº 16.358/18) que:

          O presente Projeto de Lei visa possibilitar que a redação e a prova de interpretação de texto, quando realizada por um surdo alfabetizado em LIBRAS em vestibulares, concursos, ou qualquer outro tipo de prova escrita, seja corrigida por um profissional capacitado e formado em LIBRAS, levando-se em conta as estruturas semânticas da LIBRAS. A redação quando escrita por um alfabetizado em Libras possui estrutura semântica diferente daquela escrita por um alfabetizado em português, como demonstra o exemplo:

 a)      O alfabetizado em português escreve: Eu sou alfabetizado em português.

 b)      O alfabetizado em Libras escreve: Português alfabetizado eu sou.

          Portanto, devido a esta diferença semântica as provas de redação e de interpretação realizadas pelo deficiente auditivo não podem ser corrigidas de modo genérico levando em conta apenas a 1ª língua oficial, mas considerar a 2ª língua oficial isto é, a LIBRAS, e, portanto se faz necessário que sejam corrigidas por profissional formado em LIBRAS.

Assim, tenho que deve ser levado em conta que as estruturas semânticas que são específicas das Libras. A redação quando escrita por um alfabetizado em Libras possui estrutura semântica diferente daquela escrita por um alfabetizado em português.

Tanto é que existe, à nível nacional, o projeto de lei nº 1231/2019 da senadora Mara Gabrilli que “Cria medidas de acessibilidade da pessoa com deficiência auditiva nos concursos públicos federais e no exercício do cargo ou emprego público. Disciplina a aplicação da Língua Brasileira de Sinais – Libras na disponibilização do edital e na realização das provas”.

Atualmente, o PL encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), segue justificativa da aprovação do projeto na referida comissão:

          De fato, a Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão, tornando imperativa a garantia de atendimento e tratamento adequado às pessoas com deficiência auditiva.

Regulamentando a referida Lei, eis o que prevê o Decreto nº 5.626, de dezembro de 2005, exemplificativamente, acerca dos mecanismos de avaliação da produção escrita dos deficientes auditivos:

           Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.

          § 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:

            VI – adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;

               Destaque-se, ainda, que as proposições estão plena e materialmente compatíveis com o corpo constitucional, notadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e com os princípios estabelecidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mais conhecida por Convenção de Nova Iorque, tratado internacional com força constitucional, vez que aprovado segundo o rito previsto no art. 5º, §2º, CF/88.

Desta feita, somando aos argumentos da Lei Estadual e do PL citados, tenho ainda que o Decreto Federal nº 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, em seus artigos nº 37 a 43, já dispõe sobre o direto à igualdade plena nas condições de acesso ao cargo público, especificamente em matéria de concurso público.

Tanto é que, a título exemplificativo/argumentativo, trago que no ano de 2014, o Ministério Público Federal entrou com ação civil pública (nº 0801980-11.2014.4.05.8300) em face do INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO TEIXEIRA – INEP para que este, adotasse critérios diferenciados utilizados na correção das redações dos candidatos com deficiência auditiva/surdos – correção de provas subjetivas por professores habilitados em libras – no ENEN 2014.

As exigências foram as seguintes (em repetição à Recomendação nº 01/2010 do CONADE):

c.4 Quanto aos critérios de avaliação

          4.1 O edital do ENEM deverá explicitar os mecanismos e critérios de avaliação das provas discursivas e/ou de redação dos candidatos surdos ou com deficiência auditiva, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística da LIBRAS.

          4.2 Deve-se considerar que a pessoa surda educada na língua de sinais, necessariamente sofrerá influências desta na sua produção escrita, tornando necessário o estabelecimento de critérios diferenciados de correção de provas discursivas e de redações, a fim de proporcionar tratamento isonômico aos candidatos surdos. Nesse sentido, deverão ser instituídos critérios que valorizem o aspecto semântico (CONTEÚDO) e sintático em detrimento do aspecto estrutural (FORMA) da linguagem, fazendo-se a distinção entre ‘conhecimento’ e ‘desempenho linguístico’.

          4.3 Deverão ser previstos, na aplicação de prova discursiva e/ou de redação, mecanismos que indiquem ser o canditato com deficiência auditiva, sem que seja ele identificado nominalmente.

          4.4 As provas de redação e/ou discursivas, aplicadas a pessoas surdas ou com deficiência auditiva, deverão ser avaliadas somente por Professores de Língua Portuguesa para Surdos ou professores de Língua Portuguesa acompanhados de um intérprete de Libras.

Hoje, apesar de não haver lei federal neste sentido – expresso de correção, o ENEN já corrige as provas subjetivas, de estudantes com deficiência auditiva, por professores habilitados em libras.

Assim, por tudo que fora exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo para garantir que a apelada tenha a prova corrigida por Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras. Com a inversão dos honorários.

—-
1 Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. (lei nº 10.436/02).
 

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

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 3ª Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 0000117-27.2018.8.17.2001 – 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante : B. L. de F. B.
Apelados : Estado de Pernambuco e OUTRO
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 CONCURSO PÚBLICO. PROVA SUBJETIVA. REDAÇÃO. CANDIDATA DEFICIENTE. SURDEZ. CORREÇÃO DA PROVA CONFORME EDITAL. ALEGAÇÃO DE QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM DEMAIS CANDIDATOS. AFASTADA. MÉRITO. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO QUE GARANTA A ACESSIBILIDADE DE PESSOAS COM DEFICIENCIA AUDITIVA. RECONHECIMENTO DA LIBRAS COMO LÍNGUA OFICIAL. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DO TEXTO POR PROFISSIONAL HABILITADO EM LIBRAS. EQUIDADE EM CONCURSO PÚBLICO QUE SE IMPÕE PELA VIA CONSTITUCIONAL. APELO QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  1. A questão sob análise estaciona no pedido de (nova) correção da prova subjetiva (redação) da apelante, desta vez, por “Professor de Língua Portuguesa para Surdos (preferencialmente) ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras”.
  2. Para tanto, alega que seu direito repousa no “subitem 6.11 do Edital nº 01/2017 do concurso ao provimento de vagas do TJPE, aliado ao item 4.4 da Recomendação nº 01/2010, Presidência da República, e arts. 3º, III e 4º, §1º, da LBI (Lei nº 13.146/15)”.
  3. Preliminar de formação de litisconsórcio necessário. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais aprovados no concurso público, uma vez que possuem mera expectativa de direito. Preliminar afastada.
  4. Mérito. A apelante, _______________, participou do concurso público do TJPE, inscrição nº ___________, para o cargo de Técnico Judiciário -TPJ / Judiciária Polo 10 – Agreste Meridional, como pessoa com deficiência. Na sua prova subjetiva (redação), obteve a nota de 27,4 enquanto que o Edital previa, como nota mínima, 30 pontos.
  5. É de saber comezinho que a intervenção do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, somente tem lugar na hipótese de flagrante ilegalidade na elaboração ou correção de provas, por parte da banca examinadora, sem o respeito às normas veiculadas no edital. No caso em concreto, a apelante requer que sua prova seja corrigida por meio não disponibilizado em edital, ou seja, que sua prova seja corrigida por professor habilitado em libras, hipótese não contemplada no edital.
  6. Portanto, não se trata de alteração de gabarito, ou pior, correção da prova pelo judiciário. Não é isso. O caso apresentado concentra-se na necessidade (ou não) de correção da prova discursiva por profissional habilitado em libras considerando, por certo, as especificidades linguísticas da Libra.
  7. Assim, tem-se que as teses impugnadoras dos réus concentraram-se no fato de que a candidata deveria ter solicitado a condição especial para a aplicação do teste. Como dito, não há o que falar em aplicação, mas sim em correção.
  8. Sobre tal ponto, se os réus tivessem provado que o exame discursivo aplicado à apelante fora, de fato, corrigido por profissional habilitado em libras, não haveria mais discussão aqui e a nota seria mantida.
  9. Resta frágil a alegação do Estado de Pernambuco ao afirmar que “verifica-se dos próprios documentos acostados à inicial, notadamente da cópia da prova de redação da Autora (anexa á inicial) que a mesma, quanto à forma, apresenta-se absolutamente escorreita, sendo patente que a mesma apresenta alfabetização na língua portuguesa, não apresentando qualquer dificuldade de escrita decorrente de sua deficiência auditiva”.
  10. Ora, ao tempo que defende que o judiciário não pode interferir na correção das provas, passa a defender, como próprio avaliador fosse, que a prova da candidata não teve qualquer relação de prejudicialidade, quanto a correção, com a deficiência apresentada. E acrescenta: “apresenta alfabetização na língua portuguesa”. Parece contraditório, e é.
  11. Nesta toada, agiu em erro in judicando o magistrado sentenciante ao acolher a tese de que a deficiência apresentada pela candidata em nada prejudica na execução da prova discursiva.
  12. Assim, ao tempo que defendem – réus e juiz sentenciante, de que não cabe ao judiciário reavaliar questões de concurso, passam a “corrigir” a redação da candidata atestando que não houve prejuízo na correção. Passaram a ser, de fato, avaliadores.
  13. É temerário apontar que a candidata se expressa “com orientação suficiente à compreensão do tema” em razão de ter redigido recurso administrativo, requerimento administrativo e emails como sendo suficiente, em grau de avaliação técnica em um concurso público. Parâmetros totalmente distintos.
  14. Como se não bastasse, a libras é considerada língua oficial2 e, não língua substitutiva. Assim, provas escritas na língua portuguesa, devem obedecer a orientação gramatical-linguística das Libras.
  15. A pessoa com surdez tem uma dificuldade natural por não conseguir interpretar a linguagem falada e empreende um esforço ainda maior para memorizar os signos e as regras gramaticais, já que correlaciona as ideias de maneira diferenciada por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).
  16. Neste ponto, ao contrário dos réus – que não trouxeram qualquer prova, a apelante anexou três pareceres dos professores Silas Nascimento dos Santos (ID 6142787) – Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Especialista em Educação Especial pela Faculdade Frassinete do Recife, por Priscylla Alexandra dos Santos Freitas Souza (ID. 6142794) – Licenciada em Letras/Português pela Faculdade de Formação de Professores de Belo Jardim FABEJA e Especialista em Língua Brasileiras de Sinais – Libras pelo Centro Universitário Sociesc e, pela Professora, Raquel de Fátima Feitosa (ID 6142797) – Licenciada em Letras Português/Inglês – FABEJA, Especialista em Língua Portuguesa AEB e Licenciada em Letras/Libras pela Universidade Federal da Paraíba.
  17. Todos eles apontaram que “a limitação auditiva impõe dificuldade no processo de aquisição dessa modalidade” (escrita) assim, corroboram a necessidade de correção de provas por pessoas (professores) aptas a alcançaram essa necessidade.
  18. Trata-se, portanto, de equidade em concurso público. Não podemos falar em igualdade, pois estaríamos dando às pessoas as mesmas oportunidades (no caso, o mesmo método de correção), quando na verdade, devemos adaptar as oportunidades deixando-as justas, caso a caso.
  19. Na busca pela igualdade material e promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, o Poder Legislativo Estadual, no uso de sua competência legislativa concorrente, segundo art. 24, XIV, da Constituição Federal, dedica-se à edição de normas que busquem a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Dentre esses objetivos está a necessidade de neutralizar ou minimizar as dificuldades de inserção enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
  20. Em âmbito infraconstitucional, os direitos dos portadores de deficiência são assegurados pela Lei Federal nº 7.853/89, que visa sua integração social, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99; pelo Decreto nº 6.949/2009, que incorporou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento jurídico pátrio.
  21. Já à nível estadual, vigora a Lei nº 16.358/18 que, embora não estava em vigor quando da execução do concurso (Edital de 2017), apresenta elementos que garantem o uso correlato dos princípios garantidores da equidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, em especial, daquelas pessoas com deficiência.
  22. Provimento do apelo para garantir que a apelada tenha a prova corrigida por Professor de Língua Portuguesa para Surdos ou Professor de Língua Portuguesa acompanhado de um Intérprete de Libras. Com a inversão dos honorários. À unanimidade.

 

 ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº0000117-27.2018.8.17.2001, da Capital, em que figura, como apelante, o Estado de Pernambuco e OUTRO,

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, REJEITAR A PRELIMINAR apresentada e, DAR PROVIMENTO ao apelo, também à unanimidade de votos, tudo de conformidade com relatório e votos em anexo, que, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

 

Recife,                de                 de 2019.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Depoimento Acolhedor Itinerante no TJPE

06-06-2019 Postado em Sem categoria por Luiz Carlos Figueirêdo

Conheça o serviço de Depoimento Acolhedor na modalidade itinerante do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), inaugurado em novembro de 2018, com o objetivo de atender às demandas das comarcas onde ainda não foram instaladas sala de Depoimento Acolhedor nos fóruns.

 

No post “Livreto – O Depoimento Acolhedor no Tribunal de Justiça de Pernambuco”  acesse o conteúdo que traz resgate histórico do serviço no âmbito do TJPE.

 

Livreto – O Depoimento Acolhedor no Tribunal de Justiça de Pernambuco

06-06-2019 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

O livreto “O Depoimento Acolhedor no Tribunal de Justiça de Pernambuco: Mais que um serviço de inquirição, uma prática de excelência em prol da proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência” traz um regaste histórico do serviço inaugurado em 2010 no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).

Clique aqui para acessar o conteúdo na íntegra.

 

78° Encontro Nacional do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil

18-06-2018 Postado em Palestras por Luiz Carlos Figueirêdo

Palestra proferida, em junho/2018, durante o 78° Encontro Nacional do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil, com tema “APADRINHAMENTO E BUSCA ATIVA”

Clique aqui para acessa o conteúdo na íntegra

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – MUDANDO PARA SER SEMPRE O MESMO

18-05-2018 Postado em Sem categoria por Luiz Carlos Figueirêdo

Estatuto da Criança e do Adolescente: Mudando para ser o mesmo

ECA-MUDANDO-PARA-SER-SEMPRE-O-MESMO

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RELATÓRIO/VOTO E ACÓRDÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO SOBRE CONCESSÃO DE LICENÇA DO CORPO DE BOMBEIROS PARA CRECHES E ESCOLAS

06-04-2018 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Município do Recife em face do Ministério Público do Estado de Pernambuco, impugnando decisão interlocutória da lavra da MM. Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, Dra. Hélia Viegas Silva, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0012931-91.2017.8.17.0001.

O Magistrado de Piso, através da decisão questionada (ID´s nº 2561036, 2561039 e 2561041), deferiu, em parte, o pedido de antecipação de tutela, por não acatar apenas o prazo solicitado pelo Ministério Público, no sentido de determinar ao Município do Recife que: a) no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, regularize todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal (creches e escolas) de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97 e b) na hipótese de existirem prédios de creches ou escolas que não possam se adequar às medidas de proteção e incêndio previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97, ou no caso de ser necessário o esvaziamento de prédios para realização das obras, sejam disponibilizados, no prazo de até 30 (trinta) dias, outros espaços apropriados e seguros para alocação dos estudantes e funcionários das respectivas creches ou escolas, de modo a não haver interrupção das atividades educacionais, nem da carga horária prevista para o ano letivo durante esse processo de regularização, fixando, para o caso de descumprimento das determinações apontadas, a multa diária de R$ 500,00 (quinhentos) reais, acrescida de juros de mora, por cada unidade educacional (creche ou escola) em que for verificada pendência pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco ou por outro órgão com competência para fiscalização dessa natureza, bem como no caso de interrupção das aulas sem disponibilização de local apropriado e seguro para alocação dos alunos e funcionários das creches e escolas, após prazos fixados para cumprimento da decisão, com reversão da multa ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Recife, além de bloqueio judicial de valores do erário público municipal, da possibilidade de responsabilização por desobediência por parte do gestor municipal e imposição de multa no mesmo patamar retrofixado ao representante legal do réu, como pessoa física, atual e sucessor, bem assim de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92, art. 10, inciso X), por negligência na conservação do patrimônio público, limitada até o término do mandato de cada um.

Preliminarmente, arguiu a incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a questão versada naqueles autos toca apenas transversalmente o direito ao ensino, porquanto, em sentido estrito e imediato, não se discute a deficiência na prestação do ensino, mas sim a suposta irregularidade de um conjunto de edificações.

Em apertada síntese, a parte agravante argumenta (ID nº 2559787):

1) Que a falta de atestado das unidades educacionais do Município do Recife não implica, a priori, que sejam desprovidas de equipamentos contra incêndios e estejam inadequadas quanto à sinalização e iluminação de emergência, tampouco significa que o Município está revel à situação de irregularidade, porquanto, em agosto de 2014, a edilidade e a Gusmão Planejamento e Obras Ltda. firmaram contrato cujo objeto é a contratação de empresa de engenharia especializada para realizar projetos de adequação da infraestrutura das 309 escolas municipais, em que se inclui não só o sistema de prevenção contra incêndio e pânico, mas também todas as demais questões infraestruturais;

2) Que, de acordo com Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, foram elaborados 82 projetos, sendo que 05 unidades escolares estão com atestado de regularidade, 04 unidades estão aguardando vistoria do Corpo de Bombeiros, 27 projetos estão submetidos à análise para aprovação pelo Corpo de Bombeiros, 15 projetos estão com exigências para correção e posterior reanálise pelo Corpo de Bombeiros, 06 projetos foram elaborados, aguardando assinatura para envio ao Corpo de Bombeiros, 10 projetos estão em processo de elaboração na empresa gerenciadora Gusmão Planejamento e Obras, 15 unidades estão com projetos autorizados para elaboração pela empresa gerenciadora e, do saldo de 227 unidades, 57 delas não precisam de aprovação de projetos, por possuírem área construída menor do que 250m²;

3) Que não está omisso com o dever de adequar as unidades escolares e creches às normas de proteção contra incêndio e pânico, pois as contratações necessárias já foram empreendidas, sendo certo que o processo de regularização segue um curso em que concorrem fatores alheios à vontade da Administração, como, por exemplo, os entraves burocráticos dos processos administrativos para consecução dos atestados, a escassez do pessoal do Corpo de Bombeiros para realizar vistoria e emitir o atestado e o elevado custo dos projetos;

4) Que a fixação do prazo de 120 (cento e vinte) dias ofende os parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade, sobretudo quando se tem em conta que o Ministério Público não logrou êxito em comprovar que as edificações em questão estejam desprovidas de sistema de prevenção contra incêndio e pânico, já que os laudos acostados pelo Parquet dão conta de uma ínfima parcela dos imóveis e percebe-se que muitos deles sequer apresentam informações sobre o sistema de prevenção contra incêndio e pânico, detendo-se em questões estruturais que desbordam do objeto da ação de origem;

5) Que o autor não logrou demonstrar o perigo de dano ínsito às escolas municipais ou o risco ao resultado útil do processo, a fim de ser franqueada a via da tutela de urgência, considerando que a ausência, por si só, de atestado de bombeiros não implica ausência de sistema de prevenção e combate a incêndio na edificação;

6) Que a narrativa da exordial peca por uma generalidade insuportável, que não resiste a um confronto com os fatos em tela e a antecipação de tutela apenas conspurca um processo já em curso e penaliza financeiramente a Administração Municipal;

7) Que a determinação do prazo de 120 (cento e vinte) dias é impossível de ser materialmente executado, sendo certo que a contratação de outra empresa para elaboração dos projetos necessários, sem embargo da ausência de recursos orçamentários para isso, não promoveria nenhum resultado no referido lapso de tempo, pois seria incontornável novo procedimento licitatório;

8) Que não há fundamento no ajuizamento de ACP para obrigar o Município a fazer aquilo que já está fazendo – adotando medidas necessárias à obtenção do atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros – dentro das possibilidades orçamentárias do ente público e com observância dos parâmetros legais de licitação e contratação de bens e serviços;

9) Que a multa fixada por dia de descumprimento, por unidade escolar não regularizada, considerando que são 309 (trezentas e nove) unidades, é absolutamente desproporcional, que poderá, dada a exiguidade do prazo conferido na decisão, alcançar um montante confiscatório do patrimônio do devedor;

10) Que o deferimento da liminar ora vergastada, por se revestir de natureza satisfativa, esgota, no todo, o objeto da ação.

 

Ao final, pugna pelo efeito suspensivo ao presente recurso e, no mérito, pelo provimento, para que, acolhendo-se a preliminar de incompetência absoluta, seja declarada a nulidade da decisão prolatada e, subsidiariamente, comprovado que não estão presentes os requisitos autorizadores da medida de urgência, seja cassada a decisão de primeiro grau em todos os seus termos ou, acaso se entenda de modo diverso, alargado o prazo para cumprimento da obrigação e reduzidas as astreintes aplicadas, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade.

Instada a se manifestar, a parte agravada fê-lo (ID nº 2989498), afirmando, no que pertine à competência para julgamento da lide de origem, que descabe cogitar a tramitação do feito perante o Juízo Fazendário, uma vez que se trata de questão afeta a direitos individuais e coletivos de crianças e adolescentes matriculados nas creches e escolas municipais, em harmonia com a doutrina da proteção integral e com o princípio da prioridade absoluta e nos moldes do inciso IV do art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consoante jurisprudência consolidada do STJ.

Alega, no mérito, que a demanda de origem resultou de inspeções realizadas pela Gerência Ministerial de Engenharia e Arquitetura (GMAE) em diversas investigações em trâmite perante as Promotorias de Justiça da Capital, especializadas na defesa do direito humano à educação, quando foi verificado que as unidades inspecionadas não dispunham de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar.

Argumenta, ademais, que o agravante confessa expressamente a sua situação de irregularidade, bem como que, em 2014, celebrou contrato milionário com uma empresa de engenharia para, dentre outros, promover a adequação dos edifícios que sediam creches e escolas municipais em relação às medidas de proteção contra incêndio e pânico, embora, até o presente momento, não tenha sido ultimada essa regularização.

Argumenta, ainda, que o agravante, ao se insurgir contra o prazo estipulado na decisão antecipatória, trata a obrigação de dispor de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco como se fosse uma imposição que só surgiu a partir da decisão liminar, quando tal documento é requisito de funcionamento de qualquer edificação aberta ao público, desde a edição da Lei Estadual nº 11.186/94.

Acresce que o agravante pretende que o Poder Judiciário lhe conceda um salvo-conduto para manter as suas unidades de ensino sem o atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, quando ele, em verdade, deveria ser o maior guardião dessa regra, tentando, de forma ardilosa, através deste recurso, desacreditar as inspeções realizadas pela Gerência Ministerial de Arquitetura e Engenharia, ressaltando trechos isolados e descontextualizados.

Aduz, outrossim, que a garantia do padrão de qualidade da educação oferecida pelo poder público, nos moldes da disciplina constitucional (artigos 5º, 6º, 205, 206, 208 e 227 da CF/88) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), perpassa pela inviolabilidade da segurança e salubridade dos prédios (unidades) onde esse ensino é prestado.

Sustenta que a jurisprudência é assente quanto à inoponibilidade da alegação de que não se admite o deferimento de liminares em desfavor da Fazenda Pública face o princípio fundamental da proteção integral às crianças e adolescentes, nos termos do art. 227 da CF/88 e 4º, 6º, 7º, 15 e 70, todos da Lei nº 8.069/90.

Defende, por fim, que a imposição de astreintes no valor fixado, sem prejuízo das outras medidas coercitivas indicadas pelo Juízo a quo, são as únicas formas de garantir eficácia aos comandos judiciais preferidos, sobretudo quando se tem em conta que o Município do Recife já houvera deixado transcorrer in albis o prazo fixado na Recomendação que fora expedida pelo Parquet previamente ao ajuizamento da ação, o que só evidencia a sua conduta furtiva.

O Parquet ofertou seu parecer (ID nº 3041487), opinando pelo não provimento do recurso, para manter a decisão de primeiro grau em todos os seus fundamentos, argumentando que resta incontroverso que, das mais de 300 (trezentas) unidades educacionais do Município do Recife, apenas 05 (cinco) tem atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros, 82 (oitenta e duas) estão em processo de regularização junto ao Corpo de Bombeiros e 109 (cento e nove) seguem irregulares e sem projeto de regularização, não obstante já exista contrato em vigor com firma de engenharia, cujo objeto consiste justamente na regularização da situação dessas creches e escolas quanto à prevenção de incêndio e pânico e já tenham sido desembolsados mais de trinta milhões de reais.

É o Relatório. Inclua-se em pauta.

Recife, __________ de _____________ de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

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Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 VOTO

 De proêmio, não merece acatamento a preliminar de incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a irregularidade das edificações onde há a prestação do serviço de ensino às crianças e adolescentes atinge, sim, a salvaguarda do padrão de qualidade do ensino, núcleo do direito à educação, integrante do rol de garantias disciplinadas no Estatuto da Criança e Adolescente e, consequentemente, de matérias litigiosas que integram a competência das Varas da Infância e Juventude.

Versa a lide em apreço acerca de liminar impositiva de medidas de ação pertinentes a condições de segurança [regularização de todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal – creches e escolas – de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97], concedida em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com suporte em procedimento preparatório de apuração da infraestrutura daquelas unidades e motivada pela necessidade de conformidade das edificações em questão às normas vigentes, com vistas a prevenir/evitar ocorrência de incêndios e situações de pânico.

Cumpre ressaltar, de proêmio, que o Magistrado de Piso, ao determinar que o Município do Recife promovesse a regularização das unidades educacionais de sua rede, obtendo os respectivos atestados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, fê-lo fundado em dados que evidenciam ausência de adequação, pela quase totalidade das creches e escolas da rede municipal de ensino, aos parâmetros legais de segurança contra incêndios e pânico, fato este, frise-se, não negado pela edilidade, em sede de manifestação preliminar em ACP, bem como nos autos do presente recurso.

Malgrado não negue a citada ausência de conformidade dos prédios em tela ao regramento da Lei Estadual nº 11.186/94 e do Decreto Estadual nº 19.644/97, o agravante traz no seu conjunto probatório dados informativos que demonstram que, diferentemente de outras demandas submetidas ao Judiciário referentes ao cumprimento de obrigações de fazer pelo Poder Público, in casu o Município do Recife vem adotando as ações necessárias à obtenção dos multicitados atestados de regularidade das unidades de sua rede de ensino, com contrato para serviços de elaboração de projetos vigente e dispensa de licitação para aquisição de extintores em curso, não obstante o pouco êxito encontrado até a presente data, eis que um quantitativo inferior a um terço encontra-se com  projetos já elaborados e em vias de aprovação pelo Corpo de Bombeiros.

Exsurge dos autos que o Município do Recife, após licitação, contratou a empresa Gusmão Planejamento e Obras, que vem gerenciando a elaboração de projetos de engenharia e arquitetura tendentes a regularizar a infraestrutura das unidades educacionais da rede de ensino municipal e que, embora o decurso de lapso de tempo razoável, ainda subsistem muitas unidades pendentes de regularização, sendo certo que, segundo Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, Comunicações Internas, Quadro de Controle de Demandas e Ofícios (ID nº 2560268, 2560279, 2560762, 2560776, 2560777, 2560779, 2560783, 2560783, 2560785, 2560788, 2560871 a 2560884, 2560886 a 2560903, 2561004, 2561007, 2561018, 2561018, 2561027, 2561034, 2561088), muitas dessas pendências não dependem exclusivamente de ações da municipalidade, mas dos próprios trâmites legais dos processos para obtenção dos atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros, bem como do desequilíbrio entre o volume da demanda, haja vista se tratar de 309 (trezentas e nove) edificações, e o quantitativo de pessoal humano necessário à elaboração dos projetos, execução das vistorias e confecção dos atestados.

Obviamente que não se questiona a relevância do direito em questão, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que não apenas garantem transporte escolar aos estudantes que não possuam condições de se deslocar às instituições de ensino nas quais estejam matriculadas, como asseguram que a prestação desse serviço se dê de forma integral, contínua, gratuita e segura, direito esse que, acaso comprometido, reflete prejudicialmente no fim último, que é o amplo acesso à educação. Senão vejamos:

  • CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

 

“(…) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(…)

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(…)VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.(…).”

 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

 “(…) Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – direito de ser respeitado por seus educadores;

III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;

V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

(…)Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

(…)IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;

(…)VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;.”.

 

  • LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL:

 “(…) Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(…)IX – garantia do padrão de qualidade;(…).”

É certo que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada. Destaque-se, outrossim, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em atuação na área da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes nesta Comarca do Recife, merecem deferência desse Juízo ad quem.

Todavia, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pelo Magistrado e o provimento final, no que respeita à obrigação, em prazo reduzido, de obtenção de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros de todas as unidades educacionais do Município do Recife, possuem equivalência, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção não apenas de despesas de grande vulto, como de providências práticas complexas, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento, pelo que tenho que, malgrado, no caso concreto, a solução jurídica adotada tenha sido adequada a fazer prevalecer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças e adolescentes, merece, contudo, ajustes no que pertine ao prazo fixado para seu cumprimento.

De fato, haja vista a necessidade do Poder Executivo escalonar suas prioridades, somada às exigências de planejamento orçamentário, a manutenção dos estritos termos da decisão do Juízo de Piso está vinculada à impositiva comprovação da continuada omissão do Município do Recife pela ausente/deficitária segurança das unidades educacionais da sua rede de ensino, o que, contudo, não restou absolutamente comprovado, ao menos nessa fase processual, sobretudo quando se tem em conta as medidas até então já adotadas, que demonstram o esforço da edilidade em estabelecer um cronograma de ações no intuito de obter os atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros das instalações prediais da totalidade de suas creches e escolas.

 Embora seja possível o afastamento da invocação da cláusula da reserva do possível quando estamos diante de normas constitucionais de caráter cogente que regulam o dever de proteção integral à infância e à juventude, a atuação material do Judiciário é admitida desde que haja prova patente de omissão imputável ao Poder Executivo, sendo certo que, na hipótese dos presentes autos, considerando o patente esforço da Municipalidade em dar cumprimento às normas de proteção contra incêndio e pânico, somada à constatação de que o êxito na obtenção dos almejados atestados não depende exclusivamente de ações de sua responsabilidade, exsurge razoável a dilatação do prazo originariamente concedido pelo Juízo de Piso, para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

 

Quanto ao valor das astreintes, tem-se que o intuito da multa é fazer com que o devedor cumpra a prestação pela qual foi obrigado. Se o fizer, nada será devido.

 

Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO PARCIAL do presente recurso, a fim de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

É como voto.

Recife, ______ de _________________ de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

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Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CRIANÇA E ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIDADES ESCOLARES. MEDIDAS DE PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO. ATESTADOS DE REGULARIDADE EMITIDOS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE PERNAMBUCO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ECA. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. PROTEÇÃO INTEGRAL. ADEQUAÇÃO DA SOLUÇÃO JURÍDICA ADOTADA. PODER PÚBLICO MUNICIPAL DILIGENTE NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. COMPLEXIDADE DO PROCESSO PARA CONSECUSSÃO DOS ATESTADOS. NECESSIDADE TÃO SOMENTE DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO ORIGINARIAMENTE DETERMINADO. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.

1) Não merece acatamento a preliminar de incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a irregularidade das edificações onde há a prestação do serviço de ensino às crianças e adolescentes atinge, sim, a salvaguarda do padrão de qualidade do ensino, núcleo do direito à educação, integrante do rol de garantias disciplinadas no Estatuto da Criança e Adolescente e, consequentemente, de matérias litigiosas que integram a competência das Varas da Infância e Juventude.

2) Versa a lide em apreço acerca de liminar impositiva de medidas de ação pertinentes a condições de segurança (regularização de todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal – creches e escolas – de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97), concedida em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com suporte em procedimento preparatório de apuração da infraestrutura daquelas unidades e motivada pela necessidade de conformidade das edificações em questão às normas vigentes, com vistas a prevenir/evitar ocorrência de incêndios e situações de pânico. O Magistrado de Piso, ao determinar que o Município do Recife promovesse a regularização das unidades educacionais de sua rede, obtendo os respectivos atestados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, fê-lo fundado em dados que evidenciam ausência de adequação, pela quase totalidade das creches e escolas da rede municipal de ensino, aos parâmetros legais de segurança contra incêndios e pânico, fato este, frise-se, não negado pela edilidade, em sede de manifestação preliminar em ACP, bem como nos autos do presente recurso.

3) Malgrado não negue a citada ausência de conformidade dos prédios em tela ao regramento da Lei Estadual nº 11.186/94 e do Decreto Estadual nº 19.644/97, o agravante traz no seu conjunto probatório dados informativos que demonstram que, diferentemente de outras demandas submetidas ao Judiciário referentes ao cumprimento de obrigações de fazer pelo Poder Público, in casu o Município do Recife vem adotando as ações necessárias à obtenção dos multicitados atestados de regularidade das unidades de sua rede de ensino, com contrato para serviços de elaboração de projetos vigente e dispensa de licitação para aquisição de extintores em curso, não obstante o pouco êxito encontrado até a presente data, eis que um quantitativo inferior a um terço encontra-se com projetos já elaborados e em vias de aprovação pelo Corpo de Bombeiros.

4) O Município do Recife, após licitação, contratou a empresa Gusmão Planejamento e Obras, que vem gerenciando a elaboração de projetos de engenharia e arquitetura tendentes a regularizar a infraestrutura das unidades educacionais da rede de ensino municipal e que, embora o decurso de lapso de tempo razoável, ainda subsistem muitas unidades pendentes de regularização, sendo certo que, segundo Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, Comunicações Internas, Quadro de Controle de Demandas e Ofícios (ID nº 2560268, 2560279, 2560762, 2560776, 2560777, 2560779, 2560783, 2560783, 2560785, 2560788, 2560871 a 2560884, 2560886 a 2560903, 2561004, 2561007, 2561018, 2561018, 2561027, 2561034, 2561088), muitas dessas pendências não dependem exclusivamente de ações da municipalidade, mas dos próprios trâmites legais dos processos para obtenção dos atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros, bem como do desequilíbrio entre o volume da demanda, haja vista se tratar de 309 (trezentas e nove) edificações, e o quantitativo de pessoal humano necessário à elaboração dos projetos, execução das vistorias e confecção dos atestados.

5) Obviamente que não se questiona a relevância do direito em questão, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que não apenas garantem transporte escolar aos estudantes que não possuam condições de se deslocar às instituições de ensino nas quais estejam matriculadas, como asseguram que a prestação desse serviço se dê de forma integral, contínua, gratuita e segura, direito esse que, acaso comprometido, reflete prejudicialmente no fim último, que é o amplo acesso à educação.

6) É certo que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada. Destaque-se, outrossim, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em atuação na área da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes nesta Comarca do Recife, merecem deferência desse Juízo ad quem. Todavia, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pelo Magistrado e o provimento final, no que respeita à obrigação, em prazo reduzido, de obtenção de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros de todas as unidades educacionais do Município do Recife, possuem equivalência, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção não apenas de despesas de grande vulto, como de providências práticas complexas, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento, pelo que tenho que, malgrado, no caso concreto, a solução jurídica adotada tenha sido adequada a fazer prevalecer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças e adolescentes, merece, contudo, ajustes no que pertine ao prazo fixado para seu cumprimento.

7) De fato, haja vista a necessidade do Poder Executivo escalonar suas prioridades, somada às exigências de planejamento orçamentário, a manutenção dos estritos termos da decisão do Juízo de Piso está vinculada à impositiva comprovação da continuada omissão do Município do Recife pela ausente/deficitária segurança das unidades educacionais da sua rede de ensino, o que, contudo, não restou absolutamente comprovado, ao menos nessa fase processual, sobretudo quando se tem em conta as medidas até então já adotadas, que demonstram o esforço da edilidade em estabelecer um cronograma de ações no intuito de obter os atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros das instalações prediais da totalidade de suas creches e escolas. Embora seja possível o afastamento da invocação da cláusula da reserva do possível quando estamos diante de normas constitucionais de caráter cogente que regulam o dever de proteção integral à infância e à juventude, a atuação material do Judiciário é admitida desde que haja prova patente de omissão imputável ao Poder Executivo, sendo certo que, na hipótese dos presentes autos, considerando o patente esforço da Municipalidade em dar cumprimento às normas de proteção contra incêndio e pânico, somada à constatação de que o êxito na obtenção dos almejados atestados não depende exclusivamente de ações de sua responsabilidade, exsurge razoável a dilatação do prazo originariamente concedido pelo Juízo de Piso, para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

8) Quanto ao valor das astreintes, tem-se que o intuito da multa é fazer com que o devedor cumpra a prestação pela qual foi obrigado. Se o fizer, nada será devido.

9) Por unanimidade, deu-se provimento parcial ao presente agravo de instrumento, para fins de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

 

ACÓRDÃO                                                                                                                                                                    ————————————————————————————————————-

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0007439-87.2017.8.17.9000, em que figuram, como Agravante, o Estado de Pernambuco e, como agravado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao presente agravo, a fim de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

Recife, 05 de ­­­­­­­­­­­­­­dezembro de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

VOTO DE VISTA

04-04-2018 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista                                                                                                     =========================================================

Apresento os autos do AP nº 476356-0, da relatoria do Des. Alfredo Jambo, sobre o qual formulei pedido de vistas na Sessão de Julgamento realizada por esta Egrégia 3ª CDP/TJPE datada de 14.03.2018, oportunidade em que já se fez consignar publicamente a retomada do seu julgamento para esta sessão de julgamento, cumprindo-se, assim, as formalidades legais.

Após análise acurada dos autos, considerando que o pedido de vistas houve formulado ainda em relação ao julgamento das matérias preliminares suscitadas em grau recursal, cuido em votar em sintonia com o voto Relatorial – muito embora entreveja que outras questões de ordem preliminar foram suscitadas na peça de apelo do Município do Recife, e nas próprias contrarrazões do Ministério Público do Estado de Pernambuco, que assim devem ser enfrentadas antes de alcançarmos o exame meritório recursal, independente, aliás, de qual venha a ser esse desfecho meritório em eventual concordância ou divergência frente ao posicionamento Relatorial que ainda advirá em definitivo.

Sendo assim, desde logo registro que, além do meu voto de vista sobre as matérias preliminares enfrentadas pelo nobre Relator na sessão de julgamento retromencionada, relativas à (i) existência de processo multitudinário (com necessidade de limitação do seu litisconsórcio ativo) e (ii) à perda superveniente do interesse processual autoral, darei continuidade a esse meu voto para adentrar nas outras matérias de ordem preliminar que constatei existir no alcance dessa controvérsia recursal – a saber: (i) nulidade processual (equívoco no prazo de contestação) e (ii) ausência de interesse recursal -, a fim de também serem apreciadas individualmente perante esta 3ª CDP/TJPE, para só então apresentar o meu apartado voto meritório, tudo a bem de se evitar uma hipotética arguição de nulidade processual – donde remanesce, inclusive, que tais matérias de ordem preliminar deverão retornar ao crivo do nobre Relator para sobre elas também lançar o seu indispensável voto, no exercício daquelas suas atribuições jurisdicionais.

Feito esse breve e indispensável registro, inicio, efetivamente, o meu voto de vista sobre este AP nº 476356-0, o qual será elaborado de forma individualizada sobre as matérias supramencionadas.

 

 

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista – Preliminar de existência de processo multitudinário (limitação do litisconsórcio ativo)                                                      =========================================================

Nesta prefacial, o Município do Recife postula, em síntese, pela cisão do processo em várias lides, comportando dez crianças em cada, eis que não seria possível exercitar plenamente o seu direito de defesa, esclarecendo os fatos ou analisando questões individuais das centenas de crianças litigantes em um único processo.

Após detido compulsar dos autos, venho anuir ao voto relatorial, eis que, ao contrário do que quer fazer crer o Município do Recife em sua peça recursal, o objeto desta causa, voltado que está em assegurar o acesso (universal) à educação infantil gratuita pelas crianças de zero a cinco anos residentes nessa Municipalidade em creches e pré-escolas, jamais se restringiu ao quantitativo das 114 crianças indicadas na Lista (“demanda manifesta”) que se fez acompanhar à peça atrial desta ACP, tanto assim que, em repetidas vezes naquela sua peça, o MPPE foi categórico em afirmar que essa listagem seria meramente exemplificativa (e não taxativa) – arguição essa, aliás, que em tudo se coaduna com a sua legitimação processual extraordinária enquanto substituto processual legitimado à propositura de uma ação coletiva (ACP) na defesa de interesses transindividuais voltados à pretendida universalização da educação infantil gratuita.

Nesse sentido, tome-se como exemplo a seguinte remissão constante dos fundamentos jurídicos daquela sua pretensão autoral, onde se fez consignar que:

“Assim, pretende-se garantir que crianças, com idades de zero a cinco anos, tenham acesso às creches e pré-escolas da REDE Municipal de Ensino, sem limitação quantitativa, direito esse que, embora o constituinte tenha o colocado no primeiro escalão de prioridades, vem sendo vilipendiado pelo Município Réu.

 Como já esposado alhures, nos autos do Inquérito Civil nº 097/2005 – 22ª PJDCC, foi apurado, como resultando de uma atuação conjunta do Autor com os Conselhos Tutelares, que hoje, aproximadamente, 114 (cento e catorze) crianças residentes nesta cidade não gozam de vaga garantida para o ano de 2015 na educação infantil ofertada pela Rede Municipal de Ensino (docs. 02/151).

 E o que isto representa? Esse quantitativo, que não é exauriente, mas apenas manifesto, significa a exposição dessas crianças a toda sorte de exploração infantil, uma vez que permanecerão desamparadas nos períodos em que os seus pais se ausentarem para obter o sustento da família.” (fl. 17) (grifei)

Nesse ponto, válido transcrever, ainda, o próprio objeto desta causa – em cujo teor não se evidencia qualquer delimitação ao quantitativo de crianças entre 0 a 5 anos residentes na cidade do Recife que ali teriam sido restritivamente “agraciadas” com o exercício daquela legitimação extraordinária do MPPE no ajuizamento desta Ação Coletiva:

“Confiante na motivação que impulsiona esta demanda, o Ministério Público de Pernambuco requer:

(…)

  1. d) seja confirmada a medida liminar e julgados procedentes os pedidos da presente demanda, no sentido de que o Município Réu se abstenha de negar vaga às crianças de zero a cinco anos, residentes em Recife, que lhe requisitem acesso à educação infantil pública, assegurando-lhes a matrículas em creches e pré-escolas da Rede Municipal de Ensino próximas às respectivas residências, ou em outras unidades educacionais públicas, mas com a devida oferta gratuita de transporte escolar, respeitando-se, em ambos os casos, os limites quantitativos fixados pelo Conselho Municipal de Educação e, em sendo o caso de eventual impossibilidade, na Rede Privada de Ensino, às suas expensas, sob pena de imposição de medidas coercitivas, como aplicação de multa por descumprimento, com reversão ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, e bloqueio judicial de valores.” (fls. 36/37) (grifei)

Conquanto, de fato, tenham sido atravessadas aos autos sucessivas listagens (mais de uma dezena) intituladas como “demandas manifestas” servindo à atualização do quantitativo de crianças residentes no Município do Recife alijadas do desejado acesso à educação infantil gratuita ao longo do curo desta ACP, providência essa sucessivamente contabilizada pelo MPPE através das representações a si diretamente apresentadas pelos respectivos pais e também das informações colhidas periodicamente junto aos Conselhos Tutelares Municipais, tal circunstância jamais teria o condão de fazer estabelecer um inexistente litisconsórcio multitudinário quando o próprio MPPE já atua nesta Ação Coletiva enquanto substituto processual da sociedade e no exercício da sua consabida legitimação extraordinária na defesa de interesses transindividuais, cuja pretendida universalização, aliás, nunca se restringiu aos quantitativos indicados naquelas Listas e que, como tal, apenas serviram à melhor instrução desta causa em busca do seu desiderato autoral – sendo certo, ademais, que essa sua condição de substituto processual fez estabelecer o MPPE como única parte autora desta causa, o que reforça, a toda evidência, o descabimento da arguição de litisconsórcio multitudinário.

Aliás, sobre a amplitude da legitimação ativa do MPPE em defesa do interesse coletivo de todas as crianças do Município em hipóteses desse jaez, assim já se pronunciou o Colendo STJ:

“Na ação civil pública atua o parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional.” (REsp 706652/SP, 2ª Turma STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/03/2005)

Ainda que não se desconheça que as sucessivas listagens de “demandas manifestas” acostadas aos autos pelo MPPE certamente contribuíram para a complexidade no exame desta causa em relação à sua análise documental, tais Listas apenas representam, ao final, e em um manifesta caráter exemplificativo – até porque fez-se noticiar na própria peça atrial de que determinadas Creches Municipais (a exemplo da Creche Municipal Sonho de Criança, vide o documento de fl. 276) deixaram de manter cadastro das crianças excedentes ao quantitativo das suas vagas – a dimensão do problema relativo ao direito material de ordem transindividual reclamado nesta causa, servindo, assim, aquelas listagens, como verdadeiro instrumento (não exauriente) para a justa solução jurídica desta causa, a fim de lhe trazer a indispensável e desejada efetividade em relação ao pleito de universalização da educação infantil gratuita formulado pelo Parquet.

Frise-se, ademais, que o entendimento aqui difundido igualmente afasta, por extensão, as arguições recursais de impossibilidade de expansão do objeto processual ou de emenda à exordial após à contestação entrelaçadas com a presente temática sobre as sucessivas listagens trazidas aos autos, apresentando-se desde logo descabida, sob essa vertente, a arguição de cerceamento ao direito de defesa do Município do Recife, eis que tais listagens em nada afetaram a estabilidade desta demanda em relação ao seu objeto.

Ante o exposto, acompanho o voto do Relator para REJEITAR essa preliminar de existência de processo multitudinário, suscitada no apelo da Municipalidade.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo
Vogal

 

 

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista – Preliminar de perda superveniente do interesse processual autoral                                   =========================================================

De igual sorte, acompanho o voto Relatorial para rejeitar a preliminar de perda superveniente do objeto da demanda, suscitada no apelo do Município do Recife a pretexto de que já teria sido cumprido, em sua integralidade, o comando sentencial.

Afinal, tal qual referenciou o nobre Relator em seu voto preliminar, há questionamento nos autos noticiando o descumprimento daquele decisum, tanto assim, aliás, que foi requerida ao Juízo de Piso a execução provisória da sentença.

Não se olvide, ainda, que as listagens apresentadas pelo MPPE ao longo do curso do feito apenas possuem um já reconhecido caráter exemplificativo (e não exauriente), donde o seu alegado (e controvertido) cumprimento jamais teria o condão de esgotar o objeto da demanda, além do que, lado outro, a própria Municipalidade confessou na sua própria peça recursal que não cumpriu integralmente aquele comando judicial, eis que, conforme deduziu o Relator, alegou problemas na localização de cinco crianças.

Frise-se, ademais, que a pretensão deduzida nesta lide não se resumiu em promover o acesso à educação infantil gratuita das crianças residentes no Município de Recife na faixa etária de 0 a 5 anos, mas sim buscou efetivar esse direito em proximidade das suas respectivas residências ou mesmo através da oferta gratuita de transporte escolar, não bastando, portanto, ao Município, deduzir que já realizou a pré-matrícula das crianças indicadas nas Listagens anexadas aos autos relativa ao ano de 2017 como motivo suficiente à descabida arguição de perda superveniente do objeto desta causa – até porque a própria Municipalidade ainda almeja a reforma meritória da sentença para fazer restringir a sua atuação no cumprimento desse seu confessado dever constitucional aos limites/metas disciplinados pela Lei Federal nº 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação).

Ainda sobre esse ponto, válido ressaltar que as contrarrazões do Parquet mencionaram a existência da sua anterior petição de fls. 806/824, pela qual se deduziu que, mesmo com a inclusão escolar de algumas crianças pela Municipalidade, não se fez cumprir a literalidade do comando judicial em disponibilizar unidade educacional próxima à residência da criança ou a alternativa oferta da gratuidade do seu transporte público.

Ante o exposto, em sintonia ao voto do Relator, REJEITO a preliminar de perda superveniente do objeto da demanda, suscitada em grau de apelo pelo Município do Recife.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo
Vogal

 

 

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista – Preliminar de nulidade processual (equívoco no prazo da contestação)                              =========================================================

Nesta prefacial, ainda não enfrentada pelo nobre Relator, o Município do Recife aduziu a nulidade processual a partir dos atos posteriores à sua citação, eis que o exíguo prazo de contestação ali fixado de 10 (dez) dias, com inobservância ao prazo legal em quádruplo então disciplinado no CPC/73, teria prejudicado, efetivamente, o exercício do seu direito de defesa.

Contudo, penso que essa preliminar também não merece guarida.

De proêmio, cuido em ressaltar que o despacho citatório (fl. 377) não referenciou qual o prazo legal de resposta concedido ao Município réu/apelante, apenas sobrevindo a incidência desse equívoco na expedição do respectivo Mandado de Citação, que, é verdade, fez consignar, em um manifesto erro material, o prazo de dez dias para a sua contestação (vide fl. 378).

Conquanto o Município alegue, em grau de apelo, a existência desse vício processual com o fito de anular todos os atos processuais posteriores à sua citação, vê-se dos autos que tal arguição já havia sido suscitada anteriormente no próprio bojo da sua contestação de fls. 381/386, sob o tópico “Da necessidade de reabertura de prazo para contestação”, postulação essa que restou indeferida pelo Juízo de Piso através da decisão manuscrita de fl. 497, sob o fundamento de que(…) em observância ao art. 214, §§ 1º e 2º, do CPC, entendo que a peça de defesa às fls. 381/386, por não arguir apenas a nulidade da citação, supriu o vício sanável do prazo de resposta”, decisão essa da qual a Municipalidade tomou ciência, conforme se depreende do Mandado de Intimação e sua respectiva certificação de fls. 576/577.

Nesse panorama, decerto que cumpria ao Município ter interposto o recurso cabível ao desafio daquela decisão interlocutória do Juízo a quo, e não aguardar a tramitação dessa lide para tentar renovar aquela sua arguição em grau de apelo, onde a sua inércia fez promover a incidência da preclusão temporal – sendo válido registrar, nesse ponto, que, diante do microssistema processual da tutela coletiva em nosso ordenamento jurídico, “aplica-se o art. 19 da Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular) por analogia às ações civis públicas, de forma que a sentença de improcedência deve ser submetida ao reexame necessário (e não o contrário) (AgInt no REsp 1264666/SC).

Sobre a incidência da preclusão temporal em desfavor da Fazenda Pública, assim já se pronunciou, mutatis mutandis, o Colendo STJ:

“Eventual nulidade do processo, decorrente da não observância da prerrogativa de intimação pessoal da União quanto aos atos processuais, deve ser alegada no primeiro momento para se manifestar nos autos, sob pena de ocorrência da preclusão temporal. Precedentes.” (REsp 1099943/RS, 5ª Turma STJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 01/03/2012)

Ainda que a preliminar em apreço já se resolva pela sua rejeição diante da incidência da preclusão temporal em desfavor do Município do Recife, faço registrar que o comparecimento do réu a juízo, exercendo em toda a plenitude o direito de defesa, supre eventual defeito da citação (nesse sentido: REsp 141688/AM), circunstância que bem se evidencia no caso em apreço, onde o Município do Recife adentrou exaustivamente no meritum causae naquela sua peça de bloqueio, de sorte que a sua arguição recursal de “real prejuízo à defesa” consubstanciado na sua confessada identificação posterior de que a Lei Federal nº 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação – PNE) serviria como argumento central daquela sua defesa a revelar o equívoco da pretensão autoral do MPPE apenas se traduz em uma descabida tentativa de se esquivar, sob essa ótica, de uma preclusão consumativa – sendo certo, nesse ponto, que a contestação do Município foi apresentada em 04/02/2015, vide fl. 381, ao passo que a Lei Federal nº 13.005/2014 já estava em vigor desde junho/2014.

Cumpre-me ressalvar, todavia, que, diante da máxima jurídica pela qual “o juiz conhece a lei”, nada obsta que, em tendo essa norma legal supramencionada eventual relevância jurídica no desate desta causa, possa ela ser considerada neste grau recursal, independente de qual venha a ser o seu desfecho meritório.

Ante o exposto, REJEITO a preliminar de nulidade processual (equívoco no prazo da contestação), suscitada pelo Município ora apelante.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo
Vogal

 

 

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista – Preliminar de ausência de interesse recursal pelo Município do Recife                               =========================================================

Em suas contrarrazões, o MPPE suscitou, em única prefacial, a qual ainda não foi apreciada pelo nobre Relator, a preliminar de ausência de interesse recursal pelo Município do Recife, sob o argumento de que ele já teria reconhecido, de forma inequívoca, a procedência dos pleitos autorais.

Dita preliminar não merece prosperar, na medida em que, conquanto o Município do Recife até tenha reconhecido aquele seu dever constitucional em prestar educação infantil gratuita, sempre ofereceu resistência à postulação autoral do Parquet nos moldes em que foi postulada, inclusive a pretexto da reforma do comando sentencial para adequar aquele seu dever constitucional ao cumprimento das Metas estabelecidas na Lei nº 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação – PNE) – onde a sua obrigação estaria adstrita em atender a 50% (cinquenta por cento) das crianças de 0 a 3 anos e de somente incluir a totalidade das crianças de 4 a 5 anos nas instituições de ensino a partir de dezembro/2016.

Frise-se, ademais, a pretensão recursal do Município também perpassa, ainda, sobre a fixação de astreintes no cumprimento do comando sentencial, cuja impugnação jamais se prejudicaria com o eventual reconhecimento da procedência substantiva dos pleitos autorais.

Ante o exposto, REJEITO a preliminar de ausência de interesse recursal, suscitada nas contrarrazões do MPPE ao apelo do Município do Recife.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo
Vogal

 

 

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 476356-0 – Recife (1ª Vara da Infância e Juventude)
Apelante: Município do Recife
Procurador : Paulo Gesteira Costa Filho
Apelado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Alfredo Jambo

 Voto de vista – Mérito

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Ultrapassadas as questões de índole preliminar, adentro, finalmente, no mérito recursal.

Nesse toada, de logo faço o registro que, na singular condição de magistrado com jurisdição nesta CDP/TJPE em acumulação ao cargo de Coordenador da Infância e Juventude deste TJPE, não me recai qualquer restrição em participar do julgamento deste Apelo, muito pelo contrário, eis que aquelas minhas atividades se apresentam inconfundíveis e independentes entre si.

Ainda assim, cuido ressaltar que a minha histórica vivência na área da Infância e Juventude bem pode nortear a minha convicção pessoal no enfrentamento jurídico da matéria, quiçá até possibilitando o aprofundamento da sua problemática e as suas inequívocas repercussões de caráter jurídico e social perante os meus pares.

Com efeito, decerto que a contenda em apreço provém de uma demanda histórica (vide a própria existência do IC nº 097/2005 – MPPE que subsidiou esta ACP), da qual todas as cidades do país sofrem, salvo eventuais e raríssimas exceções: a necessidade de garantia ao acesso à educação infantil gratuita como um verdadeiro direito constitucional, parcela da sociedade essa que, como cediço, é detentora de prioridade absoluta na defesa dos seus interesses.

Firme nessa premissa, tenho que a sentença em reapreço merece, apenas, uma parcial reforma, como adiante se verá.

É que, conquanto comungue do entendimento de quea educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola” (grifei) donde se conclui, com inquestionável acerto do nosso Pretório Excelso, que “a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe em, seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental” (ARE nº 639337 AgR/SP, 2º Turma STF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23/08/2011) (grifei), não posso desconsiderar que a nossa conjuntura histórico-social está bastante distante daquele “ideal” constitucional.

Ora, Recife já possui quase cinco séculos de vida, sempre carregando, consigo, as suas diversas mazelas sociais ao longo desse tempo, dentre as quais o acesso à educação infantil gratuita, que, mesmo após o advento da nossa atual Constituição Cidadã, e ainda que daqui tenham surgido nomes Gilberto Freyre, Paulo Freie e Josué de Castro, jamais alcançou aquele desejado – e sempre bem desejado (!) – patamar de universalização na educação infantil pública.

Nesse contexto, a atuação do Parquet no exercício daquela sua missão institucional na defesa desse tão caro (e indisponível) interesse coletivo da sociedade através desta sua ACP é, mais uma vez, como já o foi anteriormente noutra causa submetida à esta 3ª CDP/TJPE,  digna de deferência!

De outra banda, não é de se olvidar que, independente da histórica deficiência do Poder Público Municipal em relação a essa matéria, existem políticas públicas que, se até aqui não exauriram esse problema, demonstram que o Município ora apelante, no exercício da sua sempre complexa atuação político-administrativa e já há algum tempo assolado na crise financeira que se desencadeou neste país, está buscando soluções para se desincumbir daquela sua obrigação constitucional, constatação essa que se vislumbra nos autos tanto em razão do autorreconhecimento desse seu dever e das ações tomadas em alegado cumprimento aos comandos judiciais aqui prolatados, quanto do próprio comando sentencial aqui impugnado ao fazer consignar, com absoluta propriedade, que “(…) os documentos colacionados nos autos pela defesa refletem a realização de ações por parte do Município réu para minimizar a insuficiência de vagas na educação infantil, todavia insuficientes para sanar essa o (sic) déficit de vagas em debate” (fl. 1.299).

Nesse panorama, também reafirmo neste meu voto o entendimento consagrado na sentença hostilizada de que a educação infantil está inserida no núcleo intangível do mínimo existencial e deve ser assegurada com absoluta prioridade pela Administração Pública, não lhe sendo oponível a cláusula de reserva do possível, nada obstando que, nos casos de descumprimento desse consagrado dever constitucional, seja provocada uma excepcional e legítima intervenção judicial, sem disso repercutir ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Tal posicionamento, registro, encontra respaldo na orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, consoante se depreende da citação abaixo, também oriunda do ARE nº 639337 AgR/SP já mencionado neste meu voto:

“A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas.”

 É bem verdade, de outra banda, a Lei Federal nº 13.005/2014 veio a disciplinar sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), a vigorar pelo prazo de dez anos, que, não obstante tenha em suas diretrizes a “universalização do atendimento escolar” (inciso II do seu art. 2º), estabeleceu, dentre as suas metas, a Meta nº 1: “universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE”.

Ainda que essa Lei não tenha sido trazida à baila na peça de defesa do Município do Recife, é certo que “o juiz conhece a lei” e ela integra o arcabouço jurídico sobre o qual perpassa a controvérsia destes autos, aqui se ressaltando, inclusive, que a propositura desta ACP em janeiro/2015, já se deu sobre a vigência desse Diploma Legal, iniciada que foi em junho/2014 – circunstâncias tais que autorizam, ao meu ver, a sua invocação em análise para se alcançar o adequado desenlace desta causa.

Aliás, é certo que durante o curso da lide ainda sobreveio a vigência da Lei Federal nº 13.257/2016, a chamada Lei da Primeira Infância, que, ao estabelecer princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância (crianças de até 06 anos), reforçou, em seus art. 5º e 8º, que a educação infantil se constitui em uma das áreas prioritárias para tais políticas públicas e cujo direito deve ser atendido em sua plenitude – diploma legal esse que, ao final, também se aplica ao caso sub examinen diante da sua pertinência jurídica com o caso em apreço e da própria máxima jurídico suso mencionada.

Não retiro, pois, uma vírgula da afirmação de que a educação infantil é um direito constitucional de absoluta prioridade e que se faz merecedor da sua indispensável universalização pelo Poder Público, notadamente em relação aos mais necessitados, porém, ainda assim, não vejo como desconhecer a nossa realidade social e econômica para ao menos possibilitar um alargamento de prazo no cumprimento da determinação judicial que aqui meritoriamente se ratifica, a fim de lhe propiciar a sua indispensável efetividade sem incorrer em uma oneração excessiva/desproporcional perante o Município ora apelante.

Nesse trilhar, mutatis mutandis, já caminhou esta 3º CDP/TJPE, nos autos do AI nº 0007439-87.2017.8.17.9000, aqui julgado sob a minha Relatoria, onde, igualmente debruçado sobre uma problemática envolta ao tema educacional envolta à criança e ao adolescente e ainda mais potencializada com a desejada adoção de medidas de proteção em defesa da segurança e da incolumidade física dos corpos docente e discentes integrantes das unidades escolares desse mesmo Município do Recife em mais uma Ação Civil Pública contra si ajuizada pelo MPPE, terminou por enlarguecer o prazo ali fixado pelo Juízo de Piso para fazer cumprir com as determinações constantes no comando judicial ali impugnado, as quais, como aqui, possuíam notória repercussão na implementação das políticas públicas da Administração na área da educação pública (inclusive infantil):

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CRIANÇA E ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIDADES ESCOLARES. MEDIDAS DE PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO. ATESTADOS DE REGULARIDADE EMITIDOS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE PERNAMBUCO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ECA. LEI DE DIRETREIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. PROTEÇÃO INGTERAL. ADEQUAÇÃO DA SOLUÇÃO JURÍDICA ADOTADA. PODER PÚBLICO MUNICIPAL DILIGENTE NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. COMPLEXIDADE DO PROCESSO PARA CONSECUSSÃO DOS ATESTADOS. NECESSIDADE TÃO SOMENTE DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO ORIGINARIAMENTE DETERMINADO. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.

(…)

 2 – Versa a lide em apreço acerca de liminar impositiva de medidas de ação pertinentes a condições de segurança (regularização de todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal – creches e escolas – de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97), concedida em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com suporte em procedimento preparatório de apuração de infraestrutura daquelas unidades e motivada pela necessidade de conformidade das edificações em questão às normas vigentes, com vistas a prevenir/evitar ocorrência de incêndios e situações de pânico. O Magistrado de Piso, ao determinar que o Município do Recife promovesse a regularização das unidades educacionais da sua rede, obtendo os respectivos atestados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, fê-lo fundado em dados que evidenciam ausência de adequação, pela quase totalidade das creches e escolas da rede municipal de ensino, aos parâmetros legais de segurança contra incêndios e pânico, fato este, frise-se, não negado pela edilidade, em sede de manifestação preliminar em ACP, bem como nos autos do presente recurso.

(…)

5 – Obviamente que não se questiona a relevância do direito em questão, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que não apenas garantem transporte escolar aos estudantes que não possuam condições de se deslocar às instituições de ensino nas quais estejam matriculados, como asseguram que a prestação desse serviço se dê de forma integral, contínua, gratuita e segura, direito esse que, acaso comprometido, reflete prejudicialmente no fim último, que é o amplo acesso à educação.

6 – É certo que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requere provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação da fazer almejada. Destaque-se, outrossim, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em atuação na área da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes nesta Comarca do Recife, merecem deferência desse Juízo ad quem. Todavia, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pelo Magistrado e o provimento final, no que respeita à obrigação, em prazo reduzido, de obtenção de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros de todas as unidades educacionais do município do Recife, possuem equivalência, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção não apenas de despesas de grande vulto, como de providências práticas complexas, sob a comunicação de multa em caso de atraso ou descumprimento, pelo que tenho que, malgrado, no caso concreto, a solução jurídica adotada tenha sido adequada a fazer prevalecer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças e adolescentes, merece, contudo, ajustes no que pertine ao prazo fixado para seu cumprimento.

7 – (…). Embora seja possível o afastamento da invocação da cláusula de reserva do possível quando estamos diante de normas constitucionais de caráter cogente que regulam o dever de proteção integral à infância e juventude, a atuação material do Judiciário é admitida desde que haja prova patente de omissão imputável ao Poder Executivo, sendo certo que, na hipótese dos presentes autos, considerando o patente escorço da Municipalidade em dar cumprimento às normas de proteção contra incêndio e pânico, somada à constatação de que o êxito na obtenção dos almejados atestados não depende exclusivamente de ações de sua responsabilidade, exsurge razoável a dilatação do prazo originariamente concedido pelo Juízo de Piso, para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

(…)

9 – Por unanimidade, deu-se provimento parcial ao presente agravo de instrumento, para fins de reforma a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral”

Considerando a nítida similitude do caso em apreço com aquele AI nº 0007439-87.2017.8.17.9000, entendo que a solução do caso em apreço, conquanto igualmente adequada no campo jurídico para fazer valer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças em matéria de educação infantil, também demanda a extensão do prazo para o seu cumprimento em relação às obrigações de fazer estabelecidas no comando sentencial.

 Aliás, eis os exatos termos da condenação que se impôs ao Município do Recife no comando sentencial aqui impugnado:

  1. A) que se abstenha de negar vagas às crianças deste Município, na faixa etária de zero a cinco anos, que lhe requisitem acesso à educação infantil pública, assegurando-lhes a matrícula em creches e pré-escolas da rede municipal de ensino próximas ás respectivas residências, ou em outras unidades educacionais públicas, mas com a devida oferta gratuita de transporte escolar, respeitando-se, em ambos os casos, os limites fixados na legislação pertinente em vigor, e, no caso de impossibilidade de inserção na rede pública municipal de ensino, o acesso e matrícula das crianças na rede privada de ensino, às expensas do Município;
  1. B) no prazo de 30 (trinta) dias, contados da intimação, efetivar e comprovar documentalmente, inclusive com juntada de certificados de matrícula:

B.1) as matrículas de todas as crianças listadas na relação às fls. 1124/1144 em creches e pré-escolas da rede municipal próximas às suas residências, consoante preceituado no artigo 53, inciso V, da lei nº 8.069/90, ou mediante disponibilização não onerosa de transporte em caso da unidade educacional ser distante da residência da criança, ou inserção na rede privada de ensino, às expensas do Município, respeitando-se, em todos os casos, os limites quantitativos fixados na legislação pertinente em vigor;

B.2) a reserva de vagas em creches/pré-escolas para todas as crianças listadas na relação às fls. 1124/1144, para o ano letivo de 2017, com indicação das unidades educacionais em que estão inseridas, tudo em conformidade com os preceitos constitucionais e infralegais disciplinadores do acesso à educação pública infantil, respeitando-se, em todos os casos, os limites quantitativos fixados na legislação pertinente em vigor;

  1. C) Fixação de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o caso de descumprimento das determinações apontadas, a incidir, cumulativamente, sobre o patrimônio do Município e sobre o patrimônio pessoal do Sr. Prefeito.

Da atenta leitura da sentença, vê-se, de logo, que, se por um lado a condenação imposta no seu item “A” (abster de negar vagas às crianças deste Município, na faixa etária de zero a cinco anos, que lhe requisitem acesso à educação infantil pública) não teve fixação de qualquer prazo ou limitação temporal, apenas as condenações impostas no item “B” (no prazo de 30 (trinta) dias, contados da intimação, efetivar e comprovar documentalmente, inclusive com juntada de certificados de matrícula:) e em seus subitens “B.1” (as matrículas de todas as crianças listadas na relação às fls. 1124/1144 em creches e pré-escolas) e “B.2” (reserva de vagas em creches/pré-escolas para todas as crianças listadas na relação às fls. 1124/1144, para o ano letivo de 2017) supratranscritos ali tiveram um prazo fixado (30 dias) para cumprimento das respectivas obrigações de fazer.

Nesse sentido, de logo registro que, mesmo em se considerando que a ordem judicial do subitem “B.2” já esgotou o seu objeto diante do encerramento do ano letivo de 2017 pelo simples decurso do tempo, decerto que tal medida ainda deve ser apreciada neste grau recursal, a fim de lhe apreciar o seu acertou ou desacerto, inclusive para efeitos de aplicação das astreintes também fixadas naquele comando sentencial.

Pois bem.

Conquanto se depreenda o acerto do comando sentencial nas condenações ali impostas a fim de assegurar o cumprimento do dever constitucional de acesso à educação infantil gratuita em prol das crianças de 0 a 5 anos pelo Município do Recife, inclusive em relação à sua esfera de universalização, vê-se que, mesmo se apresentando insuficientes, existem ações de políticas públicas sendo desempenhadas pela Municipalidade ao longo do curso desta ACP, as quais demandas providências administrativas de considerável padrão de complexidade, a exigir, por conseguinte, um prazo mais dilatado do que aquele fixado na sentença para que ela consiga alcançar, sem atropelos e sem produzir uma irrazoabilidade temporal capaz de repercutir em um ônus excessivo ao Poder Público, a sua desejada efetividade em relação às providências ali determinadas, onde se destaca a fixação do exíguo prazo de 30 (trinta) dias para que a Municipalidade efetivasse e comprovasse (“B.1”) a matrícula das crianças incluídas na última Listagem de fls. 1.124/1.144 frente ao implícito ano letivo de 2016 em cuja vigência se deu a sua prolatação (setembro/2016) e (“B.2”) ainda procedesse com a pré-matrícula dessas mesmas crianças constantes daquela Listagem para o próximo ano letivo que ali se apresentava vindouro (2017).

Sobre esse reconhecido padrão de complexidade nas providências administrativas necessárias ao cumprimento do comando sentencial, é de se registrar a própria arguição recursal pertinente à sugerida necessidade de completude do comando sentencial, pela qual se depreende que, conquanto aquelas providências estejam adstritas ao mero cunho operacional administrativo do Município apelante – daí porque desde logo se rejeita aquela sua arguição recursal (!) -, a matrícula dos alunos nas unidades educacionais para aquele ano letivo ou mesmo a pré-matrícula para o ano letivo então vindouro demandava a realização de atos antecedentes em busca da regular adequação das suas vagas na rede pública de ensino (inclusive para atender ao comando sentencial na parte em que determinou a matrícula dos alunos em unidades preferencialmente próximas às suas residências) e até mesmo a atuação dos responsáveis legais de tais crianças para efetivarem em definitivo as matrículas quando assim forem cientificados, providências essas que certamente demandam um considerável esforço administrativo a se concretizar em um razoável lapso temporal.

Ainda que se cogite de um aparente retardo no alcance da efetividade da solução jurídica dessa problemática, penso que não devemos nos dissociar da realidade fático-social que nos permeia e de toda a dificuldade que lhe é inerente para fazer implantar as políticas públicas na área da educação pública infantil aqui determinadas através da sempre extraordinária intervenção deste Poder Judiciário – matéria essa que, no caso em apreço, ainda possui relevante repercussão sobre a temática das astreintes.

Nessa toada, conquanto compartilhe do entendimento difundido nas contrarrazões do MPPE onde se afirma que a obrigatoriedade do Município do Recife em assegurar o acesso à educação pública infantil não decorre da Lei Federal nº 13.005/2014, mas sim da própria CF/88, de sorte que as diretrizes daquela Lei (dentre as quais a universalização do atendimento escolar) devem ser interpretadas em consonância com a CF/88, que, por sua vez, alçaram esse direito à educação infantil ao núcleo intangível de direitos básicos sociais que integram o mínimo existencial, tudo em prol da sua desejada universalização, entendo que a sentença hostilizada merece parcial reforma, nesse tocante, apenas para dilatar o prazo fixado nas obrigações de fazer ali determinadas ao Município do Recife no seu item “B” e subitens “B.1” E “B.2”, agora alargado de 30 (trinta) para 60 (sessenta) dias, a contar desta sessão de julgamento, conforme o citado precedente desta 3ª CDP/TJPE nos autos do sobredito AI nº 0007439-87.2017.8.17.9000 – prazo esse que, entendo, há de ser estendido, por medida de razoabilidade, àquele seu dever constitucional ali também imposto de universalização na educação infantil pública ao se abster de negar vagas às crianças de 0 a 5 anos residentes neste Município que lhe requisitem acesso à educação infantil pública (item “A”), naturalmente detentor daquele já mencionado padrão de complexidade na execução das suas providências administrativas e cuja presença bem se intensifica justamente com essas condenações constantes dos subitens “B.1” e “B.2”.

De outra banda, ainda que se mantenha as obrigações de fazer acima determinadas, dentre as quais o dever constitucional de universalização na educação infantil pública e que aqui ratifico neste meu voto em razão da prioridade absoluta que revolvem os interesses da criança e do adolescente em nosso ordenamento jurídico e assim concretizado mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, entendo que as astreintes fixadas no comando sentencial aqui impugnado somente podem ser aplicadas na hipótese de descumprimento, pelo Município do Recife, da Meta estabelecida na Lei nº 13.005/2014 correlacionada com a presente matéria [“Meta nº 1universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE”], eis que, conquanto essa Meta não possua o condão de retirar aquele dever constitucional de universalização do direito à educação pública infantil, notadamente em relação àquela faixa etária de 0 a 3 anos, ela reproduz e sintetiza a realidade político-social que se entrelaça com essa histórica problemática e que bem deve ser reconhecida e ponderada na fixação das astreintes no caso em apreço.

Sendo assim, entendo que, com relação às crianças de 04 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, as astreintes somente deverão incidir após ultrapassado o prazo retromencionado (60 dias a partir desta sessão de julgamento), desde que comprovado o eventual descumprimento, a partir de então, pelo Município do Recife, da meta de universalização da educação infantil daquela faixa etária na pré-escola assim fixada naquele Plano Nacional de Educação disciplinado pela Lei nº 13.005/2014.

Já com relação às crianças de até 03 (três) anos, considerando que a respectiva Meta apenas estabeleceu o atendimento de um percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) na oferta de educação infantil em creches pelo Poder Público até o final da vigência decenal desse Plano Nacional de Educação – mas cujas diretrizes, por sua vez, apontam para o alcance da “universalidade do atendimento escolar” (vide o seu inciso II do art. 2º) -, entendo que é de se manter a multa naquele seu patamar original de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser aplicada tomando como base o mesmo termo inicial supracitado e até quando eventualmente não se faça cumprir aquele percentual mínimo ali estabelecido pela Lei nº 13.005/2014, cujo patamar, após alcançado, não deverá sofrer redução, a bem do princípio da proibição do retrocesso, sob pena de as astreintes serem automaticamente restabelecidas naquele valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em desfavor do Município do Recife e até que se faça novamente cumprir, novamente, aquela Meta.

Nesse contexto, considerando que a Meta em apreço não visa e jamais poderia ser interpretada em favor da estagnação do Poder Público no atendimento ao percentual mínimo ali estabelecido de 50% na oferta da educação infantil para as crianças de até 03 (três) anos durante o prazo decenal de vigência daquele Plano Nacional de Educação – tanto assim que, dentre as suas diretrizes ali fixadas, consta a “universalidade do atendimento escolar” (inciso II do art. 2º da Lei nº 13.005/2014), o que em tudo se compatibiliza com o reconhecimento dessa universalização na educação pública infantil como um direito constitucional de absoluta prioridade na defesa dos interesses daquela camada populacional que aqui se consagrou -, entendo que, após o Município do Recife alcançar, comprovadamente, aquele percentual, persistirá aquele seu dever constitucional de alcançar a referida universalidade, o que, em tais circunstâncias, autoriza reduzir a fixação das astreintes ao patamar de R$ 3.000,00 (três mil reais) por coerência lógica com os ditames da Lei nº 13.005/2014 na busca dessa específica universalização.

Registre-se, aliás, por oportuno, que o patamar original de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) na aplicação de multa diária para o caso de descumprimento das obrigações de fazer determinadas no comando sentencial se apresenta justo e razoável, quanto mais diante da relevância do bem jurídico aqui tutelado, que, como amplamente difundido neste meu voto, possui não só cunho constitucional, mas até mesmo a prerrogativa da sua prioridade absoluta – razoabilidade essa que igualmente vislumbro da sua específica hipótese de redução (R$ 3.000,00) acima ventilada.

Sobre essa matéria, ainda me resta apreciar o argumento recursal sobre o descabimento da cumulação das astreintes frente ao patrimônio pessoal do Prefeito da Municipalidade ora apelante.

Com efeito, é certo que o Prefeito Municipal do Recife não figura como parte no processo, apenas tendo sido aqui intimado (e não citado) para cumprir com a determinação judicial que concedeu a antecipação de tutela nesta ACP, razão pela qual não deve ter estendida, contra si, em caráter pessoal, a multa imposta à Fazenda Pública, verdadeira parte ré (e apelante) deste processo e quem estaria atuando de forma recalcitrante no cumprimento daquele comando judicial.

Nesse sentido, já se pronunciou, recentemente, o Colendo STJ:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TRANSPORTE PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DE OUTORGAS. IMPERIOSIDADE DE REALIZAÇÃO DE LICITAÇÕES PARA A CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO. PROCRASTINAÇÃO INJUSTIFICADA. INCONFORMISMO COM PROCEDÊNCIA DA AÇÃO NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO. SÚMULA 283/STF. NECESSIDADE DE COTEJO ANALÍTICO. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À ALÍNEA “C” DO INC. III, DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DE MULTA INDIVIDUALMENTE AOS GESTORES DOS ENTES PÚBLICOS. IMPOSSIBILIDADE. (…) 26.   Inconforma-se  o  recorrente  com  a  imputação  pessoal  das astreintes  em  desfavor  do  Diretor do DER/PR e do Secretário de Estado de Infraestrutura e Logística do Paraná, pois, impondo multa cominatória a sujeitos  alheios à relação  jurídica  processual, ofenderia o artigo 461, §4º, do CPC/1973. 27. “Com efeito, é pacífico o entendimento do STJ que admite a imposição da multa cominatória prevista no art. 461, § 4º, do CPC à Fazenda Pública, não sendo possível, contudo, estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu constitucional direito de ampla defesa. (AgRg  no  AREsp  196.946/SE, Rel. Ministro Humberto Martins,  Segunda Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 16/5/2013; REsp 1.315.719/SE,  Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em  27/8/2013, DJe 18/9/2013; REsp 847.907/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 5/5/2011, DJe 16/11/2011). (…) 29. Recurso Especial provido, aviado pelo Estado do Paraná.” (REsp 1541676 / PR, 2ª Turma STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/12/2017)

Ante todo o exposto, sou pelo PROVIMENTO PARCIAL da apelação cível do Município do Recife, para, conquanto mantida a ordem de universalização do direito constitucional de acesso à educação pública infantil para toda a faixa etária envolta à lide em apreço, reformar parcialmente o comando sentencial, apenas para:

(i) dilatar o prazo para cumprimento das obrigações de fazer ali determinadas no item “B” e seus subitens “B.1” e “B.2”, de 30 (trinta) dias para 60 (sessenta) dias, contados a partir desta sessão de julgamento, estendendo-o, inclusive, como medida de razoabilidade, ao item “A” daquela condenação;

(ii) estabelecer, com relação às crianças de 04 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, que as astreintes ali fixadas somente deverão incidir após ultrapassado o prazo retromencionado (60 dias a partir desta sessão de julgamento), desde que comprovado o eventual descumprimento, a partir de então, pelo Município do Recife, da Meta de universalização da educação pública infantil daquela faixa etária na pré-escola assim fixada no Plano Nacional de Educação disciplinado pela Lei nº 13.005/2014;

(iii) Fazer persistir, em relação às crianças de até 03 (três anos), a aplicação das astreintes em seu patamar original de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tomando como base o mesmo o mesmo termo inicial supracitado e até quando eventualmente não se faça cumprir aquele percentual mínimo estabelecido de 50% (cinquenta por cento) na respectiva Meta da Lei nº 13.005/2014, cujo patamar, após alcançado, não poderá sofrer redução, sob pena de violação ao princípio da proibição do retrocesso e imediato restabelecimento da multa naquele seu valor original;

(iv) Considerando que aquela Meta relacionada às crianças até 03 anos na Lei Federal nº 13.005/2014 não visa e jamais poderia ser interpretada em favor da estagnação do Poder Público no atendimento ao percentual mínimo ali estabelecido durante o seu decenal prazo de vigência, as astreintes devem ser mantidas até se alcançar a universalidade do direito constitucional à educação infantil pública que aqui se consagrou também para aquela faixa etária, porém sendo reduzida, dali por diante, ao valor de R$ 3.000,00 (três mil reais);

(v) Retirar a imposição da multa diária pessoal em relação ao Prefeito Municipal do Recife, que não figura como parte no processo.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueiredo
Vogal

 

OBS: O voto original do relator negava provimento ao reexame necessário e declarava prejudicado o apelo. Todavia, após o voto vista, aderiu ao mesmo integralmente, mantendo assim a relatoria para o acórdão. O Desembargador vogal, Márcio Aguiar, também acompanhou o voto vista e a decisão foi unânime.

LICENÇA MATERNIDADE

19-11-2017 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

SEI N.º 0032859-55.2017.6.17.8000
INTERESSADA: L. M. B. DO N.
ASSUNTO: Licença maternidade

DECISÃO

Cuida-se de pedido de licença gestante (maternidade) formulado pela servidora L. M. B. DO N., em face do nascimento de seus filhos gêmeos, ocorrido em 24/09/2017, a ser usufruída pelo período de 120 dias, prorrogada por mais 60 dias, nos termos do art. 207 da Lei nº 8.112/90 c/c o Decreto nº 6.690/2017.

Informa a requerente que seus filhos foram gerados a partir do seu material genético no ventre de sua esposa e que está fazendo tratamento médico para amamentar os bebês exclusivamente com leite materno. No ponto, junta as certidões de nascimento dos bebês (0470745 e 0470749), o contrato de fertilização (0493900 e 0493901) e a declaração médica que trata do aleitamento(0487085). Registra, ainda, que sua esposa em união estável consta de seus assentos funcionais como dependente para fins de gozo dos benefícios legais e que a mesma se encontra atualmente sem vínculo empregatício.

Explica que, embora, não haja previsão legal para concessão de licença maternidade à mãe que não gerou o filho, diante de novos modelos de núcleos familiares, tutelados constitucionalmente, impõe-se uma interpretação sistemática das normas que dispõem sobre a matéria em conexão com os dispositivos constitucionais. Colaciona diversos textos doutrinários neste sentido.

Aduz que, em razão da evolução da sociedade, o direito à licença maternidade deixou de ser restrito apenas à mãe gestante, tendo sido estendido para os casos de morte da genitora, nos termos do art. 392-B da CLT, segundo o qual é assegurado gozo da licença-maternidade ao cônjuge ou companheiro empregado por todo o período da licença maternidade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe, bem como para os casos de adoção.

Traz à baila, ainda, diversas decisões judiciais concernentes à concessão de licença gestante/adotante sem previsão normativa, destacando a licença maternidade para homem adotante, para mãe não gestante e a dupla concessão para a mãe e para o pai no caso de filhos gêmeos.

Instada a se pronunciar, a Secretaria de Gestão de Pessoas emitiu a Informação n.º 12936-RE-PE/PRES/DG/SGP/COPES/SELEPE e o Despacho nº 36402/2017/SGP, nos quais informa a ausência de previsão normativa sobre a matéria, mas com base em decisões judiciais e administrativas de outros Tribunais, se manifesta pela possibilidade de deferimento do pedido.

É o que importa mencionar. Passo a decidir.

Conforme relatado, cuida-se de pedido de licença gestante (maternidade) a ser usufruída pelo período de 120 dias, prorrogada por mais 60 dias, nos termos do art. 207 da Lei nº 8.112/90 c/c o Decreto nº 6.690/2017.

Entretanto, percebe-se de logo que o caso em exame constitui uma situação peculiar, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não possui previsão legal que respalde a concessão de licença maternidade à servidora que não foi parturiente e não é adotante.

Na hipótese, verifica-se a existência de uma estrutura familiar composta por duas mulheres em união estável, onde uma delas deu a luz aos filhos do casal que foram concebidos por meio do material genético da outra, denominada por construção jurisprudencial de co-mãe.

Pois bem, considerando a realidade fática dos novos modelos de núcleos familiares que vem sendo estruturados na sociedade, depreende-se que a licença maternidade deve ser entendida como uma licença assistencial que visa a proteção e o bem-estar físico e mental da criança, e não somente como uma licença médica vinculada ao evento biológico do nascimento ou à parturiente.

Nesse sentido, colaciono decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que manteve a sentença proferida pelo Juízo da 31ª Vara do Rio de Janeiro que havia condenado o Instituto Nacional de Seguridade Social-INSS a implementar o benefício do salário-maternidade e o empregador a conceder  licença-maternidade à mãe não parturiente de casal homoafetivo:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO. REMESSA EX OFFICIO SALÁRIO MATERNIDADE. PARTO E MÃE NÃO GESTANTE. DUPLA MATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. DIMENSÃO DE NOVAS ENTIDADES FAMILIARES. DIREITO AO BENEFICIO POR UMA DAS MÃES. PROTEÇÃO DA CRIANÇA. RECURSO E REMESSA IMPROVIDOS. SENTENÇAMANTIDA.

I – Trata-se de Apelação e Remessa Necessária de sentença, proferida pelo MM. Juiz Federal da 31ª Vara/RJ que julgou procedente o pedido, para, confirmando a tutela provisória anteriormente concedida, condenar o INSS na implantação de benefício de salário-maternidade em favor de Juliana Pires da Silva Ferreira, por cento e vinte dias a contar da implantação, cabendo ao empregador conceder a licença-maternidade pelo mesmo prazo.

II – É importante notar que o referido benefício não está ligado ao evento biológico ou à parturiente, mas sim ao melhor benefício à criança, conforme assegurado pela Constituição da República.

III – Recurso e remessa ex officio improvidos.

TRE2. Apelação Civil nº: 0143171-21.2015.4.02.5101 RJ (2015.51.01.143171-5). Rel. Des. Fed. MESSOD AZULAY NETO. Julgado em: 22/02/17. 2ª Turma Especializada.

Vejamos, ainda, a seguinte divulgação de licença maternidade concedida à trabalhadora cuja filha foi gerada pela companheira em 2015, conforme acordo homologado no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região:

Pernambucana conquista licença por filha gerada pela companheira

Jornalista recebeu benefício integral, após acordo com TRT e empresa.

Em decisão inédita no estado, ela foi considerada mãe legítima pela justiça.

A pernambucana Maira Moraes conquistou o direito de acompanhar de perto os primeiros meses de vida da filha, mesmo sem ter engravidado ou adotado a criança. O bebê foi gerado no ventre da sua companheira, que fez uma inseminação artificial, mas não pode amamentar. Essa parte ficou, então, a cargo de Maira. Por isso, ela conseguiu, em acordo com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e a empresa em que atua como jornalista, usufruir da licença-maternidade. Segundo o TRT, a decisão é inédita no estado – o juiz Eduardo Câmara afirma que este é o primeiro caso em que uma licença-maternidade é concedida nesta situação em Pernambuco.

O juiz Eduardo Câmara, gestor Regional da Execução Trabalhista e coordenador do Núcleo de Conciliação do TRT-PE, esclareceu que o caso é peculiar porque a lei determina que a licença seja concedida a quem gestou ou adotou uma criança. No entanto, Maira não se enquadra em nenhuma das duas situações. “O grande diferencial é que a mãe que gestou não é a que vai sair de licença”, resume o magistrado, que comandou a audiência de conciliação em que o acordo foi celebrado.

A conciliação foi obtida em 28 de julho, no Recife, na quarta audiência realizada pelo TRT da 6ª região entre Maira e a empresa em que ela trabalha. Na ocasião, foi decidido que a empregadora deve arcar com os custos da licença-maternidade. Assim, a jornalista poderá gozar integralmente do benefício, que prevê 120 dias de afastamento remunerado do trabalho após o nascimento dos filhos.

Este, segundo Câmara, era outro impasse porque, normalmente, os empregadores só assumem a despesa em caso de filhos biológicos. Já em adoções, o INSS é o responsável pelo benefício. Porém, mais uma vez, Maira parecia não se encaixar em nenhum dos casos. “A grande dificuldade era de classificação para fins de concessão beneficiária. Mas, depois de analisar o processo, cheguei à conclusão que as duas eram mães. E não era um caso de adoção, porque a criança foi gerada pelo casal”, fala o juiz.

Câmara esclarece ainda que a legislação também considera legítimos os filhos gerados em uma inseminação artificial heterogênea – quando há material genético de terceiros -, como aconteceu com Maira e a companheira, que usaram o sêmen de um banco genético para gerar a filha. Diante disso, todas as partes se convenceram de que Maira não se encaixava na categoria de mãe adotante, como havia sido cogitado pela empresa inicialmente, mas na de mãe legítima. Logo, a contratante da jornalista se comprometeu a assumir o pagamento do benefício.

(…)

Segundo o juiz Eduardo Câmara, Maira pode servir de exemplo para outras decisões semelhantes e, assim, tornar-se referência para os direitos homoafetivos no estado.

“A licença-maternidade é concedida para a mãe que gera, mas, neste caso, as duas foram classificadas como mães. E hoje nós vemos uma mudança razoável no panorama de família. Então, isso abre o precedente para que outros casais, femininos ou masculinos, solicitem o benefício. Um casal masculino, por exemplo, pode adotar um filho e um deles vai ter que ficar com a criança. Então, nada mais justo que tenha acesso ao benefício”, defende. No entanto, o magistrado reconhece que pode haver novamente um impasse na classificação dos genitores. “A dificuldade seria classificá-lo como adotante ou legítimo”, diz.

(…) (grifos nossos)

Disponível em: http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/09/ pernambucana-conquista-licenca-por-filha-gerada-pela-compnhei ra.html.

No caso em exame, constata-se a existência de uma entidade familiar composta por duas mães e dois filhos, tanto é assim que uma deu à luz aos gêmeos, concebidos por meio de fertilização in vitro, com material genético da requerente, conforme comprovado através dos documentos (0493900 e 0493901) e a outra optou por efetuar tratamento hormonal a fim de melhor atender às necessidades de aleitamento e cuidados de seus filhos, conforme documento anexado (0487085).

Fixada a premissa de que ambas são mães, poder-se-ia cogitar que as duas teriam direito de usufruir da licença maternidade, contudo, esta dupla percepção caracterizaria a concessão de um privilégio não estendido à família composta por homem e mulher, onde apenas a mãe faz jus à referida licença, restando ao outro membro do casal a licença paternidade.

Na hipótese, apenas a requerente solicitou o benefício da licença maternidade, ao tempo em que juntou declaração de sua esposa afirmando que a mesma não requereu licença gestante junto ao INSS ou a qualquer outro regime previdenciário (0493903).

Assim, comprovada a existência da entidade familiar composta por duas mães, sendo uma delas, servidora deste Regional, a única a requerer o benefício, e diante do exposto, DEFIRO a licença maternidade à servidora L. M. B. DO N., por 120 (cento e vinte) dias consecutivos, prorrogada por mais 60 dias nos termos do Decreto n.º 6.690, 11/12/2008.

À Secretaria de Gestão de Pessoas, para as providências necessárias.

Recife, de novembro de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Presidente

XXII ENAPA – “SOLUÇÕES JURÍDICAS PARA DIMINUIR O TEMPO DE ACOLHIMENTO NAS INSTITUIÇÕES”

16-11-2017 Postado em Palestras por Luiz Carlos Figueirêdo

Palestra proferida em Fortaleza em 06/2017, com tema: “SOLUÇÕES JURÍDICAS PARA DIMINUIR O TEMPO DE ACOLHIMENTO NAS INSTITUIÇÕES”

capa enapaXXII ENAPA 06.06 v2

ARTIGO DE CLAUDIO LACERDA

11-10-2016 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Leia abaixo, artigo escrito por Claudio Lacerda, Cirurgião, Professor da UPE e da UNINASSAU, publicado no Diário de Pernambuco, sobre como uma sentença, no entender dele, “coloca a lei a serviço da Justiça (e não a Justiça a serviço da lei, como fazia o SNT)”

 

Declare-a inexistente

 

Cláudio Lacerda.
cmlacerda1@hotmail.com

Publicação:11/05/2015 03:00

Em meados de 2008, conheci, por acaso, Wellingtânia Portela, nos corredores do Hospital Universitário Oswaldo Cruz. Aos 41 anos, vivia praticamente internada, numa cadeira de rodas, e retirava dezenas de litros de líquido do abdome toda semana. Sofria da síndrome de Budd-Chiari, que consiste na trombose das veias que saem do fígado. Evoluía com desnutrição assustadora, pesando menos de 40 quilos, sem conseguir andar, tamanha sua fraqueza. Seu abdome era descomunal, chegando a prejudicar a respiração, e seus membros superiores e inferiores extremamente finos. Era “pele e osso”, como se diz.

Sua única chance de cura era o transplante de fígado. Ocorre que, apesar da gravidade clínica, que nos levava a estimar em poucas semanas a sua sobrevida, os exames laboratoriais não espelhavam essa situação, e, consequentemente, sua posição na lista era desfavorável e nos dava a convicção de que ela morreria antes do transplante. Lembro que, ao tomar pé do caso, mandei uma fotografia de corpo inteiro para um especialista amigo, de São Paulo, como exemplo das imperfeições da lei que estabelece as prioridades na lista, ao tempo em que disse e ele que tentaria a qualquer custo viabilizar o transplante. Impressionado com o caso, o colega concordou, perguntando, todavia, se eu tinha mesmo coragem de transplantar paciente tão grave e desnutrida.

Fiz uma reunião com Wellingtânia e seus familiares, e informei que havia decidido lutar por ela. Seu marido e sua mãe, sempre muito presentes, encheram-se de esperança, aumentando minha responsabilidade e minha motivação. Mandei pedir à médica responsável por ela no hospital que fizesse um laudo mencionando a gravidade da situação para que eu pudesse caracterizar bem a necessidade urgente da cirurgia. Usaria o documento para instruir um pedido de prioridade especial ao Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Para minha surpresa, e decepção, a resposta da colega foi de que não daria o laudo, pois não concordava com “solicitações especiais nem ações na justiça” para pacientes em lista.

Sem o importante documento, mandei meu relatório para o SNT. A resposta veio três semanas depois, de forma lacônica: “indeferido”. Chamei Wellingtânia, que piorava a olhos vistos, e sua família, para dar a má notícia, mas, ao mesmo tempo, dizer que a luta continuava. Que iria ingressar na justiça. A ação foi rapidamente julgada, mas o juiz acompanhou a decisão do SNT.

Comuniquei à paciente e à família que havíamos perdido de novo, mas que iríamos apelar para o Tribunal de Justiça. A essa altura, eles beiravam o desespero. Na apelação, todavia, o desembargador Luís Carlos Figueiredo emite uma sentença que, no meu entender, coloca a lei a serviço da Justiça (e não a Justiça a serviço da lei, como fazia o SNT). Analisa o caso por uma ótica que valoriza aspectos filosóficos e valores humanitários não contemplados na legislação. Sua conclusão, aprovada por unanimidade pelos seus pares, é tão coerente que não coloca Wellingtânia em primeiro lugar na fila, com receio de preterir alguém ainda mais grave. Simplesmente manda lhe posicionar bem na lista, como se ela tivesse, por exemplo, um câncer no fígado.

Ao informar à paciente e aos seus familiares aquela decisão, explicando que agora ela tinha chances concretas, eles choraram de alegria. Havia, finalmente, uma luz no fim do túnel. Restava torcer e rezar para que ela resistisse até o dia da cirurgia.

No dia 30 de novembro de 2008, surge o doador de Wellingtânia. Apesar da sua fragilidade, tanto a cirurgia quanto o pós-operatório transcorrem sem complicações. Três meses após, seu aspecto físico já era completamente diferente. Toda a sua massa muscular se reconstituiu e, com isso, sua capacidade física, sua beleza e sua alegria de viver. Até os dias de hoje.

No ano seguinte, uma pessoa da nossa equipe informou que a mesma médica que se negara a dar um laudo a favor de Wellingtânia, na luta pelo transplante, agora mostrava o caso em aulas e palestras, com fotografias do antes e do depois. Indignada, a companheira perguntou se eu iria permitir aquilo. Respondi de pronto: “porque não?”. Logo depois, lembrei-me de um conselho do meu pai, Mario Lacerda, e acrescentei: “declare-a inexistente”.

Existentes são todos que ajudaram na luta para devolver a vida a Wellingtânia.