As asas brancas da democracia

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Com a vigência da Constituição cidadã de 1988, sendo então Ministro da Justiça o deputado Fernando Lyra e seu secretário geral o Dr. José Paulo Cavalcanti Filho, nominadas autoridades passaram a tombetear que na “remoção do entulho autoritário” caia definitivamente a sua mais cruel faceta, com o “fim total de qualquer forma de censura no Brasil”.

Em 19/10/90, à luz dos artigos 220, §3º, I e II e 221, I e IV da Constituição Federal e dos artigos 74, 75, 76, 253, 254 e 255 da Lei nº 8069, o sucessor do parlamentar caruaruense no Ministério da Justiça, Jarbas Passarinho, editou a Portaria 773/90, fixando classificação indicativa de diversões e espetáculos públicos. Ante as posições antagônicas, pelo passado das 3 (três) pessoas mencionadas, meu coração restava totalmente inclinado a dar razão aos meus conterrâneos.

Lamentavelmente, estou convicto que, neste caso, a razão está com o Coronel cujo nome é sinônimo do período autoritário recentemente vivido pelo País.

O que a CF acabou no nosso País foi com a censura estética, política e ideológica. Não fulminou (no que agiu corretamente!) com a censura de horários e faixa etária. Em qualquer País do mundo, mesmo os mais liberais, como a Holanda, onde, por exemplo, não é proibido o uso de maconha; o governo fornece gratuitamente drogas pesadas a viciados para eliminar o traficante e mulheres prostitutas se expõem despidas em vitrines, é assim que funciona. Isto tudo ocorre em locais e horários certos, absolutamente inacessíveis para menores.

É certo que, na Constituição, encontra-se consagrado os princípios do “acesso ao trabalho”; “livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e comunicação independente de prévia censura”; mas não menos certo é que “todo ato é suscetível de reapreciação pelo Poder Judiciário” e que apenas uma vez o constituinte usou a expressão “Prioridade absoluta” (portanto, supremacia sobre todos os demais) para os direitos da criança e do adolescente.

Não sou, e Deus me livre de ser, por absoluta falta de vocação, um censor. É uma estultícia das maiores se dizer que quando um Juiz proíbe a veiculação de determinada propaganda, texto, etc, em horário impróprio para menores seu ato equivale ao de um “censor”; “volta da ditadura” “império da vontade de uma só pessoa”, etc.

Em um estado de direito, as coisas fluem nos seguintes moldes: a sociedade reclama do abuso; o Ministério Público, que é fiscal da lei e defensor dos direitos coletivos e indisponíveis promove a ação; o Judiciário julga (por vezes concedendo liminares, quando evidente o bom direito pleiteado e o perigo de demora da decisão não ser eficaz se tomada a posteriori; tal como ocorre em todos os ramos do direito).

É uma pena que o Congresso Nacional ainda não tenha regulamentado a questão dos limites da chamada classificação indicativa de diversões e espetáculos públicos, em que pese tramitar Projeto de Lei nesse sentido. È lamentável também que, igualmente, ainda não haja Lei federal estabelecendo os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou profissionais de rádio e TV, bem como de propagandas agressivas como previu o legislador constituinte. Só que isto não justifica que alguns, pretextando liberdade de expressão, tentem, a todo custo, utilizarem-se dos meios de comunicação para agredir os valores morais da sociedade.

Também não sou moralista extremado ou super conservador, como alguns querem fazer crer. Vislumbro, entretanto, um mínimo de valores morais e éticos que são comuns a 99% da sociedade e que os restantes 1% (se tanto) querem a todo custo agredir. Acho que as coisas boas construídas em nossa sociedade, por anos a fio, devam ser conservadas (neste sentido, sou conservador).

Entendo que devemos todos ficar atentos ao novo, mas não pelo simples fato de ser novidade, e, sim, quando esta inovação é salutar e construtiva de uma sociedade mais justa.

Enquanto Juiz da Infância e Juventude, quando demandado por 2 (duas) vezes pelo Ministério Público, fiz cumprir aquilo que era o prevalente em nossa sociedade. Proibindo veiculação, antes das 23h, de paródias chulas, grosseiras, eivadas de palavras de baixo calão e com preconceito racial, do artista Caçarola, e proibindo propaganda apelativa do soutien “Du Loren” nos jornais locais.

Este artigo foi elaborado como contraponto a outro da lavra do advogado José Paulo Cavalcanti Filho, publicado em setembro/98, com o título “Cinderela”, em que o articulista se posta contrário a uma liminar da então Juíza substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Drª. Kátia Luciene, em ação promovida pela Promotora Arabela Porto, baseada em pleito do Conselho Tutelar, transferindo, para após às 23h, um programa da rádio TOP FM (106,9) denominado “Tarde do barulho”, e trata a decisão judicial como “as asas negra da graúna estão de volta”.

Registro que os atores que atuam no referido programa me merecem o maior respeito e admiração profissional, em especial o Sr. Jason Walace, com o seu personagem na peça “Cinderela: a história que sua mãe não contou”, a que já assisti duas vezes, no Teatro Waldemar de Oliveira. Só que o estilo do humor escrachado daquele grupo artístico é típico, em qualquer país do mundo, de recintos fechados. Um programa de rádio, no início e final de tarde, quando a maioria das crianças estão sozinhas em casa, sem um adulto para controlar, no qual se dizem palavrões dos mais chulos; apologia ao homossexualismo; conselhos para quem está em dificuldades venha a se suicidar; paródias grotescas, etc, é totalmente inadmissível.

Ciente da liminar, o que se imagina pelos deboches praticados, mas inexplicavelmente não citada, a rádio manteve o Programa por longo período. Após a citação, requereu, em Juízo, continuar no horário original, tornando o Programa mais “soft”. Sem autorização de quem quer que seja, maneirou um pouco o conteúdo, trocou o nome do programa, que continuou no ar no período da tarde, levando a que o Juiz Paulo Menezes não tivesse outro caminho que não fosse retirar a emissora do ar por 48 horas e determinar as providências pela prática de crime de desobediência (o fato de tramitar, no STF, uma Argüição de Inconstitucionalidade do artigo do Estatuto, que prevê a retirada do Programa do ar, ainda não julgada, não justifica que esta tenha sido a “saída” sugerida à rádio).

A rádio TOP FM ingressou com Agravo de Instrumento contra a ordem de retirada do ar, mas o eminente Desembargador Manoel Alves da Rocha, em lapidar despacho, que merece ser tornado do conhecimento de todos, manteve a liminar do Juiz monocrático, demonstrando cabalmente os malefícios trazidos com aquele tipo de Programa.

Nos termos em que era apresentado, cuido que nenhuma pessoa de bom senso pode enaltecer aquele Programa. Não adianta argumentar que a realidade é que é feia, com tantas crianças pedindo esmolas ou cheirando cola (um erro não justifica outro, e as ações para correções desta triste realidade não estão a cargo do Judiciário). Não vale também se comparar com outras manifestações grosseiras como algumas músicas dos “Mamonas assassinas”, filmes pornográficos ou violentos, etc. Quem tiver o que reclamar que o faça por escrito, que, com certeza, nem o Ministério Público, nem o Judiciário, faltarão com suas responsabilidades. Se possível for, que a produção do Programa apresente uma proposta de conteúdo compatível com a faixa etária e horário em que desejam veicular seu Programa. Se não for possível, cumpra a decisão e veicule após às 23h.

Não se trata de um gesto de boas intenções ou de maior ou menor teor do moralismo das autoridades judiciais, como imagina o Dr. José Paulo, mas de fazer cumprir a Lei e do bom uso da liberdade de expressão. Decisões como as mencionadas, em processo regular, são próprias do Estado de Direito e representam as verdadeiras “asas brancas da democracia” e merecem os aplausos de toda a sociedade Pernambucana.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo- Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude- Recife

(*) artigo veiculado em 1998.

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