Olinda, 29 de setembro de 2005.
Meu amado filho Luiz Carlos (Cauzinho):
Nem sei mesmo qual seja o melhor tratamento que devo dispensar-lhe nesta ocasião. Se é melhor a solenidade e a pompa que a ocasião da sua posse no cargo de Juiz de Direito Substituto recomenda, tratando-o por Vossa Excelência, ou se é mais adequado manter o grau de informalidade e afeto que permeiam, graças a Deus, as nossas relações familiares, simplesmente dizendo “Cauzinho”, “Caúca”, “Bafo” ou “macho feio”.
Correndo o risco da opção errada, creio que não há cargo no mundo que seja mais importante do que a amizade, o amor, a cumplicidade de 02 (dois) grandes espíritos que o ser supremo premiou nesta encarnação como pai e filho, razão pela qual a segunda opção me parece mais pertinente.
Você sabe muito bem como sou orgulhoso e gratificado pelos 05 (cinco) filhos que Deus me proporcionou nesta vida, cada um com suas peculiaridades e traços de personalidades próprias, que os distingue um dos outros. Igualmente sabem todos os meus filhos do caráter democrático que norteiam todas as minhas ações, de sorte que a opção profissional de cada um sempre foi por mim respeitada, assim como pela mãe de vocês todos.
Entretanto, seria uma hipocrisia de minha parte se não admitisse abertamente que é forte a emoção de ver meu filho trilhando a mesma profissão do pai e do avô paterno.
Gosto muito de dizer que já exerci diversas atividades profissionais, acrescendo, jocosamente, que só me resta ser “guia de cego”, mas que, quem sabe, não faltará oportunidade para sê-lo, sem falar na experiência adquirida nos longos anos de atividade judicante que venho exercendo.
Disso decorre a obrigação de aproveitar o ensejo para ofertar alguns “conselhos” ao amigo/filho em relação à nova profissão que você abraça.
Neste sentido, a minha primeira iniciativa foi reler o texto “Profissão de Fé”, escrita pelo seu avô paterno, Armando de Barros Figueirêdo, por ocasião em que assumi a judicatura, e, em seguida, o documento “La oración de un Juez” de autoria de João Alfredo Medeiros Vieira, sendo que, estranhamente, não o localizei em nossa língua pátria, e sim em uma versão para o espanhol, feita pelo padre Jesus Hortal, anexado ambos os escritos a esta singela carta.
A razão da juntada é que não me vejo capaz de produzir coisa melhor e que seria uma verdadeira temeridade aventurar-me a acrescentar algo a tão belos e consistentes textos.
Tenha claro que se você, e qualquer outro juiz neófito, seguir rigorosamente os conselhos contidos na carta de seu avô e ficar atento às recomendações e cautelas apontadas pelo magistrado catarinense, conseguirá cumprir adequadamente a missão judicante, assegurando o reconhecimento de todos os jurisdicionados.
Foi exatamente o que tentei ao longo de toda a minha carreira (e continuo tentando). Tenho que, se algo deixo de produtivo para a sociedade, devo a tais conselhos.
Por fim, lembro que, ao assumir a minha primeira comarca-Cachoeirinha-, deparando-me com causas complexas, versando sobre temas dos quais jamais ouvira falar, a minha providência inicial foi juntar os processos e trazê-los para a cidade de Olinda, apresentando-os ao meu genitor, que havia exercido a magistratura por vários anos e, naquela ocasião, estava aposentado há aproximadamente 01 (um) ano. A cada caso apresentado, a única resposta que ouvia era a indicação doutrinária e a sugestão de consultar a jurisprudência. Repeti o gesto por 02 (duas) semanas, mas o Dr. Armando também repetia sua postura.
Confesso que fiquei enraivecido e só depois de algum tempo foi que a “ficha caiu”. Aquela era a maior lição profissional que um amigo podia oferecer a outro. Diz o ditado popular que: “quem tem quem lhe chore morre todo dia”. Tivesse ele servido-me de muleta, provavelmente ainda hoje seria eu um profissional dependente, incompleto, inseguro e incapaz de exercer adequadamente a função judicante.
Posteriormente, pude constatar que a metodologia constituiu-se em um verdadeiro “legado familiar”, pelo menos em relação aos meus 03 (três) filhos mais velhos (Você, Igor e Raítza) que foram à luta desde cedo, por conta própria, sempre souberam buscar seus caminhos, reivindicando nas escolas, procurando estágios profissionalizantes, se destacando nos respectivos ofícios, etc.
É bem verdade que comigo e com sua mãe o método é aplicado com menor rigor, pois sempre estivemos, estamos e estaremos dispostos a co-participar das dúvidas e das buscas de todos os filhos. Ou seja, como a fórmula aqui é mitigada, nunca se acanhe de, se um dia achar conveniente, procurar seu velho pai, tanto nos aspectos profissionais como nos pessoais.
Portanto, não há, nem mesmo nesse aspecto, lição nova para oferecer, HUMILDADE é a palavra chave. Para perguntar, pesquisar, consultar livros, buscar melhorar a cada ato e a cada dia.
Que deus lhe ilumine e o conserve como a pessoa boa, emotiva, amiga, honesta e firme que você é.
Um milhão de beijos e abraços, do pai que muito lhe ama.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo