Mandado de Segurança Nº: 0139.425-4 – Recife

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

1º Grupo de Câmaras Cíveis
Mandado de Segurança Nº: 0139.425-4 – Recife
Impetrante(s): L. I. L. de M.
Impetrado(s): Secretário da Saúde do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO MÉRITO:

Até recentemente, pleitos análogos ao presente tinham uma mesma orientação neste TJPE, sempre no sentido do deferimento da pretensão.

Entretanto, a divergência de alguns votos no 1º e 2º Grupos de Câmaras Cíveis e até mesmo julgados unânimes da 8ª Câmara Cível, privativa de Direito Público, recomendam que nos debrucemos sobre os diversos argumentos alhures levantados.

1. PRESCRIÇÃO/ATESTADO NÃO FIRMADO POR MÉDICO PÚBLICO:

Com a devida vênia de quem faz tal exigência, no meu ver tal restrição não encontra guarida no nosso Ordenamento Jurídico. Não há norma que exija que o documento seja firmado por médico integrante de Órgão Público e “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”, como diz a Magna Carta.

O médico privado se sujeita às mesmas normas e sanções que os integrantes de Órgãos Públicos. Presumir-se favorecimentos ou uso de regra para benefícios ilícitos em afronta ao Código de Ética Médica, etc, não se coaduna com nosso Ordenamento Jurídico.

Cada caso em concreto tem de ser analisado de per si, independentemente do autor da prescrição médica.

Na hipótese dos autos, por exemplo, o médico subscritor da medicação guerreada clinica no Hospital das Clínicas, da rede pública de saúde, portanto.

2. AUSÊNCIA DE PROVA DE PRÉVIO REQUERIMENTO E INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO:

Penso tratar-se de imposição de restrição meramente burocrática, ladeando o problema.

É notório que o Poder Público só fornece os medicamentos constantes de listagem pré-estabelecida.

Impor-se que seja apresentado pleito administrativo, que fatalmente será indeferido, explícita ou implicitamente, pode até concorrer para o agravamento da doença e imprestabilidade futura do medicamento receitado, com seqüelas graves, necessidade de uso de remédios mais potentes (e caros) e, até mesmo, o evento morte.

3. O MANDADO DE SEGURANÇA NÃO É VIA IDÔNEA PARA OBTENÇÃO DA PRETENSÃO:

Com o maior respeito que me merecem os dois defensores dessa tese, penso que ela não deve prosperar, no mínimo por ofensa ao princípio da razoabilidade.

Ora, se mandado de segurança é via para defesa de direito líquido e certo, qual direito será, então, mais líquido e certo do que a vida e a saúde?

Aduzem que a comprovação desse direito líquido e certo se dá em mera prescrição médica que ganharia foros de verdade absoluta, pois não abre margem à outra opinião médica e muito menos a outro medicamento.

Não é bem o que diz a jurisprudência, como se encontra anotada em Teotônio Negrão.

“Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano (RSTJ 4/1.427, 27/140, 147/386), por documento inequívoco (RTJ 83/130, 83/855, RSTJ 27/169), e independentemente de exame técnico (RTFR 160/329). É necessário que o pedido seja apoiado “em fatos incontroversos, e não em fatos complexos, que reclamam produção e cotejo de provas” (RTJ 124/948; no mesmo sentido: RSTJ 154/150; STJ-RT 676/187).

Embora se reconheça que, tecnicamente, ficaria mais adequada uma Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, parece ser um exagero fulminar um pedido de tão grave natureza, podendo até resultar na morte do paciente/impetrante, apenas em função do manejo de uma via processual que não é a mais adequada para o caso.

4. FORMA DE ACESSO A MEDICAMENTOS DITOS “DE PONTA”, ÀS VEZES NÃO DISPONÍVEL NO MERCADO, OU MESMO APROVADO PELA VIGILÂNCIA SANITÁRIA NACIONAL, DE CUSTO ELEVADÍSSIMO, TRANSFERINDO O ÔNUS PARA A SOCIEDADE COMO UM TODO:

Parece claro que o risco apontado é sempre latente e, ao menor descuido, pode ser efetivado.

A Constituição assegura o direito à saúde e não à “melhor saúde”.

Não é eticamente defensável o Estado custear o tratamento caríssimo de um único paciente, enquanto falta verba até para a compra de “mercúrio cromo” e “esparadrapos” nos hospitais e postos de saúde.

Todavia, tal circunstância não pode ser presumida. Faz-se mister a análise casuística para se apontar a existência ou não de abuso á prerrogativa constitucional.

Além do mais, não é esta a hipótese sub examem, eis que o medicamento HUMIRA já se encontra no comércio, largamente utilizado, apenas não se encontra em lista prévia do Poder público.

De minha parte, comungando da preocupação dos meus ilustres pares quanto ao eventual desvio de finalidade, cuido que a melhor maneira de enfrentar a questão consiste em se verificar se, no caso sob análise, o impetrante se submeteu a tratamento convencional, com um ou mais remédios, constantes ou não da listagem pública, sem resultado terapêutico, ou, mesmo que havendo, sejam eles de baixo índice ou trazendo seqüelas ou efeitos colaterais ao paciente.

Se esta estiver demonstrada, creio não haver dúvida da prevalência do direito à vida e à saúde e que é dever do Estado propiciar os meios para a sua obtenção.

No caso concreto, como se vê do contexto probatório que se nos apresenta, infere-se que o impetrante é portador de doença que vem acometendo, de forma progressiva, o seu sistema deambular (atestado laudo médico de fl. 14 e receituário de fl. 15 dos autos em apenso).

Evidencia-se, ademais, após de fazer uso continuado de outras drogas, as quais não se prestaram aos fins de cura ou mesmo minimização dos efeitos da enfermidade da qual é portador, foi-lhe receitado o medicamento HUMIRA, para fins de inibição da evolução do quadro da doença, documentos estes que servem de suporte, ao menos a uma análise prefacial, à formação do convencimento desta Relatoria.

Conclui-se, pois, que o fornecimento gratuito do remédio pleiteado tem cunho de urgência.

Verifica-se, ainda, que o impetrante tentou obter junto à Secretaria de Saúde do Estado o medicamento guerreado, tendo obtido uma negativa verbal, sob o argumento de que o mesmo não consta de Portaria que elenca as drogas que são fornecidas gratuitamente à população carente, prática esta que vem se repetindo em inúmeros exemplos de lides trazidas diuturnamente ao Judiciário pernambucano.

Ademais, é de se ressaltar que o fornecimento gratuito do remédio pleiteado tem cunho de urgência, dada a necessidade de se paralisar enfermidade que acarreta prejuízos irreversíveis àqueles que dela são portadores.

Versando, pois, a lide em apreço acerca do direito à vida, garantia fundamental que assiste a todas as pessoas e dever indissociável do Estado, a comprovada necessidade do medicamento e a falta de condições de adquiri-lo, legitimado está o direito em buscar a tutela jurisdicional, face o amparo por meio de dispositivo constitucional.

Assim é que, tendo o impetrante suprido os requisitos necessários ao provimento do seu pleito, voto pela concessão da segurança.

Recife, _______ de _____________ de 2007.

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Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

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