Em 10 de Abril de 2000 completa 3(três) meses que o Governo do Estado atua na restrição ao trabalho infanto-juvenil e à mendicância no horário noturno, por meio do “Programa Estadual de atendimento às crianças e reinserção familiar”, normatizado pela Portaria n.º002/99 dos Juizes da Infância e da Juventude. O programa foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Estadual da Criança e do Adolescente e a Portaria discutida com este e com o Conselho Municipal, PCR e Ministério Público, juntando-se aos bons resultados da Prefeitura com o programa “Busca Ativa” – Portaria n.º 001/99, para menores em situação de risco nos turnos da manhã e tarde, com enorme aprovação popular (pesquisa Internet/UOL, mostrou apoio de 87% à Portaria) tem a adesão de alguns críticos originais,mas ainda há assim vozes se opondo à iniciativa. É óbvio que existem alguns interesses por trás disso.
Pela Internet, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED, lamenta que eu seja um dos signatários da Portaria, lembrando minha condição de pioneiro na luta pelos direitos das crianças. Conhecendo o meu passado deveriam ter a certeza de que tal iniciativa jamais seria contaria aos interesses da infância. Sei que isso faz parte do jogo da convivência democrática e não acredito que partindo de Walderlino Nogueira haja qualquer resquício de má-fé, embora mal informado. Deveria antes ter ouvido os dois lados, até porque se no final o programa der certo (como está dando!) ele vai ficar com a cara no chão. Ele já constatou “in loco” que nossas experiências anteriores – Liberdade Assistida Comunitária; Justiça Sem Demora; Infoadote; Infoinfra, etc, deram certo e servem de paradigma no Brasil, e, quando assessor do M.J, recomendou a expansão para o resto do País. Existem, entretanto, pessoas pegando carona e outros de má fé que sobrevivem da miséria das crianças nas ruas e não querem perder a “boquinha”.
Ambas as Portarias se auto-limitam como apenas orientadoras das intervenções para que não excedam ao que dispõem a C.F., e o ECA e aos objetivos do Programa Estadual, sendo diferentes de antigas Portarias inquisitórias, d’aqui e d’alhures, não sendo nem repressoras,nem assistencialistas. Os chamados “Menores trabalhadores no período noturno” são tão explorados como as crianças da palha da cana,carvoarias,etc, às vezes até mais,pelas constantes denúncias de serem vítimas de abusos sexuais ou por encerrarem seus trabalhos por volta de 1:00 da manhã,mas só existir ônibus para os seus bairros após as 5:00 horas.
Iniciados os trabalhos, a mídia estava sem notícias e deu ampla divulgação. A Globo “comprou a idéia” e deu maior cobertura, no Jornal Nacional e no Fantástico. A mídia batizou o programa com o nome de “Toque de recolher”, de extremo mau gosto e conotação policial, quando naquela época o programa só tinha um nome tecnocrático (hoje, criou-se uma marca de fantasia: “hora de acolher”). Estava pronto o caldeirão para a inveja, desejo de aparecer, medo de perder benesses,etc. Veja-se que nenhuma vez apareci na TV, porque achava que, como executor, era o Estado que deveria assumir o programa.
A convite de Secretário de Direitos Humanos participamos, em Brasília, com outras autoridades, de reunião de Avaliação Preliminar. Ali, uma professora da PUC que havia escrito que a Portaria era inconstitucional declinou que se convencera que ela era constitucional, uma experiência interessante e que trazia para a mídia a questão da infância pelo lado da Proteção e não pelas rebeliões da FEBEM –SP.
O Dr. Gregori emitiu Nota Oficial de que valia a pena investir no apoio, pois a idéia era boa e, após nova avaliação, se verificaria a expansão ou não para o resto do Brasil, marcando reunião ampliada de avaliação para o dia 15.05.2000. É óbvio que repercutiu intensamente sobre alguns interesses.
O Judiciário não extrapolou seus limites. O Executivo Estadual cumpre os papéis que lhes são reservados na Constituição e no Estatuto, de forma articulada e com intensa participação popular, não se tratando de intervenção simplista, imediatista, assistemática e descontínua. O destaque na mídia é fruto exatamente de que pela 1ª vez no País se vê uma “luz no fim do túnel”, para resolver o problema das crianças nas ruas.
Li um artigo de Wanderlino no excelente livro “SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS”, do CENDHEC, onde se defende na teoria exatamente o que está sendo feito na prática. Nem queremos ações policialescas, nem toleramos crianças se sete anos se drogando pelas ruas. Estamos executando o que ele propugnou.
No final de Maço, o MJ/SEDH/DCA e o CONADA mandaram pessoas para acompanhar todas as fases, desde, a abordagem às crianças, contatos com familiares, alternativas de geração de emprego e renda, matrícula escolar, etc. Ficaram encantados com o que viram. As críticas dos visitantes são pontuais, justíssimas e as poucas falhas são consertadas.
Desafio que provem que as Portarias são inconstitucionais. As críticas que ouvi são paupérrimas e depões contra a inteligência de quem as formulou. Se são inconstitucionais, por que não as atacam pala via judicial? Não orientaram sobre o trabalho infantil no horário diurno porque não há, no momento, capacidade instalada para combate ao problema. O Programa começou no bairro do Recife e foi se estendendo para Boa Viagem e Av. Agamenon Magalhães. Quando atingir toda a cidade os horários irão sendo antecipados. Há adolescentes de classe média ingerindo bebidas nos bares do bairro do Recife, não concordamos com isto, mas falta capacidade fiscalizatória para inibir. Esperamos chegar lá também. Priorizamos o mais grave.
A Constituição assegura o direito de locomoção, mas o próprio ECA regulamenta este ir e vir e estar e crianças e adolescentes em logradouros públicos, no art.16, I, com a expressão, “ressalvadas as restrições legais”. Que locomoção é esta do ir do nada para lugar nenhum, agravada pelo fato de que atrai negligência, discriminação, crueldade, opressão, drogas,maus-tratos físicos, abuso sexual, exploração da força de trabalho, etc? A Constituição e o ECA asseguram direito à vida, saúde, educação, convivência familiar e comunitária, lazer, profissionalização, dignidade, respeito, cultura, etc, ou seja, tudo o que já prevê o Código Civil, Código Penal e o ECA. Não é o conselho Tutelar ou a polícia quem vai decidir. O que precisa é que as irregularidades cheguem ao conhecimento do Ministério público. O Juiz é quem decidirá pela sanção ou não, assegurada a ampla defesa Constitucional.
O novo Presidente do TJ-PE, Des. Nildo Nery, disse que a prioridade de sua administração será a questão de criança. Mobilizou a sociedade para um planejamento voltado para ações imediatas, no sentido de retirar as crianças e reinseri-las nas famílias. Parece que o quadro atual é favorável a uma ampla e totalmente diferente forma de agir, que as autoridades e a sociedade civil desejam e estão empenhados nesta mudança, mesmo que isto fira interesses de alguns. Chega de falatório: a Hora é de Acolher.
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo – Juiz Titular da 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital.