EXTERMÍNIO DE MENORES

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

A imprensa nacional vem dando o maior espaço no noticiário para divulgar números oficiais do Departamento de Proteção à Criança e ao Adolescente de Pernambuco, onde se registra 222 adolescentes mortos em 1995, contra 184 no ano de 1994, sempre acompanhados da afirmação “O ESTADO BRASILEIRO ONDE MAIS SE MATA MENORES”.

Ninguém de juízo perfeito pode desconsiderar que os números são elevadíssimos, verdadeiro genocídio, pior do que os apresentados em muitas guerras. Lamentavelmente, este é um retrato do Brasil, onde a prioridade ao social, a reforma agrária, a geração de emprego e renda não passam de belas “CARTAS DE INTENÇÃO” no período eleitoral. Saúde e educação universalizados também não passam de promessas de campanha.. O desaparelhamento do sistema de Justiça e Segurança é patente. Neste quadro de omissões, como era de se esperar, o aumento da criminalidade, do tráfico e consumo de drogas, é verdadeiramente alarmante. Parcela ponderável da população, inteiramente desprotegida, observando grassar a impunidade e até a morte dos que ousam denunciar os criminosos, tende a aceitar com naturalidade e até estimular o extermínio, achando que com isto está se protegendo dos “BANDIDOS”. Não percebe, entretanto, que esta postura apenas contribui para “RETRO-ALIMENTAR” a violência, assim como que a maioria esmagadora dos adolescentes exterminados não eram “BANDIDOS”, pois sequer registravam uma única entrada na Delegacia Especializada.

É urgente uma política vigorosa a nível nacional, com a participação da União, Estados e Municípios, seja para a melhoria do atendimento às questões sociais básicas (causas primárias), de apoio familiar aos menores em situação de risco, e melhorar o sistema de segurança e justiça, em especial na área da criança e do adolescente, seja para coibir, identificar e punir severamente os exterminadores, sendo oportuno se acabar com o “ACHISMO” de se dizer que os grupos de extermínio são formados por quadros policiais ou para-militares financiados por comerciantes de bairros, ou mesmo que esta prática é fruto de “GUERRAS DE GANGS”. É preciso ir fundo na questão, para não se cometer leviandades.

Além disso, no caso das estatísticas pernambucanas, dois aspectos relevantes não estão tendo a devida consideração.

Em primeiro, o fato de que Pernambuco, através do DPCA, é o único Estado da federação que dispõe de um perfeito sistema de controle estatístico da questão, monitorando diariamente sobre idade, origem, escolaridade, circunstâncias da morte (evitar, por exemplo, que uma morte por afogamento ou atropelamento, que são formas de “MORTE VIOLENTA”, sejam consideradas na estatística), renda familiar da vítima, etc. Da mesma forma, se controla as infrações praticadas por adolescentes, desde o perfil do infrator, até a natureza e gravidade da ação delitiva. Como se dizer que é o “ESTADO ONDE MAIS SE EXTERMINA MENORES”, se os demais Estados não dispõem de controle estatístico pelo menos assemelhado para servir de paradigma de comparação ?

Em segundo, o registro de que a partir de outubro de 1995, fazendo-se o comparativo deste com os demais trimestres do ano, houve uma queda significativa do número de menores exterminados, (média mensal de janeiro a setembro 19 mortes; média mensal de outubro a dezembro 14 mortes), assim como uma diminuição quantitativa da ordem de 30% (trinta por cento) nas infrações praticadas por adolescentes, além de uma sensível diminuição qualitativa das infrações por eles praticadas. Tive acesso aos números ainda não oficiais de janeiro e fevereiro de 1996, constatando que a tendência de queda continua. Não houve registro de milagre, mas sim ação conjugada e integrada da Polícia Civil e Militar, da FUNDAC, dos Conselhos de Defesa do Estado e do Recife, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Com efeito, após 10 rebeliões no antigo CAP/FUNDAC, com destruição do patrimônio público, lesões corporais e até morte de um interno, os adolescentes infratores foram transferidos para o CENIP (internamento provisório) e para o CERAD (já com sentença de internação), em Paratibe. As instalações físicas são melhores, assim como a alimentação e as atividades escolares, lazer e profissionalizantes, com a PMPE fazendo a segurança externa, não se registrando uma única fuga depois de sua instalação. Como no antigo CAP, no centro do Recife, a coisa mais fácil era fugir, eles já saiam juntos das vítimas potenciais e voltavam a delinqüir. Além disso, ficavam rondando nas imediações do prédio, seja para passar drogas, seja para dar cobertura a novas fugas. Este tempo acabou. Agora os bem comportados, em progressão da medida original de internação, são transferidos para o Programa de Medidas Sócio-educativas em Meio Aberto, gerenciado neste juízo, e executado comunitáriamente, cujos números de recuperação de infratores através da Liberdade Assistida e da Prestação de Serviços à Comunidade, são simplesmente espetaculares, já servindo a sistemática adotada como paradigma para implantação em outros Estados. Lógico que agora não voltam a delinqüir, pois não querem correr o risco de serem internados em um local de onde não conseguirão fugir. Alguns amadores ficaram contra as minhas posições e do Dr. Bartolomeu Bueno, Juíz da 1ª Vara , cobrando rigor em se evitar as constantes evasões. O tempo, senhor de todas as coisas, vem provar que estávamos com a razão.

A par disso, dinamizou-se a atuação da Delegacia de Investigações dos Crimes contra a Criança e o Adolescente (1ª do Brasil), vinculada ao DPCA, com seus trabalhos facilitados pela instalação da Vara dos Crimes contra a Criança e o Adolescente (que já estava criada por lei desde 04/92) que tem competência para processar desde os pequenos maus-tratos ocorridos no seio da próprio família da vítima, até os casos de homicídios em que as vítimas são menores de 18 anos (se homicídio doloso, remetendo para uma das Varas Privativas do Júri na ocasião da pronúncia).

Em Pernambuco, os números continuam vergonhosos, mas paulatinamente estão diminuindo, sem risco de que os passos dados tenham que retroceder. O caminho foi achado, faltando pequenos ajustes para assegurar a fluidez no caminhar.

Esperamos maiores investimentos na área social, tão prometidos. Que os demais Estados da federação também criem delegacias e varas especializadas em crimes contra crianças e adolescentes; que produzam estatísticas confiáveis sobre os casos de extermínio, que melhorem as condições de suas unidades de internação e, especialmente, que implantem programas comunitários que recuperem os jovens infratores em meio aberto.

LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO
Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude – Recife

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