ARTIGO DE CLAUDIO LACERDA

11-10-2016 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Leia abaixo, artigo escrito por Claudio Lacerda, Cirurgião, Professor da UPE e da UNINASSAU, publicado no Diário de Pernambuco, sobre como uma sentença, no entender dele, “coloca a lei a serviço da Justiça (e não a Justiça a serviço da lei, como fazia o SNT)”

 

Declare-a inexistente

 

Cláudio Lacerda.
cmlacerda1@hotmail.com

Publicação:11/05/2015 03:00

Em meados de 2008, conheci, por acaso, Wellingtânia Portela, nos corredores do Hospital Universitário Oswaldo Cruz. Aos 41 anos, vivia praticamente internada, numa cadeira de rodas, e retirava dezenas de litros de líquido do abdome toda semana. Sofria da síndrome de Budd-Chiari, que consiste na trombose das veias que saem do fígado. Evoluía com desnutrição assustadora, pesando menos de 40 quilos, sem conseguir andar, tamanha sua fraqueza. Seu abdome era descomunal, chegando a prejudicar a respiração, e seus membros superiores e inferiores extremamente finos. Era “pele e osso”, como se diz.

Sua única chance de cura era o transplante de fígado. Ocorre que, apesar da gravidade clínica, que nos levava a estimar em poucas semanas a sua sobrevida, os exames laboratoriais não espelhavam essa situação, e, consequentemente, sua posição na lista era desfavorável e nos dava a convicção de que ela morreria antes do transplante. Lembro que, ao tomar pé do caso, mandei uma fotografia de corpo inteiro para um especialista amigo, de São Paulo, como exemplo das imperfeições da lei que estabelece as prioridades na lista, ao tempo em que disse e ele que tentaria a qualquer custo viabilizar o transplante. Impressionado com o caso, o colega concordou, perguntando, todavia, se eu tinha mesmo coragem de transplantar paciente tão grave e desnutrida.

Fiz uma reunião com Wellingtânia e seus familiares, e informei que havia decidido lutar por ela. Seu marido e sua mãe, sempre muito presentes, encheram-se de esperança, aumentando minha responsabilidade e minha motivação. Mandei pedir à médica responsável por ela no hospital que fizesse um laudo mencionando a gravidade da situação para que eu pudesse caracterizar bem a necessidade urgente da cirurgia. Usaria o documento para instruir um pedido de prioridade especial ao Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Para minha surpresa, e decepção, a resposta da colega foi de que não daria o laudo, pois não concordava com “solicitações especiais nem ações na justiça” para pacientes em lista.

Sem o importante documento, mandei meu relatório para o SNT. A resposta veio três semanas depois, de forma lacônica: “indeferido”. Chamei Wellingtânia, que piorava a olhos vistos, e sua família, para dar a má notícia, mas, ao mesmo tempo, dizer que a luta continuava. Que iria ingressar na justiça. A ação foi rapidamente julgada, mas o juiz acompanhou a decisão do SNT.

Comuniquei à paciente e à família que havíamos perdido de novo, mas que iríamos apelar para o Tribunal de Justiça. A essa altura, eles beiravam o desespero. Na apelação, todavia, o desembargador Luís Carlos Figueiredo emite uma sentença que, no meu entender, coloca a lei a serviço da Justiça (e não a Justiça a serviço da lei, como fazia o SNT). Analisa o caso por uma ótica que valoriza aspectos filosóficos e valores humanitários não contemplados na legislação. Sua conclusão, aprovada por unanimidade pelos seus pares, é tão coerente que não coloca Wellingtânia em primeiro lugar na fila, com receio de preterir alguém ainda mais grave. Simplesmente manda lhe posicionar bem na lista, como se ela tivesse, por exemplo, um câncer no fígado.

Ao informar à paciente e aos seus familiares aquela decisão, explicando que agora ela tinha chances concretas, eles choraram de alegria. Havia, finalmente, uma luz no fim do túnel. Restava torcer e rezar para que ela resistisse até o dia da cirurgia.

No dia 30 de novembro de 2008, surge o doador de Wellingtânia. Apesar da sua fragilidade, tanto a cirurgia quanto o pós-operatório transcorrem sem complicações. Três meses após, seu aspecto físico já era completamente diferente. Toda a sua massa muscular se reconstituiu e, com isso, sua capacidade física, sua beleza e sua alegria de viver. Até os dias de hoje.

No ano seguinte, uma pessoa da nossa equipe informou que a mesma médica que se negara a dar um laudo a favor de Wellingtânia, na luta pelo transplante, agora mostrava o caso em aulas e palestras, com fotografias do antes e do depois. Indignada, a companheira perguntou se eu iria permitir aquilo. Respondi de pronto: “porque não?”. Logo depois, lembrei-me de um conselho do meu pai, Mario Lacerda, e acrescentei: “declare-a inexistente”.

Existentes são todos que ajudaram na luta para devolver a vida a Wellingtânia.

Artigo de Joaquim Falcão

07-10-2016 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Leia abaixo, artigo escrito por Joaquim Falcão, Conselheiro por dois mandados no CNJ, sobre a implantação do Cadastro Nacional de Adoção – CNA

 

Um novo Banco

Joaquim Falcão*

Há oito anos que o desembargador pernambucano Luiz Carlos Figueiredo e também outros magistrados, como Thiago Ribas, no Rio de Janeiro, líderes do Ministério da Justiça e agentes sociais do Brasil inteiro, tentam criar um sistema eficiente e nacional de adoções de crianças e adolescentes. Necessidade vital para a felicidade e a paz sociais. Estão conseguindo agora. Figueiredo fez parte do grupo do Conselho Nacional de Justiça que está criando um banco de dados que vai agilizar adoções em todo o Brasil. “Basta a criação deste banco, para justificar a existência do CNJ”, diz com o entusiasmo de conhecedor do problema. E, com isto, revela um lado nem sempre visível na magistratura e na mídia sobre o próprio CNJ: o de planejar e coordenar todo o sistema nacional de justiça.

A ênfase neste planejamento é, inclusive, uma das prioridades do novo presidente Gilmar Mendes. Com Nelson Jobim, se criou o sistema de estatísticas judiciais. Com Ellen Gracie, a informatização processual. Agora, temos o Banco de Dados. Não são tarefas fáceis. Cada tribunal é uma ilha, mas o Brasil é um continente. Transformar uma administração de justiça feita de arquipélagos isolados, de ilhas isoladas, em um poderoso continente, ainda que múltiplo, em favor do cidadão brasileiro é uma das funções do CNJ. Mesmo porque, sem cidadão, não existe Justiça. Perde o sentido. Com este banco, fruto da obstinação da petropolitana Conselheira Andréa Pachá, agora se dá outro importante passo.

São, pelo menos, quatro difíceis caminhos, que, como gosta de dizer o hispanopernambucano José Paulo Cavalcanti, têm que ser feitos no próprio caminhar. Primeiro, saber onde estão as crianças e adolescentes e onde estão os pretendentes. Uns e outros. Aqueles estão nos abrigos, nas casas de acolhida, em instituições privadas, religiosas, comunitárias, estatais. Espalhadas pelo Brasil inteiro. Estes estão na fila dos tribunais, esperando, há anos, uma oportunidade depois de terem passado por uma quase via crucis, para encontrar o filho que tanto querem. Não sabemos nem quantas crianças e adolescentes existem hoje, no Brasil, para adoção. Nem sabemos quantos pretendentes existem. Estima-se que, funcionando bem o novo banco, uma demanda reprimida de novos pretendentes logo se revele, para nosso bem.

A segunda tarefa é coordenar todos estes órgãos e instituições. São públicos e privados. Do Executivo e do Judiciário. São federais, estaduais e municipais. Cada um detém uma ponta de responsabilidade e um conjunto de informações. Somar e racionalizar tudo isto é uma das funções do CNJ. A terceira tarefa é permitir que as políticas públicas de adoção sejam feitas, agora, com base em dados. Com base na realidade. Campanhas públicas de adoção poderão ser feitas incentivando a adoção, por exemplo, no segmento dos menores com menos demanda. O Ministério da Justiça poderá prever melhor como encaminhar os que completam 18 anos sem terem sido adotados. E por aí vamos.

Finalmente, a quarta tarefa é agilizar todo o processo. Conheço pessoalmente uma muito jovem senhora no Rio de Janeiro que, depois de passar três anos se submetendo a todos os necessários testes para uma adoção mutuamente segura, entrou na fila dos pretendentes de lá. Seu número de espera: 356. Ou seja, estima-se que, pelo sistema atual, ainda demore pelo menos outros três anos para poder realizar seu sonho. Sonhos a favor do Brasil, não podem esperar tanto.

*Conselheiro do CNJ
**Publicado no dia 04/05/2008 no Jornal do Commercio (PE)

Encontro do Colégio de Coordenadores acontece em Brasília e elege nova administração

03-10-2016 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Por: Liliana Faraco / Abraminj

Aconteceu, neste dia 30/9, o IX Encontro do Colégio de Coordenadores da Infância e da Juventude do Brasil, em Brasília-DF, com o apoio da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude – ABRAMINJ. Estavam presentes coordenadores e representantes de 21 unidades da federação, para debater assuntos inadiáveis da criança e do adolescente. Na ocasião, os membros elegeram a nova administração para o próximo biênio, cujo presidente é o desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa (TJSP), e aprovaram a indicação do juiz Renato Scussel (TJDFT), presidente do Colégio durante o período de 2014-2016, para compor o Fórum Nacional da Infância e da Juventude do Conselho Nacional de Justiça – FONINJ/ CNJ.

A abertura do evento contou com a presença do Juiz Renato Scussel, que presidia o Colégio até a eleição da diretoria sucessora; ministro do CNJ e membro do FONINJ, Lelio Bentes Corrêa; desembargador Roberval Casemiro Belinati, representando o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; Sandra Silvestre, juíza de direito auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça; Fabiana Gorenstein e Benedito Rodrigues dos Santos, representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF.

Falas de abertura

Em seu discurso de abertura, Renato Scussel fez um breve resgate histórico, relembrando que a instauração das coordenadorias da infância e da juventude culminou na criação do Colégio de Coordenadores, como espaço de aproximação e de mediação de suas demandas e propósitos perante os tribunais de justiça e o CNJ. Scussel também ressaltou a importância do evento: “Nosso encontro hoje é especial. Primeiro porque marca a presença do CNJ, por meio do Foninj, órgão criado dentro do Conselho de caráter permanente e específico para que as nossas reivindicações não ficassem diluídas e fragmentadas. Segundo porque hoje será apresentado pelo UNICEF o mapa situacional de todas as coordenadorias do País”, declarou.

Em sua fala, o desembargador Roberval Casemiro Belinati pontuou: “Sob a vigência do antigo Código de Menores, a criança significava um problema para a sociedade e a primeira impressão era a de que não havia solução. Não podemos pensar assim. A Constituição Federal diz que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, portadores de uma proteção jurídica e uma superproteção complementar de seus direitos. Temos que enxergar sob essa perspectiva”, disse. Belinati afirmou ser necessário exigir dos Poderes Executivo e Legislativo o investimento em políticas públicas nas áreas essenciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Ao se manifestar, a juíza Sandra Silvestre (CNJ) disse que a criança e o adolescente são prioridades para a Corregedoria Geral do CNJ e que o órgão “está de portas abertas para buscar um intercâmbio de soluções para esta área tão sensível da infância e da juventude”, afirmou Sandra.

O ministro Lelio Bentes discorreu sobre sua trajetória profissional marcada pela erradicação do trabalho infantil e escravo, enquanto esteve no Ministério Público do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho e, recentemente, no CNJ. Bentes realçou a importância do FONINJ: “Vossas Excelências têm realizado reuniões periódicas e um trabalho extremamente profícuo, mas faltava um canal permanente e institucional, não só de diálogo mas de formulação das medidas nacionais para a infância e a juventude. O FONINJ é o espaço privilegiado para formular essa medida. E nós, conselheiros, precisamos ter a humildade de entender que não detemos o monopólio da verdade. Então, é muito importante ouvir os especialistas que estão na linha de frente do Judiciário, convivendo com os desafios e enfrentando as dificuldades na implementação dessa tarefa importante e nobre do Judiciário Brasileiro”.

Fabiana Gorenstein, falou sobre a parceria entre o Colégio de Coordenadores e o UNICEF, para elaboração do levantamento realizado para traçar a situação de todas as coordenadorias do País. “Poucos são os países em que o Poder Judiciário nos permite traçar com tanta transparência, abertura e solidez. Nossa intenção é a de permanecer nessa trajetória de poder juntar, estabelecer, consolidar e publicar sobre a qualidade da prestação jurisdicional de forma longitudinal e ser parceiro das instituições da Justiça para manter nossos objetivos”, declarou.

Análise Situacional das coordenadorias

O consultor do UNICEF Benedito Rodrigues dos Santos apresentou o levantamento denominado “Análise Situacional das Coordenadorias da Infância e da Juventude do País”, que atualiza o panorama da situação geral das condições de trabalho, da infraestrutura e das atividades desenvolvidas pelas 27 coordenadorias da infância e da juventude do País. O relatório foi editado pela primeira vez em 2013. Esse mapa situacional se destina a subsidiar as ações do Colégio de Coordenadores e do CNJ referentes ao aprimoramento do Sistema de Justiça.

Nesta edição, além de relatar as ações desenvolvidas que colocam em prática as atribuições da Resolução CNJ 94/2009, ato criador das coordenadorias, a pesquisa observou a implementação da Matriz de Planejamento da Carta de Estratégias em Defesa da Proteção Integral dos Direitos Humanos da Presidência da República, documento ratificado pelo CNJ, Conselho Nacional do Ministério Público e parceiros, como a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A Carta faz menção a quatro eixos: convivência familiar e comunitária, enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, sistema de medidas socioeducativas.

De acordo com o levantamento, duas atribuições constantes da Resolução 94/2009 vêm sendo realizadas de modo satisfatório por um número maior de coordenadorias: a melhoria da prestação de serviços pelo Judiciário e a elaboração de sugestões para o aprimoramento da estrutura estadual dos cadastros do CNJ, particularmente o do adolescente em conflito com a lei.

Dos compromissos traçados pela Carta de Estratégia, aqueles relacionados à convivência familiar e comunitária foram os que ganharam maior adesão das coordenadorias. Violência sexual, SINASE e trabalho infantil receberam menores percentuais de adesão.

Benedito concluiu sua apresentação recomendando institucionalizar e fortalecer as coordenadorias perante seus tribunais, a fim de conquistar legitimidade e visibilidade. Ele disse, ainda, que a pesquisa revelou ser preciso expandir e regionalizar as varas especializadas em infância e juventude.

Manifestações dos coordenadores

Entre os assuntos deliberados no período da tarde, os coordenadores trataram sobre os ajustes no Cadastro Nacional da Adoção – CNA, com o objetivo de melhorar e acelerar o processo de adoção de crianças e adolescentes. O desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa, coordenador da CIJ-SP, entregou à juíza auxiliar do CNJ, Sandra Silvestre, um relatório com sugestões de implementação de novas funcionalidades do CNA.

Entre as manifestações dos magistrados, o juiz coordenador do interior do TJGO, Carlos José Limongi Sterse, sugeriu a apresentação do mapa estatístico do UNICEF no âmbito do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, a fim de sensibilizar os gestores quanto ao investimento na Justiça Infantojuvenil.

Prestação de contas e eleição

No âmbito administrativo, Renato Scussel se despediu da administração que conduziu de 2012 a 2014, entregou aos colegas relatório executivo da gestão do período e finalizou: “conseguimos espaço com o Colégio de Corregedores e construímos relevantes parcerias com o UNICEF, a ABRAMINJ e fóruns de Justiça. Estamos no sentido de consolidar nossa posição perante o Sistema de Justiça e o CNJ”.

Em seguida, os membros do Colégio elegeram a nova administração para o biênio de 2016-2018, composta pelo presidente, desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa (TJSP); vice-presidente, juiz Adhailton Lacet Correia Porto (TJPB,) e secretário, juiz Marcelo Tramontini (TJRO). “Com a ajuda de todos os colegas, amigos, com os quais divido uma causa em comum, espero conseguir que o Colégio de Coordenadores siga uma trajetória de sucesso”, declarou o presidente eleito.

Na sequência, os magistrados aprovaram a indicação pelo CNJ do nome do juiz Renato Scussel para compor o FONINJ, pela Portaria CNJ 113, de 6 de setembro de 2016. A criação do Fórum foi articulada pelo Colégio e concretizada pela Resolução CNJ 231, de 28 de junho de 2016. A composição do FONINJ prevê assentos de juízes auxiliares da Presidência e da Corregedoria do CNJ, dois conselheiros do órgão, um juiz federal e outro do trabalho, todos indicados pelo Conselho Nacional de Justiça, e um magistrado a ser indicado pelo Colégio de Coordenadores da Infância e da Juventude.

Colégio de Coordenadores e ABRAMINJ

Sobre as parcerias do Colégio de Coordenadores, o presidente recém-eleito, Eduardo Cortez, se manifestou: “A ABRAMINJ é uma irmã das coordenadorias, pois ambas têm o mesmo objeto, que é a infância e a juventude e fazer o bem para a garantias para as crianças e adolescentes. De nossa parte, essa parceria sempre existirá. Nós temos outras instituições, como o UNICEF, empresas que possam ter interesse na causa da criança e do adolescente, para fortalecer o Colégio e nos posicionar junto às presidências dos tribunais de Justiça para que a causa da infância e da juventude seja sempre reconhecida como prioridade absoluta”.

COMO SERÁ O AMANHÃ?

07-12-2015 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

É corriqueiro o entendimento de que a grande invenção da humanidade foi a roda, e que o marco civilizatório deve ser tomado a partir de quando passamos a viver em sociedade e convivendo em cidades.

Pessoalmente entendo que a civilização nasce no momento em que o homem comum abre mão da vingança privada e entrega ao ente “Estado” o “poder-dever” de punir. Abdica ele do seu lado instintivo animal em prol do coletivo. Mas a besta-fera que cada um de nós guardou no seu mais íntimo continua ali, latente, esperando a hora de se manifestar publicamente.

A cada vez que o “Estado” descura de cumprir esta procuração para punir todos aqueles que descumprem as regras de convívio social, uma amarra de controle se solta.

Nestes tristes tempos em que cada vez mais se ver triunfar a iniquidade, a impunidade, o saque aos cofres públicos por parte de alguns que recentemente se acreditava iria defendê-los, é natural o descrédito do cidadão comum de imaginar que um dia seremos civilizados como tantos outros países. Nesta quadra também se insere a questão da idade da imputação penal, pois a mídia, deliberadamente ou não, desvia o foco das grandes falcatruas nacionais, atribuindo todas as mazelas do Brasil à delinquência juvenil, muito embora não representem elas nem 2% do total dos ilícitos praticados no país. Nessa briga do rochedo contra o mar, prevalece o velho adágio popular de que “o pau só quebra nas costas do pequeno”, levando a que a opinião pública, em esmagadora maioria, passe a acreditar que se reduzindo a idade de imputação penal para 16 anos tudo será resolvido, como em um passe de mágica.

Resumidamente já se argumentou que: 1) O art. 228 da CR é cláusula Pétrea; 2) cadeia não conserta ninguém; 3) As unidades de internação em nada diferem dos presídios de adulto; 4) frequentemente o tempo de permanência dos adolescentes autores de ato infracional nas unidades de privação de liberdade termina sendo maior que o dos adultos; 5) Em razão de tratados, como a Convenção de New York, é difícil para o Brasil se justificar perante a comunidade internacional acaso legisle sobre tal redução; 6) Os índices de reincidência de adolescentes infratores são infinitamente menores do que os dos adultos, especialmente se engajados em liberdade assistida e/ou Prestação de serviços à comunidade; 7) na cadeia, misturado a adultos, serão pós-graduados na escola do crime e sairão piores do que quando entraram etc.

Em contrário, os favoráveis dizem que com 16 anos já podem votar, esquecendo que o Brasil é o único país do mundo onde ocorre tal aberração, e, assim mesmo, facultativamente; que em alguns países podem dirigir veículos automotores; Que um jovem de hoje é muito diferente daqueles de gerações pretéritas, pois tem acesso fácil à informação, pela TV, internet, redes sociais, etc.

É um fato que são mais informados, tal como eu o era em relação às gerações dos meus pais ou avós, só que a questão não é de informação, mas de MATURIDADE para discernir e se determinar segundo a circunstância concreta. Não é de saber se é errado ou certo. Até uma pequena criança faz esta distinção. É de se determinar e agir da forma correta, ainda que sob pressão de amigos, “tribos”, delinquentes mais velhos, etc. Neste tocante, nada mudou. São tão imaturos e influenciáveis como os adolescentes do passado.

De outra banda, os contrários à redução são também intransigentes e não buscam entender que os reclamos só tiveram imantação com a população porque partem de um anseio legítimo. Não se trata de simples redistibutivismo. As pessoas estão cansadas de tanta impunidade ponto. Simples assim. O sistema em vigor não tem dado respostas expeditas e eficazes. Além dos casos de exacerbada violência tão explorados nos noticiários, que, embora não frequentes, o fato é que a população das cidades convive diariamente com pequenos delitos aquisitivos praticados por adolescentes, quase sempre contra idosos, crianças e mulheres e querem a resposta do estado.

Não adianta simplesmente se dizer que a redução não resolverá o problema, ao contrário o agravará. É preciso que se apresente alternativas que possam ser palatáveis para que a sociedade volte a acreditar que o estado está cumprindo o seu dever de proteger a convivência social.

Neste sentido, cuido que tramita no Congresso Nacional uma proposta que sai dessa aparente armadilha do se ser contra ou a favor da redução da idade de imputação. Tal proposta, ao lado da manutenção da lógica de fixar a idade de imputação penal em 18 anos, como o faz a maioria esmagadora dos países, amplia o tempo de permanência em unidades de internação dos autores de infrações graves, restaurando a credibilidade do sistema na população em geral, priorizando os aspectos pedagógicos sobre os meramente punitivos.

Ou ambas as partes deixam de lados as suas respectivas idiossincrasias, entendendo as razões dos que pensam diferente, para se construir uma solução alternativa, sendo irrelevante se a proposição foi apresentada por um governista ou oposicionista, ou jamais o problema se resolverá, com meras escaramuças regimentais, ajustes pontuais em uma ou outra casa Legislativa que não resolvem o problema.

O amanhã será de luzes se nesse momento histórico prevalecer o entendimento e a concórdia para o bem do Brasil. Chegou a hora de prevalecer a voz dos estadistas sobre a dos políticos com “p” minúsculo.

LUIZ CARLOS DE BARROS FIGUEIRÊDO

DESEMBARGADOR DO TJ-PE

COORDENADOR DA INFÂNCIAE JUVENTUDE DO TJ-PE

 

TJPE homenageia magistrados, servidores e parceiros por trabalho desenvolvido na Copa das Confederações

19-11-2013 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Homenagem_Luiz CarlosO coordenador do comitê da Copa, desembargador Luiz Carlos, foi um dos agraciados

Magistrados, servidores e parceiros que integraram o comitê gestor da Copa das Confederações do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) foram agraciados, nesta terça-feira (12), com medalhas de mérito e diplomas pelos serviços prestados. A solenidade aconteceu no Salão do Pleno, no Palácio da Justiça. Estiveram presentes à homenagem o presidente do TJPE, desembargador Jovaldo Nunes, o vice-presidente, desembargador Fernando Ferreira, o corregedor geral de Justiça, desembargador Frederico Neves, além de outros desembargadores que integram a Corte.

O desembargador Luiz Carlos Figueiredo, coordenador do grupo, abriu o evento falando, da importância do reconhecimento do trabalho realizado. “Essa solenidade só acontece agora porque reunimos os resultados do trabalho desenvolvido e apresentamos aos integrantes da mesa diretora, que puderam constatar o êxito do grupo”, explicou. Doze setores do Tribunal integraram o comitê. As ações desenvolvidas corresponderam, principalmente, ao atendimento de demandas que envolveram a preparação do Poder Judiciário para realizar a prestação de um serviço jurisdicional organizado e de qualidade observando as repercussões da dinâmica de realização da Copa das Confederações.

O coordenador do comitê também destacou que o atendimento do TJPE foi tido como modelar. “Estamos aqui reconhecendo a todos, indistintamente, por essa tarefa herculia. Foi um marco na história do tribunal e o êxito nas tarefas é fruto do trabalho e esforço de todos. Estou, orgulhosamente, entregando o relatório do trabalho e o resultado foi muito positivo. Acho que acertamos muito mais do que erramos e, com certeza, seremos chamados para auxiliar outros estados que não tiveram a experiência que tivemos com a Copa das Confederações”, afirmou o desembargador Luiz Carlos.

Convidada a falar em nome dos servidores homenageados, Lívia Mota, que atua na Secretaria de Gestão de Pessoas, destacou a união do grupo. “Quando o desembargador Luiz Carlos nos chamou, ele tinha um sonho, e fomos até ele para escutar o sonho dele. E com o passar das etapas, fomos convidando um a um para sonhar esse sonho. Essas pessoas que estão aqui hoje fizeram a diferença e que venha a Copa de 2014, porque faremos melhor”, ressaltou.

O juiz Geraldo José dos Santos, representando os magistrados que atuaram no grupo, falou da honra e motivação em receber a homenagem. “Esse evento será um paradigma. É um reconhecimento por parte da administração aos magistrados e servidores do Tribunal. É uma motivação na realização de nossa missão, que sabemos que é fazer Justiça. Mas essa pode ser uma tarefa muito difícil, algumas vezes”, disse.

O presidente do TJPE parabenizou a todos os envolvidos no trabalho “O TJPE se destacou e credenciou para fazer mais e melhor na Copa do próximo ano. Isso deve-se ao trabalho feito com garra e vontade. Essa é uma homenagem simples mas com um conteúdo forte, que traz o reconhecimento verdadeiro do trabalho desempenhado. O Tribunal vem a público agradecer o esforço de todos”, registrou o desembargador Jovaldo Nunes.

Clique abaixo para ver lista dos agraciados

Grupo de agraciados

 

A DIFÍCIL ARTE DE JULGAR

28-10-2013 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Tenho sido frequentemente instado para me pronunciar a respeito de fatos recentes que vêm ocupando destaque na mídia nacional sobre casos concretos que tramitam no Judiciário de diversos estados brasileiros, mas sempre me neguei, argumentando com as restrições que são impostas a todos os magistrados pela Loman e pelo Código de Ética da Magistratura para justificar que em situações judicializadas só posso me manifestar em sala de aula ou em texto acadêmico. Entretanto, em razão da insistência, optei por realinhavar e concatenar, em um único texto, antigos escritos de minha lavra, nos quais já havia antevisto os problemas e me posicionado muito antes de tais casos acontecerem.

Há coisas que o senso comum tende a entender de forma absolutamente dogmática.  A de que um juiz deve saber interpretar as leis é uma delas.

Todavia, como outrora já destaquei, as normas, às vezes, pecam por ambiguidade, dubiedade, vagueza, etc.; a ordem da escrita pode ser direta ou inversa; o texto pode conter uma ironia, ou uma metáfora. Mais ainda, a interpretação pode ser gramatical (literal), teleológica, sistemática, além de inúmeras outras variáveis que não consubstanciam o objetivo deste texto.

É exatamente em razão disso que, por vezes, nos deparamos com interpretações absolutamente antagônicas e culminamos por admitir que nenhuma delas é desarrazoada.

Lamentavelmente, são poucas as faculdades de Direito que oferecem em suas grades curriculares a cadeira “Hermenêutica Jurídica”, e, assim mesmo, quando tal ocorre, em disciplina eletiva. Durante a graduação os alunos são “orientados” (sic) para priorizarem o estudo do direito civil, penal, processual, trabalhista, empresarial, etc. Em fim, pragmaticamente aqueles ramos que podem abrir as portas do exercício da advocacia, e, com isso, transformá-los em “profissionais do direito”.

Se depois são aprovados em concurso de juiz de direito (ou são agraciados com uma vaga no “quinto constitucional” em um tribunal) têm dificuldades para se apartarem dessa visão unilateral do mundo e sopesarem com a mesma medida as diversas variáveis que cada caso incorpora.

No denominado “Direito da Criança e do Adolescente”, para minimizar os riscos que uma interpretação equivocada pode causar, o ECA verticalizou o conceito interpretativo da Lei de Introdução ao Código Civil quando expressamente assim dispõe no artigo sexto: “Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.(grifei!)

Este dispositivo, entretanto, parece que não tem sido lido com frequência por alguns julgadores por ocasião da prolação de suas decisões. Ou, se o leem, não lhes dão a devida atenção e entendimento.

Dentre inúmeros aspectos que exigem um rigoroso estudo do caso concreto, no âmbito dos processos que envolvem a perda do poder familiar, e, quando for o caso, a inclusão da criança/adolescente em família substituta, cuido de destacar alguns dispositivos legais que não podem ser aplicados literalmente, sob pena de agravar situações que já são, pela própria natureza, dramáticas.

I-            Lapso temporal máximo de permanência em acolhimento institucional, pois, em que pese a expressa previsão legal dos dois anos, casos há que, inexoravelmente, ele haverá de ser dilatado por falta de alternativa, cabendo aos operadores do direito, e ao juiz em particular, apenas registrar todas as suas intervenções realizadas e não exitosas para mudar o estado das coisas;

II-          Não separação de grupo de irmãos, pois em grandes grupos fraternos, notadamente quando muito diferentes as faixas etárias e os acolhimentos acontecem em instituições distintas, o não fracionamento pode significar a condenação de todos a não terem o direito à convivência familiar;

III-        Preferência do acolhimento familiar sobre o institucional, pois, se não se levar em conta peculiaridades como faixa etária, tempo provável de permanência, etc., o primeiro pode ser mais danoso que o segundo, pois amplifica riscos de laços de afetividade e o sentimento de uma nova rejeição para a criança, quem sabe com danos psicológicos irreversíveis;

IV-         Expansão das hipóteses legais de adoção “intuitu personae”, a pretexto de excepcionalidade, quando, no mais das vezes, o que se observa são ardis para burlar o Cadastro Nacional de Adoção-CNA, utilizando-se a chancela do Judiciário para o alcance dos objetivos imediatistas, descurando daqueles que republicanamente aguardam na fila a sua vez de adotar;

V-           Entrega de crianças e adolescentes em guarda, antes da conclusão da destituição do poder familiar dos seus genitores, em mera suspensão deste poder/dever, pois os riscos de eventual modificação da decisão do 1º grau recairão integralmente na pessoal do guardião, que foi chamado para assumir o “múnus” como pretendente à adoção integrante do cadastro, mas, na prática, tem apenas a condição de “termo de responsabilidade à pessoa idônea”(art. 157 ECA). Isto pode até desafogar as instituições de acolhimento e diminuir as pressões para agilizar a tramitação no Judiciário, mas também pode vir a ser a morte em vida para os infortunados pais que recebem uma ordem judicial para devolver seu filho. Como já disse antes, a sociedade civil precisa se mobilizar para exigir que o princípio da razoável duração do processo seja uma realidade nas questões afetas à infância e juventude em todas as varas e não apenas em algumas delas;

VI-         Finalmente, a polêmica respeitante a preferência da família natural sobre a família extensa e dessa sobre a família substituta, com as seguintes considerações:

V.I) Em primeiro lugar, é preciso se registrar que é falso o suposto conflito entre “família natural X família substituta”, pois não existe um exército de pessoas querendo tomar crianças que se encontram no seio de suas famílias biológicas, cuidadas e tratadas com amor, independentemente de condição econômica, raça, gênero, etc., pois o esforço tem sido integralmente voltado para minimizar a institucionalização prolongada de infantes e jovens, reduzindo tais circunstâncias aos casos indispensáveis e pelo menor lapso de tempo possível. Para os casos em que não é possível o restabelecimento de laços com as famílias biológicas, a família adotiva é inquestionavelmente a solução;

V.II- Ninguém questiona que preferencialmente um filho deva permanecer com sua família natural e que, se por qualquer motivo, não pode ele ficar com o pai e a mãe, ou um deles, é melhor que fique com avós, tios, irmãos mais velhos, primos, etc.

V.III- O que está em jogo e se saber até quando se deve esperar(tentar) que este “dever ser” venha a ser materializado. Ao meu pensar, não faz sentido que se espere longos períodos para que os genitores deixem as drogas, se estabilizem financeira ou emocionalmente, obtenham emprego, etc., pois, se assim for, estaremos priorizando os interesses dos adultos em detrimento dos das crianças, negando o que diz a Constituição da República e o Estatuto. Igualmente não parece ser razoável se entregar uma criança a parentes apenas em razão de laços sanguíneos, quando eles nunca haviam se manifestado pela desistitucionalização, nem mesmo realizavam visitas e o estão recebendo apenas para atender uma ordem judicial ou uma “sugestão” do Ministério Público ou de um psicólogo ou assistente social do Juizado.

Quando se cruza essas circunstâncias com aquela apontada no item IV e acontece da criança já se encontrar na posse de fato de um casal que a ama, cuida adequadamente, a reconhece como filha e esta ver o casal como seus pais, salvo se houve má fé na obtenção da guarda, tudo recomenda a máxima cautela para que não se priorize o sangue sob o afeto e se cause danos emocionais irreversíveis à criança, comprometendo o seu futuro; o desespero dos pais adotivos e o descrédito no instituto da adoção.

LUIZ CARLOS DE BARROS FIGUEIRÊDO

COORDENADOR DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO TJ-PE

A PRESSA QUE ANIQUILA O VERSO

10-07-2013 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

No rastro das inúmeras manifestações de rua iniciadas em junho de 2013, encetadas por jovens paulistanos que integram o “movimento passe livre”, diversas demandas foram trazidas à tona deste imenso “iceberg” que é o Brasil. A grande maioria delas justas, mas que tinham pouca visibilidade. Como exemplo disso, cito a famigerada PEC 37, que restringia a atuação do Ministério Público, quando se viam centenas de pessoas com placas contra a mesma ou replicando a necessidade de sua rejeição no facebook, sem sequer saberem de que se tratava e qual o seu alcance. A pessoa que teve a sensibilidade de perceber a relevância de sua inclusão no discurso da mudança do país é um gênio. Ao reboque, outras tantas PEC’s que atentam contra a democracia, independência e harmonia dos Poderes deverão igualmente ser rejeitadas.

Por coincidência, ou não, na mesma época, em matéria veiculada pelo jornal carioca “O Globo”, ressurge das cinzas, requentadíssima, a ideia de entrega de crianças e adolescentes a candidatos habilitados à adoção no Cadastro Nacional, antes mesmo dos pais biológicos terem a perda do poder familiar consumada, com sua mera suspensão, sob o fundamento de que é preciso agilizar a garantia do direito constitucional à convivência familiar e de que a Justiça é lenta e impede o exercício deste direito.

Cabe lembrar que a “velha/nova” proposta já foi apresentada anteriormente e devidamente rechaçada, brandindo contra o Conselho Nacional de Justiça-CNJ, que ao criar o Cadastro nacional de Adoção, em 2008, fê-lo com a inclusão exclusiva de crianças/adolescentes cujos pais tiveram decretada a perda do poder familiar em sentença transitada em julgado.

Em primeiro plano, é preciso registrar que os magistrados que compunham o Comitê Gestor do CNJ que formulou o projeto do Cadastro Nacional aquele colegiado e passou a geri-lo e a capacitar os profissionais dos estados após a aprovação da Resolução nº 54 /2008 eram todos eles experientes, responsáveis e reconhecidamente comprometidos com a causa da infância, dentre os quais modestamente me incluo, e mais as Drs. Andrea Pachá e Cristiane Cordeiro, ambas do Rio de Janeiro, o Dr. Francisco de Oliveira Neto, de Santa Catarina e o Dr.            Antônio Silveira Neto, da Paraíba, sendo óbvio que nenhum deles desejou ou deseja lentidão processual, mas garantias de irreversibilidade, tanto para os adotantes como, principalmente, para os adotandos.

Exatamente por conter elementos sedutores (celeridade sob o pálio do sistema de Justiça), a ideia prosperou, surfando nessa onda de mudar tudo no Brasil, lamentavelmente, dentro do movimento dos grupos de apoio à adoção, penso que pelo fato de congregarem inúmeros pretendentes à adoção, cadastrados no CNA, que estão desiludidos com a demora na consecução dos seus respectivos projetos adotivos.

Como ex-juiz da infância, professor universitário, autor de livros sobre o tema, coordenador da infância e juventude do TJ-PE, ex- integrante do comitê gestor do CNA, pai adotivo, e, em especial, por ser detentor da láurea de “amigo da Adoção” outorgada pela Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção-ANGAAD, me senti na obrigação de prestar os presentes esclarecimentos, tentando minimizar riscos de que pessoas de boa vontade, mas incautos, caiam nesse “Canto da Sereia”, tomando por empréstimo o título deste artigo em poesia do genial Carlos Pena Filho.

Trago a depor em favor do meu posicionamento o recente episódio da comarca de Monte Santo – BA, amplamente divulgado na mídia nacional. Um juiz bem intencionado, querendo celeridade e assegurar convivência familiar, em processo que, até então, tramitava em prazos razoáveis, autoriza “termos de responsabilidade” em favor de pessoas idôneas, oriundas de outro estado, inscritas no CNA, em relação a crianças cujas histórias de vida faziam presumir que, ao término do processo, ainda que houvesse recurso, seus genitores seriam destituídos do poder familiar. Como no Brasil reina a regra de que “tudo que é provisório se transforma em definitivo”, o feito foi sendo relegado a um segundo plano, até que o juiz original é removido, sendo substituído por outro, que não teve a sensibilidade de perceber que se tratava de “error in procedendo”, plenamente corrigível, o qual fez alarde na imprensa, tomando as crianças e as devolvendo à família desestruturada, processando civil e criminalmente os adotantes.

Desse “imbróglio” resta o segundo juiz respondendo a procedimento disciplinar administrativo, pais e irmãos adotivos fragilizados emocionalmente, genitores e crianças desaparecidos, e só Deus sabe em quais condições vivem hoje.

Quem se habilita a passar por um drama deste? Lógico que junto com a decisão de adotar e a inscrição no CNA todos esperam um prazo razoável para serem chamados, próximos àqueles de uma gravidez biológica, mormente quem não formulou maiores exigências de raça, faixa etária, gênero, etc.

Sempre repito que o positivismo só sobrevive nos sistemas jurídicos de todas as democracias em razão de oferecer algo que nenhum outro oferece, qual seja: “segurança e certeza”. Para ser inseguro, melhor seria se arriscar pela janela da ilegalidade, em especial em um país que chega a dizer no Código Penal que pode ser reconhecido o crime de falsa declaração de paternidade/maternidade, mas não puni-lo, se as razões para a contrafação do documento público foram nobres.

De tudo isso, emerge que o fundamental é se agir para que os procedimentos de decretação de perda do poder e de adoção tenham uma tramitação célere, na lógica constitucional da razoável duração do processo. Surge então uma pergunta vital: “Por que em diversas comarcas, muitas vezes sem apoio de corpo técnico, consegue-se que a tramitação de todos esses feitos correlatos (perda do poder familiar; habilitação de adotantes; guarda provisória, adoção, etc.) aconteçam em prazo razoável e em outras não?”.

É preciso lembrar que a lei estabelece prazos máximos de acolhimento institucional; de reavaliação do acolhimento; de ajuizamento da ação para DPPF; de tramitação processual; de inscrição no cadastro; de julgamento recursal, além de punições inimagináveis em outras legislações. Entretanto, equivocadamente, não é expressa em impor que recursos contra sentenças de decretação de perda do poder familiar devam ser recebidos tanto no efeito devolutivo, como suspensivo, pois, inegavelmente, se a decisão for modificada, causará dano irreparável ou de difícil reparação, tanto aos genitores como aos adotantes, mas especialmente aos adotados, ao entrarem em uma família, criarem vínculos afetivos e depois serem delas apartados para voltarem a viver com a família natural.

A alegação de que são raros os casos de devolução ou mudança da sentença de 1º grau seria cômica, se não fosse trágica. Para quem passa por um drama desse o percentual de frustação e sofrimento é sempre o mesmo: 100% (cem por cento). E vai acompanha-lo pela vida inteira.

Ao invés desse “salto triplo carpado” processual, que apenas retira o processo do birô do juiz, mas nada define, sugiro aos defensores de tal proposta, que não sofrem as dores psicológicas de um fracasso como o de Monte Santo, que procurem dar um choque de gestão em suas unidades jurisdicionais, indo desde a identificação de prioridade nas capas processuais, a qualificação e incentivos motivacionais aos serventuários e equipes técnicas, a uniformização de procedimentos, a implantação de modelos de despachos e sentenças, o estabelecimento de metas, etc.

Sem querer que uma alternativa viável em um lugar possa simplesmente ser replicada em outro, registro que em Recife, desde 2001, optou-se por uma solução institucional, que vem tendo êxito desde o seu início, consistente em atribuir a apenas uma das varas da capital a competência exclusiva de processar e julgar os feitos relativos à adoção(nacional e internacional), cadastramento de pretendentes e de decretação da perda e/ou suspensão familiar. Na Lei de Organização Judiciária local, os demais feitos cíveis ficam em outra vara, com duas unidades para processos de conhecimento de apuração de ato infracional e uma de execução das medidas socioeducativas e mais duas para os crimes contra crianças e adolescentes. Tal mudança ensejou agilidade nos processos de adoção e seus correlatos, se revelando bem mais adequada do que simplesmente se criar varas com competência comum e cumulativa, ou por bairros ou de meras novas unidades com competência separada em infracionais e cíveis, como ocorre em várias capitais brasileiras.

LUIZ CARLOS DE BARROS FIGUEIRÊDO

COORDENADOR DA INFÂNCIA E JUVENTUDE TJ-PE

 

O relacionamento dos movimentos sociais com a mídia

14-10-2010 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Texto redigido a pedido do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, logo após a vigência do ECA, publicado na Folha de Pernambuco, em 1992, versando sobre o relacionamento dos movimentos Sociais com a mídia, o qual, ainda hoje, na sua essência, se mantem atualizado.

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A revista JUSTIÇA E CIDADANIA (edição Dez/2009), publica artigo da minha lavra, com o seguinte título: “A ADOCAO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS E A NOVA LEI NACIONAL DA ADOCAO. (LEI N 12.010/2009)”

04-02-2010 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

A lei Federal nº 12.010/2009 de 03 de agosto de 2009 entrou em vigor noventa dias após sua publicação, em novembro do mesmo ano, mantendo/trazendo em seu bojo uma enorme polemica, respeitante à possibilidade ou não de se autorizar adoção conjunta em favor de parelhas homossexuais, pelo simples fato de haver se mantido silente sobre o tema.

Tendo participado ativamente do processo legislativo que resultou na lei mencionada, na qualidade de coordenador da Comissão Pró-Convivência Familiar e Comunitária de Frente Parlamentar Pela Adoção que elaborou o seu anteprojeto, além do fato de ser autor do primeiro livro no Brasil que abordou o tema (adoção para Homossexuais, Editora Juruá), por ocasião da redação do livro: ”Comentários à Lei Nacional da Adoção”, lançado pela mesma editora no final de 2009, tive oportunidade de novamente estudar o assunto, sendo o presente artigo uma síntese das opiniões contidas em ambas as obras.

De logo destaco que a razão de novamente haver tratado academicamente do mesmo tema decorreu quase que exclusivamente do fato de ter me defrontado com opiniões antagônicas comentando a nova redação dada ao artigo 42 e seu parágrafo segundo do ECA, conforme se verá adiante, além do que a minha leitura da mudança guardar um certo distanciamento das opiniões dos comentaristas autores de tais posicionamentos.

Cumpre destacar antecipadamente que quando em 2002 editei o primeiro livro mencionado, o tema era um verdadeiro tabu, resultando que fui louvado pela comunidade LGBT; inclusive recebendo prêmios por tal iniciativa.

Todavia, agora, ao defender um ponto de vista aparentemente contrário aos interesses desses cidadãos, quem sabe, alguns haverão de querer me crucificar.

Entretanto, agradar ou desagradar não pode ser base para uma opinião acadêmica isenta. Muito menos se a opinião for emitida por um julgador.

Registro que o meu pensamento ali externado não se baseou em qualquer momento sobre a orientação sexual do adotante. Para mim isto é um aspecto fora de questão.

A análise ali foi feita à luz dos direitos humanos. Do igual exercício de direito à cidadania.

Em apertada síntese, a minha análise tomou como ponto de partida as disposições constitucionais respeitantes à igualdade de direitos e vedação de discriminação em razão do sexo, da prevalência dos superiores interesses da criança, da falta de sustentação científica para o argumento de que os filhos de homossexuais tenderiam a ter a mesma orientação sexual, seja por imitação dos referenciais, seja pela suposta promiscuidade ou que a união de pessoas do mesmo sexo não constitui família.

A ressalva que apresentei direcionava-se exclusivamente para os casos em que os adotandos pudessem ser vitimas de constrangimento ou de atos atentatórios à sua dignidade, pois, de resto, o deferimento ou não deveria ocorrer em idênticas condições àquelas realizadas por casais heterossexuais.

Após a publicação daquele livro, algumas sentenças foram prolatadas deferindo a adoção de crianças em favor de ambos os integrantes da parelha homossexual.

As duas primeiras no Rio Grande do Sul, sendo que uma delas foi objeto de apelação, e mantida, por unanimidade, pelo Egrégio Tribunal de Justiça daquele estado. Ao que consta, a mesma decisão foi também recorrida, através de Recurso Especial, para o Superior Tribunal de Justiça, não se sabendo, ainda, o seu desfecho.

Seguiram-se decisões do juiz da infância e da juventude de Catanduva-SP, Recife-PE, Brasília-DF e Goiania-GO, sempre no mesmo sentido.

O acórdão do único caso recorrido, oriundo da 7ª Câmara Cível do TJ-RS, na Apelação Cível nº 70013801592- Bagé/RS, da relatoria do desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, de cujo julgamento também participou a Dês. Maria Berenice Dias e o Dês. Ricardo Raupp Ruschel tem o seguinte teor:

“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO.CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO.POSSIBILIDADE – Reconhecida como entidade familiar merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que as crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que os liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art.227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova os saudáveis vínculos existentes entre as crianças a as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO.UNANIME.”

A partir de tais decisões (monocráticas e colegiada), diversas foram as opiniões emitidas no sentido da possibilidade de concessão das adoções em favor dos casais homossexuais, agora reavivadas com a vigência da Lei Nacional da Adoção.

Feitos estes breves balizamentos sobre o histórico recente do tema em comento, passemos a analisar o que dizia o texto original do ECA, em confronto com a atual redação, assim como as opostas posições surgidas após a publicação da nova lei.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em sua redação original de julho de 1990 no art. 42 e o seu §2º, dizia: podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente do estado civil. § 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

Agora, com a lei nº 12.010/2009, o mesmo artigo tem o seguinte teor: Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (grifei!).
Em uma primeira leitura do caput e do § 2º do artigo 42 é fácil se chegar à conclusão de que praticamente nada se inovou em relação à velha redação, apenas fixando a questão da maioridade civil aos 18 anos, além da supressão do termo “concubinos”, substituído por “união estável”.

Esta, todavia, não tem sido a leitura de muitos profissionais que atuam na área, parecendo mesmo que para eles ocorreu uma verdadeira revolução com a nova redação, muito embora chegando a conclusões absolutamente antagônicas, senão vejamos:

Andréa Maciel Pachá, Enio Gentil Vieira Júnior e Francisco Oliveira Neto, ao comentarem este parágrafo pelo viés da questão da adoção por parelha homossexual, dizem:

O dispositivo reforça a opção do legislador brasileiro de não aceitar a adoção por pessoas do mesmo sexo figurando como pai e como mãe. A Constituição reconhece como união estável só aquela constituída por homem e mulher (art. 226, parágrafo 3º). Registre-se que existem decisões judiciais que superam esse entendimento e deferem adoções a pessoas em união homoafetiva.[1]

Em sentido contrário, Marcos Duarte, presidente do IBDFAM Ceará diz:

Embora não exista impedimento no substitutivo para a adoção por casais homoafetivos, o legislador perde a oportunidade de legalizar este tipo de união por mero preconceito. Ao permitir a adoção conjunta por adotantes que vivam em união estável, implicitamente há permissão para a adoção por parceiros homossexuais já que proliferam decisões em quase todos os estados brasileiros reconhecendo a união estável entre esses casais, tendo inclusive o Superior Tribunal de Justiça decidido no sentido de atribuir direito de meação a ex-companheiro homoafetivo. (grifei)[2]

O mesmo pensar tem o advogado Enézio de Deus, senão vejamos:

Assim, diante a atual ausência de lei federal a regulamentar os efeitos das uniões homossexuais no Brasil, autorizados(as) estarão os(as) magistrados(as) da Infância e da Juventude a continuarem se valendo da analogia como instrumento de integração legislativa (arts. 5º, da LICC e 126, do CPC), o que conduz à inevitável aplicação da legislação da união estável aos pleitos de pares do mesmo sexo, atribuindo-lhes todo o plexo de direitos familiares – inclusive, para efeito de adoção em conjunto de crianças e adolescentes.[3]

Declarando antecipadamente minha amizade e admiração pelos ilustres comentaristas Andréa e Francisco, meus companheiros no comitê gestor do Cadastro Nacional da Adoção – CNA, tenho como um pouco exagerado o comentário, pois não acredito que o fundamento para a rejeição de adoção em conjunto por casais formados por pessoas do mesmo sexo tenha sido minimamente influenciado por este dispositivo, o qual, como antes afirmei, apenas alterou a idade mínima para adotar de 21 para 18 anos e formulou pontual melhoria terminológica ao texto original. O mesmo penso em relação às 2 (duas) outras opiniões contrárias à dos mencionados magistrados.

Na minha visão, a questão é um pouco mais ampla, senão vejamos: O art.226, § 3º da Constituição da república considera como ENTIDADE FAMILIAR a união estável entre O HOMEM e a MULHER, sendo, portanto, cláusula específica.

De sua vez, o art. 3º, IV, da C.R., em cláusula genérica diz: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, SEXO, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”.

Disso decorre que não há conflito intraconstitucional no que diz respeito à possibilidade de uma interpretação extensiva do conceito de união estável, validando-o para uniões entre pessoas do mesmo sexo, mas é patente que não há amparo constitucional para entender tais uniões como entidade familiar.

Portanto, em um primeiro olhar, chega-se à conclusão que se for considerado pelo intérprete da norma o conceito genérico (união estável) já não havia desde a redação original do ECA vedação à adoção para parelhas homoafetivas, razão pela qual, nessa linha interpretativa, as decisões judiciais referenciadas concederam a adoção para casais homossexuais.

E é exatamente por isso que a opinião de Marcos Duarte e Enézio de Deus, data maxima venia, é, por assim dizer, incompleta. Sendo perfeitamente compatível com a extensão do conceito de união estável entre pessoas do mesmo sexo presente na Constituição da República, por decorrência não há como negar dependência previdenciária, partilha de bens adquiridos na vida em comum, etc.

Todavia, se o ponto de partida para a análise considera o conceito específico (entidade familiar), a conclusão inexorável é a de que não há, ainda, base constitucional para o seu deferimento. Já que não é entidade familiar, ou seja, a primeira vista ter-se-ia que mudar o art.226 da Carta Política. Nem mesmo se faria necessário que se recorra ao conceito de sociedade conjugal (também formado por homem e mulher-§5º, art.226, C.R.).

Se o art. 227, § 5º da carta Magna diz que a adoção será assistida pelo poder público, NA FORMA DA LEI, e a lei (no caso, sem dúvidas, é o ECA) não prevê expressamente a possibilidade de adoção conjunta em favor de pessoas do mesmo sexo, não há como deferi-las.

Ao contrário, em se admitindo que o Código Civil também possa albergar normas relativas à adoção, como esta Lei nº 12.010/09 o faz, não há que se afastar pura e simplesmente a incidência do art. 1622, do Código Civil, como pretende Enézio de Deus no artigo antes referenciado.

A propósito o art. 1622, CC, assim reza: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou se viverem em união estável.”Por outra parte, o Código Civil regula a união estável nos arts. 1723 a 1727, mas, repetindo a Carta Magna, art. 226, § 3º, só reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher.

Embora reconhecendo que a segunda alternativa de interpretação, de minha autoria, pelo menos em tese, pode causar danos emocionais e patrimoniais ao filho adotivo de apenas um dos integrantes da parelha homossexual, o fato é que ela é a tecnicamente mais adequada.

Ou seja, minha discordância com o conteúdo sociológico das sentenças que concederam adoções para parelhas homossexuais, ou com a opinião de Berenice Dias contida no artigo “o lar que não chegou” é nenhuma. Apenas os pontos de partida Constitucionais recrutados por elas nas sentenças e no opinativo estão, a meu ver, equivocados.

“Para não dizer que não falei das flores”, o lado bom do meu raciocínio é que leva à inafastável conclusão de que não precisa modificar a Constituição da República, com todos os problemas decorrentes do quorum especial. Basta que se mude a lei, o que, convenhamos, em tese, é bem mais fácil.

Por isso mesmo o projeto original tratava da não vedação de adoção em função de ORIENTAÇÃO SEXUAL, o que é muito diferente da mera menção a não discriminação em razão de sexo. A polêmica estaria encerrada.

O primeiro substitutivo da Dep.Tetê Bezerra ao texto original do Dep. João Matos foi extremamente explícito, quando dizia:”Art. 38 I. Qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar, obedecidos os requisitos específicos desta Lei.

Parágrafo Único Para adotar em conjunto, é indispensável:
I – Que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, hipótese em que será suficiente que um deles tenha completado 18 anos e comprovada a estabilidade da família;
II – Que haja comprovação da estabilidade da convivência, na hipótese de casal homoafetivo(grifei!).

Com isso, chamou à atenção das bancadas evangélicas que textualmente disseram que só votariam o projeto se houvesse a supressão total do dispositivo. Em nome dos interesses de tantas crianças institucionalizadas, o acordo foi fechado com a supressão; Ou seja, em linguagem popular, na busca do que lhes parecia ser o ótimo, perderam o bom.

Para estes comentaristas que invocam as decisões favoráveis às adoções conjuntas de pessoas do mesmo sexo, não é demais lembrar que só uma delas foi submetida a um tribunal estadual, pois, infelizmente, o Ministério Público que atuou nestas quase uma dezena de casos se posicionou mais ideologicamente do que como custos legis, não recorrendo das sentenças.

Acredito que não há como se vender ilusão ou prometer um “terreno no céu”. A essência do direito pretendido é boa, sempre assim defendi. Suas virtudes, todavia, não podem servir de lastro à destruição de todo o arcabouço constitucional.

As sentenças referidas não podem, de per si, ter o efeito extensivo pretendido pelos articulistas já mencionados.

A questão é que tais sentenças fizeram coisa julgada inter partes, sem efeitos erga omnes, resultando que não se sabe como os nossos tribunais superiores irão decidir quando se defrontarem com um caso concreto. Como se garantir segurança jurídica para os diversos outros casos de pessoas que querem regularizar situações fáticas, já ajuizadas ou não?

Como antes fiz referência, a decisão do TJ/RS antes mencionada foi objeto de um Recurso Especial perante o STJ, restando se aguardar o seu posicionamento para que a questão fique mais bem balizada.

Finalizando estes comentários trazidos a lume em razão da opinião dos ilustres autores mencionados, lembro que o principal papel de uma Constituição é servir de pacto político de uma determinada sociedade em um determinado momento histórico.

No meu livro “Adoção para Homossexuais”[4] consta uma pesquisa feita em 04(quatro) capitais brasileiras, segmentada, onde fica claro que ainda existe grande resistência da sociedade brasileira em relação à adoção para casais homossexuais, o que compromete a idéia do pacto político antes referenciado. É preciso que novas pesquisas, com maior rigor científico, sejam realizadas, para que se tenha certeza do momento adequado para implantar a medida.

REFERÊNCIAS

DEUS, Enézio de. Nova Lei da Adoção e Homoafetividade. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=533. Acesso em 27/10/2009.

DIAS, Maria Berenice. O Lar que não chegou. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=527Acesso em 27/10/2009.

DUARTE, Marcos. Nova Lei Nacional de Adoção: a perda de uma chance de fazer justiça. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=526. Acesso em 27/10/2009.

Figueiredo, Luiz Carlos de Barros – Adoção para Homossexuais. Juruá Editora, Curitiba: 2001.

Pachá, Andréa Maciel; Oliveira Neto, Francisco; Vieira Júnior, Enio Gentil – Novas Regras para a Adoção. A.M.B., Brasília: 2009.
[1]Pachá, Andréa Maciel; Oliveira Neto, Francisco; Vieira Júnior, Enio Gentil. Novas Regras para a Adoção. A.M.B., Brasília: 2009.
[2] DUARTE, Marcos. Nova Lei Nacional de Adoção: a perda de uma chance de fazer justiça. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=526. Acesso em 27/10/2009.
[3] DEUS, Enézio de. Nova Lei da Adoção e Homoafetividade. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=533. Acesso em 27/10/2009.
[4] FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para Homossexuais. 1ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2001, p. 113 a 138.

DIREITO ALTERNATIVO X USO ALTERNATIVO DO DIREITO, UM FALSO DILEMA

09-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

DIREITO ALTERNATIVO X USO ALTERNATIVO DO DIREITO, UM FALSO DILEMA