EM FAVOR DAS CRIANÇAS

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

A sociedade precisa
se conscientizar do problema
do menor desassistido

Sempre que uma ação como a recentemente desencadeada pelo Departamento de proteção à criança e o Adolescente, da secretaria da Justiça é veiculada na mídia, logo surgem duas correntes com posições extremadas a se posicionarem contra ou a favor da medida, fato típico do maniqueísmo político que, lamentavelmente, impera em Pernambuco.

No calor dos fatos, exatamente por verificar excessos de parte a parte, assumi conscientemente o papel de fiel da balança, sempre na linha de que os aspectos negativos precisam ser eliminados e os positivos fortalecidos.

Se é de sabença geral que a causa primária e fundamental do problema se encontra inserida na ausência de uma política econômica adequada, má distribuição de renda, falta de uma política urbana e agrária conseqüente, insipiência das chamadas políticas sociais básicas, não menos verdade e que, mesmo dentro desse quadro de carências e adversidade, uma ação conjunta e articulada dos poderes públicos, em todos os níveis e esferas, e da sociedade civil organizada, sem ranços políticos e ideológicos, poderia resultar em práticas que, pelo menos, minimizassem o sofrimento desses “brasileiros’ desassistidos, que perambulam pelas ruas.

A sociedade precisa ser conscientizada para a gravidade do problema e a distinguir que entre estes jovens não só existem “marginais perigosos’, como querem alguns, mas também pequenos infratores que, sem um apoio, tendem a virar infratores periculosos e uma maioria esmagadora que apenas pede esmolas e faz biscates para sobreviver e às vezes sustentar toda a família. Somente com essa consciência, e com ações concretas e específicas para cada uma dessas categorias, será possível se dominar o medo, pavor e insensibilidade de alguns e se assegurar a participação da sociedade, como um todo, no processo de mudança.

Neste sentido, algumas ações podem e devem ser demarcadas urgentemente, como por exemplo; 1) aos autores de atos infracionais – ampliar a eficácia de ação policial na apreensão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da Autoridade Judiciária, assim como na captura dos foragidos da unidade onde se encontravam internados (CAP da CRM – Fundac). Para tanto, têm de ser criados mecanismos simplificados como “Traileres” nos “pontos-chaves” de incidência, formulários pré-impressos; maior contigente de policiais nas ruas em detrimento de atividades burocráticas já não-exigidas na lei; agilização da tramitação das fases processuais a cargo do Ministério Público e do judiciário, também com fórmulas pré-impressas; melhorias das condições do CAP e CRM – Fundac, inclusive com segurança externa da PMPE; maior participação das ONGs no apoio aos egressos de sistema etc. ; a) quanto ao uso de cola de sapateiro – entendimentos com fabricantes para retirada de odor inebriante; levantamento rigoroso dos grandes compradores e fornecedores; “blitze” constatantes para fiscalização e prisão dos adultos traficantes e que vedem a substância aos menores de 18 anos; programas de retaguarda, governamentais ou não, de tratamento (ambulatorial ou sob abrigo) para desintoxicação daqueles que permaneceram no vício, mesmo com as medidas anteriores; 3) quanto aos não-autores de ato infracional – têm eles o direito de ir e vir assegurado na Constituição e é um fato que nas atuais condições não adianta de nada apreendê-las já que pela não-prática de infração e insuficiente dos programas de retaguarda fatalmente voltarão às ruas e pelas mesmas práticas pelas quais foram apreendidas. É um fato que não se pode falar nos Direitos Constitucionais e do Estatuto de vida e saúde para alguém que não tem escolarização, vestuário, profissionalização, faz biscates e pede esmolas, muitas vezes aspirando cola de sapateiro, mas, nem por isso, se justifica a sua privação de liberdade, pois não se pode reeditar as chamadas “carrocinhas de menores”, que o segregam do meio social, mas o deixam no convívio de marginais perigosos (mesmo que menores de 18 anos) possibilitando-lhes “curso intensivo’ ou ‘pós-graduação’ em marginalidade, e, como tal, na realimentação de formação de futuros delinqüentes. Por isso mesmo, proponho; 1. programas estaduais, municipais e não-governamentais de retaguarda e atenção imediata (SOS Criança, caso de vitimizados etc.) e de abrigo; 2. programas governamentais, ou não, de profissionalização e engajamento; 3. revisão de currículos na rede pública de ensino; 4. programas oficiais, ou não, de defesa de direito; 5. programas de apoio e auxílio à família; 6. instalação de conselhos tutelares; 7. agilização da prestação jurisdicional em medidas de proteção, Destituição de Pátrio poder e colocação em família substituta; 8. dinamização de campanha Pró-criança; 9. campanhas incentivadoras de recebimento de criança em família substituta.

Tal como toda filosofia preconizada no estatuto da Criança e do Adolescente, não tenho a ilusão de que todas elas possam ser implantadas de imediato, nem tenho a veleidade de achar que a lista é definitiva, pronta e acabada. Tenho, entretanto, a certeza absoluta que muitas delas podem ser demarradas incontinente havendo vontade política e menos maniqueísmo ideológico. Por isso mesmo, dou a partida e levanto a bandeira do encontro de alternativas simples, baratas e de fácil consensualização, aguardando o apoio e a participação dos poderes públicos e da sociedade civil nesta cruzada.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opiniões
Recife, 08 de setembro de 1992.

ENTRE A VERGONHA E A ESPERANÇA

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

“É preciso que se separe o
tráfico de crianças
das adoções internacionais”.

Vergonha, revolta, indignação, estes são os sentimentos que afloram em qualquer cidadão normal ao ler reportagem sobre tráfico de crianças publicada no Correio Braziliense e reproduzida na íntegra pelo DIÁRIO DE PERNAMBUCO, agregando-se à mesma informes locais da maior relevância, desde já candidata a ser o grande marco do jornalismo investigativo brasileiro nesta década. Pela primeira vez o público trava conhecimento pormenorizado com este problema, sentindo que o homem não é, por certo, o orgulho do Criador. É preciso, entretanto, que se separe o problema do tráfico de crianças, que é caso de polícia, das adoções internacionais legalmente realizadas, que são de responsabilidade da Justiça da Infância e da Juventude. Na 1a. hipótese, seja qual for a força motivadora (transplantes de órgãos, intermediações, a troca de dinheiro por pessoas ou instituições, de adoções para “casais estrangeiros apressados ou incautos” que não se preocupam em obedecer os trâmites legais deste que recebem a criança com rapidez), a solução é aplicar o Código Penal. Cadeia neles!

A Lei pune, e severamente, aqueles que participam de tal método espúrio. Aparelhar as polícias (em especial a federal encarregada das fronteiras) e a Justiça para apurar e punir rapidamente os autores resultaria efeito emblemático no trato da questão. Rigor no registro civil de crianças (especialmente não-nascidas em maternidade) para se evitar declarações seria um bom caminho inibitório. Após denúncia no final do ano passado de que crianças adotadas por italianos estariam sendo utilizadas para transplantes de órgãos, a CEJA-PE suspendeu a emissão de laudos de habilitação para cidadãos daquele país. O governo da Itália desmentiu oficialmente a notícia. O juiz Bartolomeu Moraes diligenciou e provou que mais de 30 crianças do Recife adotadas por italianos estavam vivas, gozando de boa saúde na companhia dos pais adotivos. Estes fatos indicam que os traficantes não utilizam da sede legal de adoções. Os governos estrangeiros demoram a emitir autorizações para adoções. A CEJA-PE é rigorosa: o Estatuto é detalhado nas adoções por estrangeiros; os juizes e promotores são vigilantes; depois de consumada a adoção no Brasil, a criança permanece na família estrangeira por um ou dois anos até que seja a “adoção revalidada” nos Tribunais de Menores do país de origem. traficante não espera tanto tempo, nem se submete a tanta burocracia. No revogado Código do Menores ainda havia a possibilidade de no chamado ‘verificatório simples” uma mãe previamente contactada comparecer em Juízo e dizer que queria entregar o filho ao casal estrangeiro (como se conheceram?; que “vantagens” foram recebidas?). No Estatuto da Criança e do Adolescente isto não pode mais acontecer, O Art. 169 obriga a prévia decretação de Perda do Pátrio Poder.

Em Pernambuco, desde 15/07/94, com a criação da comissão Estadual Judiciária de Adoção, Ceja-PE, os juizes comunicam a este órgão as crianças cujos pais foram destituídos do pátrio poder para cadastramento. Também são cadastrados os brasileiros e os estrangeiros que obtiveram laudo de habilitação. As crianças adotáveis são estas da listagem; os adotantes também. Fora destes casos a CEJA-PE não vista os Alvarás de Viagem e a Polícia Federal não autoriza o embarque. Segundo dados da Polícia Federal nos jornais, comparando-se resultados do 1º semestre/93 com o de 94, houve uma redução de 90% de casos. Sem xenofobia ou interferências no juízo natural da adoção, a justiça Pernambucana vem dando uma demonstração de seriedade e competência no trato da questão. É preciso se afastar entendimentos de que a adoção é ato caritativo ou que vai resolver os problemas sociais do País. A adoção nada mais é do que uma fórmula legal de se dar uma família a quem não tem. Para tanto há que se respeitar a prioridade do brasileiro e a geração de critérios objetivos de preferência de candidatos, para se assegurar a melhor família para a criança, como se faz no Recife. Eventuais críticas isoladas à nova sistemática sempre existirão. Estes devem esclarecer o porquê da preferência ao sistema antigo que permitia burlas e fraudes. A moralidade instalada elimina que inescrupulosos se beneficiem financeiramente. A denúncia é gravíssima e envergonha a Nação. Em contrapartida, fica provado que sistemas gerenciais adequados podem resolver o problema, e a esperança de que possam ser extrapolados a aperfeiçoados. caminhos existem. Resta a vontade política, competência e tenacidade das autoridades para trilhá-los.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco – Opinião
Recife, 03 de agosto de 1994.

É O CONSELHO TUTELAR INCONSTITUCIONAL?

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Embora estejamos próximos do primeiro ano de vigência da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), um dos seus mais importantes e viscerais sustentáculos, posto assecuratório da participação popular como manda a Constituição federal, da desjurisdicização de casos eminentemente sociais, que podem ser melhor resolvidos pela própria sociedade do que pelo aparelho judiciário, como preconiza a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças da qual o Brasil é signatário, a ratificou, trazendo-a para a normativa interna pelo Decreto Legislativo nº 28/90 e da municipalização do atendimento, qual seja os Conselhos Tutelares, é lamentável a constatação de que apenas em pouquíssimos Municípios brasileiros eles já estejam criados e em funcionamento.

Com efeito, enquanto os agentes governamentais ou não lidavam com as naturais interpretações diferenciadas que ocorrem com toda as leis novas, buscando os caminhos ideais para implantar tais Conselhos de acordo com as peculiaridades locais, cai-se-lhes sobre a cabeça, como o impacto de uma bomba atômica de centenas de megatons, a decisão do TRE/SP acórdão número 109242, processo 9341, 44a. zona eleitoral – Descalvado – que culmina por entender como inconstitucional o artigo do Estatuto que comete à Lei Municipal a criação dos Conselhos Tutelares, no que diz respeito à forma de escolha dos seus membros, em razão do entendimento de que tratando de matéria eleitoral, inclusive com a previsão do juiz eleitoral presidir o processo da eleição, teria sido afrontado disposição da magna Carta que determina tal competência à União, e exclusivamente através de Lei Complementar. Até a presente data não consta que qualquer TRE de outro Estado da Federação ou mesmo do TSE tenha deliberado sobre o mesmo assunto, quer renovando o entendimento paulista, quer dando uma outra interpretação à questão.

A paralisação resultante do fato foi quase que total, para gáudio da forças mais conservadoras e autoritárias do País, que têm verdadeira aversão a participação popular nos processos decisórios, mas para o mal de todos e infelicidade geral da Nação, em especial dos destinatários primários da norma – As Crianças e os Adolescentes. E como se esta decisão tivesse o dom da infantilidade, o que, com maior respeito aos ilustres decisores, seria a negação da própria essência humana – o erro – e da possibilidade da revisão das decisões judiciais. À guisa de mera ilustração, não é demais lembrar que, há pouco tempo, outra decisão do mesmo TRE paulista, entendendo que a Constituição Federal era auto-aplicável para ampliar o número de deputados federais desse Estado, foi rejeitada na instância superior em Brasília.

A coragem cívica de alguns prefeitos, vereadores, promotores, juizes e militares do Movimento Popular vem funcionando como bastião democrático, quando, apesar de tal decisão, mas conscientes do verdadeiro espírito da Lei, cuidaram de criar e implantar os seus Conselhos Tutelares. Entretanto, estão eles receosos de que fato semelhante ocorra com suas leis, o que vem levando à prática, louvável mas sem respaldo jurídico, de criá-los por via de Decreto, portaria de Juizes, provimentos de T.J. (MS) etc. com o subtítulo de “provisório”.

Como neste País tudo que é provisório vira definitivo, e para buscar demonstrar que estes receios não têm fundamentos, em que pese a redução legal não primar pela boa lógica conceitual e técnica legislativa, aponta-se aqui, sucintamente, argumentos de que a norma se encontra perfeitamente inserida na estrutura constitucional:

I – A democracia representativa é princípio constitucional. Exatamente por isso, para complementar a Constituição, reservou-se a Lei Complementar Federal a competência de disciplinar o processo eleitoral para preenchimento dos cargos/mandatos eletivos assecuratórios desde princípio (Presidente da república, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, etc.). Não pode ser crível, pela absoluta falta de lógica e argumentação jurídica, que o legislador constituinte estivesse querendo estender sua conceituação para outros aspectos do cotidiano do cidadão, sob pena de termos de esperar por Lei Federal Complementar a regulamentar eleição de sindicatos, órgãos de classe e até mesmo de “rainha do milho” e “garota verão” etc.. Quando muito, pode se tornar como paradigma as eleições de síndicos de condomínios, quando a Lei Ordinária específica fixa os conceitos gerais (tal como ocorre com o ECA) e deixa os detalhamentos para as respectivas assembléias (no caso do estatuto para a Lei local;

II – uma boa fórmula para se entender o espírito de uma lei é buscar a análise da fase de sua elaboração legislativa. Neste sentido, a versão original proposta ao congresso não incluía tal eleição, que foi fruto de emenda da deputada Sandra Cavalcante. Pelas próprias justificações da deputada, apenas se desejava legitimar ainda mais a sua representatividade, e a presença do juiz eleitoral se dava para garantir a lisura da escolha. Ou seja, estão exigindo bem mais do que a “mens legis”. Outra fórmula é a análise do fim social ao qual a Lei se destina, o que leva à óbvia conclusão que jamais se poderá dizer que a norma busca o resultado obtido com aquele “decium” (vide LICC e artigo 6º do ECA);

III – A presidência do processo de eleição dos conselheiros pelo juiz eleitoral, que vem levando os intérpretes meramente gramaticais a fazerem disso a grande bandeira de sua tese, data máxima vênia, não resiste a uma simples análise comparativa. Basta se ver que jamais se questionou que juizes presidissem os plebiscitos para criação de novos Municípios, com a utilização de todo o aparelhamento da justiça, quando estes (os plebiscitos) são frutos de lei Estadual. No mesmo sentido os plebiscitos para a criação de distritos ou mudança de denominação destes que, em muitas Constituições Estaduais e leis Orgânicas dos Municípios, são regulamentados em Lei Municipal, ou seja, trata-se de mera colaboração do judiciário para garantir a efetivação do princípio da Constituição inserido no conceito da cooperação entre os diversos Poderes (Independentes e Harmônicos entre si), Níveis e Esferas de governo, tal como preconizado na Lei das Leis. Por idêntica razão, o Judiciário eleitoral apenas estará colaborando para estes mesmos fins apontados neste item e para aqueles decorrentes da Constituição e da Convenção Internacional, indicados no início deste artigo;

IV – Aos menos avisados, que já começam a dizer que os Conselhos Tutelares irão “julgar” e com isso solapar competência reservada constitucionalmente ao Poder Judiciário e não a leigos, recomendo a leitura do Estatuto que expressamente declina ser ele órgão não jurisdicional. Os assuntos de competência do Conselho são eminentemente sociais, tal como fiscalizar a atuação das entidades e assegurar o cumprimento a nível local do ECA, e as medidas que lhes cabe aplicar são todas elas de caráter eminentemente educativo e pedagógico, mesmo quando se tratar de fato que se praticado por maior de doze anos caracterizaria ato infracional. Ainda que assim não fosse, não é demais lembrar que desde há muito tempo os leigos julgam neste País, sem que se questione a legitimidade constitucional/legal, como “juizes de fato”, exatamente nos crimes dolosos contra a vida (Tribunal de Júri), assim como sendo vogais, representando empregadores/empregados, na Justiça do trabalho.

Socialmente a implantação dos Conselhos tutelares é importantíssima e inadiável; juridicamente é, no mínimo, questionável, como se quis demostrar, esta alegada inconstitucionalidade. A hora, é de agir. Se deixarmos par depois não conseguiremos salvar as crianças do hoje!

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco
Recife, 29 de agosto de 1991.

INTERNAÇÃO DE INFRATORES

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

As matérias veiculadas na Folha de São Paulo de 26 e 27/09/95 e Diário de Pernambuco de 28/09/95, sobre declarações minhas e do Dr. Bartolomeu Bueno, embora incompletas, têm um grande mérito. Trazem à tona a ponta deste enorme “iceberg” dos limites da atuação da Guarda Externa, pela Polícia Militar dos Estabelecimentos de Internação de adolescentes autores de Atos Infracionais. Desde o tempo do revogado Código de Menores que se convive com a versão falaciosa, mas introjetada na cultura brasileira, de que “menor pode fazer o que quiser que não dá nada para ele”. O Estatuto da Criança e do Adolescente chegou em outubro de 1990 lhes assegurando e detalhando direitos fundamentais da Constituição até então sonegados. Como é óbvio, não lhes autoriza a matar, roubar, estuprar “sem pagar um pai nosso de penitência”. A cada direito corresponde um dever. Por isto mesmo, o Estatuto listou várias medidas sócio-educativas aos infratores, que vai da simples advertência à internação por 3 (três) anos consecutivos nos casos mais severos. A Lei diz que INTERNAÇÃO É FORMA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E QUE CABE AO ESTADO PROPICIAR CONTENÇÃO E SEGURANÇA. Se é assim, em nada difere dos Presídios e Penitenciárias destinadas a adultos, exceto que estes, querendo ou não os penalistas modernos, além dos aspectos pedagógicos de ressocialização, resta uma carga retributiva, punindo pelos crimes que cometeram. Desta forma, à luz dos Artigos 121, 125 e 152 do Estatuto e o Art. 284 do C.P.P., e do Art. 502 e P. único do C.C., e Art. 13 e P. 2º “a”, 23, II e III, do C.P., não pode a guarda dos estabelecimentos permitir inerte que se faça rebeliões, destrua o patrimônio Público (para depois reclamar do ócio causado pela destruição por eles mesmos de equipamentos de lazer e profissionalização) e, principalmente, que venham a se evadir.

Sobre estas questões é preciso ficar claro que o Dr. Bartolomeu não mandou que os agentes internos circulassem armados de cacetetes e batessem nos internados (seria até uma provocação e colocaria em risco o próprio funcionário), o que ele disse foi que como meio de defesa (própria, de outros funcionários, patrimônio público e de outros adolescentes – agredidos é até mortos por não desejarem participar das rebeliões) poderão nessas ocasiões, e só para se defender, se utilizar de cacetete ou outro meio para fazer cessar a injusta agressão. É a lei que permite isso. Quanto a deixar fugir, é preciso parar com frases emocionais e apelativas do tipo “a vida é o bem maior”. Com isto todo mundo concorda. O que se recomenda é que o guarda primeiro apite; use gás paralizante; balas de festim, tiro para o alto; atire na parede, e, por fim, na undécima hora, se nada disso houver detido o que tenta fugir, que atire nas suas pernas. Se não fizer isto, a mensagem pedagógica que estará passando para os que ficaram no estabelecimento é que todo o aparato mantido é “para Inglês vê” e que não há riscos em se tentar a evasão. Não há punição para a fuga ou para sua tentativa. Há sim para sua facilitação. Se o policial não agir na ocasião estará prevaricando nas suas funções. Lógico que há o risco de um tiro fatal, que não é nem maior nem menor do que ocorre com os outros milhares de policiais que patrulham as ruas e não as casas de Internação. O adolescente precisa saber que corre riscos se tentar fugir; o policial que corre riscos caso se exceda, tal como a recente condenação de um cabo no Rio de Janeiro que executou friamente um assaltante, fazendo justiça com as próprias mãos. A vida é bem maior, seja do infrator que tenta fugir, do policial, do Juiz, Promotor, Delegado, mas também dos demais integrantes da sociedade que passariam a correr risco de fugas em massa. Pernambuco tem hoje há um ano aquele que é considerado o melhor sistema de recuperação em meio aberto de adolescentes infratores do Brasil, com a liberdade assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade sendo feita pela própria sociedade sob supervisão do Judiciário. 92,50% dos adolescentes a ele vinculados estão recuperados, trabalhando, estudando, integrados à família e à comunidade. 2,5% tiveram o prazo de prova prorrogado, porque cometeram pequenas infrações; 5% cometeram infrações graves e foi necessário decretar-lhes internação. Aos que acham estes números bons de mais para ser verdade e que há riscos de estarem cometendo delitos escondidos, registro que dos mais de 100 (cem) adolescentes do Programa apenas 1 (um) morreu, vítima de acidente. Se estivessem delinqüindo, como Recife é o lugar onde mais se extermina menores no Brasil, não há dúvidas que já haveria aparecido uns 10 (dez) ou 15 (quinze) mortos.

Se o número de infratores graves do Recife é baixíssimo, conforme recente, competente e insuspeito levantamento do CIELA; se os pequenos infratores, que correspondem à maioria, estão tendo oportunidade de recuperação, os Promotores e Juizes da Infância e da Juventude têm o direito e o dever de exigirem melhoria na qualidade do atendimento aos infratores nas casas de internação (que reduziram seus custos com a diminuição quantitativa de internados) e que os adolescentes internados não fujam e só retornem ao convívio social devidamente recuperados, saindo não por cima do muro, mas “pelas portas que entraram”.

Luiz Carlos Figueirêdo – Juiz da 2a. Vara da Infância e da Juventude do Recife-PE
e 1º Vice Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude.

Diário de Pernambuco, 18/10/95, e Folha de São Paulo, 23/10/95.

LEI ATUAL E JUSTA

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

No próximo dia 12 de outubro de 1990, marcado pelo simbolismo da data internacional da criança, entrará em vigor a lei federal nº 8069/90 que dispõe sobre o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Isto quer dizer que, será revogado e substituído o ATUAL CÓDIGO DE MENORES (Lei nº 6697/79) que, apesar de contemplar alguns aspectos positivos, encontra-se desatualizado e inadequado para os tempos atuais.

A elaboração dos Estatutos se fez por uma fórmula inusitada, sem similar no ordenamento jurídico nacional, quiçá do mundo inteiro. Os seus conceitos básicos foram obtidos através de intensa ausculta popular, registrando-se opiniões da entidades governamentais ou não que atuam na área, dos sindicatos, associações de bairros, e, inclusive, das próprias crianças e adolescentes, que são os destinatários primários da norma. De norte a sul do país encontrou-se uma surpreendente uniformidade de entendimento do problema e de alternativas de soluções para o seu enfrentamento, sendo os “doutos’ e os “juristas’ chamados apenas para tecnificar e ordenar logicamente o material coletado, elaborando o anteprojeto de Lei em consonância com a nova Constituição Federal, que, diga-se de passagem, no seu capítulo respeitante às crianças e adolescentes, contemplou exatamente as linhas mestras propostas aos constituintes pelo movimento popular. As peculiaridades brasileiras de assegurar autonomia não só aos poderes e aos Estados federais, mas também aos municípios, tem levado a uma diuturna luta, até aqui vitoriosa, no sentido de incorporar análogos conceitos nas Constituições Estaduais, nas leis Orgânicas Municipais, e, futuramente, nas leis ordinárias sobre o tema.

Este novo processo de se legislar a partir das próprias aspirações do povo tem levado a um enorme interesse de organismos internacionais, notadamente da UNICEF, que, por meio do seu representante no Brasil – John Donhae, vem participando e apoiando a boa nova que pode vir servir de modelo a conquistas similares em outros países do mundo.

Em que se pese tudo isso, e em meio a uma discussão que agora já não faz acirrada entre correntes favorável e contrária ao Estado, lamentavelmente revela o fato de que o seu texto ou é desconhecido ou mal interpretado exatamente por pessoas a quem encontra-se cometidas atribuições intimamente a ele relacionadas com técnicos e dirigentes de instituições públicas e privadas ligadas à questão; delegados e agentes de menores, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo chamar a atenção das autoridades estaduais sobre a premente urgência de se promover debates sobre o tema, possibilitando que na data em que a Lei nº 8069/90 entre em vigor já esteja disseminado por todo Pernambuco um pelo menos razoável conhecimento sobre o assunto, de forma a que, tal como ocorreu na fase de formulação de propostas, o nosso Estado continue na vanguarda, fazendo com que os comandos da Lei sejam efetivamente cumpridos.

Como se sabe, a nova lei, partindo de uma nova corrente jurídico-filosófica, com base na doutrina de proteção, integral, regula os direitos fundamentais constitucionalmente previstos, com várias mudanças na questão relativa à família substituta, apresenta novos conceitos em termos de prevenção e na política de atendimento, altera substancialmente o enfoque da questão relativa à prática de ato infracional; cria institutos novos como a da remissão; colegiados com uma gama ponderável de funções, como o Conselho tutelar, simplifica o acesso à justiça; assegura o direito de assistência por advogado; amplia o papel do Ministério público; cria mecanismos para a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, além de inúmeras outras alterações em relação ao código vigorante, que não cabem serem analisados neste momento, por refugir ao objetivo do trabalho, mas que deverão ser objeto de futuros artigos.

Fica pois lançado a proposta às secretarias de justiça e Trabalho; FEBEM; OAB; Instituto e Associação do Ministério Público; Associação dos Magistrados e Escola da Magistratura para que não deixem passar o momento histórico e, preferencialmente em conjunto, promovam debates sobre o ESTATUTO, não buscando ser a última palavra sobre o assunto, e sim um ponto de apoio para um perfeito entendimento e aplicação da nova lei.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

O ESTATUTO E AS PORTARIAS DOS JUÍZES

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Enquanto vigorava no Brasil o chamado “Código de Menores”, por força da previsão contida em seu artigo 8º, os então denominados Juizes de menores, podiam, através de Portaria ou Provimento, DETERMINAR MEDIDAS DE ORDEM GERAL, QUE AO SEU PRUDENTE ARBÍTRIO, achassem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor. O ilustre Magistrado Alírio Cavalliery, figura máxima da corrente superada pela nova Lei (8069/90), em seu livro “1.000 Perguntas sobre direito do Menor”, Embora defendendo a disciplina, admitia que este juiz “quase legislador” do Brasil não tinha similar em nenhuma outra parte do mundo. Em outras palavras, as culturas universais de tradição milenar rechaçavam a idéia, mas o Brasil devia saber mais das coisas que todo o resto da humanidade.

Considerando-se que o princípio da tripartição de poderes, universalmente aceito, é acatado na Constituição Brasileira, este “quase legislador’ do Judiciário sempre seria uma aberração. Argumentos de celeridade do fato social e do “interesse do menor” não são jurídicos, pois ensejam que o preceito possa ser copiado em outros seguimentos da vida em sociedade, que também reclamam soluções urgentes, nem sempre respostadas no ritmo desejado pelo processo legislativo. Este é um dos “ossos da democracia”, mas em questão de princípios não pode fazer acordos ou tergiversar. Como quase sempre as violações ao princípio de autonomia, independência e harmonia dos poderes ocorrem em detrimento dos interesses do Judiciário, aqueles que justamente se rebelaram contra tais agressões têm o dever de se posicionar contra situações em que o “invasor de competências” passa a ser o normalmente invadido. Não bastasse isto, sabe-se de inúmeros excessos praticados Brasil à fora sob a égide de tal preceito: proibição de menores de 18 anos circularem nas ruas desacompanhados após 22h; vedação de beijos em praça pública; de uso de minissaias, de imposição de penas pecuniárias, mesmo contra reiteradas decisões do STF.

Como a Constituição assegura que a ninguém é dado fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei, salta aos olhos que pela segunda vez a Lei das leis estará sendo violada sempre que se desejar laborar em contrário.

Outros tantos editavam e, lamentavelmente, editam Portarias que apenas repetem preceitos contidos em algumas Leis, como por exemplo proibição de venda de bebidas alcoólicas ou armas de fogo, ou de conceder a direção de veículo a menores de 18 anos, etc.. A sabedoria popular chama isso de “chover no molhado”, e a proibição e o conseqüente poder do Estado de sancionar o infrator decorre de Lei e nunca da portaria.

Exatamente por essas razões, o legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente cuidou de escoimar do ordenamento jurídico tão desarrazoada situação.

As Portarias dos juizes da infância e da juventude, desde 13.10.90, são exclusivamente aquelas previstas e reguladas no artigo 149 e parágrafos do estatuto, o que implica em dizer: a listagem legal é exaustiva; as portarias são sempre caso a caso; o Ministério Público será sempre ouvido previamente ( arts. 153, 201, III e 202 da L.E.C.A.); a indispensável fundamentação da medida.

Fora daí as portarias dos Juizes da Infância e da Juventude, como ocorre com qualquer outra autoridade Pública, são de cunho eminentemente administrativo: instituir sindicância; grupo de trabalho ou estudos para propor alternativas de solução para problemas específicos; remoção de pessoal entre setores, etc.., apenas obrigando os subordinados administrativos, pois os demais a ela aderem por opção e não por imposição.

Não existe no âmbito do estatuto qualquer possibilidade de renascer o Juiz “quase legislador’ que era encontradiço na Lei anterior. Não há Portarias fora do artigo 149 da Lei nº 8069/90, queiram ou não os passadistas e saudosistas do poder absoluto. a Lei é claríssima e sequer precisa de interpretações acuradas dos outros.

Dizer ou laborar em contrário, neste País de tantas “Leis que não Pegam”, e assumir o papel de duplo violador da Constituição e da Lei em nome de um “Poder” que nada transforma para melhorar o mundo dos nossos filhos e netos, mas que apenas sustenta o controle social e manipula privilégios em favor de determinados segmentos.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Diário de Pernambuco – Opinião
Recife, 21 de dezembro de 1991

O QUE FAZER?

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

É público e notório que os espaços reservados na mídia em geral, mas em especial na grande imprensa escrita, para discutir a questão da criança e do adolescente no Brasil, tem sido esmagadoramente concedido aos arautos da doutrina de situação irregular, saudosistas e passadistas de um “pseudo” sistema legal que dizia que amparava os menores vítimas da patologia social”, mas que na realidade os empurrava mais e mais para a marginalidade. Desta forma, mentiras ou “meias-verdades” sobre a violência praticada por delinqüentes infanto-juvenis, o aumento do consumo de drogas entre os jovens, e impossibilidade da força policial “prender” os infratores menores de 18 anos; ou que o Estatuto é uma Lei sofisticada para o nosso país e que só serviria para a Suíça, etc., povoam diuturnamente os jornais, as rádios e as televisões brasileiras (de) formando completamente a opinião pública.

Tal como já se fez em várias outras áreas ligadas à questão, é indispensável que se deixe de lado as frases de diagnósticos, lamentação e mesmo denunciação dessa realidade para que, embora cientes da restrição forte, se gere alternativas viáveis de transformação desse quadro.

Esta recomendação implica na necessidade de uma “auto-reflexão – para encontrarmos em nós mesmos alguns preconceitos arraigados com verdades absolutas e que, às vezes, impõe-se reformulá-los no mínimo por não serem tão absolutas assim, como se buscará abaixo demonstrar:

I – Os Meios de Comunicação Pertencem aos “Ricos” e não Defendem Causas Populares – antes de mais nada o dono de qualquer veículo de comunicação é um empresário. Disso decorre que a sua regra de ouro é que a empresa dê lucro. Em especial a grande imprensa não pode alijar qualquer parcela do público potencial. É possível, até, a segmentação ou que se privilegie determinados setores, mas sem fechar os portões aos demais. Penso que este é um ponto absolutamente incompatível com a teoria de luta de classes. Não aceitar isto é querer se passar uma esponja na história mundial do século XX, onde grandes temas populares foram capitaneados pela imprensa, principalmente jornais. Tudo o meio de comunicação tem uma “linha editorial” fixada pelos proprietários, mas estes, normalmente, não vivem diuturnamente dentro das empresas. Os diretores e editores é que assumem a tarefa de compatibilizar a esta linha editorial as notícias que faça, do seu veículo um sucesso de público e de anunciantes para assegurar o lucro; há portanto, espaços para divulgar todas as causas. Falta achar os caminhos para incorporar nossas propostas na mídia;

II – A Imprensa não Veicula “nossas’ Noticias – É sabido por todos que para “vender” o produto pelo “homem que mordeu o cachorro e não pelo cachorro, que mordeu o homem”. Entretanto, por mais sensacionalista que seja um determinado veículo de comunicação, não pode ele sobreviver só com os fatos explosivos. Toda a imprensa tem uma pauta e precisa de fatos para noticiar. Disso decorre a antecedência os eventos, sugestões de entrevistas, assim como um rigoroso exame de conteúdo e forma dos “press-realeses” produzidos. As vezes, mesmo que este esteja bem feito não se deve remetê-lo a determinado veículo (por exemplo: encaminhar a um jornal católico um artigo – por mais fundamentado que seja – defendendo o aborto, o divórcio, a pílula anticoncepcional, a pena de morte, o fim do celibato dos padres, etc.), quando isto ocorre nem esta notícia é divulgada e se gera uma “barreira’ para entendimentos futuros;

III – Os dirigentes são inacessíveis – É lógico que, pelas suas próprias ocupações, estas pessoas não estão disponíveis para contatos a qualquer hora. Não acho que seja necessário muitos encontros com estes dirigentes. É fundamental um primeiro contato – talvez único – por assim dizer “político”, onde as idéias e propostas sejam lançadas e discutidas. Daí por diante os entendimentos podem ser feitos diretamente com a “tropa”. Assim pode ser solicitado uma audiência formal para tal conversa, sem prejuízo de um trabalho no sentido inverso – de baixo para cima – divulgando as idéias de movimento. É preciso não se esquecer que, exatamente por terem origens sociais, econômicas, escolares, etc., similares, os opositores da doutrina da proteção integral já detém, pelas próprias circunstancias, a facilidade de acesso aos editores, dirigentes e empresários, o que explica na facilidade de veiculação das “notícias deles”, muito mais do que a visão da causa dos ricos, embora, em alguns casos, essa idéia possa vir subjacente e sendo ardilosamente manipulada por determinados “fariseus” da defesa dos “interesses do menor”;

IV – Os jornais não se Comprometem e não Ajudam – Em primeiro lugar o jornalista é profissional. Nestas condições pode ele ser simpatizante, mas não militante de uma causa. A militância é fruto da cidadania e do engajamento da pessoa com uma determinada proposta, nada tendo a ver com o exercício profissional. Além disso, às vezes, alguns deles também introjetaram os preconceitos antes mencionados, sem uma análise mais profunda, e, “com medo de perder o emprego’, preferem manter-se silentes, amorfos, inodoros e incolores, apenas cumprindo o que lhes mandam, sem nada propor ou questionar. Não sabem eles que, embora às vezes se sirvam deste seu traço de personalidade, em geral tal postura não agrada a seus chefes que, ao contrário, “venceram na vida” pela ousadia, criatividade e perseverança.

Não bastasse isso, é preciso se terem mente que “ninguém pode amar aquilo que não conhece”. De tal constatação revela a necessidade de se promover, em convênio com instituições próprias da imprensa – A.B.I., Sindicatos de Jornalistas, ABERT, etc., Cursos, Encontros e Palestras para intercâmbio de experiências, com criteriosa escolha dos expositores de lado a lado para não se correr riscos de ampliar o fosso existente;

V – Não Existe Meios de defesa contra Inverdades Publicadas – Jamais se recomendaria uma briga sistemática com a imprensa, pois seria a mesma coisa que se ir tentar deter com as mãos um trem em movimento. Além disso, estaria se negando os itens anteriores, que, fundamentalmente, defendem a idéia da existência de um ótimo espaço para negociação e entendimentos, não se recomendando o pessimismo, a radicalização ou confronto puro e simples. Todavia, sabe-se da existência de alguns focos de resistência quase que totalmente impermeáveis, encontráveis nos noticiários policiais matutinos das rádios e nos jornais que espremendo sai sangue por todo lado. Quando uma determinada pessoa, instituição ou idéia já sedimentada tem um grau muito elevado de credibilidade na opinião pública, normalmente não vale a pena invocar a Lei de imprensa para, no mesmo espaço, rebater inverdade contra si assacadas, pois apenas se estará mantendo o agressor nas “manchetes’, já que a própria população rechaçará o ataque, não lhe dando qualquer crédito. No caso da luta em prol da criança e do adolescente, como os defensores da outra doutrina, em geral, são pessoas bem vistas, e como a nova visão deste grupo ainda não sedimentou na cultura da sociedade, sem se falar que a leitura “antiga” incutida na mente do povo da “Lei de Talião” é a base filosófica desses “noticiários”, faz-se indispensável o uso deste instrumental, que é democrático, para controlar eventuais abusos. O bom senso é que determinará os casos concretos em que tal deva ser feito e em quais limites, para não se obter uma resposta da opinião pública exatamente contrário da esperada, pois um nenhum lugar do mundo, o uso indiscriminado do método “bateu, levou!” pode dar certo.

Faço, ainda, dois comentários que julgo importante para reflexão junto com os pontos antes abordados: primeiro, que é preciso que todos se conscientizem que agora “ilegal são eles’, pois as nossas idéias foram incorporadas ao ordenamento jurídico vigente, donde não nos cabe mais permanecer no exercício do “jus esperniandi” se não quisermos ficar iguais aos governantes que assumem seus cargos mas não descem do palanque de campanha. Segundo, que tem de se ter em mente o princípio de “não faça da imprensa uma arma, a vítima pode ser você!” é atualíssimo, decorrendo que “vedetismos” e “estrelismos” de alguns que não podem ver uma câmara de TV, microfone, gravador ou um repórter, ou que se acham habilitados a “entrevistas” sobre todo e qualquer assunto, já que são “especializados” em todos os múltiplos temas tratados no Estatuto, ou a prática predatória de se “atirar pedras” em instituições que são companheiras e parceiras em muitas lutas, Embora com algumas divergências o democrático – fazem muito mais mal à causa do que os aqueles vindo dos adversários ou editoriais da imprensa.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Publicado na Folha de Pernambuco – 08/92.

Duas cenas brasileiras

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Og Fernandes
DESEMBARGADOR

José foi o quarto filho resultante da união entre a paternidade irresponsável e a maternidade precoce. Nasceu na periferia de uma cidade da zona metropolitana do Recife, quando o pai (que pai?) já desaparecera nas esquinas do Mundo. Tinha como lar (que lar?) um barraco, na verdade, um amontoado infecto de madeiras à beira de um mangue cheio de ratos, os substitutos dos bichos de pelúcia, brinquedos que José não conheceu.

A essa altura, a mãe de José esperava o quinto filho, aos 24 anos de idade. Fruto da sua nova união com um companheiro viciado em álcool, vadio e violento. Ela trabalhava para sustentar a todos. Afinal, gravidez é sinal de saúde. Saúde que José não possuía. Um exame médico constatou quadro de desnutrição em alto grau, escabiose e infecção tuberculosa, entre outros males mais complicados de compreender aos não iniciados na medicina.

Ao chegar das compras, a mãe de José encontra o filho chorando e com vômitos. O companheiro revela que havia dado um tapinha de nada na criança, que caiu da cadeira com a cabeça no chão. Providencia um remédio com a vizinha e somente se acalma quando o menor cai em sono profundo.

A mãe de José sai para o trabalho e quando retorna, dorme pesadamente. Sem tempo de notar que o filho morrera com apenas 1 anos e 9 meses de idade. A perícia constatou que “o tapinha de nada” causara perfuração da alça intestinal da criança. Mas o que doeu, doeu muito, foi saber que José ainda foi mordido por ratos durante o seu último e derradeiro sono.

E aí, entra o Estado-Autoridade para substituir ao seu modo aquilo que o Estado-Previdência não fez. A mãe de José é processada pelo crime de abandono material do filho – juntamente com o companheiro – sob a acusação de não ter prestado socorro eficiente ao filho. Ele é condenado a nove anos de cadeia e ela a seis anos. Ele, num gesto de confissão de culpa, não recorre da decisão, mas ela bate às portas do Tribunal, que reforma a sentença e absolve aquela mãe, tão vítima quanto José.

Fim da primeira cena.

Maria não conheceu pai e mãe. Quando deu por si e pelo mundo, estava numa instituição especializada em acolher crianças sem eira nem beira. Ali, há uma esperança ligando Maria ao seu futuro. Quem sabe, entre tantos meninos e meninas de histórias semelhantes, não encontre alguém que termine por adotá-la.

Aparece um estrangeiro então residente no Recife, que estende a mão e o coração a Maria. Os pais adotivos retornam ao país de origem e Maria virou Mary. Mary/Maria recebeu casa, carinho e comida. Estudou, formou-se e fez pós-graduação. Mary/Maria casou-se, tem filhos sadios, é professora universitária na sua segunda pátria. Ensina a jovens de outra nacionalidade aquilo que não pôde transmitir a brasileiros.

Fim da segunda cena.

Os fatos aqui narrados são verdadeiros. Apenas os nomes reais foram preservados. Não sei se José chegou a ter consciência da curta vida miserável que viveu. Tomara que não. Mas Mary/Maria, toda sentimento, não esqueceu o seu passado e acaba de remeter uma contribuição em dólarespara a instituição pernambucana que a acolheu.

Amparo, eis tudo o que diferenciou a sina de José da vida risonha de Mary/Maria. Assim, leitor, se você pode prestar assistência a um menor carente, não vacile. Auxilie. Se já pensou em adotar uma criança e ainda não fez por algum tipo de dúvida ou receio, reflita sobre essa dupla cena pernambucana. O futuro de um ou de vários menores pode estar ao alcance do seu gesto. Aja. Siga em frente. Pode ser que Mary/Maria jamais saiba da sua atitude. Mas em algum lugar do universo, José vai lhe agradecer.

As asas brancas da democracia

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Com a vigência da Constituição cidadã de 1988, sendo então Ministro da Justiça o deputado Fernando Lyra e seu secretário geral o Dr. José Paulo Cavalcanti Filho, nominadas autoridades passaram a tombetear que na “remoção do entulho autoritário” caia definitivamente a sua mais cruel faceta, com o “fim total de qualquer forma de censura no Brasil”.

Em 19/10/90, à luz dos artigos 220, §3º, I e II e 221, I e IV da Constituição Federal e dos artigos 74, 75, 76, 253, 254 e 255 da Lei nº 8069, o sucessor do parlamentar caruaruense no Ministério da Justiça, Jarbas Passarinho, editou a Portaria 773/90, fixando classificação indicativa de diversões e espetáculos públicos. Ante as posições antagônicas, pelo passado das 3 (três) pessoas mencionadas, meu coração restava totalmente inclinado a dar razão aos meus conterrâneos.

Lamentavelmente, estou convicto que, neste caso, a razão está com o Coronel cujo nome é sinônimo do período autoritário recentemente vivido pelo País.

O que a CF acabou no nosso País foi com a censura estética, política e ideológica. Não fulminou (no que agiu corretamente!) com a censura de horários e faixa etária. Em qualquer País do mundo, mesmo os mais liberais, como a Holanda, onde, por exemplo, não é proibido o uso de maconha; o governo fornece gratuitamente drogas pesadas a viciados para eliminar o traficante e mulheres prostitutas se expõem despidas em vitrines, é assim que funciona. Isto tudo ocorre em locais e horários certos, absolutamente inacessíveis para menores.

É certo que, na Constituição, encontra-se consagrado os princípios do “acesso ao trabalho”; “livre expressão de atividade intelectual, artística, científica e comunicação independente de prévia censura”; mas não menos certo é que “todo ato é suscetível de reapreciação pelo Poder Judiciário” e que apenas uma vez o constituinte usou a expressão “Prioridade absoluta” (portanto, supremacia sobre todos os demais) para os direitos da criança e do adolescente.

Não sou, e Deus me livre de ser, por absoluta falta de vocação, um censor. É uma estultícia das maiores se dizer que quando um Juiz proíbe a veiculação de determinada propaganda, texto, etc, em horário impróprio para menores seu ato equivale ao de um “censor”; “volta da ditadura” “império da vontade de uma só pessoa”, etc.

Em um estado de direito, as coisas fluem nos seguintes moldes: a sociedade reclama do abuso; o Ministério Público, que é fiscal da lei e defensor dos direitos coletivos e indisponíveis promove a ação; o Judiciário julga (por vezes concedendo liminares, quando evidente o bom direito pleiteado e o perigo de demora da decisão não ser eficaz se tomada a posteriori; tal como ocorre em todos os ramos do direito).

É uma pena que o Congresso Nacional ainda não tenha regulamentado a questão dos limites da chamada classificação indicativa de diversões e espetáculos públicos, em que pese tramitar Projeto de Lei nesse sentido. È lamentável também que, igualmente, ainda não haja Lei federal estabelecendo os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou profissionais de rádio e TV, bem como de propagandas agressivas como previu o legislador constituinte. Só que isto não justifica que alguns, pretextando liberdade de expressão, tentem, a todo custo, utilizarem-se dos meios de comunicação para agredir os valores morais da sociedade.

Também não sou moralista extremado ou super conservador, como alguns querem fazer crer. Vislumbro, entretanto, um mínimo de valores morais e éticos que são comuns a 99% da sociedade e que os restantes 1% (se tanto) querem a todo custo agredir. Acho que as coisas boas construídas em nossa sociedade, por anos a fio, devam ser conservadas (neste sentido, sou conservador).

Entendo que devemos todos ficar atentos ao novo, mas não pelo simples fato de ser novidade, e, sim, quando esta inovação é salutar e construtiva de uma sociedade mais justa.

Enquanto Juiz da Infância e Juventude, quando demandado por 2 (duas) vezes pelo Ministério Público, fiz cumprir aquilo que era o prevalente em nossa sociedade. Proibindo veiculação, antes das 23h, de paródias chulas, grosseiras, eivadas de palavras de baixo calão e com preconceito racial, do artista Caçarola, e proibindo propaganda apelativa do soutien “Du Loren” nos jornais locais.

Este artigo foi elaborado como contraponto a outro da lavra do advogado José Paulo Cavalcanti Filho, publicado em setembro/98, com o título “Cinderela”, em que o articulista se posta contrário a uma liminar da então Juíza substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, Drª. Kátia Luciene, em ação promovida pela Promotora Arabela Porto, baseada em pleito do Conselho Tutelar, transferindo, para após às 23h, um programa da rádio TOP FM (106,9) denominado “Tarde do barulho”, e trata a decisão judicial como “as asas negra da graúna estão de volta”.

Registro que os atores que atuam no referido programa me merecem o maior respeito e admiração profissional, em especial o Sr. Jason Walace, com o seu personagem na peça “Cinderela: a história que sua mãe não contou”, a que já assisti duas vezes, no Teatro Waldemar de Oliveira. Só que o estilo do humor escrachado daquele grupo artístico é típico, em qualquer país do mundo, de recintos fechados. Um programa de rádio, no início e final de tarde, quando a maioria das crianças estão sozinhas em casa, sem um adulto para controlar, no qual se dizem palavrões dos mais chulos; apologia ao homossexualismo; conselhos para quem está em dificuldades venha a se suicidar; paródias grotescas, etc, é totalmente inadmissível.

Ciente da liminar, o que se imagina pelos deboches praticados, mas inexplicavelmente não citada, a rádio manteve o Programa por longo período. Após a citação, requereu, em Juízo, continuar no horário original, tornando o Programa mais “soft”. Sem autorização de quem quer que seja, maneirou um pouco o conteúdo, trocou o nome do programa, que continuou no ar no período da tarde, levando a que o Juiz Paulo Menezes não tivesse outro caminho que não fosse retirar a emissora do ar por 48 horas e determinar as providências pela prática de crime de desobediência (o fato de tramitar, no STF, uma Argüição de Inconstitucionalidade do artigo do Estatuto, que prevê a retirada do Programa do ar, ainda não julgada, não justifica que esta tenha sido a “saída” sugerida à rádio).

A rádio TOP FM ingressou com Agravo de Instrumento contra a ordem de retirada do ar, mas o eminente Desembargador Manoel Alves da Rocha, em lapidar despacho, que merece ser tornado do conhecimento de todos, manteve a liminar do Juiz monocrático, demonstrando cabalmente os malefícios trazidos com aquele tipo de Programa.

Nos termos em que era apresentado, cuido que nenhuma pessoa de bom senso pode enaltecer aquele Programa. Não adianta argumentar que a realidade é que é feia, com tantas crianças pedindo esmolas ou cheirando cola (um erro não justifica outro, e as ações para correções desta triste realidade não estão a cargo do Judiciário). Não vale também se comparar com outras manifestações grosseiras como algumas músicas dos “Mamonas assassinas”, filmes pornográficos ou violentos, etc. Quem tiver o que reclamar que o faça por escrito, que, com certeza, nem o Ministério Público, nem o Judiciário, faltarão com suas responsabilidades. Se possível for, que a produção do Programa apresente uma proposta de conteúdo compatível com a faixa etária e horário em que desejam veicular seu Programa. Se não for possível, cumpra a decisão e veicule após às 23h.

Não se trata de um gesto de boas intenções ou de maior ou menor teor do moralismo das autoridades judiciais, como imagina o Dr. José Paulo, mas de fazer cumprir a Lei e do bom uso da liberdade de expressão. Decisões como as mencionadas, em processo regular, são próprias do Estado de Direito e representam as verdadeiras “asas brancas da democracia” e merecem os aplausos de toda a sociedade Pernambucana.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo- Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude- Recife

(*) artigo veiculado em 1998.