VOTO DE REVISÃO: INCIDÊNCIA DE ISS DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO: VALOR TOTAL OU VALOR PAGO COM DESCONTO?

14-11-2012 Postado em Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
Gabinete Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 275805-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante/Apelado: Ensino Superior Bureau Jurídico S/A – ESBJ
Apelante/Apelado: Município do Recife
Relator: Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo
Revisor: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

VOTO DE REVISÃO:

I – Requisitos de admissibilidade recursal:

Observo que, em ambos os recursos, foram respeitados os requisitos formais prescritos pelo art. 514 do CPC. Presentes, também, o cabimento, o interesse de agir, a legitimidade recursal, e constatada a inexistência de fato impeditivo ou modificativo do poder de recorrer. Preparo apresentado pelo particular à fl. 507. Dispensado o preparo em relação à Municipalidade. Recursos tempestivamente protocolados.
Assim sendo, voto pelo conhecimento dos apelos.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 275805-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante/Apelado: Ensino Superior Bureau Jurídico S/A – ESBJ
Apelante/Apelado: Município do Recife
Relator: Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo
Revisor: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

II – Apelação do Município do Recife

2.1 – Sobre a nulidade da sentença (error in procedendo):

De proêmio, o Município do Recife suscita a nulidade da sentença por suposta deficiência em sua fundamentação.
Entendo que é o caso de acolher a preliminar em questão, para reconhecer a deficiência da fundamentação decisória, que, a despeito de toda complexidade do caso, limitou-se, em poucas linhas, a afirmar que a norma do Código Tributário Municipal seria inconstitucional., deixando de se pronunciar sobre os demais argumentos aventados pelas partes.
Contudo, o reconhecimento do caráter citra petita do ato decisório não impõe a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau, porquanto estejam devidamente maturadas as provas das alegações das partes, além de se tratar de matéria exclusivamente de direito, o que atrai a incidência do art. 513, parágrafo 3º, do CPC.
Assim sendo, estando a causa madura, cabe a este Tribunal, pela força e amplitude do efeito devolutivo do recurso, conhecer da causa e proferir julgamento.
Esse entendimento está em compasso com os precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SENTENÇA PROFERIDA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA DECLARADA NULA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, IX, DA CF. ARTS. 165 E 458, DO CPC. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC. TEORIA DA CAUSA MADURA. POSSIBILIDADE.93IXCF165458CPC515§ 3ºCPC1. A aplicação da Teoria da Causa Madura trazida à lume pelo novel § 4º, do art. 515, do CPC, pressupõe prévia cognição exauriente, de sorte que a pretensão do retorno dos autos à instância a quo revela notória inutilidade.§ 4º515CPC. 2. In casu, não há qualquer prejuízo no autos a ensejar sua nulidade, posto que o ente municipal recorreu da sentença, inclusive quanto ao mérito do decisium, devolvendo ao Tribunal a quo o conhecimento da matéria impugnada.3. O sistema processual é informado pelo princípio da instrumentalidade das formas, de modo que somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada (pas des nullités sans grief).4. Realmente, é cediço na doutrina quanto à apelação que: “Não obstante, o recurso é ato postulatório e na sua interpretação deve entender-se que o recorrente impugnou tudo quanto lhe foi desfavorável. Assim se o autor, vencido, apelou da sentença, pleiteando de maneira inequívoca a sua reforma, subentende-se que recorreu da improcedência e do acolhimento de eventual pedido dúplice ou reconvencional (…) A reforma anterior já obviara o retorno dos autos à instância a quo nas hipóteses de extinção terminativa da causa madura, por isso que o parágrafo 3º permite ao tribunal, mercê da regra do artigo 515, caput, do CPC prosseguir no julgamento do mérito. O mesmo raciocínio conduziu o legislador da reforma a adotar semelhante solução quando verificada nulidade sanável, dispondo no novel parágrafo 4º, verbis: Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação. Assim, v.g., o defeito de representação, a ausência de autenticação de cópias ou de oitiva de uma parte acerca de determinado documento não implicarão no necessário retorno dos autos posto defeito sanável na instância ad quem” (in Fux, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Forense, 2008. 4ª ed., p. 800/802).515CPC5. A nulidade sanável pelo próprio tribunal à luz das questões fáticas e jurídicas postas nos autos, permite a adoção do art. 515, § 4º, do CPC, com o prosseguimento do julgamento da apelação.515§ 4ºCPC6. Com efeito, o novel dispositivo trouxe maior efetividade da prestação jurisdicional, racionalizando o julgamento e concretizando o princípio constitucional da duração razoável dos processos (art. 5º, LXXVIII, CF/88).5ºLXXVIIICF/887. Recurso especial provido para determinar que o Tribunal a quo julgue o mérito da causa.
(1051728 ES 2008/0088977-3, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/11/2009, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/12/2009)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO DO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL, CASO TENHA SIDO PROPICIADO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA, COM REGULAR E COMPLETA INSTRUÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. PENHORA DE 50 % DE IMÓVEL RURAL, CUJA ÁREA TOTAL CORRESPONDE A 8,85 MÓDULOS FISCAIS. VIABILIDADE. 1. A interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil deve ser feita de forma sistemática, tomando em consideração o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso propiciado o contraditório e a ampla defesa, com regular e completa instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório.
[…]
4. Recurso especial parcialmente provido, apenas para resguardar da penhora a sede de moradia da família.
(REsp 1018635/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 01/02/2012)

Pelo o exposto, com supedâneo nos princípios da instrumentalidade das formas, da economia processual e da celeridade, voto no sentido de acolher a preliminar de nulidade da sentença por carência de fundamentação, a fim de desconstituir o ato decisório de primeira instância, para que esta Corte se pronuncie diretamente sobre a matéria debatida nos autos.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor

Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 275805-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante/Apelado: Ensino Superior Bureau Jurídico S/A – ESBJ
Apelante/Apelado: Município do Recife
Relator: Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo
Revisor: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

2.2 – Sobre o error in judicando apontado no apelo do Município do Recife:

Em resumo, o Município do Recife aduz que não há incompatibilidade entre o tratamento conferido à base de cálculo do ISS pelo Código Tributário do Recife (Lei 15.563/91) e a Lei Complementar Nacional n. 116/2003, tampouco existiria inconstitucionalidade da norma municipal, porquanto tal norma não teria criado, nem alargado a base de cálculo do ISS, conforme asseverado na sentença.
Defende que o disposto no §3º, do art. 115, do CTM, está em compasso com o entendimento doutrinário, afirmando que os descontos condicionados devem integrar a base de cálculo do ISS. No caso concreto, sustenta que a obtenção de desconto por parte do aluno é condicionada a evento futuro e incerto – pagar a mensalidade até certa data.
Postos os principais argumentos, passo a explanar meu posicionamento.
Conforme entendimento de especialistas, o ISS, com o advento da LC 116/2003, passou a representar um maior poder de arrecadação para os Municípios. Sua importância, decerto, decorre do crescimento do setor da prestação de serviços em nosso país, transformando-se em uma das principais fontes de geração de riqueza e, por consequência, de arrecadação tributária .
Entretanto, o poder arrecadatório da Fazenda Pública encontra contornos bem definidos no Texto Constitucional, cujo respeito mostra-se imprescindível para o equilíbrio da atuação fiscal e para a segurança jurídica.
Nessa senda, a CF/88 conferiu aos Municípios e ao DF a possibilidade de instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza (art. 156, III), disciplinando caber à Lei Complementar de caráter nacional a definição do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes do imposto (art. 146, III).
O critério material de incidência do ISS é a circulação econômica de bens imateriais. Ou seja, o serviço tributado pelo ISS é aquele objeto de circulação econômica de bens imateriais (já que os bens materiais são tributados pelo ICMS estadual). Sobre esse ponto, não há divergências, sendo esse o critério adotado pelo STF e pelos tributaristas, a exemplo de Bernardo Ribeiro de Moraes e Ricardo Lobo Torres .
Avanço, mas peço que bem observem a expressão “circulação econômica”.
Por sua vez, o critério qualitativo (base de cálculo) é o objeto de maior controvérsia nestes autos. É cediço que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço.
Assim dispõe o art. 7º da LC 116/2003:
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

E o caput do art. 115 do Código Tributário Municipal do Recife:
Art. 115 – A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

O conceito de preço pode ser compreendido como aquilo que o prestador cobra do tomador e o que o adquirente do serviço concorda em pagar para que lhe seja prestada a utilidade pretendida.
Discorrendo sobre o tema, José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo entendem que a expressão ‘preço’ significa a remuneração pela prestação do serviço, fato que não oferece nenhuma dificuldade para ser apurado, em virtude de previsão em elementos contratuais. Não obstante, os autores fazem a ressalva de que, nem todos os valores auferidos pelo prestador do serviço, deveriam ser considerados para apuração do imposto.
Voltando para a disciplina específica da base de cálculo prevista no Código Tributário Municipal do Recife, tem-se que a norma municipal faz referência ao conceito de preço de serviço nos parágrafos subsequentes ao caput do art. 115, dentre os quais se encontra a regra de maior celeuma entre os litigantes, o §3º:

§ 3º – Não serão deduzidos do preço do serviço os descontos e abatimentos condicionados, como tais entendidos os que estiverem subordinados a eventos futuros e incertos.

É possível encontrar norma semelhante nas legislações de outros Municípios, a exemplo da Lei Municipal de São Paulo n. 13.701/2003 (art. 14).
Se por um lado, o Ensino Superior Bureau Jurídico S/A alega que a legislação do Município do Recife exorbitou do campo de sua competência constitucionalmente delimitada quando disciplinou norma limitando a dedução do desconto da base de cálculo do ISS; o Município do Recife defende que inexiste incompatibilidade entre o CTM e a Lei Complementar Nacional.
Tenho, contudo, que a solução da presente causa não passa pela análise da compatibilidade da norma municipal com a Lei Complementar, tampouco seria o caso de parametrizar a regularidade da norma tributária local com a Constituição Federal.
No meu entender, a solução para o caso passa ao largo da discussão sobre a constitucionalidade da norma municipal apontada. Isso porque a questão essencial reside em saber se o referido §3º do art. 115 do CTM seria aplicável ao caso. Ou seja, se haveria incidência da norma em comento ao caso concreto.
De logo, afirmo estar existindo uma confusão terminológica e de interpretação dos institutos.
Antes de tê-la por inconstitucional, entendo que o §3º do art. 115 do Código Tributário Municipal do Recife mostra-se positiva, a fim de proteger o Fisco Municipal de problemática diversa da discutida nos presentes autos.
Entretanto, a norma em questão não é capaz de lastrear o auto de infração lavrado contra o particular, porquanto o que a norma pretende tutelar é o recebimento da receita bruta do ISS, sem nenhuma dedução, com exceção dos descontos concedidos independentemente de qualquer condição. Por óbvio, é uma norma protetiva, a fim de evitar deduções indevidas da base de cálculo, ao mesmo tempo em que evidencia o caráter da vinculação da tributação com o preço do serviço e com a característica do ISS de ser um tributo cumulativo, não admitindo, em regra, compensações em sua base de cálculo, nesse ponto se diferenciando do ICMS.
O Fisco Municipal, por outro viés, utiliza a norma mencionada para lastrear sua pretensão de obter o recebimento de valores do ISS supostamente recolhidos a menor, por entender que a mensalidade reduzida em função de pagamento em data diferenciada pelo tomador do serviço consistiria em um desconto condicionado, pelo que deveria ser considerado o maior valor do boleto da mensalidade para fins de base de cálculo do ISS.
A lógica do razoável já indicaria que a pretensão não se mostra compatível com a própria razão de ser do ISS, que tem como critério material a circulação econômica de bens imateriais, cuja base de cálculo encontra lastro no preço do serviço.
Nesse caso concreto, pretender o recolhimento do tributo tomando por base de cálculo um valor maior e diferente do que foi efetivamente recebido pela prestação do serviço não me parece adequado.
Não bastasse isso, a interpretação conferida ao conceito de desconto condicionado e desconto incondicionado também está equivocada, em nítida confusão de conceitos de institutos próprios do direito civil. Vale lembrar que, nos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional , a legislação tributária (tampouco a interpretação a ela conferida) não tem o condão de alterar a definição, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado.
Aprofundando as pesquisas sobre esse ponto específico, entendo por relevante trazer a explicação dada por Fernando Dias Fleury Curado e Robinson Sakiyama Barreirinhas , ambos Procuradores do Município de São Paulo:

Não se consideram, para fins de base de cálculo, os descontos condicionados. Assim, se o preço do serviço é de R$100,00, mas o tomador pode ter (não é certo que terá) um desconto de 10% no caso de pagamento das parcelas em dia, por exemplo, a base de cálculo será de R$100,00.
Um desconto incondicionado, por outro lado, diminui a base de cálculo do ISS. É o caso de o preço do serviço ser ordinariamente R$100,00, mas, por negociação específica, o prestador concorda em cobrar do tomador um valor com desconto de 10%, incondicionalmente. Nesses casos, a base de cálculo corresponde a R$90,00.

Note-se que o critério distintivo entre os diferentes tipos de descontos se situa na incerteza/certeza de sua ocorrência.
Outro exemplo elucidativo é o trazido por Paulo de Barros Carvalho e por Gilberto de Castro Moreira Junior . Os autores explicam que a relação obrigacional sujeita à condição depende de um acontecimento futuro e incerto, podendo ser suspensiva (quando os contratantes protelam, temporariamente, o início da eficácia do negócio jurídico até a realização do evento futuro e incerto) ou resolutiva (aquela que desfaz, quando implementada, os efeitos jurídicos até então produzidos pelo negócio jurídico). Nesse passo, apontam que seria um desconto condicional àquele que estivesse atrelado à obtenção de determinada nota nas disciplinas cursadas pelo aluno no semestre ou ano letivo.
Perceba-se que, tratando-se do desconto condicional, a incerteza e futuridade diz respeito a ambas as partes integrantes do negócio jurídico, sendo completamente impossível fazer previsão sobre o implemento da condição geradora do desconto.
Situação oposta é a que se refere aos chamados “descontos por pontualidade” discutidos nesses autos.
O contrato celebrado entre o Ensino Superior Bureau Jurídico e os alunos/tomadores é de prestação de serviços educacionais, ajustado por período certo de tempo (em regra semestral), cuja execução se prolonga no tempo. O preço do serviço já é previamente objeto de definição entre ambas as partes, com pagamento também previamente estipulado em valores diferenciados em relação às datas de pagamento fixadas e de conhecimento das partes (ver cláusula 16).
A lógica dessa prática comercial é no sentido de favorecer aquele aluno que faz o pagamento da mensalidade de forma antecipada, concedendo-lhe um valor diferenciado e menor da mensalidade.
Aqui não há incerteza ou indefinição. Considerando a especial característica desse contrato – execução diferida no tempo –, as partes previamente já ajustam no contrato uma forma de pagamento com valores diferenciados em relação às respectivas datas de vencimento contidas no contrato e no boleto bancário.
Logo, não se pode confundir os institutos e tratar essa situação como um desconto condicionado e pretender a arrecadação do tributo sobre o valor maior da mensalidade.
A norma municipal tem por objetivo proteger o Fisco daqueles negócios condicionais que sujeitam a eficácia contratual a evento futuro e incerto para as partes, o que gera a dificuldade de aferição, pelo Município, da ocorrência do fato gerador do tributo e de sua adequada base imponível.
Por essa razão foi que me posicionei pelo caráter positivo da norma municipal. A arrecadação do Fisco, decerto, não poderia ficar a mercê de situações incertas e imprevisíveis, provenientes de negócios jurídicos condicionais.
Talvez, por essa preocupação, é que os doutrinadores e o próprio STJ têm sufragado a tese de que os descontos condicionais integram a base de cálculo do ISS.
Mas daí a querer insistir que a situação debatida nesse processo se refere a um desconto condicionado, porque, segundo o Município, o desconto só será concedido se o aluno pagar a mensalidade até certa data e que o pagamento até certo dia configuraria evento futuro e incerto, parece-me de todo equivocado.
Inexiste condicionalidade nesse tipo de desconto, justamente porque os valores das mensalidades e das respectivas datas de pagamento são fixados a termo certo de tempo, sem qualquer incerteza.
Não se confunda a possibilidade de inadimplemento, inerente a qualquer espécie de contrato, querendo por o pagamento na data pelo aluno como evento condicional (evento futuro e incerto).
Caso o aluno/tomador do serviço deixe de efetuar o pagamento da mensalidade, fato indevidamente considerado pelo Município como evento futuro e incerto, restará configurado o inadimplemento contratual. E quanto a isso, o Município não teria qualquer prejuízo em sua exação, porque a base imponível a ser considerada para fins de recolhimento do tributo seria a da mensalidade com a data de última opção de pagamento e, consequentemente, a de maior valor.
E esse fato é absolutamente aferível no tempo, no espaço e na sua quantificação, inexistindo situação duvidosa que pudesse prejudicar a arrecadação do tributo.
Nesta situação de inadimplência, em que executado o serviço e o tomador/aluno deixa de efetuar o pagamento do preço pactuado, ainda assim o ISS será devido na data de recolhimento estipulada pela legislação municipal.
Prestado o serviço educacional naquele período, ainda que o aluno não tenha efetuado o pagamento da mensalidade em nenhuma das datas que lhes foram previamente oportunizadas (até dia 05; até dia 10; até dia 20; até dia 30 de cada mês), subsistirá a obrigação tributária de recolher o ISS e a base de cálculo será aferida sem os descontos para pagamento antecipado.
No entanto, uma vez efetuado o pagamento da parcela da semestralidade em data que lhe conferia uma diminuição do valor pelo pagamento antecipado, a base de cálculo do ISS não poderá ser outra que não aquela que consubstanciou o efetivo preço recebido pela prestação do serviço.
Essa me parece a interpretação que se harmoniza com a regra de que a base de cálculo gravita em torno do preço do serviço.
Vejamos que essa preocupação com a correspondência da base de cálculo do ISS com o preço do serviço é manifestada pelo Superior Tribunal de Justiça em uma interminável quantidade de casos que lhe foram submetidos. Mesmo que não digam respeito especificamente ao caso que ora apreciamos, entendo ser de extrema relevância realizar esse levantamento jurisprudencial, a fim de guardarmos a máxima de que onde existe a mesma razão, deve prevalecer o mesmo direito.
Primeiramente, trago à baila recentíssimo precedente, julgado em 20.9.2012 e publicado no Informativo n. 505:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. VALOR DA BASE DE CÁLCULO. TRANSPORTE COLETIVO MUNICIPAL. VENDA ANTECIPADA DE PASSAGEM (VALE-TRANSPORTE E PASSAGEM ESCOLAR). REAJUSTE ENTRE A DATA DA COMPRA E VENDA E A DA EFETIVA UTILIZAÇÃO PELO USUÁRIO (FATO GERADOR). NÃO INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE A DIFERENÇA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A base de cálculo do ISS incidente sobre a prestação de serviço de transporte coletivo de passageiros é o preço efetivamente pago pelo usuário no ato da venda e compra dos bilhetes (seja vale-transporte ou passagem escolar), não o vigente no momento posterior em que se dá a efetiva prestação. Precedentes: AgRg no AREsp 89.695/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08/03/2012; AgRg no REsp 1172322/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 05/10/2010; REsp 922.239/MG, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, , DJe 03/03/2008.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 112288/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2012, DJe 25/09/2012)

De clareza ímpar e aplicabilidade inquestionável ao caso presente, o teor do julgamento fixou uma baliza: efetuado o pagamento antecipado, o ISS incidirá sobre o valor que efetivamente foi recebido pelo prestador do serviço, sendo incabível a pretensão de receber eventual diferença.
No contrato de prestação educacional, via de regra semestral, o valor do serviço é parcelado em mensalidades para facilitar o próprio acesso à educação pela população. Mas nada impediria que o tomador se prestasse a realizar o pagamento integral do semestre de forma antecipada, beneficiando-se do valor diferenciado. Se, nesse caso, a Municipalidade pretendesse a incidência do tributo considerando uma base de cálculo maior do que o preço pago, impossível não levantar sérias reflexões sobre se o fato não seria mero reflexo de uma sanha arrecadatória desmedida, sem correspondência com os princípios constitucionais tributários.
Tal como o usuário do transporte público que adquiriu o vale-transporte num valor menor e foi essa a base de cálculo considerada pelo STJ como correta para fins de recolhimento do ISS; os pagamentos de valores diferenciados de mensalidade em razão de datas previamente fixadas devem ser os valores efetivamente considerados como base de cálculo da incidência do ISS.
Em outro Recurso Especial, com relatoria do Min. Luiz Fux, também foi apresentado um argumento que reputo de absoluta propriedade: pretender o pagamento do ISS sobre eventual diferença entre o preço efetivamente recebido pelo serviço, em pagamento antecipado; e o valor da mensalidade integral ajustada para a última data de vencimento do boleto, caracteriza enriquecimento sem causa para a Fazenda Pública Municipal. Vejamos a ementa do julgado:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. VENDA DE PASSAGENS E RECOLHIMENTO ANTECIPADOS AO FATO GERADOR DO TRIBUTO. REAJUSTE DOS PREÇOS DAS PASSAGENS VERIFICADA ENTRE O MOMENTO DA VENDA E O MOMENTO DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. NÃO INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE A DIFERENÇA.
1. A base de cálculo do ISS incidente sobre a prestação de serviço de transporte coletivo de passageiros é o preço efetivamente pago pelo usuário no ato da venda e compra dos bilhetes, não o vigente no momento posterior da prestação (redação do art. 9º do Decreto-lei nº 406/1968, repetida na vigente Lei Complementar nº 116/2003).
2. In casu, assentaram as instâncias ordinárias que o tributo foi recolhido pela concessionária do serviço público municipal em momento anterior à ocorrência do fato gerador, de acordo com as determinações da legislação municipal, de sorte que os recursos provenientes da incidência de ISS sobre prestação do serviço de transporte coletivo de passageiros restaram disponíveis aos cofres do Município em momento anterior ao ocorrência do fato gerador do tributo.
3. Dessarte, eventual pagamento de ISS relativo à diferença de preços das passagens verificada entre o momento da compra entre o momento da compra e o da efetiva prestação do serviços em decorrência de inflação implicaria enriquecimento sem causa do Poder Público Municipal.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1172322/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 05/10/2010)

No caso a seguir, também se observa uma preocupação do STJ em resguardar a relação da base de cálculo do ISS com o preço do serviço efetivamente auferido pelo prestador do serviço. Por exemplo, em relação aos planos de saúde, o STJ entende que a base de cálculo não é exatamente o preço pago mensalmente pelos usuários, devendo-se abater os valores repassados pelas operadoras dos planos aos hospitais, laboratórios, clínicas e médicos, por serem estes também sujeitos passivos da obrigação tributária do ISS. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. EMPRESA GESTORA DE PLANO DE SAÚDE. BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. MENSALIDADE PAGA PELOS ASSOCIADOS EXCLUÍDAS AS QUANTIAS REPASSADAS AOS TERCEIROS CREDENCIADOS, PRESTADORES DO ATENDIMENTO MÉDICO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, nos serviços de plano de saúde, a base de cálculo do ISS é o valor líquido recebido, ou seja, o valor bruto pago pelo associado deduzidos os pagamentos efetuados aos profissionais credenciados, pois, em relação aos serviços prestados por esses profissionais, há a incidência do tributo, de modo que a nova incidência sobre o valor destinado a remunerar tais serviços caracteriza-se como dupla incidência do ISS sobre o preço pago por um mesmo serviço. Assim, o valor repassado aos profissionais credenciados deve ser excluído da base de cálculo do tributo devido pela empresa gestora. Precedentes: AgRg no Ag 1.288.850/ES, 1ª Turma Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJe 6.12.2010; REsp 783.022/MG, 1ª Turma, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe 16.3.2009; REsp 1.041.127/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2008; EDcl no REsp 227.293/RJ, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Ministro Francisco Falcão, DJ de 19.9.2005. 2. Recurso especial não provido.
(REsp 1137234/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 13/09/2011)

Tudo isso está a indicar que a base de cálculo, no presente caso, não pode ser outra que não o valor da mensalidade escolar paga, considerando-se o desconto em caso de pagamento antecipado, conforme previsto contratualmente. E, em caso de inadimplência, a apuração da base de cálculo tomará o valor cheio da mensalidade, sem considerar qualquer desconto.
Por esses fundamentos, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao apelo do Município do Recife, julgando procedentes os pedidos da ação proposta pelo Ensino Superior Bureau Jurídico S/A, no sentido de declarar a insubsistência do débito fiscal apurado no processo administrativo nº 07.39542.5.09 e reconhecer a inexistência de obrigatoriedade de recolhimento das diferenças entre as quantias efetivamente recebidas pela parte autora (mensalidades pagas antecipadamente pelos alunos) e os maiores valores constantes dos boletos bancários, uma vez que o desconto fixado a termo certo de tempo, por pagamento antecipado, é desconto conferido incondicionalmente, e tais abatimentos não podem integrar a base de cálculo do ISS.
É como voto.
Recife, de de 2012

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor
Terceira Câmara de Direito Público
Apelação Cível nº 275805-0 – 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante/Apelado: Ensino Superior Bureau Jurídico S/A – ESBJ
Apelante/Apelado: Município do Recife
Relator: Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo
Revisor: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

III – Apelação do Ensino Superior Bureau Jurídico S/A – ESBJ
Em seu apelo, pretende a majoração da verba honorária em percentual não inferior a 5% sobre o valor da causa.
Na fixação dos honorários contra a Fazenda Pública, deve-se observar a regra veiculada pelo art. 20, § 4º, do CPC, de modo que o valor seja fruto da apreciação equitativa do magistrado.
Ademais, a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o magistrado não está adstrito aos limites de 10% a 20%, devendo levar em consideração as circunstâncias do caso concreto e os parâmetros contidos no §3º do art. 20 do CPC.
Tenho, pois, após averiguar o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelos advogados e o tempo exigido, que a fixação da verba honorária em 2,5% (dois e meio por cento) sobre o valor da causa mostra-se proporcional e justa, afigurando-se valor que remunera condignamente os causídicos.
Ademais, é cabível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento das custas, em virtude do dever de restituir ao seu adversário vencedor o montante por este despendido com as custas e emolumentos judiciais.
Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo do particular, para fixar a verba honorária em 2,5% (dois e meio por cento) sobre o valor da causa.
Recife, 12 de novembro de 2012

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor