DA IMPUTABILIDADE PENAL

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

Alguns jovens adquirem
a maturidade antes dos 18 anos;
outros, um pouco depois.

VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE – A verdadeira face do Brasil de hoje. Crise econômica; miséria; fome; má distribuição de renda; desemprego; ausência de uma política que fixe o homem no campo, “inchação” das grandes cidades – aumento do consumo de drogas; inexistência de políticas sociais básicas (saúde e educação) e para controle da natalidade – notadamente nas camadas mais baixas e regiões mais pobres, onde as taxas demográficas e índices de fertilidade e natalidade continuam elevadíssimos. DESAGREGAÇÃO FAMILIAR. Eis aí as raízes primárias de suas causas. Ao seu lado, legislações incompatíveis com a estrutura social brasileira, como a famigerada “LEI FLEURY” e a redução de metade para um terço de cumprimento da pena para a liberação dos “presos bem comportados’, também estimulam o quadro caótico.

Em uma leitura desfalcada da realidade, volta à tona, na esteira da Revisão Constitucional, a idéia de reduzir a imputabilidade penal para 16 anos; alterando, assim, o art. 228 da Constituição Federal, colocando tal providência como a panacéia que vai resolver o problema de violência e da impunidade. Fatalmente a situação permanecerá (penso eu que se agravará, como pretendo demostrar!) e então estes “arautos” da redução passarão a pedir que a imputabilidade ocorra com 14, 12, etc., até o dia em que ela alcançará a todos os nascidos com vida. À falta de coragem para enfrentar as verdadeiras causas antes apontadas, até por serem de difícil resolução, seguem o atalho fácil de “dar uma satisfação à sociedade”, já induzida pela mídia de que este seria um bom caminho. Ao lado dos conhecidos e manjados defensores da pena de morte, tortura, prisão perpétua, etc.; podem ser encontrados agora, lastimavelmente outrora defensores dos direitos humanos, lutando pelo seu “direito humano à reeleição’, mesmo que à custa de um estelionato contra a opinião pública, além de segmentos conservadores do mundo jurídico defensores do revogado Código de Menores. Esquecem estes que 18 anos também era o limite de maioridade penal à época de Código; que naquela época nunca deram um “pio” sobre o assunto, ao contrário escrevem livros reconhecendo que a teoria da imputabilidade pelo discernimento era tecnicamente equivocada e imprecisa, sendo de prevalecer a teoria cronológica e que 18 anos era a faixa aceita pela maioria esmagadora dos países por ser a ocasião do término da adolescência, havendo mesmo uma tendência mundial para elevá-la para junto à capacidade civil aos 21 anos.

Todos sabemos que não existe este “Fiat Lux” ou “estalo de Vieira” no dia exato em que o jovem completa 18 anos. Tal idade corresponde à média. Alguns adquirem um pouco antes; outros, um pouco depois. Uma minoria nunca chega a adquiri-la – exatamente para isso, tanto na aplicação de pena aos maiores ou de medida sócio-educativa aos menores, o juiz deve levar em conta a personalidade do agente; circunstância da infração; antecedentes, etc. De toda sorte, da mesma forma que existem aqueles que cometem infração aos 17 anos, 11 meses e 29 dias, também haverá os casos 15 anos, 11 meses e 29 dias, caso, por amor ao argumento, for acatada a tese de redução.

Vamos agora desmistificar os “argumentos” que tentam dar lógica à proposição:

1) O MOMENTO DA REVISÃO CONSTITUCIONAL É PROPÍCIO – O emocionalismo com que se observa a atuação dos contra e os a favor da revisão, a meu ver, recomenda que um tema de tal magnitude, onde este limite de idade já vem inserido desde a 1ª Constituição Republicana, Não possa ser cogitado de tentativa de alteração em sistema de votação unicameral por maioria absoluta. Querem tentar mudar uma tradição quase secular? Que o tentem pela via da Emenda Constitucional, com quorum de 3/5 e votação bicameral. Aí sim seria inquestionável que a mudança era fruto de vontade esmagadora da nação. Além disso, estão se esquecendo que o Brasil é signatário de uma convenção internacional. Nela não há limite mínimo de idade para imputabilidade penal, mas obriga que não se faça alterações na normativa interna que venham em prejuízo dos destinatários. Foi ela aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 28/90) incorporando-se assim, à normativa interna. Diz ela que quando a lei local concede mais direitos do que a própria convenção deve prevalecer a legislação interna. Óbvio é que o país signatário poderá denunciá-la, mas terá de se submeter aos prazos internacionais para afastamento. O Brasil estará disposto a se sujeitar às sanções econômicas e ao repúdio social e moral que a Comunidade internacional infligirá por esse passo para trás na sua história?

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opinião Recife, 14 de zembro de 1993.

A IMPUTABILIDADE PENAL ( 2 )

O jovem de hoje, inegavelmente
tem mais informações do que
o jovem de antigamente.

Com 16 anos votam e já querem dirigir automóveis – O Brasil é o único país do mundo que concede o direito de voto nesta idade. Será que o mundo todo está errado e o Brasil certo? Pessoalmente acho que foi um erro grosseiro tal providência, também para atender a interesses eleitoreiros de alguns pensavam ser os detentores da vontade dos jovens, quando as pesquisas mostram que foi exatamente esta faixa do eleitorado, pela imaturidade, a que proporcionalmente mais se seduziu pelos encantos “colloridos”. Além disso, é patente a incoerência de permitir que alguém possa ser eleitor, mas não possa ser condenado se praticar crime eleitoral. Um erro pode justificar outro? A propósito, para os que entenderem como radical a minha posição contra o voto aos 16 anos, lembro que tem ele alguns argumentos favoráveis, não podendo ter paradigma com a imputabilidade, a saber: É facultativo, não atingindo, portanto, a todos nesta idade, só aos que quiserem (quando o interesse em votar é espontâneo, e não por “livre imposição” dos pais ou de políticos, que sempre se trata daqueles casos que adquirem maturidade antecipadamente a que antes aludi); tem caráter pedagógico na formação da cidadania (ir aprendendo a votar); a Lei tem idades distintas para diversos atos da vida civil, como casamento; emancipação; freqüentar determinados locais; disposição de bens; início de atividade escolar obrigatória etc.

Quando ao dirigir veículo automotor, apesar da insensata decisão do Congresso, graças a Deus vetada pelo presidente; cada vez mais se comprova no mundo inteiro que não têm eles reflexos suficientes para tal tarefa complexa, especialmente em condições de “stress” ou ingerindo bebidas sendo, segundo estatísticas, proporcionalmente, freqüente o envolvimento em acidentes que resultam morte.

3) O jovem de hoje tem mais informações do que os de antigamente – Isto é rigorosamente verdadeiro. Só que estão confundindo informação com maturidade. Esta última tem razões basicamente psicológicas; a primeira em fatos sociais. Comparando com a chamada “lei do uso e desuso’, onde se diz que um órgão não usado atrofia e o usado cresce, é possível que quanto mais informações adquiridas, mais fácil de se chegar à maturidade. Entretanto, dependendo da faixa econômica, poucos são os que têm acesso genérico à informação e aos bens culturais. Empiricamente observo que nada significativo se modificou nos últimos tempos na personalidade destes que se encontram na fase final da adolescência (alguns chamam de aborrência, pois vivem aborrecidos com tudo!). São instáveis emocionalmente; auto-suficientes; agressivos com familiares; contestadores; pouco colaboradores nas atividades domésticas; facilmente influenciáveis. Tudo igual à época em que meu pai tinha 17 anos.

4) O sistema legal assegura a impunidade – Na lei anterior se apreendia nas ruas sem qualquer critério. Eram as chamadas “carrocinhas de menores”. Não se obedecia à estrita legalidade; não havia prazos de permanência; não tinham direito a advogado – apenas se retirava das ruas o “lixo social” que enfeitava a cidade. Misturados com delinqüentes contumazes, aqueles que nenhuma conduta anti-social havia cometido (privado de liberdade por serem pobres) eram espancados e usados sexualmente; aprendiam a usar drogas; a corromper funcionários; fugir, se “pós-graduado” em todos os ‘truques” da criminalidade. Quando de retorno ao convívio social, já eram “feras humanas” a reproduzir tudo o que aprenderam e sofreram, de sorte que, sem a sociedade se dar conta, ela própria era a maior vítima da internação desnecessária. Nenhum direito novo foi dado ao adolescente infrator que não esteja consagrado aos adultos desde 1940, como: conhecimento pleno e formal de imputação que lhe é feita; presunção de inocência; defesa técnica por advogado; limite temporal de privação de liberdade; condições mínimas de dignidade no local de internação etc.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opinião
Recife, 24 de dezembro de 1993.

DA IMPUTABILIDADE PENAL ( 3 )

No Recife, de cada 100 adolescentes
que respondem a processo
77 se recuperam.

O Estatuto diminui em mais de 80% o trabalho burocrático da política, abolindo os chamados inquéritos especiais. Só que os 20% restantes devem ser feitos de imediato ao fato. Para não terem trabalho, parte exatamente de alguns setores policiais a falsa versão de que não podem fazer nada e que a lei protege o delinqüente. Quando muito preparam um auto de flagrante. Se recusa a fazer boletim ou relatório, quando o infrator não está apreendido, a pretexto de “não vai adiantar de nada”. Ora, a lei é bem mais rígida com os infratores do que a lei anterior e, em certos aspectos, até mesmo que o Código Penal. Veja-se que a custódia provisória pode ir até 45 dias, enquanto que de um adulto o prazo é de cinco dias. A lei prevê a suspensão temporária de visitas. Se este prazo não está sendo cumprido em alguns casos, que se aparelhe o Ministério Público e Judiciário para que isto não vire um grande ralo de liberação de infratores, tal como há muito ocorre no processo criminal com o costumeiro uso da figura do “excesso de prazo” que solta tantos bandidos. Cumprindo-se a lei e seus prazos à risca, os resultados das medidas sócio-educativas são mais alvissareiros e recuperadores do que a “punição” que alguns querem.

No Recife, paulatinamente melhorando com a introdução da informática, observa-se que o índice de reincidência é de 13% (Ou seja, em cada 100 adolescentes que respondem a processos 77 se recuperam e não voltam às barras da justiça). Dentro dos que reincidem, quase sempre se trata do mesmo adolescente, com vários processos apensados uns aos outros. São facilmente identificáveis e poderão ser internados até recuperação. Cerca de 80% das infrações correspondem à chamada criminalidade aquisitiva (furto e roubo), prova maior da causa econômica; 90% são oriundos de família com renda inferior a um salário mínimo; 95% são analfabetos ou 1º grau menor incompleto; 90% são do sexo masculino; 84% moram em favelas; na grande maioria são originários de família desagregadas com vários irmãos; 65% são pardos ou pretos. É importantes o registro de que pouco mais da metade dos processos que tramitam na 2a. Vara são de apuração de atos infracionais e que quase 80% destes foram cometidos por adolescentes entre 16 a 18 anos. Não precisa ser nenhum gênio para se constatar que se aprovada a redução o meu serviço se reduza em cerca de 30%. Como cidadão consciente do mau que tal medida trará à sociedade a médio prazo, prefiro continuar trabalhando muito.

O sistema legal é apropriado e recuperador. Agora que a Fundac e a PMPE se unem para assegurar segurança externa no CRM e CAP, evitando as constantes evasões, e fazendo com que a internação não se prolongue até quando o adolescente quiser fugir, mas quando for entendido técnica e juridicamente que ele pode voltar ao convívio social; que se busca distinguir os internos por idade, compleição física e gravidade da infração; possibilidade ou não de atividades externas, tudo leva a crer que a internação terá maior função pedagógica aos infratores graves ou refratários a outras medidas. O juizado reestrutura o Programa de Liberdade Assistida onde se encontra os melhores índices de recuperação. Qual seria o índice de reincidência se estes jovens estivessem nos “Anibal Brunos” da vida?

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opinião
Recife, 30 de dezembro de 1993.

DA IMPUTABILIDADE PENAL ( final )

Feio não é mudar de
idéias; feio é não
ter idéias para mudar.

Recentemente em Paulista-PE ocorreu uma chacina de adolescentes praticada por integrantes de uma galera. Foram ouvidas 22 pessoas no processo e o adolescente envolvido foi julgado e internado antes dos adultos serem denunciados. Qual o sistema que não funciona? Nos casos simples de furto, quando praticado por um adolescente, ensejam internações demoradas aos reincidentes. Nos adultos a polícia não faz inquéritos. Ou não ocorrem as denúncias, ou os juizes não têm tempo (pela avalanche de processos) para instruir e julgar, terminando, quase sempre, com uma sentença de prescrição. O Brasil, dizem, tem mais de 200 mil mandados de prisão não cumpridos. Se de uma hora para outra a polícia ficar eficiente e prender a todos, onde vão colocá-los? No Arrudão? E se baixar para 16 anos e multiplicar, portanto, os mandados? E quando estiverem presos ao lado dos coroas especializados no crime? Será que continuarão tendo cursos profissionalizantes, retirada de documentos; apoio técnico, engajamento no mercado de trabalho e tudo o que, bem ou mal, a Fundac lhes vem proporcionando para recuperá-los? Falam alguns em construção de prisões especiais para eles. Ora, o que são, na prática, as unidades de internação senão um tipo de prisão especial, onde os que estão ali foram privados de liberdade, e só podem sair por ordem judicial? Não seria mais fácil e mais barato melhorá-las? De onde virá o dinheiro para construir estas prisões especiais, em um país que não tem verbas nem para mercurocromo nos postos de saúde e para recuperar bancas escolares? É um sofisma se querer o retrocesso de sistema anterior alegando que os programas protetivos e sócio-educativos não funcionam. O desafio é fazê-los funcionar.

Parodiando o conhecido comercial, digo: Tem gente que não quer, qualquer desculpa serve. Pense bem, pensamentos apropriados podem até dar charme e distinção.

Como tenho certeza absoluta de que a maioria dos defensores da redução é formada por bem intencionados, faço aos mesmos um apelo. Caso após a leitura deste artigo tenham mudado de opinião, ou pelo menos se abalado nas convicções, não tenham medo de ser a “metamorfose ambulante”. “Feio não é mudar de idéias; feio é não ter idéias para mudar”. Caso contrário, sigam em frente, pois a humanidade cresce do confronto das idéias. Apenas suplico formulem argumentos técnicos superiores aos que aqui tentei listar, pois, pela mesma lógica, em tese, pode ser que as minhas opiniões é que estejam erradas.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Jornal do Commercio – Opinião
Recife, 06 de janeiro de 1994.

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