INTERNAÇÃO DE INFRATORES

07-04-2009 Postado em Artigos por Luiz Carlos Figueirêdo

As matérias veiculadas na Folha de São Paulo de 26 e 27/09/95 e Diário de Pernambuco de 28/09/95, sobre declarações minhas e do Dr. Bartolomeu Bueno, embora incompletas, têm um grande mérito. Trazem à tona a ponta deste enorme “iceberg” dos limites da atuação da Guarda Externa, pela Polícia Militar dos Estabelecimentos de Internação de adolescentes autores de Atos Infracionais. Desde o tempo do revogado Código de Menores que se convive com a versão falaciosa, mas introjetada na cultura brasileira, de que “menor pode fazer o que quiser que não dá nada para ele”. O Estatuto da Criança e do Adolescente chegou em outubro de 1990 lhes assegurando e detalhando direitos fundamentais da Constituição até então sonegados. Como é óbvio, não lhes autoriza a matar, roubar, estuprar “sem pagar um pai nosso de penitência”. A cada direito corresponde um dever. Por isto mesmo, o Estatuto listou várias medidas sócio-educativas aos infratores, que vai da simples advertência à internação por 3 (três) anos consecutivos nos casos mais severos. A Lei diz que INTERNAÇÃO É FORMA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E QUE CABE AO ESTADO PROPICIAR CONTENÇÃO E SEGURANÇA. Se é assim, em nada difere dos Presídios e Penitenciárias destinadas a adultos, exceto que estes, querendo ou não os penalistas modernos, além dos aspectos pedagógicos de ressocialização, resta uma carga retributiva, punindo pelos crimes que cometeram. Desta forma, à luz dos Artigos 121, 125 e 152 do Estatuto e o Art. 284 do C.P.P., e do Art. 502 e P. único do C.C., e Art. 13 e P. 2º “a”, 23, II e III, do C.P., não pode a guarda dos estabelecimentos permitir inerte que se faça rebeliões, destrua o patrimônio Público (para depois reclamar do ócio causado pela destruição por eles mesmos de equipamentos de lazer e profissionalização) e, principalmente, que venham a se evadir.

Sobre estas questões é preciso ficar claro que o Dr. Bartolomeu não mandou que os agentes internos circulassem armados de cacetetes e batessem nos internados (seria até uma provocação e colocaria em risco o próprio funcionário), o que ele disse foi que como meio de defesa (própria, de outros funcionários, patrimônio público e de outros adolescentes – agredidos é até mortos por não desejarem participar das rebeliões) poderão nessas ocasiões, e só para se defender, se utilizar de cacetete ou outro meio para fazer cessar a injusta agressão. É a lei que permite isso. Quanto a deixar fugir, é preciso parar com frases emocionais e apelativas do tipo “a vida é o bem maior”. Com isto todo mundo concorda. O que se recomenda é que o guarda primeiro apite; use gás paralizante; balas de festim, tiro para o alto; atire na parede, e, por fim, na undécima hora, se nada disso houver detido o que tenta fugir, que atire nas suas pernas. Se não fizer isto, a mensagem pedagógica que estará passando para os que ficaram no estabelecimento é que todo o aparato mantido é “para Inglês vê” e que não há riscos em se tentar a evasão. Não há punição para a fuga ou para sua tentativa. Há sim para sua facilitação. Se o policial não agir na ocasião estará prevaricando nas suas funções. Lógico que há o risco de um tiro fatal, que não é nem maior nem menor do que ocorre com os outros milhares de policiais que patrulham as ruas e não as casas de Internação. O adolescente precisa saber que corre riscos se tentar fugir; o policial que corre riscos caso se exceda, tal como a recente condenação de um cabo no Rio de Janeiro que executou friamente um assaltante, fazendo justiça com as próprias mãos. A vida é bem maior, seja do infrator que tenta fugir, do policial, do Juiz, Promotor, Delegado, mas também dos demais integrantes da sociedade que passariam a correr risco de fugas em massa. Pernambuco tem hoje há um ano aquele que é considerado o melhor sistema de recuperação em meio aberto de adolescentes infratores do Brasil, com a liberdade assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade sendo feita pela própria sociedade sob supervisão do Judiciário. 92,50% dos adolescentes a ele vinculados estão recuperados, trabalhando, estudando, integrados à família e à comunidade. 2,5% tiveram o prazo de prova prorrogado, porque cometeram pequenas infrações; 5% cometeram infrações graves e foi necessário decretar-lhes internação. Aos que acham estes números bons de mais para ser verdade e que há riscos de estarem cometendo delitos escondidos, registro que dos mais de 100 (cem) adolescentes do Programa apenas 1 (um) morreu, vítima de acidente. Se estivessem delinqüindo, como Recife é o lugar onde mais se extermina menores no Brasil, não há dúvidas que já haveria aparecido uns 10 (dez) ou 15 (quinze) mortos.

Se o número de infratores graves do Recife é baixíssimo, conforme recente, competente e insuspeito levantamento do CIELA; se os pequenos infratores, que correspondem à maioria, estão tendo oportunidade de recuperação, os Promotores e Juizes da Infância e da Juventude têm o direito e o dever de exigirem melhoria na qualidade do atendimento aos infratores nas casas de internação (que reduziram seus custos com a diminuição quantitativa de internados) e que os adolescentes internados não fujam e só retornem ao convívio social devidamente recuperados, saindo não por cima do muro, mas “pelas portas que entraram”.

Luiz Carlos Figueirêdo – Juiz da 2a. Vara da Infância e da Juventude do Recife-PE
e 1º Vice Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude.

Diário de Pernambuco, 18/10/95, e Folha de São Paulo, 23/10/95.

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