ACÃO DE ADOÇÃO NACIONAL

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo n.º 001.2002.009180-0
Ação de Adoção Nacional

S E N T E N Ç A N.º /02/2003 – LCBF

Vistos, etc…

XXXXXXXXXX, brasileira, divorciada, comerciante, residente e domiciliada na Rua Severino Pessoa, nº 437, Madalena, nesta cidade, através de Defensora Pública, ingressou neste Juízo com um pedido de ADOÇÃO em favor da adolescente XXXXZXXX, nascida em 18 de agosto de 1985, na cidade do Recife – Pernambuco, filha de XXXXXX e XXXXXX, encontrando-se, todavia, em lugar incerto e não sabido, colacionando à sua inicial os documentos de fls. 05 usque 12.
A adolescente já se encontra na guarda fática da Requerente há aproximadamente dois anos.
O relatório psicossocial apresentado pelo Serviço de Adoção, manifestou-se favorável ao pedido de adoção (fls. 20/24).
Citação editalícia dos pais biológicos às fls. 15, os quais não contestaram a presente ação.
Foi nomeado Curador, que se manifestou as fls.27/28
O Ministério Público se pronunciou favoravelmente ao pleito de adoção (fls. 30/31).
É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR:

A primeira questão a ser resolvida neste caso, onde o direito material é de natureza simples, diz respeito a um problema de “nomem juris”, pois apesar de se denominar simplesmente de “ adoção” e de haver sido distribuída como “ adoção nacional – menor sob guarda fática”, salta aos olhos que se trata de um pedido de Adoção cumulado com Decretação de Perda de Pátrio Poder, pois os pais não anuem ao pedido, implicando na necessidade de contraditório, no tocante a este aspecto. Não há necessidade de refazimento dos autos, sendo problema só de denominação da ação, na medida em que os atos processuais que legitimam o contraditório foram devidamente cumpridos.

Como decorrência da cumulação de pedidos antes aludida, há que se analisar a questão da vigência do novo Código Civil, pois, em tese, poderia até ser prejudicial a análise do mérito do pedido.

Com efeito, em 11 de janeiro de 2003 entrou em vigência o Novo Código Civil Brasileiro, no qual constam disposições expressas sobre a perda do poder familiar (equivalente à destituição do pátrio poder do Código Civil revogado), devendo a sentença se pronunciar a respeito de suas implicações em cada caso concreto.

Em primeiro plano é de se dizer que tratando-se de norma sobre direito material toda a orientação doutrinária e jurisprudencial é no sentido da aplicabilidade da Lei vigente à época do ajuizamento (o que seria diametralmente oposto, acaso se tratasse de norma processual), ressalvado a aplicação de eventual dispositivo novo que beneficie a todas as partes envolvidas, sem causar prejuízo a qualquer delas, ou quando expressamente estabelecido na novel norma.

Não bastasse isso, em uma primeira abordagem, apenas se cotejando os arts. 395, II, do Código velho e o art. 1.638, II do Código Civil Novo, facilmente se chega à conclusão que ambos dispõem de forma absolutamente idêntica, prevendo a mesma sanção para a mesma falta, embora tenha ocorrido a modificação terminológica a qual antes aludi.

Adentrando-me ao mérito, estou convencido que ocorreu a hipótese de abandono, ensejando a decretação da perda do pátrio poder, sem se falar na questão do descumprimento injustificado dos deveres do pátrio poder, que não foi invocado na exordial, impondo-se que a sua perda seja decretada.

No que pertine ao pedido de adoção propriamente dito, através de estudo do caso realizado pelo Serviço Técnico, constatou-se que a adoção pleiteada trará reais vantagens à adotanda, já se encontrando estabelecidos os vínculos materno/filial entre a autora e a adolescente, o que torna o pedido legítimo.

É manifesto o desejo da adolescente em ser adotada pela Requerente (fls. 27), afirmando ser tal fato o melhor que poderia lhe acontecer. Relatou, outrossim, não saber do paradeiro de seus pais biológicos.

Observadas foram as formalidades e os requisitos substantivos e adjetivos da lei e o pleito conta com a anuência do Órgão Ministerial Público. Ante tais fundamentações, com arrimo nos art. 227, parágrafos 5º e 6º da Constituição Federal c/c artigos 269, I do Código de Processo Civil, artigo 395, II do Código Civil de 1916 e nos artigos 23;28;29;39; usque 49; 148, III; 155 usque 163;usque 170, todos da Lei n.º 8069/90, JULGO PROCEDENTE o pedido da exordial para fins de DECRETAR A PERDA DO PÁTRIO PODER de XXXXX e de XXXXX, em relação a filha de ambos XXXXXXX e coloca-la em família substituta, deferindo, assim, o pedido de Adoção em favor da Requerente, a Sra. XXXXXXXX. Expeça-se mandado de cancelamento e lavratura ao Cartório de Madalena. Observado neste que a adotanda passará a se chamar XXXXXXX, consignando-se no assentamento do nome da adotante, Sra. XZXXXXX e de seus ascendentes, Sr. XXXXXX e Sra. XXXXXX, não constando da certidão do registro qualquer observação sobre a natureza do ato, nos termos do art. 47 do ECA.

A esse respeito, é importante que seja consignado que o novo Código Civil, em seu art. 10, fala apenas em mera averbação de adoção, caracterizando grosseiro retrocesso em relação à norma anterior, inclusive já reconhecido pelo próprio relator do projeto do Código Civil, Dep. Ricardo Fiúza, que teve a louvável atitude de encaminhar novo projeto ao Congresso Nacional alterando este artigo, restabelecendo o conceito anterior contido no ECA. Na situação atual, antes que seja modificado o art. 10 do novo CC que regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (vide §1º do art. 2º da LICC), sem se falar no chamado princípio da hierarquia das leis(CC = Lei Complementar; ECA = Lei Ordinária), gera-se aparentemente a idéia de prevalência da norma nova, apesar do prejuízo causado às crianças e adolescentes.

Digo, aparentemente, porque, a meu ver, o teor do art. 10 do Novo CC é inconstitucional, pois afronta o princípio da igualdade absoluta do estado de filiação estabelecido no art. 227,§ 5º da CF. É exatamente em razão dele que o ECA determinou o cancelamento do registro velho e a lavratura do registro novo, pois a adoção consubstancia um “nascer de novo”, não sendo “um jeitinho brasileiro” de adaptação de filiação. Como conseqüência dessa diminuição do “status” do filho adotivo, ofende-se, também, o princípio da prioridade absoluta, cláusula pétrea Constitucional, contido no “caput” do art. 227 da Carta Magna.

Como conseqüência de tudo isso, resta que a nova norma é pior redigida que o ECA, prejudica as crianças, ofende a Constituição e o remédio constitucional para justificar a aplicação do ECA é o do controle difuso da constitucionalidade, o que faço agora, por via incidental, portanto aplicável exclusivamente “inter partes”, para, no exercício da função jurisdicional, negar-me a aplicar a Lei de menor hierarquia (art. 10 do Novo Código Civil), por se chocar com a CF, ao superior posicionamento no ordenamento do Estado, ressalvando que, apesar de não aplicada, continua ela no rol da legislação em vigor, pois não houve sua derrogação, que é função política que não compete ao magistrado no exercício da função jurisdicional . Via de conseqüência, declaro aplicável à espécie a regra ínsita no art. 47 e parágrafos da Lei nº 8.069/90, que não foram revogados pelo Novo Código Civil, nem alcançados pelos efeitos do art. 2º, §3º da LICC (“salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei restauradora perdido a vigência”).

Sem custas, ex-vi do art. 141, §2º, ECA..

P.R.I., em segredo de Justiça.

Recife, 18 de fevereiro de 2003.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Juiz de Direito 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

ANECEFALIA

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

PODER JUDICIÁRIO DE PERNAMBUCO
1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL
Rua João Fernandes Vieira, nº405 – Boa Vista – Recife/PE.
Fone: (0XX81)3412-3013/ 3015

Proc. nº 001.2005.012319-0

S E N T E N Ç A Nº /2005

Vistos, etc..

xxxxx, menor impúbere, qualificada na vestibular, representada por sua genitora xxxxxxx, também qualificada na exordial, por intermédio de Defensora Pública, ingressou neste juízo, em 04.05.2005, com pedido de Alvará de Autorização para antecipação terapêutica do parto por anencefalia fetal e risco para a vida da mãe, pelos fundamentos fáticos e jurídicos de fls. 02/04, juntando documentos de fls. 05 usque 10, destacando-se dentre eles o laudo médico indicativo do risco de vida para a gestante.

Na ausência da Juíza Titular, e na qualidade de seu primeiro substituto legal, recebi o pedido determinando vistas ao Ministério Público.

O Ministério Público se pronunciou às fls. 12/15, favoravelmente à pretensão, juntando xerox de folha do Jornal do Comércio de 12.05.2005, noticiando caso análogo, no qual o eminente Desembargador Silvio Beltrão autorizou interrupção de gravidez.

Está feito o relatório. Passo a decidir:

Inicialmente cabe registrar a excepcional qualidade da petição inicial formulada pela Dra. Maria de Fátima Times Pimentel, provando o alto nível da Defensora Pública de Pernambuco, assim como o aprofundado parecer emitido pelo Ministério Público que analisa com rigor técnico e competência a situação, merecendo ser totalmente invocado como razão de decidir.

Quero registrar, de logo, a existência de um conflito aparente entre o caso concreto e a minha formação religiosa, pois sou espírita Kardecista. Como qualquer religião, o Espiritismo Kardecista (que também é ciência e filosofia) se opõe com veemência ao aborto. Como a maioria das religiões, entende que a vida surge com a concepção. Ou seja, por esse olhar o espírito já habitaria aquele corpo, havendo mesmo alguns estudiosos que defendem a tese de que trata-se de carma a ser resgatado pelo espírito que se encontra no feto, o que, portanto, implicaria no fato da intervenção ser uma violação do seu livre arbítrio, daquilo que havia acordado como forma de resgate.

Data vênia, não concordo com este entendimento, sem se falar que jamais poderia colocar as minhas convicções religiosas a sobrepor os ditames da Justiça.

A nossa legislação penal vigente libera expressamente, no art. 128 do CPB, duas hipóteses de aborto não puníveis, a saber: a) Aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida da gestante); b) Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal).

Na enorme maioria dos casos em que se autoriza a interrupção de gestação em razão de anencefalia fetal se leva em conta o risco de vida para a mãe. Isso se dá porque com o passar do tempo a expressão radical do inciso I do art. 128 do CPB passou a ser interpretada de forma mais branda pela doutrina e jurisprudência, não se exigindo que o aborto seja única e exclusiva alternativa de salvar a vida da gestante, mas sim o comprovado de risco de vida para ela. Tanto a prova que neste e em outros casos a primeira coisa que se faz é juntar laudo de três médicos dizendo do risco para a gestante. Se a interpretação fosse gramatical, esta não seria uma boa solução, pois a maioria dos riscos ali apontados são inerentes ao estado gestacional de uma mãe que tenha qualquer tipo de problema, como pressão alta, portadora de diabetes, com peso excessivo, portadora de doença infecto-contagiosa grave, etc.

Portanto, vê-se bem que o que a jurisprudência fez foi humanizar o texto frio da lei.

Acho importante se fazer ainda um paralelo entre o estágio de avanço da medicina da época em que o Colégio Penal foi aprovado (1940) e a realidade dos avanços obtidos nas ciências médicas, principalmente nos últimos vinte anos. Em 1940 seria impossível, com as ferramentas da época, se detectar que o feto era anencefálico. Hoje, a partir do sexto mês de gestação o resultado positivo é de uma certeza matemática. Pergunta-se: é justo que a gestante continue levando a gestação a termo, com todos os traumas físicos e psicológicos resultantes, sabendo que o ser que está gestando perecerá em poucos segundos, pois a chance de sobrevida é rigorosamente nenhuma? ; No plano ético e moral, o que seria mais grave: continuar com esta gestação que não resultará em vida ou a vigente autorização para o aborto de gravidez resultante de estupro, no qual se autoriza tirar uma vida, que tudo indica será normal, em razão da violência sofrida pela mãe, nem sempre se tendo a certeza de que a declaração feita na delegacia de que foi ela vítima de estupro seja verdadeira? Entretanto, este último exemplo tem amparo legal, não é questionado por ninguém, chegando-se ao cúmulo do Ministério da Saúde querer até dispensar que a pretensa vítima do estupro tenha que comunicar a ocorrência em uma delegacia, fazendo a declaração verbalmente perante o médico. Não tenho dúvidas de que sob qualquer ângulo que se analise a questão fatalmente só se chegaria a duas conclusões: a) uma primeira, radical e insensata, de proibir toda e qualquer possibilidade de aborto legalmente autorizado; b) uma análise e interpretação da norma adequada a atual realidade, tanto da convivência social, como dos avanços da medicina. Neste sentido, se a interpretação for feita à luz do direito constitucional à vida, que deve ser primeira base de análise interpretativa, pelos seus princípios e objetivos fundamentais, se chegaria a seguinte questão: Que vida? Como já dito antes, não haverá vida pós-uterina, a morte é certeza absoluta, e, portanto, não há direito à vida para ser preservado.

Em contrário senso, é preciso uma urgente intervenção para que a mãe possa voltar a sua vida normal, pois é uma jovem de 16 anos, na flor da idade, precisando voltar a estudar, a viver suas atividades cotidianas, superar o trauma psicológico, para, se Deus quiser no futuro, volte a engravidar e ter um filho normal e sadio.
Obedecidas foram as formalidades legais, o pedido está de acordo com o Direito, contando coma anuência do órgão Ministerial Público.

Ante ao exposto com arrimo nos arts. 1º, III, 5º, XXXV, 6º e 227 da CF; arts. 269, I e 1103 e seguintes do CPC c/c arts 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 148, p.u., 152 e 153 da lei nº 8.069/90, assim como o art. 128, I e II do Código Penal Brasileiro, julgo procedente o pedido da inicial, para fins de determinar que, decorrido o prazo recursal, seja expedido Alvará autorizando a antecipação terapêutica do parto por Anecefalia fetal e risco para a vida da mãe, xxxxxxx.
Sem Custas, em razão do comando do parágrafo 2º do art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

P. R. I., em segredo de Justiça.

Recife, 12 de maio de 2005.

Juiz de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, no exercício da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

S E N T E N Ç A

08-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO DEVEDOR OU INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA EM PROMOVER DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS AO ANDAMENTO DO FEITO. PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA AS QUAIS NÃO SE DEVE CONFERIR CUNHO DE ABSOLUTISMO. RESPEITO AO INTERESSE DA COLETIVIDADE. APLICAÇÃO SISTÊMICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. NOVEL LEI FEDERAL Nº 11.280/06, QUE VIABILIZOU A DECRETAÇÃO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO.

Vistos etc.

I – RELATÓRIO:

A Fazenda Pública **** ajuizou a presente Execução Fiscal objetivando a satisfação de crédito de natureza tributária constante da Certidão de Inscrição na Dívida Ativa acima epigrafada.

O feito, a despeito de distribuído em data de **** de **** de ****, não teve sua exordial recebida pelo Juízo, daí decorrendo a paralisação do processo.

A Fazenda Pública ****, por sua vez, sob o pretexto da existência de “mutirão fiscal”, permaneceu por **** anos com os autos em seu poder, devolvendo-os à Secretaria desta Vara tão somente em **** de **** de ****, sem, contudo, nele manifestar-se, consoante se infere da certidão acostada à fl. ****.

Vindo-me os autos conclusos em **** de **** de ****, passo a decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Não tendo sido dado o devido andamento ao processo em tela, o qual, desde **** de **** de ****, encontra-se paralisado, sem sequer nele sido exarado despacho inicial, é inquestionável a ocorrência da prescrição intercorrente.
Para além da ausência do impulso oficial, é patente, ademais, a inércia do titular do crédito tributário em promover os atos e diligências necessários ao desenvolvimento do processo, do que se infere a perda do interesse processual no deslinde do feito, a autorizar a consumação da prescrição.

À Fazenda Pública **** cumpriria, no prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 174 do Código Tributário Nacional, promover a citação pessoal do devedor, sob pena de perecimento do seu direito, a teor do inciso V do artigo 156 do mesmo diploma legal.

É de se reconhecer que a Fazenda Pública tem uma série de prerrogativas, havendo diversos dispositivos do Código de Processo Civil que mostram uma situação diferenciada da Fazenda em relação aos demais sujeitos de direito, sendo certo que tais prerrogativas justificam-se pela supremacia do interesse público sobre o privado, que deve ser protegido pela Administração Pública.

Entretanto, tem-se de ressaltar que o tratamento desigual para sujeitos de direito diferenciados deve respeitar certos parâmetros para evitar a criação de privilégios abusivos e lesivos ao próprio Princípio da Igualdade, de modo que uma dessas prerrogativas que merece ser contida é aquela formalizada por um preceito há muito esposado na doutrina e jurisprudência, segundo o qual a dívída tributária é imprescritível e não pode ser alegada de ofício pelo juiz.

É um fato que o Egrégio TJPE, nos últimos anos, vinha decidindo reiteradamente pela impossibilidade do Juiz de 1º Grau prolatar sentença extinguindo a execução ex-officio, sob o fundamento da incidência da Súmula nº 106 do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, após a criação das 7ª e 8ª Câmaras Cíveis, privativas e exclusivas de Direito Público, em julho de 2005, a situação se modificou diametralmente. De um lado, fruto de algumas mudanças legislativas que haviam ocorrido pouco antes da instalação de ambas as Câmaras (Lei nº 11.051/2004, que alterou o §4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 e Lei Complementar nº 118/05, que alterou o parágrafo único, inciso I do artigo 174 do CTN, fixando como marco inicial da prescrição o despacho ordinatório de citação). Ambas as Câmaras passaram a admitir a decretação de prescrição intercorrente “ex-officio”, sendo que a 8ª Câmara, apenas se observadas as formalidades e lapso temporal do novo §4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, enquanto que a 7ª Câmara o vem fazendo da forma mais ampla possível, salvo se comprovado que realmente foi Judiciário que deu causa à paralisação do feito.

Penso que se impõe que admitamos a sua decretação com a amplitude dada pela Sétima Câmara, tendo em vista a necessidade de se conferir maior tranqüilidade e segurança à ordem jurídica, fundamentais na busca da efetividade do Direito.

Ademais, frise-se que, no direito tributário, segundo doutrina majoritária, a prescrição não atinge apenas a ação de cobrança do crédito tributário, mas também extingue o próprio direito de exigibilidade do respectivo crédito, de modo que é de se ter em mente que a prescrição na órbita tributária não é definitivamente afastada quando ocorre a propositura tempestiva da Ação de Execução fiscal.

A despeito da proposição da ação junto aos órgãos do Poder Judiciário implicar na interrupção da prescrição, esta poderá, no futuro, continuar a ser contada para efeitos de extinção do processo, razão pela qual deve a Fazenda Pública sempre procurar atuar positivamente no sentido de fazer valer sua pretensão executiva, agindo com diligência e evitando a inércia.

A inércia implica em perda do interesse processual na continuidade da Ação Executiva, podendo gerar o reinício da contagem do prazo prescricional dentro da própria Execução Fiscal, ocorrendo, depois de 05 (cinco) anos, a prescrição da pretensão ajuizada e despachada, pelo que o Procurador Fazendário deve permanecer atento a todas as diligências realizadas dentro do processo, evitando assim a ocorrência de prescrição intercorrente.

A inércia da Fazenda Pública no curso da execução fiscal, bem como a falta de citação do devedor, implicam a prescrição e, conseqüentemente, a extinção do processo de execução.

É certo, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça igualmente firmou jurisprudência majoritária no sentido da impossibilidade de reconhecimento ex officio da prescrição nos executivos fiscais, sob o argumento de que os mesmos envolvem direito patrimonial, tomando por fundamento o §5º do artigo 219 do Código de Processo Civil que, na sua redação originária, dispunha, in verbis: “Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.”

Todavia, a Lei Federal nº 11.280, em 16 de fevereiro de 2006, que entrou em vigor em 17 de maio próximo passado, conferiu nova redação ao referido dispositivo processual civil, viabilizando a decretação da prescrição por iniciativa judicial, independentemente da natureza do direito guerreado.

Sendo de cunho processual, a novel norma legal tem aplicação imediata, alcançando, inclusive, os processos já em curso.

A respeito da matéria, é de ser citado o ensinamento proferido por Humberto Theodoro Júnior (Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG, Desembargador aposentado do TJMG, Doutor em Direito e advogado), inserto em artigo da Revista IOB – Direito Civil e Processual Civil, nº 41 – Maio-Junho de 2006, pág. 68/85, intitulado “A Exceção de Prescrição no Processo Civil. Impugnação do Devedor e Decretação de ofício pelo Juiz.”:

“Em atitude revolucionária, a Lei nº 11.280, de 16.02.2006, a pretexto de reformar alguns artigos do Código de Processo Civil, introduziu no ordenamento jurídico as seguintes inovações em termos de prescrição: a) alterou o §5º do artigo 219 do CPC, dando-lhe o seguinte enunciado:“o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”; b) revogou, em toda a sua extensão, o art. 194 do Código Civil, cujo texto dispunha: ”o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”.(…)”

Continua o mestre:

“O propósito da reforma, de acordo com a exposição de motivos do respectivo projeto legislativo, foi claramente o de permitir ao juiz “decretar de ofício, sem necessidade de provocação das partes, a prescrição, em qualquer caso, conforme proposta da redação inédita do §5º do artigo 219 do CPC.” (…)”

E, em conclusão, afirma:

“(…)
e) as regras procedimentais que cogitam de decretação de prescrição sem condicioná-las à provocação do devedor (CPC, arts. 295, IV e 219, §5º) somente podem ser aplicadas, in concreto, nos casos em que a lei material considere indisponível o direito patrimonial (casos, v.g., de prescrição em favor de pessoas absolutamente incapazes) ou quando a própria lei substancial determine a aplicação ex officio da prescrição (caso como a da Lei de Execução Fiscal, art. 40, §4º, a respeito dos créditos tributários). Essa é a única interpretação que permite aos referidos dispositivos processuais harmonizarem-se com o sistema e os objetivos da prescrição, disciplinada pela ordem jurídica substancial.”

E complementa, em nota de rodapé: “Justifica-se a decretação ex officio em direito tributário porque a prescrição, diferentemente do que se passa com a obrigação civil, apresenta-se como causa de extinção do próprio crédito tributário (CTN, art. 156, V), e não apenas como simples faculdade de resistência do devedor. A prescrição tributária, portanto, mais se aproxima da decadência do que propriamente da prescrição civil.”.

E assim também entende José da Silva Pacheco:

“(…)
1. Da prescrição intercorrente de acordo com o §4º do artigo 40 da LEF introduzido pelo artigo 6º da Lei nº 11.051, de 2004.
De um modo geral, consiste a prescrição na perda da pretensão de exigir o pagamento, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto em lei.
O nosso ordenamento jurídico dela cuida, por exemplo: a) no artigo 189 do CC, segundo o qual “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 a 206”; b) no artigo 156, V do CTN, que prevê a prescrição como causa extintiva do crédito e, conseqüentemente, da pretensão de exigi-lo, pelo decurso do prazo de cinco anos, conforme o artigo 174 do CTN; c) no art. 40, §4º da Lei nº 6.830/80, com a redação da Lei nº 11.051, de 29-12-2004, segundo o qual “se da decisão que ordenar o arquivamento dos autos do processo de execução fiscal por não ter sido localizado o devedor, ou encontrados seus bens penhoráveis, tiver decorrido o prazo prescricional de cinco anos (artigo 174 CTN), poderá, o juiz, de ofício, após ouvida a Fazenda Pública, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.” (…)”

E mais:

“(…)
2. Da prescrição intercorrente antes da Lei nº 11.051, de 2004.
“Antes mesmo da inserção do §4º ao artigo 40 da LEF, a 1ª Turma do TRF-4, por maioria, no julgamento da AC 2.002.04.01.040035-4-RS, tendo por Relator o Des. Fed. Wellington M. de Almeida, decidiu que: “1. Decorridos mais de cinco anos após a execução fiscal, sem qualquer manifestação do credor, ocorria a prescrição intercorrente. 2. O artigo 40 da Lei nº 6.830/80 devia ser interpretado em harmonia com o sistema jurídico, que não admite que a ação para a cobrança do crédito tributário tenha prazo perpétuo. Logo, não localizado o devedor e havendo inércia do Fisco por período superior a cinco anos, é de ser declarada a prescrição intercorrente. 3. A declaração da prescrição intercorrente pelo julgador sem pedido do devedor é possível, excepcionalmente, nos casos em que a tendência do processo é ficar, por longos anos, arquivado na primeira instância, aguardando a manifestação do executado. (…)”.

E conclui:

“Embora houvesse, na doutrina e jurisprudência manifestações contrárias à decretação ex officio da prescrição intercorrente, admitindo-a somente quando houvesse requerimento do devedor, de seu curador especial ou do defensor púbico, havia, também, manifestações favoráveis à decretação ex officio, pelo juiz, a fim de evitar o absurdo de manter indefinido o prazo prescricional do crédito fiscal (…)”. (artigo inserto na Revista Informativo Semanal nº 28/2006 – ADV – pág.463/465)

No que concerne à exigência do prévio preenchimento dos pressupostos elencados no §4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 para que o Magistrado possa decretar ex officio a prescrição, entendo que impor que o arquivamento provisório seja decretado, muitas vezes em executivos fiscais de mais de um decênio, para só a partir daí contar o qüinqüênio prescricional, ofende o princípio da razoabilidade, bem como do princípio da celeridade trazido no bojo da Emenda Constitucional nº 45.

Em uma detida análise dos presentes autos, consoante anteriormente já relatado, pode-se inferir que a petição inicial não fora despachada em tempo oportuno, sendo certo, ademais, consoante atesta certidão firmada pelo Chefe de Secretaria deste Juízo, que a Fazenda Pública **** permaneceu com os autos em seu poder, por longo período, após o que devolveu-os sem qualquer manifestação que ensejasse o regular prosseguimento do processo.

É de se ressaltar que, não obstante o comando legal determine o impulso oficial do processo, a teor do artigo 262 do CPC, que dispõe: “O processo começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”, à fazenda Pública, in casu, incumbiria, por seus procuradores, diligenciar a promoção da citação do devedor, com observância do artigo 219 e parágrafos do CPC, em aplicação subsidiária, por força do artigo 1º, in fine da Lei nº 6.830/80, por se tratar de matéria processual, de modo que se não fosse o devedor citado no prazo legal, haver-se-ia por não interrompida a prescrição.

Paralisado, pois, o feito, por mais de 05 (cinco) anos, encontra-se evidentemente prescrito, senão vejamos: a) o processo foi proposto em **** de **** de ****; b) decorreu mais de cinco anos sem que fosse sequer providenciado o recebimento da exordial, não ocorrendo a citação inaugural e c) a Fazenda pública, nesse interstício, não provocou o Judiciário para que desse andamento ao feito, não se caracterizando quaisquer das hipóteses suspensivas ou interruptivas da prescrição.

II – DECISUM:

Ante o exposto, com fulcro nos artigos 156 e 174 do Código Tributário Nacional, cumulados com o artigo 219 do Código de Processo Civil, DECRETO, DE OFÍCIO, A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO objeto do presente processo e extingo a Execução Fiscal em apreço, com resolução de mérito, nos termos do inciso IV do artigo 269 do Código de Processo Civil.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, por incidência do § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil (execução fiscal de valor ínfimo, não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos).

Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, arquivem-se os autos.

Cumpra-se o que determina o artigo 25 da Lei nº 6.830/80 – LEF, no que concerne à intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

_____________, _____ de ______________ de _______

_______________________________________________
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OBS: MODELO SUJEITO A ALTERAÇÕES, A DEPENDER DA SITUAÇÃO FÁTICA COM A QUAL SE DEPARE O MAGISTRADO.

Sentença Acesso Crianças a Cinema – Anterior as Mudanças da Norma Reguladora

19-03-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo nº 001.2000.002950-6
Ação: Mandado de Segurança
PARTES: A.T.D.J.
P.G.D. e L.G.D. (menores)
ADVOGADOS: Leucio de Lemos Filho (OAB/PE nº 5807)
Humberto Cabral V. de Meio (OAB/PE nº 6766)
Reinaldo Bezerra Negromonte (OAB/PE nº 6935)
Mário Roberto C. Jácome (OAB/PE nº 7857)
Bruno Borges Laurindo (OAB/PE nº 2253-E)
Sentença n’ 148/04/2000 – LCBF
Vistos, etc..

A. T. D. J., brasileiro, viúvo, médico, residente e domiciliado nesta cidade na………, através de advogados legalmente constituídos, impetrou por si e em favor de seus filhos menores P. G. D. e L. G. D., menores impúberes, MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de concessão liminar, contra ato ilegal e violado r de direito líquido e certo de responsabilidade da Coordenadora do Centro Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude-CAOPJ, Dª A. M. A. M.

Alega o impetrante que se dedica de forma integral a seus dois filhos P. e L., velando pela criação, educação e formação da personalidade dos mesmos, buscando, assim, dar ênfase especial no estimulo a atividades familiares em comunhão, uma vez que as considera de inestimável valor para um desenvolvimento psicológico e social.

Aduz ainda o impetrante que, no corrente ano, dirigiu-se acompanhando seu filho P. para assistir a uma sessão de filme no cinema “multiplex” do Shopping Recife cuja idade recomendada era superior à da criança, sendo impedido de ingressar na sala, de nada adiantando as explicações e provas do impetrante de que o menor estava sendo assistido e acompanhado pelo pai.

Acresceu que o funcionário do cinema Multiplex vedou o acesso com base em “recomendacão” feita pela autoridade indigitada como coatora, por escrito, tratando de caso análogo.

Alega ainda que observou junto à direção do cinema de que aquilo não passava de simples recomendação, sem força de norma ou determinação cogente, a qual não caberia à indigitada autoridade coatora, pois não é de sua esfera de competência proibir ou expedir ordens desse teor, já que isto é de competência da autoridade Judiciária disciplinar, por força da norma do art. 146 e 149 do ECA e mesmo aí sendo vedadas as determinações de ordem geral.

Argumentou sobre a inexistência de censura em nosso País e do livre exercício (não abusivo) do Pátrio Poder; da inexistência de lei proibitiva, requerendo liminar, notificação da autoridade coatora, intervenção do M. P. e alvará autorizativo para ingressar nos cinemas.

Foi juntada a inicial documentos de fls. 11/17.

No que pertine ao pedido de liminar, foi reservado a sua apreciação após a ouvida da autoridade impetrada, de quem foi solicitado os informes no prazo legal.

A parte autora requereu as fotocópias referentes ao despacho pronunciado acerca da liminar, sendo autorizado o que fora pedido e o cumprimento do despacho de fls. 18.

Às fls. 22/25, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude forneceu informações acerca do pedido, esclarecendo ter havido um equívoco em que o impetrante incorretamente interpreta o art. 75 do Estatuto, salientando aquela autoridade que a única referência existente ao acompanhamento dos pais ou responsável está vinculada ao espectador na faixa etária inferior a dez anos, nada autorizando a interpretação inversa, pela qual seria permitido o acesso indiscriminado de crianças e adolescentes a salas cinematográficas se acompanhadas. Requerendo, por fim, seja denegado a segurança ora pleiteada, assegurando a integridade na norma de prevenção do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Relatei e decido:

Primeiramente faço o registro de que entendo desnecessário abrir vistas para parecer do Ministério Público, como “custos legis”, como manda o artigo 10 da Lei nº 1.533/51, tal como pleiteado na exordial.

É que segundo a Constituição Federal trata-se de Órgão “uno e indivisível” e, no caso concreto, apresenta-se como parte, sendo a própria autoridade indigitada como autora. Além disso, hierarquicamente as Promotoras que atuam nesta Justiça especializada são vinculadas ao CAOPINJ, portanto administrativamente subordinadas dos posicionamentos da coordenação. A legislação infanto juvenil tem exemplo claro da desnecessidade de intervenção do Ministério Público como fiscal da lei nos casos em que o “Parquet” foi autor da ação para decretação de perda do Pátrio Poder (art. 157, ECA), o qual pode ser analogicamente aplicado ao presente ‘caso, (registro recente decisão do STJ, unânime – Embargos Declaratórios no Recurso Especial nº 184,906 SP, Relatar Ministro Gomes de Barros, Publicado no Diário Oficial da União de 29/11/99; considerando desnecessário a intimação do Promotor fiscal da lei, quando o Órgão Ministerial assume qualidade de parte).

A pretensão deduzida no presente “mandamus” pode ser observada pelo ângulo de que a cidadania é o principio fundamental da Constituição Federal (art.1º, II CF) e que a proteção à infância é direito social amparado constitucionalmente, donde se o impetrante entende que estão sendo violados o remédio adequado é a utilização de via mandamental.

O Mandado de Segurança encontra-se previsto no título 11 da Constituição Federal – Direitos e Garantias Fundamentais, capitulo I dos direitos e deveres individuais e coletivos, no seu art.5º, LXIX, na seguinte forma:

Art, 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade nos termos seguintes:

LXIX – “Conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”,
De sua parte, no mesmo artigo 5º, IX, encontramos que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Ainda, a nível constitucional, cabe invocar o artigo 220 e seus parágrafos, a saber:

Art.220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Parágrafo 1º- Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constitui embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veiculo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º IV, V, X, XIII e XIV.

Parágrafo 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Parágrafo 3º “Compete à lei federal:

I – Regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”; (grifei!)

Ainda no campo constitucional, convém transcrever o artigo 229 que diz:

“Art. 229 – Os pais têm o dever de assistir. criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (Grifos nossos).
O exercício do direito de peticionar o “mandamus” encontra-se regulado na lei nº 1.533/51.
Feito estes registros de natureza legislativa, cabe, de logo, a análise do principal requisito do mandado de Segurança que é a ofensa ou ameaça a direito líquido e certo do impetrante por parte da impetrada.

Ora, é o próprio impetrante que “interpreta” disposições constitucionais e legais variadas, entendendo que nenhuma delas o atinge, por terem efeitos meramente indicativos (art.21, XVI, 220 parágrafos 2′ e 3Q, I da Constituição Federal, art.74 ECA), sem imprimir conteúdo proibitivo, como faz o ECA nos artigos 80,81,82,85, etc. É ele também que conclui que a gerência da empresa de exibição cinematográfica “interpretou equivocadamente a recomendação da coatora, receando receber a punição do artigo 255 do ECA.

Os registros anteriores foram feitos apenas para fazer desmoronar o argumento invocado pelo impetrante da chamada “liberdade matriz”, do art. 5º, II, CF, onde se estabelece que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” Ou seja, não dá para dizer que não tem lei e sim que a interpretação dada às normas mencionadas pela impetrante é divergente daquela dada pela autoridade apontada como coatora,

Só isto bastaria, ao meu ver, para descaracterizar por completo a idéia do direito liquido e certo do impetrante, Seria o absoluto caos na convivência social se cada um achasse de interpretar a Constituição ao seu “bel-prazer”, praticando conforme sua interpretação e conveniência, ainda que, no caso concreto, reconheço tratar-se de pessoa extremamente lúcida, um dos melhores profissionais do estado no seu ramo de especialização e que, com certeza, não está apenas querendo polemizar, mas tentando fazer prevalecer pontos de vista seus.

Em respeito a tudo isto, e como a rigor as questões básicas estão contidas nas argumentações das 2 (duas) partes, creio não fazer sentido remetê-Io às vias ordinárias, embora esteja convencido de que o caso concreto este é que seria o caminho correto (tanto caberia uma cautelar inominada, ou uma simples declaratória, como uma ordinária por obrigação de fazer e até mesmo uma ação civil pública de interesse individual, pleiteando-se, se fosse o caso, antecipação de tutela e, até mesmo, fixação de pena pecuniária pelo eventual inadimplemento), entendo conveniente adentrar-me nas demais questões objeto do “mandamus”: algumas delas subjacentes, destacando-se dentre elas:
Seria a Coordenadora do CAOPINJ a parte requerida caso fosse ajuizada uma ação própria dentre as antes mencionadas?

. A resposta óbvia é que não. Em qualquer das hipóteses apontadas a empresa exibidora seria a parte demandada. Não discuto que em sede de MS predomina o entendimento (correto, diga-se de passagem) de se alargar o conceito de autoridade coatora para toda autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder Público. Portanto, o Ministério Público pode, em tese, figurar no polo passivo da demanda com autoridade coatora. No caso concreto fez apenas uma recomendação, aliás rigorosamente apontando aquilo que já está contemplado na lei, cumprindo o seu dever de agente de prevenção. A empresa exibidora não recebeu como ordem ou determinação, como quer fazer crer o impetrante. Apenas acatou a recomendação por entendê-Ia correta e, provavelmente, por temer as sanções legais, já que a rigor, a Coordenadora do CAOPINJ apenas disse “CUMPRA A LEI”.

Não é demais lembrar que para o exibidor quanto mais público mais lucro. Portanto, não seria do seu interesse econômico restringir acesso de quem quer que seja, salvo se convencido do risco de não seguir a recomendação.

b) É correta a afirmativa “a inexistência de censura é apanágio do regime constitucional atual” ?

Segundo o Sr. Fernando Lyra, então Ministro da Justiça do Governo José Sarney, à época da promulgação da Constituição, quando falava na “remoção do entulho autoritário” e que havia sido “decretado o fim da censura no Brasil”, a resposta haveria de ser afirmativa. Nos meus modestos conhecimentos de Direito da Constituição, a resposta há de ser negativa. O que o legislador constituinte acabou foi com a censura. política, ideológica, estética, artística, a teor do já referido art.220 parágrafo 2°, da Constituição Federal. Não acabou, e nem poderia ter acabado, com a censura de horários e faixa etária, expressamente previstos na Magna Carta brasileira (mesmo artigo parágrafo 3°) e contemplada em todas as democracias do mundo, onde mesmo naqueles de costumes mais liberais – Holanda, Suécia, etc, por exemplo, existem regras de vedação de acesso aos menores a determinados tipos e horários de exibição de espetáculos, nem se cogitando que os pais possam, “sponte sua” levar seus filhos em lugares de acesso restrito.

É certo que a Constituição Federal remeteu a questão para a lei e os nossos legisladores federais ordinários ainda não conseguiram votar um projeto de lei regulamentador da questão que ali tramita há vários anos. Não menos certo é também que tal omissão não afeta diretamente quando se trata de acesso de crianças/adolescentes a espetáculos de diversão pública, na medida em que o ECA é lei federal e regulamenta a questão para este público especifico no já falado artigo 74.

No referido artigo, quando se diz “o Poder Público”, leia-se a UNIÃO (art. 21 XIII,CF) e “órgão competente”, entenda-se o departamento de classificação indicativa do Ministério da Justiça.
A questão ainda foi objeto de Portaria nº 773/90, do então Ministro da Justiça Jarbas Passarinho, a qual. foi atacada por via da Adin 392/DF, rejeitado pelo pleno, do STF, tendo como retator o Ministro Marco Aurélio, publicada no DJU 23/08191, pág.11264, onde textualmente se diz: “Descabe no caso discuti-Io em demanda direta de inconstitucionalidade. A Portaria 773 do Exmº Sr. Ministro de Estado da Justiça, consubstancia o regulamento de que cogita o art. 7 4 da Lei 8.069/90, sendo impróprio o ajuizamento, contra ela, da citada demanda”.

Doutrinariamente, diz José Luiz Mônaco da Silva, em ECA – Comentários, São Paulo RT 1994, fls. 106: “Convenhamos que as diversões e os espetáculos públicos não poderiam ser postos ã disposição da população sem que houvesse uma fiscalização por parte do Poder Público, sobretudo no que diz respeito à faixa etária, pois, do contrário, os abusos – que hoje, infelizmente. já constitui uma constante em nosso país – se alastrariam impiedosamente por todas as direções e, decerto, teriam o condão de desagregar o lar, a família e a sociedade como um todo”. Já Roberto João Elias, Comentários ao ECA, São Paulo, Saraiva, 1994, fls. 50, leciona: “Embora se deseje que o menor tenha acesso a todo o tipo de informação e que tenha direito ao lazer, é necessário que, para o seu próprio bem e para que tenha um desenvolvimento mental sadio, não lhe seja permitido participar de diversões ou assistir a espetáculos inadequados à sua formação. É, portanto, obrigatório a informação, no tocante a espetáculos públicos, sobre a sua natureza e a faixa etária a que se destinam”
Portanto, futura lei federal pode até aperfeiçoar as regras vigentes, mas é certo que no Brasil (Graças a Deus!) continua havendo censura de horários e de faixa etária, por p’revisão do art.222 CF, 74 e seguintes do ECA e Portaria regulamentadora 773/90, pois, a rigor, isto não é censura e sim forma de proteção do convívio social.

c) É correto o entendimento de que a Constituição Federal e o ECA não proíbem e apenas falam em regular; que o artigo 74 ECA apenas regula e informa, com efeito meramente indicativo pois quando o legislador quer imprimir conteúdo proibitivo diz expressamente: É proibido; não será permitido; sem prévia autorização judicial etc?

A simples leitura do artigo 73 do ECA responde negativamente ao pensamento do impetrante, quando diz que’ “a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade de pessoa física ou jurídica nos lermos desta lei” (vide art.208 e 224 e 228 a 258, ECA) No caso concreto, como citado pelo próprio impetrante, existe a sanção do artigo 255, ECA. Não se cogitou na vestibular, até porque impertinente para o zeloso pai que é o autor, de se dizer que não só o exibidor poder ser punido, pois os pais também podem ser sancionados civil e penalmente pelo exercício abusivo do pátrio poder (ímagine-se, apenas apara efeito de argumento, um pai que levasse seus filhos/crianças para assistir filme em que se praticasse pedofilia, sexo grupal ou bestial!).

Ao meu juízo, a afirmativa também é impertinente porque a Norma não perde o seu caráter proibitivo ou sancionador apenas por não estar explicitada com a mesma ênfase dos outros artigos mencionados, pois, do contrário, teríamos que modificar o nosso Código Penal que não diz expressamente: É PROIBIDO matar; não será permitido roubar; etc. O certo é que existe sanção e se existe punição é porque é proibido.

Abrangendo os aspectos analisados nos itens “b” e “c” e no próximo item a ser comentado, é extremamente importante o registro da decisão da Câmara Especial do TJ-SP no Recurso Administrativo nº I0374-0, tendo como relatar o Desembargador Aniceto Acende, onde foi aplicado pena de advertência a cinema que permitiu a entrada de menor de 18 anos em filme proibido, entendendo que, “ainda que acabada a censura prévia pela atual Constituição da República isto não torna insubsistentes as limitações de idade e horários para determinados eventos”.

d) É correto o entendimento de que estando acompanhado dos pais a vedação é inaplicável?

Em sentido amplo, poder-se-ia dizer que o Brasil tem várias maioridades, por exemplo: penal= 18 anos; civil= 21; eleitoral= 16 facultativo e 18 obrigatório; Casamento = homens aos 18 e mulheres aos 16 anos; Emancipação = 18, dirigir veículo automotor = 18 anos. Isto decorre do nosso ordenamento jurídico abraçar a teoria cronológica, pela qual em determinadas faixas etária o ser humano está apto para a pratica de determinados atos (veja-se que para o mesmo ato – casamento – a lei diferencia por sexo, provavelmente apenas em função da capacidade procriativa com segurança da mulher levar a gravidez a termo, sem sofrimento para o feto). É óbvio que a aplicação prática dessa teoria apresenta pequenos problemas, pois alguns amadurecem mais cedo e outros morrem velhos, sem nunca amadurecerem emocionalmente. Em contraponto, tem uma grande vantagem que é a certeza absoluta da data em que se pode ou não praticar o ato, é ou não é imputável, etc.
Por critérios técnico-políticos, em alguns casos se conjugou à teoria cronológica a teoria do discernimento, sempre a critério de proposição pejos pais detentores do pátrio poder e sob autorização da autoridade pública, (emancipar, votar, casar quando resultou gravidez, etc).
Para outros casos, o critério cronológico é rígido: dirigir veículos; imputação penal, etç.
Ou, por outras palavras, as exceções são previamente previstas em lei. Não havendo norma prévia de exceção, aplica-se a regra geral.

As regras dos artigos 74 e 75 são para todas as crianças e adolescentes. O parágrafo único do artigo 75 radicalizou que crianças menores de 10 anos somente podem ingressar e permanecer nos locais de apresentação de exibição quando acompanhados dos pais ou responsável. Isto não quer dizer que os maiores de 10 anos podem freqüentar qualquer espetáculo desde que acompanhados dos pais ou responsável e sim que após tal idade poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação cujas faixas etárias Ihes sejam recomendadas, ainda que desacompanhados dos pais.

Não pode dirigir veículo automotor com menos de 18 anos, mesmo que acompanhado dos pais; não pode votar com menos de 16 anos, ainda que os pais assim desejem; não pode ser emancipado ainda menor de 18 anos, mesmo que isto seja o sonho dos pais; não pode ingressar e permanecer em recinto de espetáculo público incompatível para sua faixa etária, ainda que ao lado de pai que seja profissional experimentado da psicanálise e conheça bem o nível de maturidade do filho, entendendo-o apto para ali estar presente.

Reafirmo entendimentos antes expendidos: A Lei é para todos. Não pode ser inaplicável para o impetrante que queria levar o filho para “O resgate do soldado Ryan” (vide fls.14), que, na minha opinião, os primeiros 30 minutos deveriam ser proibidos para menores de 18 anos, dado o realismo das cenas de violência, mutilações, mortes, etc, embora reconheça que isto é mero “achismo”, já que não detenho as habilitações para emitir este tipo de Juízo de valor; e aplicável para outro pai que quisesse levar um filho de 10 (dez) anos para um filme de terror, violência acentuada ou sexo explícito.

e) É possível aos pais permitir que posteriormente seus filhos tenham acesso ao mesmo filme comprando ou locando em “vídeo- home”?

A resposta obviamente é positiva.

Só que se isto acontecer ele será o único responsável pelo eventual exercício abusivo do pátrio poder, salvo se mandar a própria criança alugar ou comprar a fita e o funcionário da locadora ou loja concretizar a operação, pois ambas também constituem fatos puníveis segundo a lei.
Cabe, neste caso, aos pais cumprirem adequadamente o Pátrio Poder/dever. No recôndito do lar, Ihes é licito atribuir os valores de escolha que embasam o pedido do “mandamus”. Publicamente a resposta sempre será não, pois os seus valores não podem ser horizontalizados para outras crianças de igual faixa etária.

Se a escolha for errada (filme de sexo, violência, etc.) e causar danos ao adequado desenvolvimento psicológico do filho e isto vier a tona, poderá ser responsabilizado civil e penalmente por haver colocado a criança em situação de vulnerabilização.

f) As redes de televisão apresentam constantemente filmes com cenas de violência e sexo?

A afirmativa é verdadeira. Toda a programação se sujeita ao mesmo regime classificatório indicativo. Caso alguém discorde dos critérios aplicados poderá demandar judicialmente, obedecidas as regras de competência do art.147, ECA. Registro que pelo menos uma vez isto já ocorreu em Recife e o filme não foi exibido. É preciso que a população, diretamente ou através do Ministério Público, exerçam mais freqüentemente a sua cidadania, se protegendo da sanha e ganância dos exibidores, tal como previsto no art.220, parágrafo 3º, CF.

Atualmente, há falta de legislação exclusiva para a questão, e não sendo possível a simples proibição da veiculação, a solução tem sido conjugar o ECA com a já citada Portaria nº 773/90, liberando a veiculação apenas após as 23:00 horas, quando a maioria esmagadora das crianças já se encontra dormindo ou, pelo menos, fica mais fácil para os pais exercerem o pátrio poder neste aspecto, controlando o acesso à programação nociva.

g) Os pais respondem pelos atos e conseqüências dos filhos?

Sim. Segundo o art 229, C.F., mas isto é completamente diferente do caso “sub-examem”. Os pais não têm o direito de expor seus filhos a situações atentatórias à dignidade, vexatórios ou que não sejam compatíveis com as normas vigentes, apenas porque se isso causar-Ihes danos físicos ou psicológicos ele é quem arca com as conseqüências.

As razões antes expendidas, quero crer, são mais que suficientes para demonstrar que também pela via ordinária ou em sede de ação civil pública a pretensão não pode ser legitimada e que o Ministério Público apenas cumpriu aquilo previsto no art.70, ECA quando determina: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, prevenindo, com a sua bem posta recomendação, que ilícitos contra direitos das crianças e dos adolescentes continuassem sendo praticados e, com isto, evitando a necessidade de aplicação de sanção.

A vigente Constituição e o Estatuto fortalecem sobremaneira o exercício do Pátrio Poder, retirando atribuições que sempre estiveram centradas nas mãos do estado, ou, pelo menos, minimizando sua incidência como no caso dos alvarás de viagem, etc. Em contrapartida, aumentou suas responsabilidades no exercício deste poder/dever, seja quando no ECA cria forma adicional para a sua perda (descumprimento injustificado dos seus deveres), seja por expressamente estabelecer a possibilidade dos pais serem os causadores das situações de vulnerabilização aludida em seu artigo 98. Para mim, o acesso e permanência de uma criança em local onde os demais de sua faixa etária não podem ingressar pode colocá-Io em situação vexatória, inclusive por passar a ser alvo eventual de deboches, brincadeiras de mau gosto, piadas’ e até agressão dos outros.
Obedecidas foram as formalidades legais.

Ante o exposto, com arrimo nos artigos 5º, II, IX. XIX. 21, XIII e XVI, 220 e parágrafos e 229 da Constituição Federal clc artigos 269, I CPC e artigo 384, I do CC e artigos 70, 71, 73, 74, 75 parágrafo único, 146, 149 e 255 do ECA, na Lei n.1533/51, e Portaria nº 773/90 do Ministro do Estado de Justiça. Denego a segurança pleiteada, posto inexistir qualquer direito liquido e certo a ser amparado pelo “estado- juiz”.
Sem custas.

PRI, em segredo de justiça, inclusive remetendo-se cópia da sentença ao exibidor cinematográfico após o seu trânsito em julgado, pois, embora os efeitos desta decisão sejam exclusivamente “inter partes”, suas conclusões podem nortear formas de atuação futura “Erga omnes”, inclusive porque o próprio impetrante pleiteou a sua notificação acaso vencedora também como caráter preventivo, como manda a lei. Fiz justiça!

Recife, 19 de abril de 2000.

LUIZ CARLOS DE BARROS FIQUEIREDO
Juiz de Direito