ANECEFALIA

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

PODER JUDICIÁRIO DE PERNAMBUCO
1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA CAPITAL
Rua João Fernandes Vieira, nº405 – Boa Vista – Recife/PE.
Fone: (0XX81)3412-3013/ 3015

Proc. nº 001.2005.012319-0

S E N T E N Ç A Nº /2005

Vistos, etc..

xxxxx, menor impúbere, qualificada na vestibular, representada por sua genitora xxxxxxx, também qualificada na exordial, por intermédio de Defensora Pública, ingressou neste juízo, em 04.05.2005, com pedido de Alvará de Autorização para antecipação terapêutica do parto por anencefalia fetal e risco para a vida da mãe, pelos fundamentos fáticos e jurídicos de fls. 02/04, juntando documentos de fls. 05 usque 10, destacando-se dentre eles o laudo médico indicativo do risco de vida para a gestante.

Na ausência da Juíza Titular, e na qualidade de seu primeiro substituto legal, recebi o pedido determinando vistas ao Ministério Público.

O Ministério Público se pronunciou às fls. 12/15, favoravelmente à pretensão, juntando xerox de folha do Jornal do Comércio de 12.05.2005, noticiando caso análogo, no qual o eminente Desembargador Silvio Beltrão autorizou interrupção de gravidez.

Está feito o relatório. Passo a decidir:

Inicialmente cabe registrar a excepcional qualidade da petição inicial formulada pela Dra. Maria de Fátima Times Pimentel, provando o alto nível da Defensora Pública de Pernambuco, assim como o aprofundado parecer emitido pelo Ministério Público que analisa com rigor técnico e competência a situação, merecendo ser totalmente invocado como razão de decidir.

Quero registrar, de logo, a existência de um conflito aparente entre o caso concreto e a minha formação religiosa, pois sou espírita Kardecista. Como qualquer religião, o Espiritismo Kardecista (que também é ciência e filosofia) se opõe com veemência ao aborto. Como a maioria das religiões, entende que a vida surge com a concepção. Ou seja, por esse olhar o espírito já habitaria aquele corpo, havendo mesmo alguns estudiosos que defendem a tese de que trata-se de carma a ser resgatado pelo espírito que se encontra no feto, o que, portanto, implicaria no fato da intervenção ser uma violação do seu livre arbítrio, daquilo que havia acordado como forma de resgate.

Data vênia, não concordo com este entendimento, sem se falar que jamais poderia colocar as minhas convicções religiosas a sobrepor os ditames da Justiça.

A nossa legislação penal vigente libera expressamente, no art. 128 do CPB, duas hipóteses de aborto não puníveis, a saber: a) Aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida da gestante); b) Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal).

Na enorme maioria dos casos em que se autoriza a interrupção de gestação em razão de anencefalia fetal se leva em conta o risco de vida para a mãe. Isso se dá porque com o passar do tempo a expressão radical do inciso I do art. 128 do CPB passou a ser interpretada de forma mais branda pela doutrina e jurisprudência, não se exigindo que o aborto seja única e exclusiva alternativa de salvar a vida da gestante, mas sim o comprovado de risco de vida para ela. Tanto a prova que neste e em outros casos a primeira coisa que se faz é juntar laudo de três médicos dizendo do risco para a gestante. Se a interpretação fosse gramatical, esta não seria uma boa solução, pois a maioria dos riscos ali apontados são inerentes ao estado gestacional de uma mãe que tenha qualquer tipo de problema, como pressão alta, portadora de diabetes, com peso excessivo, portadora de doença infecto-contagiosa grave, etc.

Portanto, vê-se bem que o que a jurisprudência fez foi humanizar o texto frio da lei.

Acho importante se fazer ainda um paralelo entre o estágio de avanço da medicina da época em que o Colégio Penal foi aprovado (1940) e a realidade dos avanços obtidos nas ciências médicas, principalmente nos últimos vinte anos. Em 1940 seria impossível, com as ferramentas da época, se detectar que o feto era anencefálico. Hoje, a partir do sexto mês de gestação o resultado positivo é de uma certeza matemática. Pergunta-se: é justo que a gestante continue levando a gestação a termo, com todos os traumas físicos e psicológicos resultantes, sabendo que o ser que está gestando perecerá em poucos segundos, pois a chance de sobrevida é rigorosamente nenhuma? ; No plano ético e moral, o que seria mais grave: continuar com esta gestação que não resultará em vida ou a vigente autorização para o aborto de gravidez resultante de estupro, no qual se autoriza tirar uma vida, que tudo indica será normal, em razão da violência sofrida pela mãe, nem sempre se tendo a certeza de que a declaração feita na delegacia de que foi ela vítima de estupro seja verdadeira? Entretanto, este último exemplo tem amparo legal, não é questionado por ninguém, chegando-se ao cúmulo do Ministério da Saúde querer até dispensar que a pretensa vítima do estupro tenha que comunicar a ocorrência em uma delegacia, fazendo a declaração verbalmente perante o médico. Não tenho dúvidas de que sob qualquer ângulo que se analise a questão fatalmente só se chegaria a duas conclusões: a) uma primeira, radical e insensata, de proibir toda e qualquer possibilidade de aborto legalmente autorizado; b) uma análise e interpretação da norma adequada a atual realidade, tanto da convivência social, como dos avanços da medicina. Neste sentido, se a interpretação for feita à luz do direito constitucional à vida, que deve ser primeira base de análise interpretativa, pelos seus princípios e objetivos fundamentais, se chegaria a seguinte questão: Que vida? Como já dito antes, não haverá vida pós-uterina, a morte é certeza absoluta, e, portanto, não há direito à vida para ser preservado.

Em contrário senso, é preciso uma urgente intervenção para que a mãe possa voltar a sua vida normal, pois é uma jovem de 16 anos, na flor da idade, precisando voltar a estudar, a viver suas atividades cotidianas, superar o trauma psicológico, para, se Deus quiser no futuro, volte a engravidar e ter um filho normal e sadio.
Obedecidas foram as formalidades legais, o pedido está de acordo com o Direito, contando coma anuência do órgão Ministerial Público.

Ante ao exposto com arrimo nos arts. 1º, III, 5º, XXXV, 6º e 227 da CF; arts. 269, I e 1103 e seguintes do CPC c/c arts 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 148, p.u., 152 e 153 da lei nº 8.069/90, assim como o art. 128, I e II do Código Penal Brasileiro, julgo procedente o pedido da inicial, para fins de determinar que, decorrido o prazo recursal, seja expedido Alvará autorizando a antecipação terapêutica do parto por Anecefalia fetal e risco para a vida da mãe, xxxxxxx.
Sem Custas, em razão do comando do parágrafo 2º do art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

P. R. I., em segredo de Justiça.

Recife, 12 de maio de 2005.

Juiz de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, no exercício da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

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