ACÃO DE ADOÇÃO NACIONAL

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

Processo n.º 001.2002.009180-0
Ação de Adoção Nacional

S E N T E N Ç A N.º /02/2003 – LCBF

Vistos, etc…

XXXXXXXXXX, brasileira, divorciada, comerciante, residente e domiciliada na Rua Severino Pessoa, nº 437, Madalena, nesta cidade, através de Defensora Pública, ingressou neste Juízo com um pedido de ADOÇÃO em favor da adolescente XXXXZXXX, nascida em 18 de agosto de 1985, na cidade do Recife – Pernambuco, filha de XXXXXX e XXXXXX, encontrando-se, todavia, em lugar incerto e não sabido, colacionando à sua inicial os documentos de fls. 05 usque 12.
A adolescente já se encontra na guarda fática da Requerente há aproximadamente dois anos.
O relatório psicossocial apresentado pelo Serviço de Adoção, manifestou-se favorável ao pedido de adoção (fls. 20/24).
Citação editalícia dos pais biológicos às fls. 15, os quais não contestaram a presente ação.
Foi nomeado Curador, que se manifestou as fls.27/28
O Ministério Público se pronunciou favoravelmente ao pleito de adoção (fls. 30/31).
É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR:

A primeira questão a ser resolvida neste caso, onde o direito material é de natureza simples, diz respeito a um problema de “nomem juris”, pois apesar de se denominar simplesmente de “ adoção” e de haver sido distribuída como “ adoção nacional – menor sob guarda fática”, salta aos olhos que se trata de um pedido de Adoção cumulado com Decretação de Perda de Pátrio Poder, pois os pais não anuem ao pedido, implicando na necessidade de contraditório, no tocante a este aspecto. Não há necessidade de refazimento dos autos, sendo problema só de denominação da ação, na medida em que os atos processuais que legitimam o contraditório foram devidamente cumpridos.

Como decorrência da cumulação de pedidos antes aludida, há que se analisar a questão da vigência do novo Código Civil, pois, em tese, poderia até ser prejudicial a análise do mérito do pedido.

Com efeito, em 11 de janeiro de 2003 entrou em vigência o Novo Código Civil Brasileiro, no qual constam disposições expressas sobre a perda do poder familiar (equivalente à destituição do pátrio poder do Código Civil revogado), devendo a sentença se pronunciar a respeito de suas implicações em cada caso concreto.

Em primeiro plano é de se dizer que tratando-se de norma sobre direito material toda a orientação doutrinária e jurisprudencial é no sentido da aplicabilidade da Lei vigente à época do ajuizamento (o que seria diametralmente oposto, acaso se tratasse de norma processual), ressalvado a aplicação de eventual dispositivo novo que beneficie a todas as partes envolvidas, sem causar prejuízo a qualquer delas, ou quando expressamente estabelecido na novel norma.

Não bastasse isso, em uma primeira abordagem, apenas se cotejando os arts. 395, II, do Código velho e o art. 1.638, II do Código Civil Novo, facilmente se chega à conclusão que ambos dispõem de forma absolutamente idêntica, prevendo a mesma sanção para a mesma falta, embora tenha ocorrido a modificação terminológica a qual antes aludi.

Adentrando-me ao mérito, estou convencido que ocorreu a hipótese de abandono, ensejando a decretação da perda do pátrio poder, sem se falar na questão do descumprimento injustificado dos deveres do pátrio poder, que não foi invocado na exordial, impondo-se que a sua perda seja decretada.

No que pertine ao pedido de adoção propriamente dito, através de estudo do caso realizado pelo Serviço Técnico, constatou-se que a adoção pleiteada trará reais vantagens à adotanda, já se encontrando estabelecidos os vínculos materno/filial entre a autora e a adolescente, o que torna o pedido legítimo.

É manifesto o desejo da adolescente em ser adotada pela Requerente (fls. 27), afirmando ser tal fato o melhor que poderia lhe acontecer. Relatou, outrossim, não saber do paradeiro de seus pais biológicos.

Observadas foram as formalidades e os requisitos substantivos e adjetivos da lei e o pleito conta com a anuência do Órgão Ministerial Público. Ante tais fundamentações, com arrimo nos art. 227, parágrafos 5º e 6º da Constituição Federal c/c artigos 269, I do Código de Processo Civil, artigo 395, II do Código Civil de 1916 e nos artigos 23;28;29;39; usque 49; 148, III; 155 usque 163;usque 170, todos da Lei n.º 8069/90, JULGO PROCEDENTE o pedido da exordial para fins de DECRETAR A PERDA DO PÁTRIO PODER de XXXXX e de XXXXX, em relação a filha de ambos XXXXXXX e coloca-la em família substituta, deferindo, assim, o pedido de Adoção em favor da Requerente, a Sra. XXXXXXXX. Expeça-se mandado de cancelamento e lavratura ao Cartório de Madalena. Observado neste que a adotanda passará a se chamar XXXXXXX, consignando-se no assentamento do nome da adotante, Sra. XZXXXXX e de seus ascendentes, Sr. XXXXXX e Sra. XXXXXX, não constando da certidão do registro qualquer observação sobre a natureza do ato, nos termos do art. 47 do ECA.

A esse respeito, é importante que seja consignado que o novo Código Civil, em seu art. 10, fala apenas em mera averbação de adoção, caracterizando grosseiro retrocesso em relação à norma anterior, inclusive já reconhecido pelo próprio relator do projeto do Código Civil, Dep. Ricardo Fiúza, que teve a louvável atitude de encaminhar novo projeto ao Congresso Nacional alterando este artigo, restabelecendo o conceito anterior contido no ECA. Na situação atual, antes que seja modificado o art. 10 do novo CC que regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (vide §1º do art. 2º da LICC), sem se falar no chamado princípio da hierarquia das leis(CC = Lei Complementar; ECA = Lei Ordinária), gera-se aparentemente a idéia de prevalência da norma nova, apesar do prejuízo causado às crianças e adolescentes.

Digo, aparentemente, porque, a meu ver, o teor do art. 10 do Novo CC é inconstitucional, pois afronta o princípio da igualdade absoluta do estado de filiação estabelecido no art. 227,§ 5º da CF. É exatamente em razão dele que o ECA determinou o cancelamento do registro velho e a lavratura do registro novo, pois a adoção consubstancia um “nascer de novo”, não sendo “um jeitinho brasileiro” de adaptação de filiação. Como conseqüência dessa diminuição do “status” do filho adotivo, ofende-se, também, o princípio da prioridade absoluta, cláusula pétrea Constitucional, contido no “caput” do art. 227 da Carta Magna.

Como conseqüência de tudo isso, resta que a nova norma é pior redigida que o ECA, prejudica as crianças, ofende a Constituição e o remédio constitucional para justificar a aplicação do ECA é o do controle difuso da constitucionalidade, o que faço agora, por via incidental, portanto aplicável exclusivamente “inter partes”, para, no exercício da função jurisdicional, negar-me a aplicar a Lei de menor hierarquia (art. 10 do Novo Código Civil), por se chocar com a CF, ao superior posicionamento no ordenamento do Estado, ressalvando que, apesar de não aplicada, continua ela no rol da legislação em vigor, pois não houve sua derrogação, que é função política que não compete ao magistrado no exercício da função jurisdicional . Via de conseqüência, declaro aplicável à espécie a regra ínsita no art. 47 e parágrafos da Lei nº 8.069/90, que não foram revogados pelo Novo Código Civil, nem alcançados pelos efeitos do art. 2º, §3º da LICC (“salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei restauradora perdido a vigência”).

Sem custas, ex-vi do art. 141, §2º, ECA..

P.R.I., em segredo de Justiça.

Recife, 18 de fevereiro de 2003.

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Juiz de Direito 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

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