Sétima Câmara Cível reconhece a obrigação de os Vereadores do Recife devolverem ao Erário valor atualizado, pago indevidamente no início de 1993

08-04-2010 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTROS
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação cível (696-707), interposta por Sérgio José Leite de Melo e outros, em face de sentença de fls. 685-688, da lavra da Excelentíssima Juíza de Direito Clara Maria de Lima Callado. O referido decisum condenou os réus, ora apelantes, a ressarcir aos cofres públicos numerário referente à atualização monetária de valores percebidos a maior, a título de subsídios.

Consta dos autos que os recorrentes foram eleitos para o exercício da vereança municipal entre 1993 e 1997, e que, no início do mandato dos referidos Edis, suas remunerações foram pagas de forma equivocada. É que, a despeito do que dispunha a Constituição Federal de 1988 à época do ocorrido, a Administração da Câmara Municipal tomou como parâmetro para o pagamento dos subsídios de seus membros a importância percebida pelos Deputados Federais, na contramão do que dispunha o art. 29, VI, da Carta Magna.

O valor nominal das parcelas pagas em excesso foi devolvido pelos Vereadores. A despeito disso, o assunto que alimenta a presente contenda vai além, pois a ação popular originalmente ajuizada por Mônica Maria de Amorim Pereira tem por objetivo obter o ressarcimento dos valores referentes à atualização monetária, desconsiderados pelos apelantes.

Argumentou a cidadã, em sua peça vestibular, que, o lapso temporal transcorrido entre a percepção indevida daquele dinheiro e a sua devolução teve o condão de corroer demasiadamente o seu poder aquisitivo, importando, por via oblíqua, em prejuízo ao Erário e enriquecimento sem causa por parte dos Agentes Políticos. Agravaria a lesão, segundo a proponente, a circunstância de que os índices de inflação, à época dos fatos, teriam atingido altos percentuais.

Inconformados com a sentença proferida em seu desfavor, os ex-vereadores interpuseram recurso de apelação, fundado, basicamente, nos seguintes argumentos:

1. A remuneração, ainda que adimplida a maior, foi percebida de boa fé e, em virtude disso, eventuais devoluções não deveriam fazer-se acompanhar por atualização monetária, e;

2. Os valores não compuseram a remuneração dos Vereadores. Diversamente, eram verba de gabinete, passíveis de fazerem frente a despesas relacionadas à manutenção da atividade parlamentar.

Contrarrazões do parquet às fls. 740-753. Faço consignar, por oportuno, que o Ministério Público assumiu o pólo ativo da lide em virtude do óbito da proponente, informado às fls. 666/667, tudo conforme a Lei 4.717/65.

É o que há de importante a relatar.

Em tempo, tendo em vista a suspeição do Exmo. Presidente desta Sétima Câmara, o Des. João Bosco Gouveia de Melo, argüida por ele próprio às fls. 653 quando ainda era Juiz no primeiro grau de jurisdição, penso que o referido magistrado deve ser substituído, por ocasião da sessão em que serão proferidos os votos neste recurso.

Sugiro ao Ilmo. Revisor que, por ocasião da inserção na pauta de julgamento, faça constar a circunstância, a fim de possibilitar à Secretaria Judiciária a convocação do representante do ilustre Juiz.

À Douta Revisão.

Recife, 08 de fevereiro de 2010.

___________________________________
Des. Luiz Carlos Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTRO
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
V O T O

Egrégia Câmara,

Entendo que a Sentença prolatada pela Ilma. Juíza de primeiro grau não é passível de qualquer retoque. Ademais, as alegações trazidas à baila pelos nobres Edis, por ocasião da interposição deste apelo, não me persuadiram, pelas razões que passarei a expor de modo fundamentado.

Como relatei, os Vereadores lastreiam seu recurso em dois alicerces por eles considerados fundamentais. Inicialmente, argüiram que o dinheiro recebido a maior foi percebido de boa-fé. Depois, sustentaram que aquela parcela, paga em excesso, não integrou a remuneração dos membros da Câmara. Diversamente, segundo eles, era verba de gabinete, destinada ao custeio das despesas de cada unidade legislativa.

A presente contenda, a despeito de ter sido instruída com considerável acervo probatório e relevante fundamentação teórica, pode ser elidida sem grandes elucubrações. Ao meu ver, a própria natureza jurídica daqueles valores é irrelevante, pois, independentemente de serem remuneração ou verba de gabinete, foram recebidos de forma indevida e, por algum período, chegaram a guarnecer o patrimônio dos apelantes.

Superadas essas considerações iniciais, tenho que é necessário e suficiente ao deslinde desta lide a fixação de uma importante premissa: a atualização monetária de débitos não tem caráter punitivo, a reprimir, pedagogicamente, os atos ilícitos dos gestores do Erário (sobre o tema, vide EREsp 584183/PB, dentre outros).

Do próprio conceito de atualização monetária extrai-se que o instituto serve para tornar real, efetivo, o poder aquisitivo referente a dinheiro tomado outrora, eventualmente corroído pelo fenômeno inflacionário.

Trocando em miúdos, atualiza-se o valor do dinheiro para minorar as perdas decorrentes da inflação, evitando que situações bizarras tenham lugar, como as evidenciadas pela Revista VEJA de 12 de março de 2008, edição em que um dos temas de relevo era a inflação no Zimbábue, país situado no sudeste da África.

Consta, no referido periódico, que, ano houve naquele país em que a inflação superou o percentual de 150.000% (cento e cinqüenta mil por cento).

Naquele contexto, um dia e meio era tempo suficiente para fazer com que alimentos de primeira necessidade dobrassem de preço. Surpreendentemente, um ano e sete meses era o bastante para fazer com que o dinheiro referente à venda de uma casa de luxo passasse a comprar tão só um litro de óleo para cozinhar (vide, a respeito, sítio eletrônico da Revista, em http://veja.abril.com.br/120308/p_072.shtml).

O exemplo do que ocorreu naquele país chega a ser pitoresco, mas nossa Economia, em tempos não muito distantes, chegou a experimentar absurdos padrões de inflação, com índices acima dos 80%, como o constatado pela Fundação Getúlio Vargas em fevereiro e março de 1990.

A propósito, ainda a título exemplificativo, a inflação acumulada no ano de 1993, época em que se deu o equívoco vastamente trabalhado no âmbito deste processo, superou o patamar dos 2.000%, um dos mais altos da série histórica do IGP-M (Sobre o assunto, as tabelas do Índice Gerais de Preços do Mercado, IGP-M, encontram-se disponíveis para consulta em http://www.portalbrasil.net/igpm.htm).

Neste diapasão, a desconsideração do fenômeno inflacionário teria o inegável condão de possibilitar aos respeitáveis Edis enriquecer sem causa, em razão da simples disponibilidade do dinheiro, pois, não seria absurdo presumir que tão vultosa quantia esteve guardada em contas remuneradas, blindadas pelos efeitos nefastos da inflação observada àquela época.

Eis o mínimo que se poderia esperar dos gestores de patrimônio cuja titularidade não se sabia ao certo a quem atribuir. Outrossim, aumentava a responsabilidade dos mandatários do povo a circunstância de que aquele dinheiro poderia pertencer à coletividade que os elegeu, como de fato pertencia.

Assim, é de se reconhecer ter havido, de fato, a tão mencionada lesão ao Erário – com o correspondente enriquecimento sem causa –, decorrente da devolução somente do valor nominal, em julho de 1993, de valores percebidos entre janeiro e março. A argumentação ganha força se levados em consideração os índices de inflação constatados na época, que superavam os 20% ao mês.

Vendo por esse lado, ousaria afirmar que a dita restituição constituiu-se em fraude perante a coletividade, representando mero ato simbólico, potencialmente apto a acalmar os ânimos da sociedade, estimulada pela grande repercussão que o caso tomou.

Não quero, com a defesa deste entendimento, desautorizar juízo que já foi adotado pelo e. STJ, em lide que resolvia discussão análoga à presente. De fato, como fizeram constar os apelantes, o referido Tribunal Superior, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 10.332/DF, definiu posicionamento consubstanciado na ementa do julgado que peço vênia para transcrever:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. ALEGADO IMPEDIMENTO DO DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA CORTE DE ORIGEM. NÃO-OCORRÊNCIA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. BOA-FÉ DOS IMPETRANTES. NÃO-CABIMENTO DA RESTITUIÇÃO.
1. Afasta-se a alegação de nulidade do acórdão objurgado na hipótese em que a autoridade apontada como coatora não participou do julgamento do mandamus.
2. Consoante a jurisprudência pacificada desta Corte, se, com base em interpretação errônea, má aplicação da lei, ou equívoco da Administração, são pagos indevidamente determinados valores ao servidor de boa-fé, é incabível sua restituição. Na espécie, portanto, não deve ser pago ao erário o valor referente à atualização monetária daqueles valores, pois evidenciada a boa-fé dos magistrados no recebimento da ajuda de custo. Precedentes.
3. Recurso ordinário provido.
(STJ, RMS 10.332/DF. Sexta Turma, Julgamento unânime em 26/06/2007, DJU 03/09/2007 – grifei)

Penso, contudo, que o julgamento retrata um posicionamento isolado daquela Corte, pois, como dito e reiterado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, apenas, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação, independe de culpa das partes (vide REsp 956258/SP, REsp 942759/SP, EREsp 316675/SP, AgRg no REsp 905862/SP, REsp 921039/SP, REsp 916403/SP, dentre muitos outros). É certo que a maioria das lides em que a premissa é assentada se contextualiza em discussões tributárias, contudo, tenho que o pressuposto é geral, devendo-se aplicar indistintamente.

Em face de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta pelos ex-vereadores da Câmara Municipal do Recife, para manter in totum, a sentença exarada pelo Juízo de primeiro grau. Eventuais controvérsias acerca dos cálculos e índices a serem aplicados devem ser resolvidas na fase da liquidação.

É como voto.

Recife, 16 de março de 2010.

_________________________________

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº 178477-6 – 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Apelante:Sérgio José Leite de Melo e OUTRO
Apelado:Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator : Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

– EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. VEREADORES. PERCEPÇÃO DE VALORES EM EXCESSO. DEVOLUÇÃO SEM CORREÇÃO MONETÁRIA. INDIFERENÇA QUANTO À EXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. JULGAMENTO UNÂNIME.
– Membros da Câmara dos Vereadores do Município do Recife, no período compreendido entre janeiro e março de 1993, perceberam valores a maior, referentes, segundo eles, a verba de gabinete;
– Reconhecida a incorreção, os Edis restituíram o Erário sem, contudo, considerar a depreciação da moeda ocorrida entre a época do recebimento e a efetiva devolução (julho/1993);
– Alegaram, em seu prol, que, por inexistir má-fé, não têm obrigação de adimplir valores referentes à atualização monetária, cabendo-lhes, tão só a restituição do valor nominal;
– Não assiste razão aos apelantes, pois, como bem define o e. STJ, a correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, apenas, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação, independe de culpa das partes;
– A adoção de entendimento diverso terá o inegável condão de possibilitar aos réus, ora recorrentes, enriquecimento sem causa, em detrimento de toda a coletividade, pois, no interregno compreendido entre a percepção e a restituição, tiveram aqueles Edis plena disponibilidade do numerário;
– É razoável presumir que, na condição de tutores do patrimônio público, cuidaram de evitar que o numerário – potencialmente público – se depreciasse pelos efeitos nefastos da inflação vigente à época, blindando-os em contas remuneradas;
– Apelação a que se nega provimento, para manter, à totalidade, a sentença impugnada pelos recorrentes.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 178477-6, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Recife, em que figuram como Apelante Sérgio José Leite de Melo e OUTROS e como Apelado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Egrégia Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, unanimemente, negar provimento ao Recurso de Apelação Cível interposto pelos particulares, nos termos dos votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar esse julgado.

Recife, 16 de março de 2010.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

Nenhum comentário

Deixe seu comentário. Seu e-mail não será revelado.