QUE CONSELHO É ESTE?

19-04-2009 Postado em Publicações por Luiz Carlos Figueirêdo

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO RECIFE-PE

Em 1987, quando juiz de menores abandonados e infratores de Olinda, propus a criação do “Conselho dos Direitos do Menor”, que se transformou, por lei municipal, no primeiro do País, muito antes da Constituição de 1998 e do ECA, de 1990, que obriga a sua implantação em todas as cidades. Para este primeiro embrião dos atuais conselhos ser aprovado, expressivos nomes de Olinda se empenharam, como Roberto Franca, Marcelo Santa Cruz, José Arnaldo, Jacilda Urquisa, Joseph Mac’Arthy (Jô), etc. Parabéns, Olinda, por ser pioneira em mais este grito de liberdade.

Em 11 de setembro de 2003 foi sancionada pela prefeita Luciana Santos a Lei Municipal nº 5.370, dispondo sobre os Conselhos Tutelares, a qual, pela data da sanção e conteúdos explosivos e antidemocráticos merece ser chamada de “Lei Ozama Abin Laden”. Pêsames, minha querida Olinda, por ver a 1ªCâmara do Brasil, onde já militaram e militam tantos nomes ilustres, aprovar tamanha teratologia jurídica.

A carga horária de prestação de serviços estapafúrdia estabelecida no art. 18 e o desconhecimento que desde 11 de janeiro os maiores de 18 anos são aptos para todos os atos da vida civil (inclusive se candidatar a conselheiros), são problemas menores se comparados com o ensandecido parágrafo único do art. 2º que determina “para acompanhar as atividades e decisões de cada conselho tutelar serão indicados pelo presidente do Poder Legislativo, sem qualquer remuneração, 2 (dois) vereadores”.

A Constituição estabelece duas modalidades de democracia: a) a tradicional, ou representativa, onde o povo é representado pelos vereadores, deputados, etc; b) A direita, ou participativa, onde o exercício de democracia é feito diretamente pelo povo. Os CT’s, previstos no ECA, materializam uma das formas de democracia direta, como regulamentação dos arts. 1º, parágrafo único e 204, II da CF. É certo que a lei municipal que cria tais conselhos não tem o campo de incidência limitado às hipóteses contidas no ECA, cuja listagem é exemplificatica. Pode ela legislar sobre outras matérias de cunho local. Não pode, entretanto, ofender o conceito constitucional como esta lei 5.370 está ofendendo.

Li atentamente os debates ocorridos no Legislativo olindense, assim como expedientes do Cendhec à prefeita e ao presidente da Câmara, e a resposta do procurador jurídico Municipal. Salta aos olhos que não se pode falar em democracia direta sob a “supervisão” siamesa de um órgão próprio da democracia representativa. A primeira leitura é a da intervenção estatal, ou seja, democracia direta no antigo modelo albanês. A 2ªleitura, feita pelo procurador Isael da Nóbrega, é de que os vereadores serão “meros observadores”. Se for assim, de total inutilidade, sendo mais apropriado que os senhores edis dediquem seus respectivos tempos às tarefas típicas de sua função. Será que como o rei Pelé disse uma vez também acreditam que o povo não sabe votar? Será que os cidadãos eleitos conselheiros pelo povo precisam dessas “babás”, como criancinhas que estão aprendendo a andar? Será que terão tempo para estar presentes 24 horas por dia para acompanhar todas os casos afetos ao Conselho, participar de reuniões colegiadas etc? Será que resistirão à tentação de querer interferir nos encaminhamentos dados pelos conselheiros ou equipe técnica de apoio? Será que, quando a Prefeitura faltar com seus deveres de disponibilizar os meios para atuação do conselho, em breve nós não teremos veículos, motorista, material de expediente, etc pagos pelo parlamentar, junto com uma vistosa placa de “apoio do vereador fulano”, como já acontece nas ambulâncias?

A Câmara pode fiscalizar a si mesmo, à Prefeitura, obras públicas etc, inclusive os diversos conselhos locais, mas para isso não precisa colocar um vereador em cada quarteirão. É falacioso o argumento de que a Câmara tem representantes nos Conselhos Municipais de Educação, Saúde, Transportes, da Funeso, de Direitos da Criança etc. Estão confundindo laranja com banana. A natureza dos Conselhos Tutelares é completamente diferente desses outros conselhos que são consultivos ou deliberativos.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente, capitaneando diversas ong’s que atuam na área da Infância, representou ao procurador geral de Justiça solicitando providências sobre tal estultícia. Antes que prefeitos ou vereadores com vocação centralista resolvam imitar tão infeliz exemplo; antes que o Ministério Público ajuíze e seja reconhecida a inconstitucionalidade do referido dispositivo, por ferir aos arts. 1º, II, e parágrafo único e 204, II, CF, como amante de Olinda, cidade que escolhi para viver desde 1976 e seu ex-juiz de 1986/89, espero um gesto de grandeza da prefeita e dos vereadores corrigindo tal absurdo jurídico e político, revogando o parágrafo único do art. 2º da Lei 5.370, se possível aproveitando o ensejo para corrigir outras imperfeições na legislação.

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