AÇÃO CIVIL

16-04-2009 Postado em Sentenças por Luiz Carlos Figueirêdo

JUIZ DE DIREITO TITULAR : Luiz Carlos de Barros Figueiredo
JUIZA DE DIREITO AUXILIAR: Valéria Bezerra P. Wanderley
PROMOTORAS: Laíse Tarcila R. de Queiroz
Isabel Calado dos Santos
CHEFE DE SECRETARIA: Fátima Maria Gomes da Mota

PAUTA Nº 21/2000

Ficam as partes e seus respectivos procuradores intimados das sentenças, nos autos do processo abaixo relacionado:

PROCESSO Nº 00198016462-2 (Ação Civil Pública afeta a criança)
PARTES – Ministério Público do Estado de Pernambuco
Instituto Profissional Maria Auxiliadora
ADVOGADOS:
MARCOS VALÉRIO PROTA DE ALENCAR BEZERRA (OAB/PE 14.598)
CLÓVIS GUIMARÃES RIBEIRO (OAB/PE nº 17.145)
JOÃO REINALDO PROTA FILHO (OAB/PE nº 16.462)
ANTÔNIO EDSON PEDROSA (OAB/PE nº 4752)
MILTON GILBERTO BATISTA DE OLIVEIRA (OAB/PE nº 15.813)

SENTENÇA:
Vistos, etc…
O ÓRGÃO MINISTERIAL PÚBLICO, por sua representante legal, requereu a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO COMINATORIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER contra o INSTITUTO PROFISSIONAL MARIA AUXILIADORA, sito à ….., na pessoa de sua Diretora J. Z.
Alega a requerente, sinteticamente, que o Procurador Geral de Justiça recebera de R. L. A N. petição na qual atribuía ao Colégio I. P. M. A a prática de ato discriminatório, com reflexo de natureza civil e criminal, praticado pela diretora daquele educandário, irmã J. Z., contra seu filho C. N. V. M., aluno matriculado naquele estabelecimento particular de ensino e expulso, segundo ela, pelo fato de ter chegado ao conhecimento da direção do colégio que seu filho C. iria ser pai dentro de quatro ou cinco meses;
Alega ainda a requerente que caso idêntico foi trazido ao seu conhecimento, já no curso do procedimento instaurado, pela adolescente C. M. S. F., que disse também ser vitima de discriminação pela direção do mencionado estabelecimento educacional, fato que lhe ocasionou vexame e constrangimento, tendo tais fatos sido amplamente divulgados através da imprensa local e nacional, havendo referência a diversos casos ocorridos naquela escola;
Acrescentou ainda que no curso do procedimento administrativo ficou apurado que, na verdade, a direção do Colégio Instituto Profissional Maria Auxiliadora discriminou alunos, a exemplo de C., porque engravidou a namorada e de C., aluna que ficou gestante no período escolar, sendo ambos compulsoriamente convidados a pedir transferência, não sendo permitida, pela direção, a permanência deles na escola.
Foi juntado à inicial os documentos de fls.14/101, destacando-se entre eles: Termo de oitiva do adolescente e seus pais, termo de audiência, nota de esclarecimento emitida pelo Instituto Profissional Maria Auxiliadora, regimento interno do colégio.
Em despacho às fls.103/105, por não vislumbrar prejuízo imediato aos interessados nesta ação, foi indeferido a liminar requerida, visto entender estarem ausentes os pressupostos autorizadores do “periculum in mora” e do “fumus boni iuris”; Determinado a citação da Srª J. Z., diretora do Instituto Profissional Maria Auxiliadora, para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão e ciência ao Ministério Público desta decisão, com intimação pessoal à ilustre Promotora de Justiça subscritora da peça vestibular.
Oferecida contestação pelo requerido, contendo a mesma 15 laudas e sendo anexos seis livros (referentes a programa escolar normal e cursos diversos aplicados e oferecidos na área de orientação sexual), foi autorizado, face a quantidade de peças juntadas, fosse formado o volume II dos autos, com o devido termo de abertura, tendo a parte contestante requerido preliminarmente pela extinção do processo, por entender ser o Ministério Público parte ilegítima ativa para ação Civil Pública com preceito cominatório de obrigação de fazer, requerendo, ainda, caso não seja acolhida a preliminar relativa à carência de ação, seja julgada improcedente, juntando os documentos de fls. 132/357.
Dado vista à Representante do Ministério Público, esta, por motivo de foro íntimo, declarou-se suspeita para funcionar no feito, sendo os autos encaminhados ao Procurador Geral de Justiça, solicitando a designação de outro Promotor de Justiça, pois a outra integrante do “parquet” que oficia perante este juízo encontrava-se de férias.
Foi designado pelo Procurador Geral de Justiça a Dr ª Luciana de Braga Vaz da Costa, para oficiar nos autos, face a suspeição argüida pela Promotora Isabel Cristina de S. Santos.
Dado vista à Promotora designada, esta comunica à Chefe de Secretaria da 2ª Vara que devolve os autos face a sua nomeação para funcionar no processo ter sido tornado sem efeito, por meio de oficio interno nº 236/98 do procurador Geral de Justiça.
Determinei envio de novo ofício ao Procurador Geral de Justiça, informando sobre a problemática existente e solicitando a designação de Promotor para funcionar no feito.
A parte requerida, através de seu advogado, pleiteou a conclusão dos autos para fins de apreciação e julgamento, face a preliminar suscitada que é prejudicial do mérito da ação.
A Promotora de Justiça auxiliar, em cota às fls.374 , requereu o prosseguimento do feito, conforme o requerido na exordial.
Relatei e decido:
Cumpre inicialmente a apreciação da preliminar apresentada pela parte ré, conquanto o seu acatamento ser prejudicial ao julgamento do mérito do pedido.
De início, cabe registrar que não há dúvidas de que a competência para processar e julgar este feito é desta Justiça especializada, à luz do artigo 148 IV – ECA, e pontuar que a preliminar questiona se o Ministério Público é parte legítima para propor a Ação Civil Pública de interesse individual. Neste aspecto, cabe ponderar o seguinte:
O artigo 127 da Constituição Federal disciplina que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS” (grifei). Ainda a Magna Carta, no artigo 129, III diz que: “art.129: São funções institucionais do Ministério Público: III Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao definir as competências do Órgão Ministerial Público, apontou em seu artigo 201, V:
Art.210 “Compete ao Ministério Público: V – Promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e a adolescência, inclusive os definidos no art.220, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição Federal”.
Todavia o mesmo diploma legal, no artigo 210, I, limita sobremaneira estas legitimação quando diz: “art.210 – Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I O Ministério Público”.
É evidente o conflito de normas entre os pré-falados artigos 201, V e 210, I, ambos do ECA e não um simples “conflito aparente de normas”.
Penso que a melhor maneira de interpretá-los é fazer o confronto de ambos com a Constituição Federal, que sempre deve ser o “ponto de partida” de qualquer análise jurídica em um estado democrático. Por este caminho chegaremos à conclusão que “ambos estão certos e …. ambos estão errados”.
O primeiro alarga excessivamente a competência institucional do “Parquet”, provavelmente porque, como sabem os que acompanharam a elaboração do ECA, teve sua redação, e de todo o capítulo, produzido por um grupo de juristas integrantes do Ministério Público Paulista, exemplares profissionais, como Munir Cury, Paulo Afonso Garrido de Paula e Jurandir Marçura, os quais, mesmo que involuntariamente, “puxaram um pouco a brasa para a sua sardinha”; O segundo que restringe de forma tão brusca a intervenção do “Parquet”, esquecendo a essencialidade do Ministério Público à função jurisdicional do estado, seu papel de defesa dos interesses sociais e também o art.199, IX da Constituição Federal que comete ao Ministério Público “exercer outras funções que lhes forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade…”
Ora, se a própria lei das leis no artigo 127 incumbe ao Ministério Público à proteção dos direitos individuais indisponíveis, como pode o ordenamento infra-constitucional suprimir tal competência.
Fico, pois, com a Magna Carta acatando que o Ministério Público pode (e deve) promover ação civil pública de direitos individuais indisponíveis; aliás, equivocamente tratado por “homogêneos”, no Código de Defesa do Consumidor.
Resta saber se o caso “sub-judice” se enquadra como direito individual indisponível, como insinua a Promotora em sua peça exordial, ao apontar que a discriminação constitui “interesse de relevância para toda a sociedade” e se atinge o direito da universalização da educação, ou, com “igualdade de condições no acesso e permanência no estabelecimento de ensino”, ou como quer o contestante, apenas uma busca de cobertura indenizatória.
Mais uma vez, “virtus em medus”.
Embora seja um fato que a questão proposta tangencia aspectos relativos a direitos indisponíveis, isto se faz de forma muito tênue.
O que se observa é a alegação direta sobre uma suposta “expulsão” do aluno por razão irrelevante, sem cometimento de falta qualquer que justificasse sanção prevista no regulamento do estabelecimento de ensino, mesmo que de menor rigor ou gradação. Sem entrar no mérito deste argumento, como também no contraponto apontado pela ré de que houve pedido de desligamento do corpo discente, o fato é que esta é uma relação inteiramente privada, não extensiva ao restante do alunado.
Admitindo como verdadeiras as alegações, os pais dos adolescentes, em pleno exercício do Pátrio Poder, como assistentes do filho, tanto poderiam se valer da via ordinária para cobrar indenização (como de fato o fizeram, perante uma vara cível), como estariam legitimados para propor perante esta Justiça especializada uma ação civil pública de direito individual, inclusive com efeito cominatório por obrigação de fazer, obter eventualmente antecipação de tutela, fixação de multa pelo inadimplemento, etc (como se vê, não é apenas a questão de reparação de dano, como fala o contestante).
Entretanto, penso ser um exagero querer-se transformar o Ministério Público de defensor da sociedade em promovente de causas individuais de pessoas com plena capacidade civil e processual para ajuizá-las. Tal prática, antes de elevar o papel do “Parquet”, data máxima vênia, o enfraquece institucionalmente, pois lhe tira o tempo de atuar nas causas que realmente são de interesse da sociedade, além de colocar o órgão na “alça de mira” de argumentos políticos de que, dependendo do caso e das partes interessadas, ora promove a ação, ora se abstém. Grande parte das conquistas democráticas do País após 1998 decorreram do novo papel conferido ao Ministério Público pela vigente Constituição. Pelo bem de toda a sociedade, isto há que ser reforçado, preservando-se e fortalecendo-se o “Parquet”, mas naquilo que lhe é de verdadeira competência e não pelo assoberbamento de atribuições não prevista em lei.
Aceita a tese da ilegitimidade de parte, creio desnecessário, referenciar apontamentos doutrinários e jurisprudenciais; tantos foram os acórdãos trazidos à colação pelo Contestante, embora registro que seria perfeitamente possível duplicar-se as jurisprudências com a mesma orientação. No campo doutrinário, a melhor análise continua sendo a do festejado Mancuso, referido por ambas as partes, o qual também se alia aos que entendem que não cabe ao “Parquet” promover ações civis públicas de interesse individuais, exceto se indisponíveis.
Obedecidas foram as formalidades legais.
Ante o exposto, declaro o presente processo extinto, sem julgamento de mérito, posto acolher a preliminar de ilegitimidade de parte – carência de ação, o que faço por sentença, para que se cumpra os seus efeitos jurídicos e legais efeitos, arrimados nos artigos 261, VI e 301, X do CPC.
Sem custas.
PRI, em segredo de justiça.
Recife, 11 de abril de 2000

Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.
Juiz de Direito da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital

Nenhum comentário

Deixe seu comentário. Seu e-mail não será revelado.