TERMO DE AUDIÊNCIA
Aos 20 (vinte) dias do mês de outubro do ano de dois mil e três (2003), às 14:00 horas, nesta cidade do Recife, Capital do Estado de Pernambuco, na sala de audiência desta 2ª Vara da Infância e da Juventude, onde presente se encontrava o DOUTOR LUIZ CARLOS DE BARROS FIGUEIRÊDO Juiz de Direito da referida Vara, Dra. Laise Tarcila Rosa de Queiroz, Promotora de Justiça, e sendo aí comigo Assistente Judiciário, abaixo assinado, nos autos da Ação de Adoção Nacional – Processo nº2003.002805-2, requerida por M.A.de F., em favor de P.G. de S. Aberta a audiência e feita a chamada legal das partes compareceram: M.A. de F., A. C. M. de S. Em seguida o MM Juiz de Direito passou a ouvir a Sra. A. C. M. de S., qualificada nos autos, que as suas perguntas respondeu: QUE é a mãe de P., e ele nasceu em 15.02.2002; QUE o pai não assumiu a criança e quando a depoente falou com ele, o mesmo alegou não ser o pai do menino; QUE conhece o autor porque este há muito tempo vivia na casa do seu pai, de quem é amigo, e de sua madrasta; QUE ninguém da família quis ficar como menino, que estava muito doentinho, e ela não teria condições de cria-lo, pois já tem uma outra filha a qual é cuidada pelo seu pai; QUE ele sempre leva o menino para a depoente ver, e ainda sábado passado ela viu a criança podendo afirmar que o autor cuida melhor da criança do que uma mãe; QUE sabe que quando o menino fez o primeiro exame de HIV, foi positivo, mas foi feito um segundo exame que deu negativo; QUE ela e sua outra filha também fizeram exame e de ambos foi negativo; QUE é favorável que o menino seja adotado pelo autor; QUE acha que seu nome deve ficar no registro da criança, pois ele não tem mulher e convive com outro homem, sendo homossexual; QUE ela acha que este fato não vai trazer qualquer atrapalho para a vida de P.; QUE sabe que a adoção é ato irrevogável; QUE sabe que tanto a família do Sr. M. como familiares de K. gostam muito da criança P.; QUE conhece o autor há 03 anos e desde esta época ele já convivia com K. Dada a palavra ao Ministério Público, as suas perguntas respondeu: QUE mesmo que a justiça entendesse que o deferimento da adoção implicaria na obrigatoriedade da retirada do seu nome como genitora, incluindo um nome fictício de uma outra mulher, mesmo assim ela continuaria favorável a adoção. Em seguida o MM Juiz de Direito passou a ouvir o requerente, Sr. M. A. de F., que as suas perguntas respondeu: QUE reafirma os termos da petição que foi deixada no cartório na sexta-feira próxima passada no sentido de que o registro de nascimento da criança deverá constar apenas o seu nome como pai, sem consignar o nome de uma mãe fictícia ou manter-se o nome da mãe biológica, pois refletiu bastante após a última audiência e entendeu que se ele teve a ousadia de assumir a sua homossexualidade ao fazer este pedido, seria uma incoerência negar esta proposta por ocasião do registro da criança; QUE é verdade que homossexuais femininos tem relações heterossexuais com homens e podem ter filhos; QUE também é verdade que homossexuais masculinos podem ter relações sexuais com mulheres e dessa relação advir filhos; QUE ao ser indagado se quando o adotando crescer não irá estranhar o fato de no seu assentamento de nascimento não estar contemplado o nome da mãe e com isto ser vítima de outro tipo de descriminação, o depoente diz que refletiu também sobre este aspecto e tem ciência que seu caso é um dos primeiros, mas que isto é um processo que os cadastros de adotantes fatalmente irão se adaptar e no futuro bem próximo tal circunstância não será tida como exceção; QUE, na sua opinião, nos demais cadastros como PIS, CPF, etc., este fenômeno de não consignação de nome de mãe não será um fato tão excepcional. Dada a palavra ao Ministério Público as suas perguntas respondeu: QUE ao ser indagado sobre se esta firmeza de convicção sua não poderia ser um peso de difícil resolução para a criança, no futuro, ele responde que está mais preocupado com a pressão social agora, mas para tanto, dentro da formação da personalidade de P., já irá preparando-o para enfrentar esta e outras dificuldades. Em seguida o MP emitiu o seguinte parecer oral: MM Juiz: O estágio de convivência de que trata o Art. 46, § 1º da Lei n.º 8069/90, é de ser dispensado, em face do (s) adotando (s) não ter (em) mais de 01 (um) ano de idade e/ou já se encontrar (em) na companhia do (s) adotante (s) durante tempo suficiente para se poder avaliar a convivência da Constituição do vínculo. Está demonstrado, nos autos, inexistir incompatibilidade para que seja deferida a colocação da aludida criança na família substituta que pleiteia a medida. A genitora biológica concordou com a adoção, mesmo tendo sido advertida de suas conseqüências e efeitos nesta audiência. A peculiaridade do caso refere-se a ser o adotando assumidamente homossexual. Tendo em vista que nossa carta política assegura como princípio a igualdade de todos e não vislumbrando como esta situação possa ser desfavorável a criança no que se refere a sua formação emocional, moral e psíquica, destacando ainda que todos os relatórios técnicos se posicionam favorável ao pleito, que, acima de tudo, atende ao prevalente interesse de P., torna-se do ponto de vista jurídico indiferente a opção sexual do adotante. Preocupa-me em especial a questão do nome da genitora, todavia os argumentos apresentados pelo requerente refletem uma verdade, a de se ter coragem para no curso da vida assegurar o seu lugar. Ademais, destaco que em casos de adoção internacional não se atribui nome sequer fictício quando a adoção é promovida por pessoa do sexo masculino. Face do exposto, opina, esta Promotoria de Justiça, pelo DEFERIMENTO DO PEDIDO DE ADOÇÃO, extinguindo-se o Pátrio Poder da genitora feito pelo (s) adotante (s) acima citado(s), em favor do adotando nomeada em epígrafe, observado-se o art. 47 do Diploma Legal supracitado. Em seqüência o MM. Juiz de Direito a proferir a Sentença n.º391/10/2003- LCBF, com o seguinte teor: Vistos, etc…. M.A de F., através do Defensor Público legalmente habilitado, ingressou com pedido de guarda em favor da criança P.G, nascido em 15.02.2002, filho de ª C. M. de S., com fundamento nos Artigos 33 e seguintes do ECA, perante a 1ª vara da Infância e da Juventude da Capital, competente para ações de tal natureza, segundo a Lei Complementar Estadual 31/2001, e, posteriormente, requereu a transformação da ação em adoção, pelos fundamentos fáticos e jurídicos de fls. 55/56, isto após parecer social de fls. 48/50 e audiência de ouvida da genitora biológica na Comarca de Itamaracá, conforme fl. 45. Com parecer favorável do Ministério Público, a juíza da Primeira vara declinou da competência para este Juízo. O autor juntou exame anti-HIV da criança fls.65, comprovando que a sorologia foi negativada. Em 25.09 do corrente ano, o autor foi ouvido em audiência como seu companheiro, sendo deferido novo estudo psico-social e nova ouvida da genitora. Às fls. 71, consta termo de concordância da genitora. Parecer psico-social de fls.73/81, destacando elementos fundamentais do caso e, ao final, opinando favoravelmente ao pleito de adoção. As fls. 83/84 ao pedir renovação de termo de guarda provisória, a Defensora Pública requereu a manutenção da genitora biológica como mãe no registro de nascimento da criança. Ocorre que, em data de 17.10.2003, o autor, pessoalmente, ingressou com petição justificando o seu desejo que no assentamento da criança conste apenas o seu nome como pai. Nesta data foi ouvida a genitora biológica reafirmando a sua concordância com a adoção, se declarando ciente que o autor é homossexual, mas que não vê nisso qualquer impedimento que ele seja um bom pai, que sabe que se trata de ato irrevogável; que ela preferiria que seu nome fosse mantido como mãe da criança, mas que mesmo que a justiça assim não entenda, ela renova que está de pleno acordo com a adoção, sabendo que a criança é bem tratada. O autor foi novamente inquirido, explicitando as suas razões pelas quis entende ser melhor que apenas seja consignado o seu nome como pai, sem referência no registro civil a figura da mãe. O Ministério Público emitiu parecer favorável à pretensão, inclusive no tocante a consignação no assentamento de nascimento apenas do nome do autor como pai de P., sem referência ao nome da mãe da criança. É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR: Restou evidente a impossibilidade da criança permanecer no seio da família natural, assim como que, embora preponderante, a questão de econômica não é o único impedimento para tal. A questão da afinidade e de parentesco, tal como manda a lei, foi devidamente sopesada. A exigência da Lei da ouvida da genitora, foi cumprida, fazendo se as devidas advertências de natureza do ato. (art. 167, § único, Lei n.º 8069/90) havendo, inclusive, e permissivo para a formulação da pretensão diretamente em cartório, à falta da lide. O depoimento da genitora deixou claro que não tinha ela condições de criar o filho que era muito doentinho e que não tinha outra alternativa que não fosse concordar com a adoção, como forma de garantir que a criança pudesse ter uma vida futura saudável. Neste caso concreto, já ainda na fase em que o pedido era uma simples guarda, revogável a qualquer época, aflorou a questão da homossexualidade do autor inclusive com uma vida em comum com um companheiro há muitos anos. Tenho por norma evitar referência à orientação sexual das partes, até porque isso só é feito em alguns juízos quando se trata de algum candidato ou candidata que é homossexual, sendo patente a descriminação, na medida em que nos meus 21 (vinte e um) anos de Juiz nunca vi um magistrado qualificar um pretendente ou qualquer parte do processo como sendo heterossexual. Portanto, para mim, no mais das vezes, essas referências não guardam qualquer condição de exigibilidade com o caso, servindo mais para que juizes e promotores busquem holofotes como moderninhos, avançados ou politicamente corretos, desconhecendo que por traz daquele pleito esta um ser humano que merece todo respeito da justiça. Entretanto, neste processo é impossível se deixar de fazer uma reflexão sobre isto, na medida em que são tantas as referências no primeiro parecer técnico, nas audiências, nas perguntas formuladas, que seria uma hipocrisia maior ainda jogar tudo isso para debaixo do tapete. A verdadeira razão é: existe alguma coisa que distinga o Sr. M. dos demais pretendentes a adoção, em razão da sua orientação sexual, que iniba o seu projeto de paternagem a ponto do Estado-Juiz não poder deferir a sua pretensão? Para mim salta aos olhos que não, bastando se ver o lapso de tempo em que a criança está sob sua guarda fática, muito bem cuidada, e que a Justiça vai fazer neste caso é apenas legalizar uma situação fática, que está bem ajustada e para qual não teria havido nenhum questionamento caso o autor, aberta e corajosamente, não tivesse declarado publicamente a sua opção sexual. Portanto, é inquestionável que a Constituição não distingue quem quer que seja para a prática de todos os atos da vida civil em razão de sua orientação sexual. O que se tem a fazer é analisar a pretensão à luz dos quatro requisitos básicos do ECA para se deferir uma adoção. Não há dúvidas de que a adoção apresenta reais vantagens para o adotando e que o pedido se funda em motivos legítimos; o autor não revelou impedimento do Art. 28, LECA, para adoção; a adoção consulta aos interesses da criança. Obedecidas foram as formalidades legais. O pedido está de acordo com o direito e conta com a anuência do Órgão Ministerial Público. Ante o exposto, com arrimo no Art. 227, § 5º e § 6º da Constituição Federal, combinados com os Artigos 269, I, 1103 e seguintes do Código de Processo Civil e nos Artigos 23;28;29;39; usque 49; 148, III; 155 usque 163; usque 170, todos da Lei n.º 8069/90, Julgo procedente o pedido da inicial, para fins de colocar a criança em família substituta, deferindo a Adoção da mesma em favor do requerente. A criança passará a chamar-se: P. G. A. de F., filho do requerente, tendo como avós paternos, os ascendentes deste. Decorrido o prazo recursal, expeça-se mandado para cancelamento do registro original e lavratura de novo assentamento, com a recomendação de que nenhuma referência pode ser feita à natureza do ato, assim como que este é inteiramente gratuito, como disciplina a Lei. A determinação de lavratura de novo registro de cancelamento do registro original decorre do meu entendimento de que o art.10 do NCC é inconstitucional, quando recomenda a simples averbação no registro original, pois, com isso, estaria sendo contrariado o principio da igualdade entre filhos biológicos e adotivos e negado o principio da prioridade absoluta contido no caput do ar. 227 da Magna Carta, como controle difuso de inconstitucionalidade, mediante declaração incidente nego aplicação a referida norma que contraria a constituição, aplicando o art. 47 e parágrafos do ECA, que não foram revogados no NCC. Após, remeter ao Serviço de Adoção, para fins de controle estatístico do INFOADOTE. Após, arquive-se os autos. Sem custas. Dou por publicado em audiência e as partes por intimadas. Registre-se. Recife, 20 de outubro de 2003. a) Luiz Carlos de Barros Figueirêdo . Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Capital. . Em seguida a parte autora requereu a desistência do prazo recursal, sem oposição do Ministério Público, razão pela qual o MM. Juiz de Direito determinou fosse certificado o transito em julgado da decisão. E como mais nada havendo, mandou o MM Juiz de Direito encerrar o presente termo. Eu, Márcia Uchôa Simões, Assistente Judiciário, o fiz digitar.
Juiz de Direito
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo