Apelação Cível nº 41110-7 – Recife (3ª Vara Cível)

16-04-2009 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

1º Grupo de Câmaras Cíveis
Apelação Cível nº 41110-7 – Recife (3ª Vara Cível)
Apelante : Diário de Pernambuco S/A
Apelado : Ricardo Zarattini Filho
Relator : Des. Silvio de Arruda Beltrão
Revisor Substituto: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

Voto de revisão 04

De proêmio, cuido em tecer algumas breves, mas necessárias considerações preambulares ao mérito de meu voto revisional, cuja condição, aliás, me recaiu de forma substitutiva, face o eminente Des. João Bosco Gouveia de Melo ter se averbado de suspeito para atuar nesta lide, consoante despacho exarado às fls. 388 dos autos.

Nesse sentido, tenho em mente que, corroborando o entendimento esposado na 4ª Câmara Cível deste TJPE – órgão originariamente competente para o conhecimento e julgamento deste apelo -, cabia a este Egrégio 1º Grupo de Câmaras Cíveis do TJPE, quando do julgamento dos Embargos Infringentes em apenso, haver dado continuidade ao enfrentamento do presente recurso.

É que, ao afastar a preliminar decadencial que pautou o decisum proferido naquela 4ª Câmara Cível em causa que se encontrava inequivocamente pronta para julgamento, cumpria ao 1º Grupo de Câmaras Cíveis, em observância à exegese do §3º, art. 515, CPC, bem como aos princípios da segurança jurídica, da celeridade processual e da efetividade do direito – como, aliás, bem declinou o eminente Des. Jones Figueiredo em seu voto lançado às fls. 360/364 dos autos -, prosseguir com o julgamento deste apelo, cuja interrupção, registre-se, já prolongou por, no mínimo, mais cinco anos a resolução desta celeuma.

E, justamente para evitar a eternização desta lide – a qual já se encontra relativamente próxima de atingir sua “maioridade civil”, já que proposta em meados de 1995 – é que, penso, deve-se privilegiar o princípio da instrumentalidade das formas em detrimento do rigorismo técnico-processual, que, em tese, faria impor a instauração do conflito negativo de competência.

Isso porque, a rigor, uma vez se declarando absolutamente incompetente para dar continuidade ao julgamento do apelo, deveria, aquela 4ª Câmara Cível, ter suscitado de plano o conflito de competência, tendo em vista que o 1º Grupo de Câmaras Cíveis também já se havia posicionado nos autos daqueles Embargos Infringentes em apenso pela sua incompetência em prosseguir com o julgamento deste apelo.

Entretanto, assim não se fez. Em sua decisão colegiada (fls. 343), entendeu a 4ª Câmara Cível em remeter os autos de imediato à apreciação deste órgão fracionário, tendo referido acórdão sido publicado na imprensa oficial sem que houvesse qualquer irresignação das partes ora litigantes, vide as certidões lavradas às fls. 367 e 369 dos autos, respectivamente.

Aliás, ressalte-se que, após processada a redistribuição aleatória deste feito perante os integrantes do 1º Grupo de Câmaras Cíveis e recaindo a sua relatoria ao Exmo. Des. Joaquim de Castro, tratou o ora apelado em atravessar petição nos autos (fls. 376) asseverando que tal relatoria cabia necessariamente ao eminente Des. Silvio Beltrão, na condição de atual ocupante da vaga deixada em aberto com a aposentação do não menos ilustre Des. Luiz Carlos Medeiros (então relator dos Embargos Infringentes em apenso), cuja pretensão acabou deferida às fls. 378 dos autos.

Nesse sentido, penso que, instaurar agora um conflito negativo de competência entre os órgãos fracionários deste Tribunal, passada mais de uma década na tramitação deste feito, traria mais malefícios do que benefícios aos interesses das partes envolvidas no litígio, até porque o fim máximo do Estado Juiz não é outro, senão, nos termos do art. 5º, LXXVIII, CF/88, dirimir os conflitos que se lhe apresentam observando-se a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, circunstância que, in casu, autoriza este 1º Grupo de Câmaras Cíveis em proceder, inclusive em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, com o julgamento do recurso sub examen sem que haja qualquer malferimento às normas processuais ou mesmo aos interesses das partes ora litigantes.

Com tais considerações, tenho por ultrapassada qualquer controvérsia relativa ao conflito negativo de competência entre órgãos fracionários deste TJPE, devendo, pois, este Grupo de Câmaras dar prosseguimento ao julgamento do apelo manejado pela empresa jornalística ré.

Todavia, antes de adentrar na discussão meritória do recurso, faz-se necessário que haja, ainda, breves comentários acerca da prefacial de deserção suscitada nas contra-razões da parte ora apelada, posto que ela jamais foi objeto de explícita apreciação neste Tribunal ad quem, seja pela 4ª Câmara Cível, seja por este órgão fracionário.

Entretanto, ainda que reconheça essa falha, tal não significa dizer que os julgamentos proferidos nestes autos e nos processos dele incidentes são passíveis de nulidade, muito pelo contrário.

É que, embora não tenha sido objeto de análise explícita neste juízo ad quem, os argumentos lançados naquela prefacial acabaram rechaçados por via indireta quando, do julgamento dos Embargos Infringentes em apenso, entendeu-se por afastar o instituto decadencial e dar-se o necessário prosseguimento ao julgamento do mérito da apelação cível, o que, na prática, implica dizer não só na manutenção do que já decidido por aquela 4ª Câmara Cível (mantidas, portanto, as rejeições das preliminares suscitadas naquela peça recursal), mas também que o referido apelo preenche todos os pressupostos de admissibilidade necessários ao seu conhecimento, dentre eles, claro, o preparo recursal.

Desta feita, tenho por naturalmente prejudicada a preliminar de deserção suscitada pelo ora apelado em suas contra-razões, pelo que adentro, finalmente, no exame de mérito do presente recurso.

Do que consta dos autos, tem-se que a empresa jornalística apelante fez publicar em seu matutino entrevista com personalidade deveras polêmica, qual seja, o Sr. Wandenkolk Wanderley, que opinou sobre diversos temas não menos controvertidos relacionados com o comunismo e o regime militar, dentre os quais, aquele que ocasionou o sugerido abalo à moral do ora apelado.

De proêmio, para melhor fixar a moldura na qual se insere a entrevista mencionada no item anterior, pivô de toda a celeuma e base do pedido inaugural, faz-se mister aduzir o seguinte:

1) O entrevistador – jornalista Selênio Homem de Siqueira Cavalcanti – é um dos ícones do jornalismo pernambucano, pois, por óbvio que a editoria jamais designaria um “foca” qualquer para realizar uma entrevista de tal magnitude e relevância, sempre foi conhecido pelo rigor científico com que pauta seu exercício profissional. Tal resta inquestionável quando se lê atentamente a abordagem de inúmeros temas polêmicos, com o mesmo grau de distanciamento profissional, permitindo que o entrevistado emitisse suas opiniões sobre todos eles sem qualquer interferência ou indução do entrevistador, nem mesmo uma maior ênfase ao caso pode ser debitada ao longo da entrevista;

2) O entrevistado, ao contrário, sempre loquaz e sem nunca abrir mão da defesa do movimento militar de março de 1964, e, como sempre, se vangloriando de seu um “porta-voz” dos militares nos meios civis.

Há que se ressaltar, portanto, que o jornal não emitiu, naquela entrevista, qualquer juízo de valor sobre o atentado ocorrido em 1966 no Aeroporto dos Guararapes. Tampouco houve, da leitura em sua íntegra, qualquer direcionamento naquela entrevista para fosse caluniada a pessoa do apelado ou afetadas a sua honra e moral, no que se verifica que o periódico apenas exerceu o seu direito de informar questão de relevante interesse público, sem que houvesse, para tanto, exorbitado desse seu poder/dever.

Aliás, para se chegar a tal raciocínio, imprescindível se faz rememorar o contexto histórico daquele regime de exceção, para melhor compreender aquele que foi um dos episódios mais marcantes do período da ditadura militar, cuja repercussão ainda ecoa fortemente nos ouvidos de toda a sociedade, consoante se depreende, inclusive, dos variados registros jornalísticos sobre o tema anexados aos autos pelo ora apelado.

Naquele tempo, as adversidades políticas ensejavam medidas extremadas entre os integrantes da direita e os da esquerda, não sendo incomum que, para se fazer prevalecer frente aos seus rivais, fossem adotadas mais do que palavras na defesa de seus antagônicos interesses, por vezes defendidos com a própria vida.

Se, por um lado, era usual a adoção de vias transversas, por assim dizer, para se conseguir confissões e punir aqueles considerados subversivos e traidores da pátria, não menos habitual era, em contra-partida, que os ativistas de esquerda se valessem de técnicas que beiravam ao revolucionismo – tais como os seqüestros de figuras políticas internacionais em troca da liberdade de seus correligionários, onde, inclusive, o próprio apelado se fez beneficiar em determinada ocasião (qual seja, o “célebre” seqüestro do embaixador americano) -, para anunciar e defender o seu ideal democrático. Sem dúvida, eram tempos de guerrilha.

Destaco, porém, que, ao meu ver, também é um equívoco se generalizar chamando todo o período sob o título de “ditadura militar”, pois, como se observa em diversas obras que fazem a revisão histórica daqueles tempos, as realidades vivenciadas foram bastante diversas, podendo, pelo menos, se distinguir o período inicial, sob o comando do Marechal Castelo Branco; aquele após a Emenda Constitucional nº 01/67, que era uma verdadeira nova Constituição; o Governo Costa e Silva; o AI nº 5; o período da junta militar; o governo Médici; o início e o prosseguimento da abertura lenta e gradual de Geisel e Figueirêdo, até a anistia.

No caso concreto, penso, tal distinção é vital, pois na época do atentado ao Aeroporto, as posições divergentes eram bem marcadas e qualquer um sabia reconhecer uma ação de repressão das forças armadas ou um ato dos insurgentes.

Ninguém dissimulava. Não perece fazer sentido uma versão que atribuiu o atentado a uma “montagem” da direta. A propósito, o próprio autor/apelado diz em sua inicial (fls. 04) que a autoria do atentado deve ser debitada à organização subversiva denominada “Ação Popular – AP”, ressalvando que nunca fez parte da mesma.

Contudo, não se olvide que, por se tratar de opositor pertinaz daquele regime de exceção, fato, aliás, largamente noticiado em sua peça vestibular, o Sr. Ricardo Zarattini sempre foi tido pelas autoridades militares como um dos principais líderes da militância esquerdista daquela época, período em que, repita-se, as “batalhas” políticas extrapolavam a seara do diálogo.

Nesse sentido, era de se esperar que o Sr. Zarattini tivesse experimentado das mais variadas agruras por seu impetuoso desafio ao regime militar, já que seu nome era constantemente citado como partícipe dos mais diversos crimes políticos daqueles tempos. E assim ocorreu no atentado ao Aeroporto dos Guararapes naquele ano de 1966.

É bem verdade que, até hoje, passados mais de quarenta anos daquele episódio, a autoria daquele crime ainda não foi devidamente elucidada. E, penso, dificilmente o será. Pois, ainda que, em tese, afastada a pretensão punitiva do Estado, os efeitos da confissão de um crime tão repugnante aos olhos da sociedade afastam quase que naturalmente o hipotético interesse do seu artífice – seja lá quem ele seja – em assumir a autoria do atentado, e, assim, esclarecer todos os fatos relacionados com aquele histórico episódio.

Entretanto, muito embora paire até hoje dito “mistério” sobre o atentado à bomba do Aeroporto dos Guararapes, não é de se olvidar que, dentre todas as versões propaladas ao longo dos anos, uma das que tomou mais corpo neste país foi a que atribuía à ala da esquerda, e mais precisamente ao Sr. Zarattini, a autoria daquele atentado.

E, ainda que tal autoria nunca tenha sido reconhecida – e nem provada -, o apontamento do Sr. Zarattini como partícipe daquele episódio não se deu de forma aleatória ou despropositada nos meios de comunicação. Ao menos, pelo que se depreende da própria remissão histórica dos fatos e dada a sua pregressa vida política de combatente contumaz daquele regime de exceção, havia indícios suficientes para que se cogitasse de sua participação naquele atentado.

Nesse sentido, valho-me, por oportuno, de breve trecho do voto declinado pelo Exmo. Des. Eloy d’Almeida Lins, então relator destes autos quando da retomada do julgamento deste apelo junto à 4ª Câmara Cível deste TJPE e em cuja ocasião se decidiu pela incompetência absoluta daquele órgão fracionário em dar prosseguimento ao julgamento deste recurso:

“Na verdade, do exame detido dos autos, notadamente em relação ao reexame histórico do incidente, diversas foram as fontes que, baseadas em indícios, imputaram a responsabilidade do autor e de terceiros pelo indigitado ato terrorista.” (fls. 348)

Com razão o eminente Desembargador. Afinal, da própria análise dos autos e de seu conjunto probatório, tem-se que a atribuição do atentado ao ora recorrido não foi fruto de uma perseguição voluntária imprimida pelos meios de comunicação (e, mais particularmente, pela empresa jornalística ora apelante), seja naquela época, seja nos dias atuais.

Como dito, tal versão dos fatos foi largamente propalada na imprensa, mas o foi com base em indícios suficientes para se chegasse a tal noticiamento, no que, registre-se, é de se diferir a coerência das informações prestadas pelos meios de comunicação com a sugerida divulgação indiscriminada de informações sem qualquer compromisso com o zelo profissional que lhe é naturalmente exigível, na condição inequívoca de veículo formador de opinião.

Pois, ainda que até hoje seja incerta a autoria daquele atentado, é de se considerar que as notícias divulgadas pelos meios de comunicação relacionando o Sr. Zarattini com aquele fatídico episódio guardavam verossimilhança com os indícios apurados sobre o evento, no que, em se tratando de caso não solucionado e, quem sabe, digno até de reprodução no famoso programa televisivo “Linha Direta” para se consiga chegar à sua resolução, faz-se natural haja presente o interesse da sociedade – ou mesmo a mera curiosidade – para se busquem o máximo de informações a seu respeito, posto se tratar, ainda hoje, de famosa passagem de um dos mais intrigantes períodos da história política do Brasil.

A versão do Sr. Zarattini de que foi a “AP” quem comandou o atentado do Aeroporto dos Guararapes e que nunca fez parte de tal organização, contida em matéria jornalística no Jornal do Commercio tem coerência e guarda verossimilhança. O problema é que a versão contada na entrevista que gerou a presente ação também tem os mesmos atributos. Só essa ambivalência, por si só, é suficiente para descaracterizar qualquer intenção de injuriar, caluniar ou causar constrangimento moral ao autor. Veja-se que a extensão da responsabilidade do veículo de comunicação se dá quando veiculada notícia que sabia ser falsa, o que, diante de dúvida fundada antes apontada, não era – e não é – razoável de se exigir do jornal.

Com base nesse raciocínio é que, penso, inexiste falar, na espécie dos autos, no dever de indenizar.

Até porque, como dito anteriormente no corpo deste voto, nada mais fez a empresa jornalística apelante senão trazer a lume entrevista contendo narrativa de fatos históricos por quem, reconhecidamente, vivenciou em toda sua intensidade o período da ditadura militar, qual seja o Sr. Wandenkolk Wanderley.

Ora, em sendo esse um dos temas mais palpitantes e controvertidos da recente história política do Brasil, tenho como inadmissível qualificar, do simples exercício regular do seu direito de liberdade de imprensa e de informação, a atuação da ora apelante como passível de ensejar reparação por alegados danos à moral do apelado.

Pois, qual o papel da imprensa senão o de bem informar a sociedade sobre todos os fatos e aspectos relevantes ao interesse público, quanto mais em se tratando de temas que abordam o próprio contexto político-histórico do país?

Desta feita, levando-se em consideração que a empresa jornalística recorrente apenas exerceu o seu direito de informação, sem, para tanto, exorbitar de suas prerrogativas, penso inexistir qualquer ânimo da sua parte em fossem afligidas a honra e a moral do apelado, posto que a entrevista veiculada no seu matutino e cujo trecho é objeto da presente celeuma apenas relata – sem qualquer juízo de valor daquele periódico – uma versão pública e notória sobre aquele histórico incidente ocorrido no Aeroporto dos Guararapes, pelo que, entendo, do sopesar entre os valores constitucionais aqui em tese conflitantes (direito à liberdade de informação x direito à inviolabilidade da honra), deve aquele primeiro prevalecer, face o inequívoco interesse público que paira sobre esse fatídico episódio do regime de exceção.

Como paradigma do posicionamento tomado neste voto, valho-me dos seguintes arestos jurisprudenciais emanados no Colendo STJ:

“RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – LEI DE IMPRENSA – ACÓRDÃO – OMISSÃO – AFRONTA AO ART. 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – ART. 49 DA LEI Nº 5.250/67 – DIREITO DE INFORMAÇÃO – ANIMUS NARRANDI – EXCESSO NÃO CONFIGURADO – REEXAME DE PROVA – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 07/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA – RECURSO NÃO CONHECIDO. (…) 2. A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (animus criticandi) ou a narrar fatos de interesse coletivo (animus narrandi), está sob o pálio das “excludentes de ilicitude” (art. 27 da Lei nº 5.250/67), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do direito de informação. (…) 6 –Recurso Especial não conhecido.” (REsp 719592 / AL, 4ª Turma STJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 12/12/05)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 20 E 22, C/C ART. 23, III DA LEI DE IMPRENSA. QUEIXA. TRANCAMENTO. LIBERDADE DE IMPRENSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. ANIMUS NARRANDI. DIREITO À INFORMAÇÃO. (…) II – Constatada a hipótese – como no presente caso – de que se sucedeu tão somente a divulgação de notícias de inegável interesse público, ausente ainda evidência de má-fé ou sensacionalismo infundado, por parte do acusado, resta a constatação da presença de simples animus narrandi, inerente à atividade jornalística. III – Tanto a Constituição Federal (ex vi art. 220, § 1º) como a Lei de Imprensa (art. 27) asseguram o livre exercício da liberdade de informação, buscando, justamente, assegurar ao cidadão o direito à informação, medida indispensável para o funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
Writ concedido.” (HC 62390/BA, 5ª Turma STJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 26/09/06)

Por fim, e em respeito à exegese do §1º, do art. 515, do Código de Ritos, cuido em trazer considerações que reputo das mais relevantes ao deslinde da real pretensão deduzida em juízo pelo ora recorrido, tendo em vista que, do processamento desta lide, notadamente após a prolatação da sentença pelo juízo a quo, resta clara a sua intenção em perceber “mera” reparação pecuniária, sem que haja qualquer interesse do apelado em seja reparada sua imagem e moral perante a sociedade, muito embora tenha propagado efusivamente em sua peça vestibular o desmérito com que seu nome era citado nas tratativas com seus pares e, principalmente, junto à opinião pública em geral.

Com efeito, chamou-me à atenção o fato de, embora tenha pleiteado em sua atrial houvesse publicada a sentença no matutino em caso de procedência de seu pedido, não houve, apesar daquele decisum nada ter decidido a esse respeito, irresignação da sua parte neste ponto em particular.

Ora, em casos de responsabilidade civil por danos morais relacionados com a lei de imprensa, penso que, se não mais importante do que a reparação pecuniária, é no mínimo tão importante quanto ela que, para se afastar por completo os danos morais infligidos à vítima, seja compelido o meio de comunicação réu em publicar a íntegra da sentença que lhe foi desfavorável, posto que, se houve reconhecido o dano moral decorrente de publicação injuriosa em periódico, nada mais justo do que seja dada a mesma publicidade na reparação desse dano.

Afinal, a adoção dessa medida público-coercitiva de retratação é prevista, inclusive, no art. 75, da própria Lei de Imprensa (lei nº 5.250/67), não sendo desarrazoado pensar que, em causa atinente à responsabilidade civil por danos morais na exorbitância da liberdade de imprensa, a satisfação integral dos danos morais afligidos à vítima perpassa, também, pela retratação pública do causador do seu dano.

Nesse sentido, trago à baila excerto jurisprudencial recentemente emanado nos autos da Apelação Cível Nº 70015950660, do Egrégio TJRS:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE DA CIVIL. PRELIMINARES. PROVA DOCUMENTAL. JUNTADA COM A PETIÇÃO INICIAL. CUMPRIMENTO. DEPÓSITO DO VALOR DA CONDENAÇÃO. LEI DE IMPRENSA. DESNECESSIDADE. MÉRITO. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. DANO MORAL CONFIGURADO. NOTÍCIA VEICULADA EM PROGRAMA DE RÁDIO DA REGIÃO. OFENSAS À IMAGEM E À HONRA ALHEIA. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM PERIÓDICO, BEM COMO VEICULAÇÃO NO PROGRAMA DE RÁDIO QUE DIVULGOU OS FATOS INVERÍDICOS. CABIMENTO. PRELIMINARES. (…) 3. A publicação da sentença, na íntegra, em periódico de real circulação ou expressão, às expensas da parte condenada, prevista no art. 75 da Lei de imprensa, constitui direito que não há de ser obstado pelo não-exercício do direito de resposta, sendo totalmente descabido tal argumento. De outra banda, perfeitamente possível a condenação cumulativa no sentido de que a demandada tenha que também divulgar no programa Linha Direta a decisão em tela, uma vez que expressamente autorizada pelo disposto no parágrafo único do art. 75 da Lei nº 5.250/67. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70015950660, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 25/10/2006)

Ainda que, por óbvio, o interesse e a legitimidade recursal somente possam ser exercidos pelas partes envoltas no litígio, tenho em mente que, do reexame da causa neste duplo grau de jurisdição, o silêncio da parte ora recorrida neste particular interfere sobremaneira na formação de meu convencimento sobre a matéria em debate, posto que, do que se depreende dos autos, a sua honra e moral restaram confortadas tão-só com a reparação pecuniária, tornando-se despicienda, na visão do recorrido, qualquer retratação pública da empresa jornalística ora apelante com vistas a se redimir da mácula que persistirá em sua imagem aos olhos da sociedade – por mais publicidade que ele (apelado) se encarregue em dar quanto ao êxito alcançado nesta ação judicial -, principalmente se levarmos em conta que o Sr. Zarattini detém, até hoje, nome dos mais conhecidos na história recente da política brasileira.

Nesse sentido, registre-se que a empresa ré/apelante, presente à audiência de conciliação (fls. 90), inclusive na pessoa do próprio entrevistador e autor da matéria – jornalista Selênio Homem – ofereceu-se para veicular entrevista com o autor para que ele, da mesma maneira que o entrevistado anteriormente, pudesse apresentar sua versão dos fatos, mas tal proposta foi peremptoriamente recusada. Como se vê, nem mesmo divulgar “sua” verdade era importante para o autor, mas apenas auferir ganhos financeiros, que, ao meu ver, neste caso, constituiria enriquecimento sem causa, autêntico abuso no uso das disposições legais que regem a reparação por danos morais.

Igualmente registro que em nada fiquei sensibilizado com a recusa do litisdenunciado, por ser óbvio que ele não iria laborar contra seus próprios interesses, já que, em acatando a litisdenunciação, para eventual hipótese de condenação teria que suportar (ou pelo menos co-assumir) os ônus financeiros advindos; da mesma forma, parece que o autor jamais iria aceitar a litisdenunciação, pois, caso vitorioso em sua tese, seria bem mais fácil cobrar do veículo de comunicação do que de um particular.

A boa prova para o caso seria uma fita gravada da entrevista. Só depois da época própria a empresa ré argüiu possuí-la. Mas, uma espécie de “Conceição”, de cancioneiro popular, já que “ninguém sabe, ninguém viu”, muito menos submetida a uma perícia para provar sua autenticidade.

Outra via razoavelmente confiável seria inquirir entrevistado e entrevistador, mas hoje isso é impossível pelo passamento de um dos personagens.

Portanto, se o ônus da prova, no ordenamento jurídico brasileiro, cabe a quem alega, e se o autor não conseguiu provar a intenção de injuriar por parte da ré, não há nexo de causalidade e não se pode falar em danos morais.

Ante o exposto, sou pelo PROVIMENTO da apelação cível manejada pela empresa jornalística para, da reforma in totum da sentença vergastada, seja julgado improcedente o pedido inaugural dos autos, observando-se, com isso, a necessária inversão dos ônus sucumbenciais.

É como voto.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Revisor Substituto

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