RELATÓRIO/VOTO E ACÓRDÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO SOBRE CONCESSÃO DE LICENÇA DO CORPO DE BOMBEIROS PARA CRECHES E ESCOLAS

06-04-2018 Postado em Decisões e Votos por Luiz Carlos Figueirêdo

Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Município do Recife em face do Ministério Público do Estado de Pernambuco, impugnando decisão interlocutória da lavra da MM. Juíza de Direito da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, Dra. Hélia Viegas Silva, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0012931-91.2017.8.17.0001.

O Magistrado de Piso, através da decisão questionada (ID´s nº 2561036, 2561039 e 2561041), deferiu, em parte, o pedido de antecipação de tutela, por não acatar apenas o prazo solicitado pelo Ministério Público, no sentido de determinar ao Município do Recife que: a) no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, regularize todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal (creches e escolas) de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97 e b) na hipótese de existirem prédios de creches ou escolas que não possam se adequar às medidas de proteção e incêndio previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97, ou no caso de ser necessário o esvaziamento de prédios para realização das obras, sejam disponibilizados, no prazo de até 30 (trinta) dias, outros espaços apropriados e seguros para alocação dos estudantes e funcionários das respectivas creches ou escolas, de modo a não haver interrupção das atividades educacionais, nem da carga horária prevista para o ano letivo durante esse processo de regularização, fixando, para o caso de descumprimento das determinações apontadas, a multa diária de R$ 500,00 (quinhentos) reais, acrescida de juros de mora, por cada unidade educacional (creche ou escola) em que for verificada pendência pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco ou por outro órgão com competência para fiscalização dessa natureza, bem como no caso de interrupção das aulas sem disponibilização de local apropriado e seguro para alocação dos alunos e funcionários das creches e escolas, após prazos fixados para cumprimento da decisão, com reversão da multa ao Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente de Recife, além de bloqueio judicial de valores do erário público municipal, da possibilidade de responsabilização por desobediência por parte do gestor municipal e imposição de multa no mesmo patamar retrofixado ao representante legal do réu, como pessoa física, atual e sucessor, bem assim de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92, art. 10, inciso X), por negligência na conservação do patrimônio público, limitada até o término do mandato de cada um.

Preliminarmente, arguiu a incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a questão versada naqueles autos toca apenas transversalmente o direito ao ensino, porquanto, em sentido estrito e imediato, não se discute a deficiência na prestação do ensino, mas sim a suposta irregularidade de um conjunto de edificações.

Em apertada síntese, a parte agravante argumenta (ID nº 2559787):

1) Que a falta de atestado das unidades educacionais do Município do Recife não implica, a priori, que sejam desprovidas de equipamentos contra incêndios e estejam inadequadas quanto à sinalização e iluminação de emergência, tampouco significa que o Município está revel à situação de irregularidade, porquanto, em agosto de 2014, a edilidade e a Gusmão Planejamento e Obras Ltda. firmaram contrato cujo objeto é a contratação de empresa de engenharia especializada para realizar projetos de adequação da infraestrutura das 309 escolas municipais, em que se inclui não só o sistema de prevenção contra incêndio e pânico, mas também todas as demais questões infraestruturais;

2) Que, de acordo com Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, foram elaborados 82 projetos, sendo que 05 unidades escolares estão com atestado de regularidade, 04 unidades estão aguardando vistoria do Corpo de Bombeiros, 27 projetos estão submetidos à análise para aprovação pelo Corpo de Bombeiros, 15 projetos estão com exigências para correção e posterior reanálise pelo Corpo de Bombeiros, 06 projetos foram elaborados, aguardando assinatura para envio ao Corpo de Bombeiros, 10 projetos estão em processo de elaboração na empresa gerenciadora Gusmão Planejamento e Obras, 15 unidades estão com projetos autorizados para elaboração pela empresa gerenciadora e, do saldo de 227 unidades, 57 delas não precisam de aprovação de projetos, por possuírem área construída menor do que 250m²;

3) Que não está omisso com o dever de adequar as unidades escolares e creches às normas de proteção contra incêndio e pânico, pois as contratações necessárias já foram empreendidas, sendo certo que o processo de regularização segue um curso em que concorrem fatores alheios à vontade da Administração, como, por exemplo, os entraves burocráticos dos processos administrativos para consecução dos atestados, a escassez do pessoal do Corpo de Bombeiros para realizar vistoria e emitir o atestado e o elevado custo dos projetos;

4) Que a fixação do prazo de 120 (cento e vinte) dias ofende os parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade, sobretudo quando se tem em conta que o Ministério Público não logrou êxito em comprovar que as edificações em questão estejam desprovidas de sistema de prevenção contra incêndio e pânico, já que os laudos acostados pelo Parquet dão conta de uma ínfima parcela dos imóveis e percebe-se que muitos deles sequer apresentam informações sobre o sistema de prevenção contra incêndio e pânico, detendo-se em questões estruturais que desbordam do objeto da ação de origem;

5) Que o autor não logrou demonstrar o perigo de dano ínsito às escolas municipais ou o risco ao resultado útil do processo, a fim de ser franqueada a via da tutela de urgência, considerando que a ausência, por si só, de atestado de bombeiros não implica ausência de sistema de prevenção e combate a incêndio na edificação;

6) Que a narrativa da exordial peca por uma generalidade insuportável, que não resiste a um confronto com os fatos em tela e a antecipação de tutela apenas conspurca um processo já em curso e penaliza financeiramente a Administração Municipal;

7) Que a determinação do prazo de 120 (cento e vinte) dias é impossível de ser materialmente executado, sendo certo que a contratação de outra empresa para elaboração dos projetos necessários, sem embargo da ausência de recursos orçamentários para isso, não promoveria nenhum resultado no referido lapso de tempo, pois seria incontornável novo procedimento licitatório;

8) Que não há fundamento no ajuizamento de ACP para obrigar o Município a fazer aquilo que já está fazendo – adotando medidas necessárias à obtenção do atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros – dentro das possibilidades orçamentárias do ente público e com observância dos parâmetros legais de licitação e contratação de bens e serviços;

9) Que a multa fixada por dia de descumprimento, por unidade escolar não regularizada, considerando que são 309 (trezentas e nove) unidades, é absolutamente desproporcional, que poderá, dada a exiguidade do prazo conferido na decisão, alcançar um montante confiscatório do patrimônio do devedor;

10) Que o deferimento da liminar ora vergastada, por se revestir de natureza satisfativa, esgota, no todo, o objeto da ação.

 

Ao final, pugna pelo efeito suspensivo ao presente recurso e, no mérito, pelo provimento, para que, acolhendo-se a preliminar de incompetência absoluta, seja declarada a nulidade da decisão prolatada e, subsidiariamente, comprovado que não estão presentes os requisitos autorizadores da medida de urgência, seja cassada a decisão de primeiro grau em todos os seus termos ou, acaso se entenda de modo diverso, alargado o prazo para cumprimento da obrigação e reduzidas as astreintes aplicadas, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade.

Instada a se manifestar, a parte agravada fê-lo (ID nº 2989498), afirmando, no que pertine à competência para julgamento da lide de origem, que descabe cogitar a tramitação do feito perante o Juízo Fazendário, uma vez que se trata de questão afeta a direitos individuais e coletivos de crianças e adolescentes matriculados nas creches e escolas municipais, em harmonia com a doutrina da proteção integral e com o princípio da prioridade absoluta e nos moldes do inciso IV do art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consoante jurisprudência consolidada do STJ.

Alega, no mérito, que a demanda de origem resultou de inspeções realizadas pela Gerência Ministerial de Engenharia e Arquitetura (GMAE) em diversas investigações em trâmite perante as Promotorias de Justiça da Capital, especializadas na defesa do direito humano à educação, quando foi verificado que as unidades inspecionadas não dispunham de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar.

Argumenta, ademais, que o agravante confessa expressamente a sua situação de irregularidade, bem como que, em 2014, celebrou contrato milionário com uma empresa de engenharia para, dentre outros, promover a adequação dos edifícios que sediam creches e escolas municipais em relação às medidas de proteção contra incêndio e pânico, embora, até o presente momento, não tenha sido ultimada essa regularização.

Argumenta, ainda, que o agravante, ao se insurgir contra o prazo estipulado na decisão antecipatória, trata a obrigação de dispor de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco como se fosse uma imposição que só surgiu a partir da decisão liminar, quando tal documento é requisito de funcionamento de qualquer edificação aberta ao público, desde a edição da Lei Estadual nº 11.186/94.

Acresce que o agravante pretende que o Poder Judiciário lhe conceda um salvo-conduto para manter as suas unidades de ensino sem o atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, quando ele, em verdade, deveria ser o maior guardião dessa regra, tentando, de forma ardilosa, através deste recurso, desacreditar as inspeções realizadas pela Gerência Ministerial de Arquitetura e Engenharia, ressaltando trechos isolados e descontextualizados.

Aduz, outrossim, que a garantia do padrão de qualidade da educação oferecida pelo poder público, nos moldes da disciplina constitucional (artigos 5º, 6º, 205, 206, 208 e 227 da CF/88) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), perpassa pela inviolabilidade da segurança e salubridade dos prédios (unidades) onde esse ensino é prestado.

Sustenta que a jurisprudência é assente quanto à inoponibilidade da alegação de que não se admite o deferimento de liminares em desfavor da Fazenda Pública face o princípio fundamental da proteção integral às crianças e adolescentes, nos termos do art. 227 da CF/88 e 4º, 6º, 7º, 15 e 70, todos da Lei nº 8.069/90.

Defende, por fim, que a imposição de astreintes no valor fixado, sem prejuízo das outras medidas coercitivas indicadas pelo Juízo a quo, são as únicas formas de garantir eficácia aos comandos judiciais preferidos, sobretudo quando se tem em conta que o Município do Recife já houvera deixado transcorrer in albis o prazo fixado na Recomendação que fora expedida pelo Parquet previamente ao ajuizamento da ação, o que só evidencia a sua conduta furtiva.

O Parquet ofertou seu parecer (ID nº 3041487), opinando pelo não provimento do recurso, para manter a decisão de primeiro grau em todos os seus fundamentos, argumentando que resta incontroverso que, das mais de 300 (trezentas) unidades educacionais do Município do Recife, apenas 05 (cinco) tem atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros, 82 (oitenta e duas) estão em processo de regularização junto ao Corpo de Bombeiros e 109 (cento e nove) seguem irregulares e sem projeto de regularização, não obstante já exista contrato em vigor com firma de engenharia, cujo objeto consiste justamente na regularização da situação dessas creches e escolas quanto à prevenção de incêndio e pânico e já tenham sido desembolsados mais de trinta milhões de reais.

É o Relatório. Inclua-se em pauta.

Recife, __________ de _____________ de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

———-

Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 VOTO

 De proêmio, não merece acatamento a preliminar de incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a irregularidade das edificações onde há a prestação do serviço de ensino às crianças e adolescentes atinge, sim, a salvaguarda do padrão de qualidade do ensino, núcleo do direito à educação, integrante do rol de garantias disciplinadas no Estatuto da Criança e Adolescente e, consequentemente, de matérias litigiosas que integram a competência das Varas da Infância e Juventude.

Versa a lide em apreço acerca de liminar impositiva de medidas de ação pertinentes a condições de segurança [regularização de todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal – creches e escolas – de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97], concedida em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com suporte em procedimento preparatório de apuração da infraestrutura daquelas unidades e motivada pela necessidade de conformidade das edificações em questão às normas vigentes, com vistas a prevenir/evitar ocorrência de incêndios e situações de pânico.

Cumpre ressaltar, de proêmio, que o Magistrado de Piso, ao determinar que o Município do Recife promovesse a regularização das unidades educacionais de sua rede, obtendo os respectivos atestados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, fê-lo fundado em dados que evidenciam ausência de adequação, pela quase totalidade das creches e escolas da rede municipal de ensino, aos parâmetros legais de segurança contra incêndios e pânico, fato este, frise-se, não negado pela edilidade, em sede de manifestação preliminar em ACP, bem como nos autos do presente recurso.

Malgrado não negue a citada ausência de conformidade dos prédios em tela ao regramento da Lei Estadual nº 11.186/94 e do Decreto Estadual nº 19.644/97, o agravante traz no seu conjunto probatório dados informativos que demonstram que, diferentemente de outras demandas submetidas ao Judiciário referentes ao cumprimento de obrigações de fazer pelo Poder Público, in casu o Município do Recife vem adotando as ações necessárias à obtenção dos multicitados atestados de regularidade das unidades de sua rede de ensino, com contrato para serviços de elaboração de projetos vigente e dispensa de licitação para aquisição de extintores em curso, não obstante o pouco êxito encontrado até a presente data, eis que um quantitativo inferior a um terço encontra-se com  projetos já elaborados e em vias de aprovação pelo Corpo de Bombeiros.

Exsurge dos autos que o Município do Recife, após licitação, contratou a empresa Gusmão Planejamento e Obras, que vem gerenciando a elaboração de projetos de engenharia e arquitetura tendentes a regularizar a infraestrutura das unidades educacionais da rede de ensino municipal e que, embora o decurso de lapso de tempo razoável, ainda subsistem muitas unidades pendentes de regularização, sendo certo que, segundo Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, Comunicações Internas, Quadro de Controle de Demandas e Ofícios (ID nº 2560268, 2560279, 2560762, 2560776, 2560777, 2560779, 2560783, 2560783, 2560785, 2560788, 2560871 a 2560884, 2560886 a 2560903, 2561004, 2561007, 2561018, 2561018, 2561027, 2561034, 2561088), muitas dessas pendências não dependem exclusivamente de ações da municipalidade, mas dos próprios trâmites legais dos processos para obtenção dos atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros, bem como do desequilíbrio entre o volume da demanda, haja vista se tratar de 309 (trezentas e nove) edificações, e o quantitativo de pessoal humano necessário à elaboração dos projetos, execução das vistorias e confecção dos atestados.

Obviamente que não se questiona a relevância do direito em questão, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que não apenas garantem transporte escolar aos estudantes que não possuam condições de se deslocar às instituições de ensino nas quais estejam matriculadas, como asseguram que a prestação desse serviço se dê de forma integral, contínua, gratuita e segura, direito esse que, acaso comprometido, reflete prejudicialmente no fim último, que é o amplo acesso à educação. Senão vejamos:

  • CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

 

“(…) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(…)

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(…)VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.(…).”

 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

 “(…) Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – direito de ser respeitado por seus educadores;

III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;

V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

(…)Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

(…)IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;

(…)VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;.”.

 

  • LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL:

 “(…) Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(…)IX – garantia do padrão de qualidade;(…).”

É certo que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada. Destaque-se, outrossim, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em atuação na área da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes nesta Comarca do Recife, merecem deferência desse Juízo ad quem.

Todavia, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pelo Magistrado e o provimento final, no que respeita à obrigação, em prazo reduzido, de obtenção de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros de todas as unidades educacionais do Município do Recife, possuem equivalência, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção não apenas de despesas de grande vulto, como de providências práticas complexas, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento, pelo que tenho que, malgrado, no caso concreto, a solução jurídica adotada tenha sido adequada a fazer prevalecer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças e adolescentes, merece, contudo, ajustes no que pertine ao prazo fixado para seu cumprimento.

De fato, haja vista a necessidade do Poder Executivo escalonar suas prioridades, somada às exigências de planejamento orçamentário, a manutenção dos estritos termos da decisão do Juízo de Piso está vinculada à impositiva comprovação da continuada omissão do Município do Recife pela ausente/deficitária segurança das unidades educacionais da sua rede de ensino, o que, contudo, não restou absolutamente comprovado, ao menos nessa fase processual, sobretudo quando se tem em conta as medidas até então já adotadas, que demonstram o esforço da edilidade em estabelecer um cronograma de ações no intuito de obter os atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros das instalações prediais da totalidade de suas creches e escolas.

 Embora seja possível o afastamento da invocação da cláusula da reserva do possível quando estamos diante de normas constitucionais de caráter cogente que regulam o dever de proteção integral à infância e à juventude, a atuação material do Judiciário é admitida desde que haja prova patente de omissão imputável ao Poder Executivo, sendo certo que, na hipótese dos presentes autos, considerando o patente esforço da Municipalidade em dar cumprimento às normas de proteção contra incêndio e pânico, somada à constatação de que o êxito na obtenção dos almejados atestados não depende exclusivamente de ações de sua responsabilidade, exsurge razoável a dilatação do prazo originariamente concedido pelo Juízo de Piso, para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

 

Quanto ao valor das astreintes, tem-se que o intuito da multa é fazer com que o devedor cumpra a prestação pela qual foi obrigado. Se o fizer, nada será devido.

 

Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO PARCIAL do presente recurso, a fim de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

É como voto.

Recife, ______ de _________________ de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

————————————————————————

Terceira Câmara de Direito Público
Agravo de Instrumento nº: 0007439-87.2017.8.17.9000
Agravante(s): Prefeitura Municipal do Recife
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Relator: Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo

 
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CRIANÇA E ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIDADES ESCOLARES. MEDIDAS DE PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO. ATESTADOS DE REGULARIDADE EMITIDOS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE PERNAMBUCO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ECA. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. PROTEÇÃO INTEGRAL. ADEQUAÇÃO DA SOLUÇÃO JURÍDICA ADOTADA. PODER PÚBLICO MUNICIPAL DILIGENTE NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. COMPLEXIDADE DO PROCESSO PARA CONSECUSSÃO DOS ATESTADOS. NECESSIDADE TÃO SOMENTE DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO ORIGINARIAMENTE DETERMINADO. AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.

1) Não merece acatamento a preliminar de incompetência da Vara da Infância e Juventude para julgar a lide de origem, porquanto a irregularidade das edificações onde há a prestação do serviço de ensino às crianças e adolescentes atinge, sim, a salvaguarda do padrão de qualidade do ensino, núcleo do direito à educação, integrante do rol de garantias disciplinadas no Estatuto da Criança e Adolescente e, consequentemente, de matérias litigiosas que integram a competência das Varas da Infância e Juventude.

2) Versa a lide em apreço acerca de liminar impositiva de medidas de ação pertinentes a condições de segurança (regularização de todos os prédios das 309 (trezentas e nove) unidades de ensino municipal – creches e escolas – de acordo com as medidas de proteção contra incêndio e pânico, previstas na Lei Estadual nº 11.186/94 e no Decreto Estadual nº 19.644/97), concedida em sede de Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com suporte em procedimento preparatório de apuração da infraestrutura daquelas unidades e motivada pela necessidade de conformidade das edificações em questão às normas vigentes, com vistas a prevenir/evitar ocorrência de incêndios e situações de pânico. O Magistrado de Piso, ao determinar que o Município do Recife promovesse a regularização das unidades educacionais de sua rede, obtendo os respectivos atestados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, fê-lo fundado em dados que evidenciam ausência de adequação, pela quase totalidade das creches e escolas da rede municipal de ensino, aos parâmetros legais de segurança contra incêndios e pânico, fato este, frise-se, não negado pela edilidade, em sede de manifestação preliminar em ACP, bem como nos autos do presente recurso.

3) Malgrado não negue a citada ausência de conformidade dos prédios em tela ao regramento da Lei Estadual nº 11.186/94 e do Decreto Estadual nº 19.644/97, o agravante traz no seu conjunto probatório dados informativos que demonstram que, diferentemente de outras demandas submetidas ao Judiciário referentes ao cumprimento de obrigações de fazer pelo Poder Público, in casu o Município do Recife vem adotando as ações necessárias à obtenção dos multicitados atestados de regularidade das unidades de sua rede de ensino, com contrato para serviços de elaboração de projetos vigente e dispensa de licitação para aquisição de extintores em curso, não obstante o pouco êxito encontrado até a presente data, eis que um quantitativo inferior a um terço encontra-se com projetos já elaborados e em vias de aprovação pelo Corpo de Bombeiros.

4) O Município do Recife, após licitação, contratou a empresa Gusmão Planejamento e Obras, que vem gerenciando a elaboração de projetos de engenharia e arquitetura tendentes a regularizar a infraestrutura das unidades educacionais da rede de ensino municipal e que, embora o decurso de lapso de tempo razoável, ainda subsistem muitas unidades pendentes de regularização, sendo certo que, segundo Nota Técnica da Gerência Geral de Infraestrutura, Comunicações Internas, Quadro de Controle de Demandas e Ofícios (ID nº 2560268, 2560279, 2560762, 2560776, 2560777, 2560779, 2560783, 2560783, 2560785, 2560788, 2560871 a 2560884, 2560886 a 2560903, 2561004, 2561007, 2561018, 2561018, 2561027, 2561034, 2561088), muitas dessas pendências não dependem exclusivamente de ações da municipalidade, mas dos próprios trâmites legais dos processos para obtenção dos atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros, bem como do desequilíbrio entre o volume da demanda, haja vista se tratar de 309 (trezentas e nove) edificações, e o quantitativo de pessoal humano necessário à elaboração dos projetos, execução das vistorias e confecção dos atestados.

5) Obviamente que não se questiona a relevância do direito em questão, dada a patente prioridade absoluta que permeia os direitos que envolvem as crianças e adolescentes, concretizada mediante as normas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que não apenas garantem transporte escolar aos estudantes que não possuam condições de se deslocar às instituições de ensino nas quais estejam matriculadas, como asseguram que a prestação desse serviço se dê de forma integral, contínua, gratuita e segura, direito esse que, acaso comprometido, reflete prejudicialmente no fim último, que é o amplo acesso à educação.

6) É certo que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar as ações cabíveis e em seu bojo requerer provimentos liminares que imponham o cumprimento da obrigação de fazer almejada. Destaque-se, outrossim, o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público em atuação na área da Infância e Juventude, que por sua dedicada atuação em defesa dos interesses das crianças e adolescentes nesta Comarca do Recife, merecem deferência desse Juízo ad quem. Todavia, é de se reconhecer que o provimento liminar requerido pelo Parquet e deferido pelo Magistrado e o provimento final, no que respeita à obrigação, em prazo reduzido, de obtenção de atestado de regularidade do Corpo de Bombeiros de todas as unidades educacionais do Município do Recife, possuem equivalência, sendo certo, outrossim, que seu cumprimento implica a assunção não apenas de despesas de grande vulto, como de providências práticas complexas, sob a cominação de multa em caso de atraso ou descumprimento, pelo que tenho que, malgrado, no caso concreto, a solução jurídica adotada tenha sido adequada a fazer prevalecer o princípio da prioridade absoluta em prol dos interesses das crianças e adolescentes, merece, contudo, ajustes no que pertine ao prazo fixado para seu cumprimento.

7) De fato, haja vista a necessidade do Poder Executivo escalonar suas prioridades, somada às exigências de planejamento orçamentário, a manutenção dos estritos termos da decisão do Juízo de Piso está vinculada à impositiva comprovação da continuada omissão do Município do Recife pela ausente/deficitária segurança das unidades educacionais da sua rede de ensino, o que, contudo, não restou absolutamente comprovado, ao menos nessa fase processual, sobretudo quando se tem em conta as medidas até então já adotadas, que demonstram o esforço da edilidade em estabelecer um cronograma de ações no intuito de obter os atestados de regularidade do Corpo de Bombeiros das instalações prediais da totalidade de suas creches e escolas. Embora seja possível o afastamento da invocação da cláusula da reserva do possível quando estamos diante de normas constitucionais de caráter cogente que regulam o dever de proteção integral à infância e à juventude, a atuação material do Judiciário é admitida desde que haja prova patente de omissão imputável ao Poder Executivo, sendo certo que, na hipótese dos presentes autos, considerando o patente esforço da Municipalidade em dar cumprimento às normas de proteção contra incêndio e pânico, somada à constatação de que o êxito na obtenção dos almejados atestados não depende exclusivamente de ações de sua responsabilidade, exsurge razoável a dilatação do prazo originariamente concedido pelo Juízo de Piso, para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

8) Quanto ao valor das astreintes, tem-se que o intuito da multa é fazer com que o devedor cumpra a prestação pela qual foi obrigado. Se o fizer, nada será devido.

9) Por unanimidade, deu-se provimento parcial ao presente agravo de instrumento, para fins de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral.

 

ACÓRDÃO                                                                                                                                                                    ————————————————————————————————————-

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0007439-87.2017.8.17.9000, em que figuram, como Agravante, o Estado de Pernambuco e, como agravado, o Ministério Público do Estado de Pernambuco, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao presente agravo, a fim de reformar a decisão recorrida para determinar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias estipulado pela decisão ora vergastada para cumprimento das determinações ali impostas comece a ser contado a partir desta sessão de julgamento, conforme pugnado pela Prefeitura da Cidade do Recife em sustentação oral, tudo de conformidade com os votos em anexo, os quais, devidamente revistos e rubricados, passam a integrar este julgado.

Recife, 05 de ­­­­­­­­­­­­­­dezembro de 2017.

Des. Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Relator

 

Nenhum comentário